O
ser humano se estabelece na imitação: um homem se torna um
homem apenas imitando outros homens.
A
tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência
da Humanidade.
O
horror está além do alcance da Psicologia.
O
Horror da Indiferença
Existe
um critério quase infalível para determinar se um homem é
realmente teu amigo: o modo como refere opiniões hostis ou descorteses
a teu respeito.
O
amor é a capacidade de perceber o semelhante no dessemelhante.
A
pressa, o nervosismo e a instabilidade observados desde o surgimento das
grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidêmica
quanto outrora foram a peste e a cólera. Neste processo, se manifestam
forças das quais os passantes apressados do século XIX não
eram capazes de fazer a menor idéia. Todas as pessoas têm necessariamente
algum projeto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planejado,
utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda
espécie de espetáculo ou, ainda, apenas, com locomoções
tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isto
cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má
consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação
urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante
si mesmo, ele se dá ares de uma agitação febril, de
um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à
urgência do tempo e para a qual toda a reflexão – isto
é, ele mesmo – é um estorvo. Com freqüência,
tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria
produção precisamente apenas aquelas horas que sobram das
suas obrigações, saídas, compromissos e divertimentos
inevitáveis.
Serás
amado apenas quando puderes mostrar a tua fraqueza, sem provocar nenhuma
força.
A
arte é a magia libertada da mentira de ser verdadeira.
Um
alemão é alguém que não pode dizer uma mentira
sem que ele mesmo acredite.
A
tarefa atual da arte é introduzir o caos na ordem.
Conselho
ao intelectual: não deixes que te representem. A fungibilidade [que
se gasta, que se consome após o uso]
das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos
têm de poder fazer tudo, se revelam no seio do estado vigente como
grilhões. O ideal igualitário da representatividade é
uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade
e da responsabilidade do 'rank and file' [das
massas, do grande público]. O mais poderoso é justamente
o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e
sua vantagem arrecada. Parece coletivismo, e se fica apenas pela demasiado
boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças
à disposição do trabalho alheio. Na produção
material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação
dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre
o encargo do diretor-geral e o do empregado de uma estação
de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas
atuais condições, para a administração de um
truste se requer mais inteligência, experiência e preparação
do que para ler um manômetro. Mas, enquanto na produção
material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da
que lhe é contrária cai na submissão. Tal é
a cada vez mais ruinosa doutrina da 'universitas litterarum', da igualdade
de todos na república das ciências, que não só
faz de cada um controlador do outro, mas, além disto, deve capacitá-lo
para fazer igualmente bem o que o outro faz. A substituibilidade submete
as idéias ao mesmo processo que a troca das coisas. É excluído
o incomensurável. Mas, como o pensamento tem, antes de mais, de criticar
a onímoda comensurabilidade, derivada da relação de
troca, volta-se então, enquanto relação produtiva espiritual,
contra a força produtiva. No plano material, a substituibilidade
é o já possível, e a insubstituibilidade é o
pretexto que a impede; na teoria, à qual cabe compreender esse 'quid
pro quo', a substituibilidade ajuda o aparelho a se prolongar ainda até
onde reside a sua oposição objetiva. Só a insubstituibilidade
poderia contrabalançar a inserção do espírito
na área do emprego. A exigência, admitida como evidente, de
que toda a realização espiritual se deve deixar dominar por
qualquer membro qualificado da organização faz do mais obtuso
técnico científico a medida do espírito: onde iria
ele buscar a capacidade para a crítica da sua própria tecnificação?
A Economia suscita, assim, a nivelação do que, em seguida,
se indigna com o gesto do 'agarra, que é ladrão!' A demanda
da individualidade tem de se projetar de forma nova na época da sua
liquidação. Quando o indivíduo, como todos os processos
individualistas de produção, surge historicamente antiquado
e na retaguarda da técnica, chega-lhe de novo, enquanto sentenciado,
o momento de dizer a verdade perante o vencedor. Pois, só ele conserva,
de um modo geralmente distorcido, o vestígio de aquilo que concede
o seu direito a toda a tecnificação, e de que esta elimina,
ao mesmo tempo, a consciência.
Aquele
que amadurece cedo vive antecipadamente.
De
homens muito maus não se pode nem mesmo imaginar que morram.
A
decadência da oferta se espelha na penosa invenção dos
artigos para presente, que já pressupõem o fato de não
se saber o que presentear porque, na verdade, não se tem nenhuma
vontade de fazê-lo.
