Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Viver Não Dói

(Carlos Drummond de Andrade)

 

 

 

 

Definitivo, como tudo o que é simples.

Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados, pela eternidade. Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.

 

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Carlos, eu lhe peço muitas desculpas,

mas nossas mães não foram impacientes.

Carlos, precisamos fazer nossos meas-culpas:

nós é que fomos pra lá de renitentes.

 

Carlos, mil desculpas e perdão.

Mas, será que precisamos segredar nossas carências?

Carlos, de Coração para Coração:

nós devemos, isto sim, transmudar nossas indigências.

 

Carlos: não entendi de novo. Duas mil desculpas.

Nossas mães desinteressadas em nos compreender?

Precisamos de já hoje fazer nossos meas-culpas

sob pena de se tornar nigérrimo o nosso vir-a ser.

 

Carlos, seja indulgente comigo,

mas o futuro não está sendo confiscado de nós.

Carlos, ouça o seu amigo-amigo:

 

Meu querido Carlos:

se sonhamos com mil aventuras

é porque ainda somos carolfos e rodarlos;

cegonhas cegas em quiméricas voaduras.

 

No resto, eu concordo com tudo;

você foi mesmo um poeta genial.

Mas, eu não poderia ficar mudo,

do contrário seria pecado mortal.

 

Chalaça! Não fique bravo comigo.

Como você sabe, não sou religioso;

não imploro abrigo nem creio em castigo.

Apenas fui um tiquinho minucioso.

 

 

 

 

 

 

 

Microbiografia de Carlos Drummond de Andrade

Carlos nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Tornou-se funcionário público em 1929. Em 1934 foi transferido para o Rio de Janeiro. Mais exatamente para Copacabana, de onde não saiu mais. Morreu em 1987. Cansei de vê-lo passeando no Posto 6, mas apenas nos cumprimentávamos.

Música de fundo:

Copacabana (compositores: João de Barro e Alberto Ribeiro; intérprete: Dick Farney)

Fonte:

http://www.almacarioca.com.br/dick.htm

Observação: Neste Website há outras gravações de Dick Farney, mas para que possam ser eventualmente aproveitadas como fundo musical de páginas Web, depois de salvas, a extensão deve ser alterada de .mid para .wav. Elas tocam no WMP, mas não tocam nos navegadores, daí a necessidade de ser mudada a extensão.

 

 

 

Resposta:

A resposta para a pergunta do título destas reflexões místico-literárias está oculta no próprio título.




 

 

... o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca...

Grande Carlos Drummond de Andrade