O SOL DA MEIA-NOITE

A estrutura do Tarô está ancorada em 78 Lâminas. Este número é o Valor Secreto* de DOZE (1 + 2 + 3 + ... + 12). Pode parecer pueril, mas tenho que recordar que o quadrado de DOZE é CENTO E QUARENTA E QUATRO (12² = 144). E que 144 + 36 = 180. E que, ainda, o Valor Secreto de 36 é 666. E que, por último, 6 x 111 = 666. Ou seja: o SOL. Neste momento, a puerilidade, se houve alguma, se encerra. Terceiro Livro dos Reis, X, 14: E o peso de ouro, que era levado a Salomão todos os anos era de SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS talentos de ouro. No mesmo Livro está escrito em X, 20: E DOZE leõezinhos [foram] postos sobre os seis degraus, duma parte e doutra; não se fez obra semelhante em nenhum outro reino.

Da Antigüidade até nossos dias... DOZE eram os grandes deuses da Caldéia e de outras religiões antigas. DOZE são os remédios básicos empregados na Homeopatia (Similia Similibus Curentur). DOZE são os principais remédios florais curadores de Edward Bach. DOZE são os menos degradáveis e bioacumuláveis Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). DOZE são os meses. DOZE eram as divisões do templo de Salomão. DOZE eram os Trabalhos de Héracles. DOZE eram as Chaves de Basile Valentim. Uma das versões da lenda fala em DOZE Cavaleiros da Távola Redonda, sendo o Rei Arthur o DÉCIMO TERCEIRO Cavaleiro. Arthur, celebremente, venceu gigantes crudelíssimos; mas, de acordo com a tradição, foram a sua dignidade, a sua bondade e a sua incansável luta contra a opressão e a tirania que fizeram com que o imaginário popular ansiasse pela volta de um monarca como ele. Messianismo? Talvez. Certo é que no subconsciente coletivo a Beleza e o Bem sempre e inevitavelmente tendem a se manifestar. De uma forma ou de outra.

Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda

Winchester Round Table

Távola

Camelot, Alan Lee, 1984


Dodecahedron	Diamante

No Cristianismo, no Budismo e no Islamismo o cículo interno é formado por DOZE Apóstolos ou Discípulos e um Mestre. Os DOZE representam os DOZE estágios de aprendizado dos Signos Solares, e o MESTRE — o DÉCIMO TERCEIRO — simboliza a pureza da HARMONIA PLENA de todos os outros DOZE formando um TODO COMPLETO, HARMÔNICO e UNO: TREZE. Por outro lado, DOZE são as Tradições dos Narcóticos Anônimos, e DOZE são também as Tradições dos Alcoólicos Anônimos.

DOZE são as LETRAS. DOZE são os GRAUS... DOZE são os Signos Zodiacais. Pode-se admitir, em uma primeira reflexão elementar, as seguintes correlações:

Antes de prosseguir, desejo reproduzir um pensamento óbvio. Os três erros básicos dos seres humanos são: a dissociação entre a razão e a vontade humanas e a RAZÃO e a VONTADE UNIVERSAIS gerando, como conseqüência, a desarmonia e a violência contra si e contra os outros reinos da Natureza. Estes três equívocos irmãos e interdependentes constituem 'pecados mortais' contra a UNIDADE CÓSMICA, da qual todos os entes são partes integrantes e inalienáveis.