Liberdade
não é poder escolher entre preto e branco, mas, sim, abominar
estes tipos de propostas de escolha.
A
inteligência é uma categoria moral.
As
relações privadas entre os homens se formam, parece, segundo
o modelo do 'bottleneck' industrial
[gargalo de garrafa industrial].
Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais
subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala
de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tato.
O diálogo se limita, por motivos de humanidade, ao mais chão,
ao mais monótono e banal, quando na presença de um só
'inumano'. Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz
de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse
e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, em um
vão esforço para estabelecer contato, adote um tom argumentativo
ou panfletário para se transformar na parte mais débil. Visto
que o 'bottleneck' não conhece nenhuma instância que vá
além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente
para semelhante instância, a inteligência se torna ingenuidade,
e isto até os imbecis entendem. A conjura pelo positivo atua como
uma força gravitória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se
superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não
entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste
em uma atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados.
Estes já não precisam sentir nenhuma intranqüilidade
na consciência. A debilidade espiritual, confirmada como princípio
universal, surge como força de vida. O expediente formalístico-administrativo,
a separação em compartimentos de tudo quanto pelo seu sentido
é inseparável, a insistência fanática da opinião
pessoal na ausência de qualquer fundamento, a prática, em suma,
de reificar [encarar (algo
abstrato) como uma coisa material ou concreta] todo o traço
da frustrada formação do eu, de se subtrair ao processo da
experiência e de afirmar o 'sou assim' como algo definitivo, é
suficiente para conquistar posições inexpugnáveis.
Podemos estar seguros do acordo dos outros, igualmente deformados, como
da vantagem própria. Na cínica reivindicação
do defeito pessoal pulsa a suspeita de que o espírito objetivo, no
estágio atual, liquida o subjetivo. Estão 'down to earth'
[realistas] como
os antepassados zoológicos, antes de se alçarem sobre as patas
traseiras.
A
vida se tornou a ideologia da sua própria ausência.
Normalidade
significa Morte.
Não
existe nenhum amor que não seja um eco.1
Com
a felicidade acontece o mesmo que com a verdade: não a possuímos,
mas estamos nela. Sim, a felicidade não é mais do que o estar
envolvido, reflexo da segurança do seio materno. Por isto, nenhum
ser feliz pode saber que o é.2
Para ver a felicidade, teria de dela sair: seria, então, como um
recém-nascido. Quem diz que é feliz mente, na medida em que
jura, e peca, assim, contra a felicidade. Só lhe é fiel quem
diz: fui feliz. A única relação da consciência
com a felicidade é o agradecimento: tal constitui a sua incomparável
dignidade.
A
avalanche de informações minuciosas e de diversões
variadas corrompe e entontece simultaneamente.
Aquele
que se mantém distanciado das realidades que o cercam corre o risco
de se acreditar melhor do que outros, e, geralmente, critica a sociedade
por interesses particulares.
Aquele
que morre em desespero viveu toda a sua vida em vão.
O
pensamento dialético é uma tentativa de romper a lógica
de coerção pelos seus próprios meios.
O
escritor se organiza no seu texto como em sua casa. Comporta-se nos seus
pensamentos como faz com os seus papéis, livros, lápis e tapetes,
que leva de um quarto para o outro, produzindo uma certa desordem. Para
ele, tornam-se peças de mobiliário em que se acomoda, com
gosto ou desprazer. Acaricia-os com delicadeza, serve-se deles, revira-os,
muda-os de sítio, desfá-los. Quem já não tem
nenhuma pátria, encontra no escrever a sua habitação.
E aí produz, como outrora a família, desperdícios e
lixo. Mas,
já não dispõe de desvão e é-lhe muitíssimo
difícil se livrar da escória. Por isto, ao tirá-la
da sua frente, corre o risco de acabar por encher com ela as suas páginas.
A exigência de resistir à autocompaixão inclui a exigência
técnica de defrontar com extrema atenção o relaxamento
da tensão intelectual e de eliminar tudo quanto tenda a se fixar
como uma crosta no trabalho, tudo o que decorre no vazio, o que, talvez,
suscitasse, em um estádio anterior, como palavreado, a calorosa atmosfera
em que emerge, mas, agora, permanece bafiento e insípido. Por fim,
já nem sequer é permitido ao escritor habitar nos seus escritos.
