TERÇA-FEIRA GORDA

Rodolfo Domenico Pizzinga

— Eu sempre detestei carnaval,
mas, na Terça-feira Gorda de 2021,
o prédio em que eu morava pegou fogo,
e eu fui o único babaca que morreu queimado.
Vai ser azarado assim na casa do cacete!

— Entretanto, enquanto eu estava vivo,
minha ira patriótica sincera era avassaladora,
e eu sempre conspirei e fiz de tudo
para que, aqui, no nosso Brasil,
desaparecessem esse tal de Estado Democrático de Direito,
esse tal de Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
e essa excrescência de império da lei,
todos derivados do pensamento teórico do jurista Robert von Mohl,
mal nascido em Stuttgart, em 17 de agosto de 1799,
e bem morrido em Berlim, em 04 de novembro de 1875.
Por mim, esse seu von Mohl arderia no averno para sempre.
Quero ver ele chegar com esse império da lei perto dos demônios.
Para os demônios, império da lei é tridente na bunda.

Robert von Mohl
(Ardendo no Averno)

— Eu também conspirei e fiz tudo o que pude
para que houvesse uma nova intervenção militar no Brasil,
para que a ditadura fosse reinstalada,
para que o AI-5 fosse reeditado,
para que outros Atos Institucionais mais duros fossem decretados,
para que a Operação Condor ressurgisse,
para que a tortura fosse restabelecida,
para que o doutor Tibiriçá fosse beatificado,
para que a Casa da Morte fosse novamente ativada,
para que a censura fosse restaurada,
para que a liberdade de imprensa terminasse
(jornalista bom é jornalista amordaçado),
para que o Congresso fosse fechado
e todos os parlamentares fossem em cana,
para que o Supremo fosse desativado
e todos os ministros fossem expatriados,
para que o MEC e o MinC fossem extintos,
para que não houvesse mais eleição para nada no País,
para que o Governo não comprasse vacinas contra a COVID-19,
para que a não desse mais pitaco em matéria de vacina,
para que ninguém se vacinasse
e para que quem se vacinasse virasse um jacaré roncolho e zarolho.
Sempre apoiei o tratamento precoce para a COVID-19
e a imunidade de rebanho por contaminação.
Para mim, a Cloroquina é uma santa sem altar.
Sempre me posicionei contra as medidas não-farmacológicas.
Ora, brasileiro não é orro para ficar usando máscara.
Álcool não se passa nas mãos. Bebe-se (com um tira-gosto).
Lavar as mãos a toda hora (sem crase) é uma
compulsão incontrolável e repetitiva que faz descascar a pele.
E com distanciamento, como nascerão os bacurizinhos?

— Enquanto eu estava vivo, só quebrei a cara,
e nunca obtive sucesso em nada disto,
porque o brasileiro é mosca-morta,
é teimoso como uma mula-sem-cabeça no cio,
e só quer saber de samba, Jogo do Bicho, carnaval e ludopédio.

— Agora, morto e fantasmagórico, aqui, no Mundo do Desejo,
de vez em quando, dou uma incorporada, de leve,
e continuo tentando influenciar
cabeças e corações e mudar opiniões
– principalmente do alto escalão do Governo –
mas, não tenho obtido sucesso.
Sinto que, aqui, há Forças Poderosíssimas
que não deixam a peteca cair,
nem palhaço se alegrar vendo o circo pegar fogo,
nem a coisa virar zona.
Ando malhando em ferro frio. Mas, não desisto.
Um dia, eu ponho o meu Brasil nos trilhos!