Uma subtração: 144 – 78 = 66 = ABRACADABRA. Novamente há aqui uma correlação com o SOL. E com o Teorema de Pitágoras (KH). E com o Arcano XVIIII. O Tarô é um conjunto de Lâminas (22 Arcanos Maiores e 56 Arcanos Menores) que expressam Leis Universais, símbolos e arquétipos amalgamados às profundezas do subconsciente humano, Leis, símbolos e arquétipos a serem decifrados, quando a hora soar, pelo Homem do Desejo. Os 22 Arcanos Maiores do Tarô vinculam-se à mente subconsciente – ao Mundo Interior dos entes – e são estruturados com base em 21 Lâminas numeradas mais uma carta sem número, formando uma cadeia simbólica, individual e ascensiaonal, sempre relacionada com a Lâmina numericamente sucessora. Este processo simboliza a continuidade e a perpetuidade da vida sem começo nem fim. Ouroboros. Na realidade, todas as Lâminas estão interligadas. Tudo está associado porque todos os universos formam um só Universo. Os SETE CORPOS do homem são fielmente um só corpo. Estas 22 Lâminas representam a essência interior mais recôndita dos seres humanos e sua cósmica consciência a ser trabalhada e vivenciada em sua plenitude. Os 56 Arcanos Menores – estruturados em quatro séries de 14 cartas (4 x 14) – determinam, simbolicamente, a direção e os objetivos conceituados nos Arcanos Maiores. Estes Arcanos Menores estão elaborados com base nos números QUATRO e DEZ, uma vez que existem quatro naipes com dez Lâminas numeradas e quatro figuras para cada um (Rei, Rainha ou Dama, Cavaleiro e Pagem ou Valete). DEZ nada mais é do que o Valor Secreto de QUATRO (1 + 2 + 3 + 4). Pitágoras (KH). TETRACTYS. Podemos entender que os Arcanos Maiores representam as energias primordiais que envolvem uma dada condição, e que os Arcanos Menores emblemam o modo como essas energias irão se concretizar. A real importância do Tarô está em sua compreensão iniciática: a via do autoconhecimento e da construção permanente do Mestre Interior. Qualquer outro entendimento é falho e supersticioso na origem.

A Décima Nona Lâmina, o SOL, é o Arcano da INTUIÇÃO. A Intuição Mística só pode ser de ordem Transracional, isto é: opera no âmbito da SABEDORIA UNIVERSAL. Esta Lâmina está associada à Décima Nona Letra Hebraica KOPh (KOF) – 100, 6, 80 – de Valor Pleno igual a 186, que se reduz a 15 (1 + 8 + 6), Valor Secreto* de CINCO – A ESTRELA de CINCO PONTAS. Todas as minhas palavras são justas; nelas não há coisa má nem perversa (Provérbios, VIII, 8). Acompanhando e ampliando o pensamento de Platão, pode-se admitir:

O que simbolizam, nesta XVIIII Lâmina, as duas crianças, uma com a mão direita no pescoço da outra, e a outra com a mão direita sobre o coração da primeira? Simbolizam, preliminarmente, a confiança, a cooperação e a fraternidade que deve existir entre os homens de BOA VONTADE. Pax hominibus bonæ voluntatis.

Simbolizam, também — as duas crianças — a Inteligência confiante na Sabedoria Espontânea do Coração e, inclusive, a Intuição sábia que emprega a linguagem e as mensagens do Coração em todos os pensamentos, em todas as palavras e em todos os procedimentos.

Esta XVIIII Lâmina representa, outrossim, simbolicamente, que o Mestre Interior deve ser construído e realizado na BELEZA, no AMOR e no BEM. Desta forma, a Lâmina transmite que pensamentos, palavras e atos só podem ser efetivos e construtivos, em termos universais, se tiverem por princípio o que brota no CORAÇÃO. Esta é a ESTRELA-GUIA. Os Martinistas dão a esse entendimento o nome de SENDA CARDÍACA. Os Rosacruzes referem-se ao DEUS DE NOSSOS CORAÇÕES.

Helena Petrovna Blavatsky, em sua monumental Doutrina Secreta, ensina: 1º) O NOME INEFÁVEL mora latente no CORAÇÃO de cada homem. 2º) Há no CORAÇÃO um ponto, um CENTRO DE VIDA, chamado de SEDE DE BRAHMAN, que é o último a cessar de bater. 3º) O DEUS ÚNICO MANIFESTADO ESTÁ NO CORAÇÃO... O HOMEM ESPIRITUAL ESTÁ NO CORAÇÃO. Assim, em outras palavras: confiança recíproca sem reserva, isto é, o CORAÇÃO indica e a razão compreende e aceita, porque o CORAÇÃO é o veículo da RAZÃO e da VONTADE CÓSMICAS. Ambas, RAZÃO CÓSMICA e VONTADE CÓSMICA, são misticamente o PRÓPRIO SOL UNIVERSAL. Isto quer dizer: o homem físico deve subordinar-se iniciaticamente ao SER INTERNO que ele projetou e deverá construir ad infinitum. Nesse sentido, a SABEDORIA — ShOPhIa — é a reguladora e a condutora da Intuição.