A
arte só consegue se opor ao se identificar com aquilo contra o qual
ela se insurge.
Não
há dúvida de que a História da Música é
uma progressiva racionalização. Não obstante, a racionalização
é apenas um de seus aspectos sociais, assim como a racionalidade
ela própria. Aufklärung [Esclarecimento,
Iluminismo] é apenas um momento da História da
sociedade, que permanece irracional, presa ainda a formas 'naturais'. No
interior da evolução total de que participou através
da progressiva racionalidade, a música foi também, e sempre,
a voz do que ficara para trás no caminho desta racionalidade ou do
que fora vítima.
Aquilo
que é qualitativamente contrário ao conceito é difícil
de se conceitualizar; a forma na qual algo pode ser pensado não é
indiferente em relação ao objeto do pensamento.
É
específico à música que seu caráter enigmático
seja enfatizado pela sua distância em relação à
determinação visual ou conceitual do mundo dos objetos.
A
semiformação é o espírito conquistado pelo caráter
de fetiche da mercadoria.
O
entendido e o experimentado medianamente (semi-entendido e semi-experimentado)
não representam um processo de formação incompleto,
mas, sim, um inimigo letal deste processo, visto que, os elementos inassimilados
fortalecem a reificação da consciência que deveria justamente
ser extirpada pela formação.
A consciência coisificada,
que se entende mal a si mesma como se fosse Natureza, é ingênua:
toma a si mesma – algo que veio a ser e que é completamente
mediado em si – como se fosse, conforme expressão de Husserl,
a esfera do ser das origens absolutas, e àquilo que ela arma diante
dela como sendo a coisa tão ansiada.
O
princípio da Estética Idealista, a finalidade sem-fim, é
a inversão do esquema a que obedece socialmente a arte burguesa:
a falta de finalidade para os fins determinados pelo mercado.
A
arte incorpora algo como liberdade no seio da não-liberdade. O fato
de, por sua própria existência, desviar-se do caminho da dominação,
a coloca como parceira de uma promessa de felicidade, que ela, de certa
maneira, expressa em meio ao desespero.
Com a difusão da Economia
mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol
da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira
da nova barbárie.
Como
pode um mundo tão desenvolvido cientificamente apresentar tanta miséria?
Este é o problema central: o confronto com as formas sociais que
se sobrepõem às soluções racionais. Assim como
o desenvolvimento científico não conduz necessariamente à
emancipação, por se encontrar vinculado à uma determinada
formação social, também acontece com o desenvolvimento
no plano educacional. Como pôde um país tão culto e
educado como a Alemanha de Goethe desembocar na barbárie nazista
de Hitler?
A
liberdade, a autonomia e a maioridade é o processo – que Freud
denominou de desenvolvimento normal – pelo qual a criança,
em geral, se identifica com a figura do pai, portanto, como uma autoridade,
interiorizando-a, apropriando-a, para, então, ficar sabendo, por
um processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figura paterna,
não corresponde ao ideal que dele apreendeu, libertando-se, assim,
do mesmo, e se tornando, precisamente, por esta via, em um ser emancipado.
A
educação seria impotente e ideológica se ignorasse
o objetivo de adaptação e não preparasse os homens
para se orientarem no mundo.
Qualquer
debate acerca das metas educacionais carece de significado e importância
frente a esta meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie
contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça
de uma regressão à barbárie. Mas, não se trata
de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie
continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental
as condições que geram esta regressão.
O
problema que se impõe é saber se por meio da educação
podemos transformar algo de decisivo em relação à barbárie.
Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na
civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico,
as pessoas se encontrem atrasadas de um modo disforme em relação
a sua própria civilização, e não apenas por
não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação
nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas
também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva,
um ódio primitivo, ou, na terminologia culta, um impulso de destruição,
que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização
venha a explodir – aliás, uma tendência imanente que
a caracteriza.
Assaz
difícil é decidir o que seja objetivamente a verdade,3
mas, no trato com os homens, não há que se deixar aterrorizar
por isto. Existem critérios que para o primeiro são suficientes.
Um dos mais seguros consiste em objetar a alguém que uma asserção
sua é 'demasiado subjetiva'. Se se utilizar aquela indignação
em que ressoa a furiosa harmonia de todas as pessoas sensatas, então,
há motivo para se ficar alguns instantes em paz consigo. Os conceitos
de subjetivo e objetivo se inverteram por completo. Diz-se objetiva a parte
incontroversa do fenômeno, a sua efígie inquestionavelmente
aceite, a fachada composta de dados classificados, portanto, o subjetivo;
e denomina-se subjetivo o que tal desmorona, acede à experiência
específica da coisa, se livra das opiniões convencionais a
seu respeito e instaura a relação com o objeto em substituição
da decisão majoritária daqueles que nem sequer chegam a intuí-lo,
e menos ainda a pensá-lo – logo, o objetivo. A futilidade da
objeção formal da relatividade subjetiva patenteia-se no seu
próprio terreno, o dos juízos estéticos. Quem, alguma
vez, pela força da sua precisa reação em face da seriedade
da disciplina de uma obra artística, se submete à sua lei
formal imanente, à coerção da sua configuração,
vê se desvanecer a prevenção do meramente subjetivo
da sua experiência como uma mísera ilusão, e
cada passo que dá, graças à sua inervação
extremamente subjetiva, para se adentrar na obra, tem uma força objetiva
incomparavelmente muito maior do que as grandes e consagradas conceptualizações
acerca de, por exemplo, do 'estilo', cuja pretensão científica
se impõe à custa de tal experiência. Isto é duplamente
verdadeiro na era do Positivismo e da indústria cultural, cuja objetividade
é calculada pelos sujeitos que a organizam. Perante esta, a razão
refugiou-se toda, e sem janelas, nas idiossincrasias, acusadas de arbitrariedade
pela arbitrariedade dos poderosos, porque eles querem a impotência
dos sujeitos, em virtude da angústia frente à objetividade
que só em tais sujeitos se encontra preservada. (Grifo
meu).
A
reflexão
pode servir tanto à dominação cega como ao seu oposto.
As reflexões precisam, portanto, ser transparentes em sua finalidade
humana.
No
fundo, a
competição é um princípio
contrário
a uma educação humana.
Já
nada há de inofensivo. As pequenas alegrias e as manifestações
da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não
só têm um momento de obstinada estupidez, de autocegueira insensível,
mas, entram, também, imediatamente a serviço da sua extrema
oposição. Até a árvore que floresce mente no
instante em que se percepciona o seu florescer sem a sombra do espanto;
até o 'como é belo!' inocente se converte em desculpa da afronta
da vida, que é diferente, e já não há beleza
nem consolação alguma, exceto no olhar que, ao se virar para
o horror, o defronta e, na consciência não atenuada da negatividade,
afirma a possibilidade do melhor. É aconselhável a desconfiança
perante todo o lhano, o espontâneo, em face de todo o deixa-andar
que encerre docilidade frente à prepotência do existente. O
malevolente subsentido do conforto, que outrora se limitava ao brinde da
jovialidade, já há muito adquiriu sentimentos mais amistosos.
O diálogo ocasional com o homem no metrô, que, para não
desembocar em disputa, consente apenas em umas quantas frases, a cujo respeito
se sabe que não terminarão em homicídio, é já
um elemento delator; nenhum pensamento é imune
à sua comunicação, e basta já expressá-lo
em um falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade. De cada ida
ao cinema volto, em plena consciência, mais estúpido
e depravado. A própria sociabilidade é participação
na injustiça, porquanto dá a um mundo frio a aparência
de um mundo em que ainda se pode dialogar, e a palavra solta, cortês,
contribui para perpetuar o silêncio, pois, pelas concessões
feitas ao endereçado, este é ainda humilhado na mente do falante.
O funesto princípio que reside na condescendência desdobra-se
no espírito igualitário em toda a sua bestialidade. A condescendência
e o não se ter em grande monta são a mesma coisa. Pela adaptação
à debilidade dos oprimidos, confirma-se, em tal fraqueza, o pressuposto
da dominação, e revela-se a medida da descortesia, da insensibilidade
e da violência de que se necessita para o exercício da dominação.
Se, na mais recente fase, decai o gesto da condescendência e se torna
visível apenas a igualação, então, tanto mais
irreconciliavelmente se impõe em tão perfeito obscurecimento
do poder a negada relação de classe. Para o intelectual, a
solidão inviolável é a única forma em que ainda
se pode verificar a solidariedade. Toda a participação, toda
a humanidade do trato e da partilha são simples máscara da
tácita aceitação do inumano. Há que se tornar
consonante com o sofrimento dos homens: o menor passo para o seu contentamento
é ainda um passo para o endurecimento do sofrimento.