Esta Lâmina revela, também ocultamente, o estado que deve alcançar o Iniciado, no qual não postulará mais qualquer autoridade, qualquer tipo de dominação e/ou qualquer tipo de privilégio hipotético. Se assim é, alcançado este estado, não existirá mais qualquer espécie de dúvida ou de suspeição, porque terá sido estabelecido um modelo irredutível de confiança recíproca entre o si mesmo e o si mesmo, entre o si mesmo e o(s) outro(s) seres e entre o si mesmo e o(s) Universo(s), em virtude de a UNIDADE e a compreensão dessa UNIDADE terem sido relativamente realizadas. Não há mais sensação de individualidade, de desunião ou de divisão. TUDO É UM. Pedras. Plantas. Bichos. Homens. Universo(s). Harmonium.

Bem-aventurado aquele que, pelo menos, compreendeu estes princípios, porque já é, então, considerado Filho dos Deuses. Este é o começo da Libertação Místico-Dialética das antinomias Absoluto versus Relativo, Fora versus Dentro, Lá versus Aqui e Fé versus Razão (Razão nascida da denominada FÉ POSTULATIVA). O último nível é o da FÉ DE PRIMEIRA MÃO proveniente da experiência mística in vivo, in CORDE. FÉ oriunda da experiência pessoal e intransferível que a Inteligência soube reconhecer e compreender.

Apenas se a Inteligência for batizada pela Intuição, a Fé Autêntica terá sentido e validade. Esta é a FÉ DE PRIMEIRA MÃO.

Por isso, é necessário compreender que o Misticismo sem o concurso insubstituível da Intuição — a ESTRELA-GUIA que está em nossos CORAÇÕES — não é nada mais nada menos do que um conjunto de informações heterogêneas tomadas por empréstimo, ora da ciência, ora da literatura, ora dos que ainda vivem no domínio da eikasia, ora dos que ainda vivem no domínio da pistis, ora da religião. Ora de nossa própria vaidade e de nossa ignorâcia objetiva. Isto é verdadeiramente um sofrido horror devorador.

O SOL visível reflete simbolicamente um Dia integral de um Mahamânvântâra ou Mahakalpa (Era de Brahman). E este mesmo período irá corresponder à sua Noite, isto é, (311 040 x 1000 000 000 anos solares ou terrestres) – 311 trilhões e 40 bilhões de anos solares ou terrestres. Mânvântâra (manifestação) e Prâlâya (repouso) se sucedem eternamente, pois nunca tiveram começo, e continuarão a se suceder ciclicamente e ilimitadamente, pois nunca terão fim. No Plano Terra, isto corresponde ao ritmo diastólico-sistólico de nosso coração físico.

Se a Inteligência correponde à Lua, com o SOL está a Sabedoria. A Intuição e a Iniciação, paulatinamente, restituirão nos entes o equilíbrio e a união íntima dessas duas luzes. Desta união, o Místico reconhecerá e se banhará na INTELIGÊNCIA DO ALTO (conjunção perpétua do SOL e da LUA espirituais), que brilha no meio da noite. Por isso, eu disse em outro trabalho que não existe o estado de inconsciência; isto é, enquanto essa compreensão não é alcançada o ser vive em subconsciência âmnica. O SOL do Décimo Nono Arcano do Tarô representa, simbolicamente, o princípio da Intuição ou da união íntima da Inteligência Transcendente com a Sabedoria. Nossa inteligência, aqui no Plano Terra, não é nada mais do que um reflexo, muitas vezes distorcido por nossa vaidade e nossa ignorância, da INTELIGÊNCIA CÓSMICA. O raciocínio argumentativo, a metafísica especulativa da razão e a vontade individual (que criam e produzem os fenômenos biológicos, mentais, psíquicos e físicos), a partir deste ponto, darão lugar à INTUIÇÃO compreensiva e à VONTADE superior e imorredoura. Isto pode ser denominado, em um estágio preliminar, como união mística do ser com seu MESTRE INTERIOR, caminho da realização AHAM BRAHMAN ASMI (EU SOU DEUS). Como disse Protágoras de Abdera (Abdera, 480 a.C. – Sicília, 410 a.C.), o HOMEM é a medida de todas as coisas. Esta afirmação precisa ser muito bem compreendida para que não seja considerada, entendida e realizada em seu aspecto menor e medíocre. O estruturamento para si (individualmente ou com finalidades coletivas) de uma concepção ideal e personalística de determinada coisa é uma laboração que pode embutir uma variada gama de equívocos. Foi a ação cultural e pedagógica da Igreja na época carolíngia que inverteu essa máxima grega, mudança essa que inibe, atormenta e apocopa as consciências até os dias de hoje. Creio em Deus, Pai Todo-Poderoso. Criador do Céu e da Terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor...