A
intimidade entre as pessoas é indulgência e tolerância
– reduto das singularidades pessoais.
O
anti-semitismo burguês tem um específico fundamento econômico:
o disfarce do domínio como de produção.
O
anti-semitismo é o boato sobre os judeus.
Nos
homens, a alienação se reflete essencialmente no fato de que
as distâncias desaparecem.
O
Fascismo é totalitário, inclusive no fato de que tenta estimular
a rebelião dos oprimidos contra o domínio, mas diretamente
a serviço deste último.
O
poder magnético que sobre os homens exercem as ideologias, embora
já se lhes tenham tornado decrépitas, explica-se, para lá
da Psicologia, pelo derrube objetivamente determinado da evidência
lógica como tal. Chegou-se ao ponto em que a mentira soa como verdade,
e a verdade como mentira. Cada expressão, cada notícia e cada
pensamento estão pré-formados pelos centros da indústria
cultural. O que não traz o vestígio familiar de tal pré-formação
é, de antemão, indigno de crédito, e tanto mais quanto
as instituições da opinião pública acompanham
o que delas sai com mil dados factuais e com todas as provas de que a manipulação
total pode dispor. A verdade que intenta se opor não tem apenas o
caráter de inverossimilhança, mas é, além disto,
demasiado pobre para entrar em concorrência com o altamente concentrado
aparelho da difusão.
Com
a ajuda do cinema, das 'soap operas' [telenovelas]
e do estar ligado, a Psicologia profunda penetrou nos últimos rincões
e a cultura organizada cortou aos homens o acesso à derradeira possibilidade
da experiência de si mesmo. E o esclarecimento já pronto transformou
não só a reflexão espontânea, mas o discernimento
analítico, cuja força é igual à energia e ao
sofrimento com que eles são obtidos, em produtos de massas, e os
dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo
se inclina já a reduzir, a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações
se tornou racionalização. Em vez de realizar o trabalho de
autognose, os endoutrinados adquiriram a capacidade de subsumir todos os
conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência
materna, extroversão e introversão, que, no fundo, são
pouco menos do que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do
eu foi eliminado mediante a consciência de que não se trata
mais do que uma artrite ou de uma alergia. Os conflitos perderam, assim,
o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados,
mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu
ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como
um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação
do indivíduo com a instância social; tal mecanismo, já
há muito, definiu as condutas pretensamente normais. Em vez da catarse,
cujo êxito é, de qualquer modo, duvidoso,4
surgiu a conquista do prazer de até na própria debilidade
ser um exemplar da maioria, e conseguir, assim, não tanto como outrora,
os internados nos sanatórios, o prestígio do interessante
estado patológico, quanto, justamente em virtude daquelas deficiências,
de se mostrar como nela integrado e transferir para si o poder e a grandeza
do coletivo. O narcisismo [característica
de uma personalidade que sente paixão por si mesma], que
com a decadência do eu ficou privado do seu objeto libidinal, foi
substituído pelo prazer masoquista de não mais ser um eu,
e a geração ascendente vela pela sua ausência de eu
com mais zelo do que por algum dos seus bens, como se fosse uma posse comum
e duradoura.
A
esperança está, primordialmentete, naqueles que não
encontram consolo.
Porque,
até agora, o pensamento tem sido desvirtuado na resolução
dos problemas a ele atribuídos, até mesmo o que não
lhe é atribuído é processado como se fosse um problema.
Tudo
o que sempre foi denominado de arte popular sempre refletiu dominação.
A
felicidade está obsoleta: não é rentável.
A
visão da vida se tornou uma ideologia que criou a ilusão de
que não há Vida.
Em
toda parte, os mais atingidos são aqueles que não têm
escolha.
A
tarefa quase insolúvel é não deixar que o poder dos
outros e a nossa própria impotência nos estupidifique.
Um
lápis e uma borracha são mais úteis ao pensamento do
que um batalhão de assessores.
A
imoralidade da mentira não consiste na violação da
sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito de a invocar uma sociedade
que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a
seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal
verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente
se transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira
é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém
ao açoite do antigo látego, mas que, ao mesmo tempo, diz algo
acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente
se envergonha, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização
do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta:
'Age sempre com lealdade e retidão'. Tal vergonha rouba a força
às mentiras dos mais sutilmente organizados. Elas confundem; por
isto, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este
por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade.
Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há
muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real.
Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se
só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa,
que dele não se necessita, que lhe é indiferente o que ele
pensa acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal
de comunicação, transformou-se hoje em uma das técnicas
da insolência, graças à qual cada indivíduo estende
à sua volta a frieza, e sob cuja proteção pode prosperar.
Tato
[sutileza
e sensibilidade]
é a discriminação de diferenças. Ele consiste
em desvios conscientes.
Aquele
que tem o sorriso [a alegria]
do seu lado não tem nenhuma necessidade de prova.
Se
tempo é dinheiro, parece moral poupar tempo...
Uma
sociedade emancipada não é um Estado unitário, mas
aquela que realiza a universalidade pela reconciliação das
diferenças.
Toda
sátira [maledicência]
é cega.
Os
indivíduos são completamente anulados frente aos poderes econômicos.
O
significado dos emblemas fascistas, da disciplina ritual, dos uniformes
e de todo o aparato supostamente irracional é possibilitar o comportamento
mimético.
A
definição de Novalis segundo a qual toda filosofia é
nostalgia só é correta se a nostalgia não se resolve
no fantasma de um antiqüíssimo estado perdido, mas representa
a pátria, a própria Natureza, como algo de extraído
ao mito. A pátria é o estado de quem escapou.
A razão contém, enquanto
ego transcendental supra-individual, a idéia de uma convivência
baseada na liberdade, na qual os homens se organizem como um sujeito universal
e superem o conflito entre a razão pura e a empírica na solidariedade
consciente do todo. A idéia desse convívio representa a verdadeira
universalidade – a Utopia.
A
verdadeira natureza do Esquematismo5
acaba por se revelar na ciência atual como o interesse da sociedade
industrial. O ser é intuído sob o aspecto da manipulação
e da administração. Tudo, inclusive o indivíduo humano,
para não falar do animal, se converte em um processo reiterável
e substituível, mero exemplo para os modelos conceituais do sistema.
A
ciência – ela própria – não tem consciência
de si; ela é um instrumento, enquanto o esclarecimento é a
filosofia que identifica a verdade com o sistema científico.
Toda
burrice6
parcial de uma pessoa designa um lugar em que o jogo dos músculos
foi, em vez de favorecido, inibido no momento do despertar.
Uma
vida inconseqüente, ilógica e contraditória não
pode ser vivida corretamente.
Cada
obra de arte é um crime não confirmado.7
Quem
se adapta [se submete]
está perdido.
Para
um homem que não tem uma pátria, escrever se torna um lugar
para viver.
Na
concepção abstrata do erro universal, toda a responsabilidade
concreta desaparece.
Seitas
insanas crescem no mesmo ritmo das grandes organizações. É
o ritmo da destruição total.
Na
Psicanálise8
nada é verdadeiro, exceto os exageros.
A modernidade é qualitativa,
não uma categoria cronológica.
Não
há emancipação [pessoal]
sem emancipação da sociedade.
Nenhum
mal vem ao homem de fora.9
A
linguagem proletária é ditada pela fome. Os pobres mastigam
as palavras para preencher suas barrigas.
Primeiro
e único da ética sexual: o acusador está sempre errado.10
Os
deuses olham com prazer para os pecadores arrependidos.
A
piada do nosso tempo é o suicídio de intenção.
O
específico não é exclusivo: falta-lhe a aspiração
à totalidade.
A
lasca em seu olho é a melhor lente de aumento.
Pensar
não significa mais do que verificar a cada momento se é possível
realmente pensar.
Dizer
'nós' significando 'eu' é um dos insultos mais recônditos.
O
talento, talvez, nada mais seja do que a fúria sublimada de um modo
feliz.
'
Como eu poderia amar o bem, se não odiasse o mal?'
(Johan August Strindberg,
apud Adorno).
Mas
a Terra, totalmente esclarecida, resplandece sob o signo de uma calamidade
triunfal.
Pode
Ir Parando Já
Pode
parar com a insistência;
eu só
ouço minha consciência.
Não
desperdice seu ramerrame;
refinei
o tempo broco do arame.
Ninguém
faz a minha cabeça;
para
isto, eu me esforcei à beça.
Sou o
meu Rei e o meu Senhor;
eu sou
um instrumento do Amor.
Mas,
se você abrir seu postigo,
se lhe
convier, poderá vir comigo.
Onde
estou indo, cabe mais um.
Afinal,
somos ou não todos um?
O
Arame da Existência