O númeno por detrás do fenômeno (o quid) não poderá jamais ser alcançado com a mente ou razão objetiva (dianoia e/ou noesis) e/ou pela mera pistis, vale dizer, com a razão humana e/ou pela fé religiosa, e muito menos, com ou sem religião, pela crença ou pela descrença esdrúxula em um deus antropomórfico criador e onipotente. Simplesmente acreditar em deus ou não acreditar em deus são ilusões equivalentes. Sob um certo ângulo, 'acreditar' é bem pior.

Tudo isto não quer dizer que o homem seja simplesmente um Deus pronto e acabado. Aqueles que assim se julgaram arremessaram a Humanidade no caos. Este pensamento especulativo às avessas reduz esquizofrenicamente tudo a um nada que não existe. Deus, como ponto final ou mônada leibniziana, por exemplo, jamais poderá ser realizado integralmente por qualquer criatura existente ou potencialmente existente. Esse deus do lado de fora que foi maldosamente inventado é a cruz que a ignorância terá de carregar enquanto decidir que quer continuar ignorante. Tenho, repetidas vezes, dito que o processo de construção/realização do DEUS INTERIOR é assintótico. Mesmo a comunhão consciente com as ESTRELAS (Entidades Superiores do Planos Superiores) não é o fim da PEREGRINAÇÃO, porque esta PEREGRINAÇÃO é ilimitada e assintótica. Repetirei este conceito quantas vezes precisar, pois é urgente e necessário que se compreenda que não pode existir um deus onipotente e providente criado para nos satisfazer e servir. Os ignorantes e crédulos chamam a este entendimento de ateísmo. Sócrates e Protágoras, por divulgarem idéias semelhantes, foram acusados de ateísmo. Se ateísmo é isso, então eu sou o maior dos ateus. Ainda bem que não há mais nem a santa inquisição nem as tórridas fogueiras. De qualquer sorte, só queimaram o corpo de Jacques de Molay.

O si mesmo é um Deus em constante e perpétua construção. Não é um deus ateu em busca de um deus ilusório criado à imagem e semelhança do homem mortal. É uma perseguição peregrinante permanente cardíaco-místico-crística das invulneráveis e irredutíveis Pureza, Virtude e Virgindade Universais — MaRyâ–H ShOPhIa (MARIA SABEDORIA). Reduzindo tudo o que foi especulado neste ensaio a DUAS PALAVRAS: SVMMVM BONVM.

Ainda que a Natureza Naturante (Natura Naturans) esteja em toda e qualquer Natureza Naturada (Natura naturata), a realização do SOL DA MEIA-NOITE não é o fim de um processo. Este processo, como já foi examinado, tem por Caminho Inexaurível a SENDA CARDÍACA, pois, no CORAÇÃO estão a RAZÃO e a VONTADE que a razão humana e a vontade humana, de uma maneira geral, ainda desconhecem, mas terão que conhecer para não serem devoradas. Mas, só com a PUREZA de nossa eterna criança interior, mergulhados em uma espécie de ingenuidade reveladora e intuitiva, poderemos compreender e realizar o SOL DA MEIA-NOITE. O Arcano XVIIII do Tarô ensina, portanto, a arte de receber a impressão pura e simples que revela, por si mesma, sem hipóteses e sem superestruturas intelectuais, o que as coisas são. Tornar a impressaão 'NUMINOSA' é o objetivo do Arcano do SOL — o ARCANO DA INTUIÇÃO.

AUTOR ANÔNIMO. Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô/Méditations sur les 22 Arcanes Majeurs du Tarot. Prefácio de Robert Spaemann. Apresentação de Hans Urs von Balthasar. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1989, 636 p. il.