SIGMUND FREUD – PENSAMENTOS

 

 

 

Sigmund Freud

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo apresenta para reflexão alguns fragmentos do pensamento de Sigismund Schlomo Freud, mais conhecido como Sigmund Freud. Espero que este rascunho seja útil a todos nós, ainda que, aqui e ali, possamos discordar de algumas coisas.

 

 

 

Breve Biografia de Freud

 

 

 

Sigismund Schlomo Freud (Príbor, 6 de maio de 1856 – Londres, 23 de setembro de 1939), que abreviou seu nome para Sigmund Freud, foi um médico neurologista judeu-austríaco, fundador da Psicanálise. Freud nasceu em Freiberg, na época pertencente ao Império Austríaco; atualmente a localidade é denominada Príbor, na República Tcheca.

 

Freud iniciou seus estudos pela utilização da hipnose como método de tratamento para pacientes com histeria. Ao observar a melhoria de pacientes de Jean-Martin Charcot (Paris, 1825 – Morvan, 1893), elaborou a hipótese de que a causa da doença era psicológica, não orgânica. Esta hipótese serviu de base para seus outros conceitos, como o do inconsciente. Freud também é conhecido por suas teorias dos mecanismos de defesa, repressão psicológica e por criar a utilização clínica da Psicanálise como tratamento da psicopatologia, através do diálogo entre o paciente e o psicanalista. Freud acreditava que o desejo sexual era a energia motivacional primária da vida humana, assim como suas técnicas terapêuticas. Ele abandonou o uso de hipnose em pacientes com histeria em favor da interpretação de sonhos e da livre associação, como fontes dos desejos do inconsciente.

 

Suas teorias e seu tratamento com seus pacientes foram controversos na Viena do século XIX, e continuam a ser muito debatidos hoje. Suas idéias são freqüentemente discutidas e analisadas como obras de literatura e cultura geral em adição ao contínuo debate ao redor delas no uso como tratamento científico e médico.

 

Depois de ter passado por trinta e três cirurgias, Freud morreu em Londres, em 23 de setembro de 1939, de cancro no palato, aos 83 anos de idade.

 

 

 

Pensamentos Freudianos

 

 

 

 

 

 

É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra sua articulação essencial.

 

Não desejo suscitar convicções. O que desejo é estimular o pensamento e derrubar preconceitos.

 

A deformação que constitui um lapso tem um sentido. O que compreendemos por estas palavras: tem um sentido? Que o efeito do lapso talvez tenha o direito de ser considerado como um ato psíquico completo com objetivo próprio, como uma manifestação que tem o seu conteúdo e significado próprios... Quando falamos do sentido de um processo psíquico, este sentido não é para nós nada além da intenção à qual serve e do lugar que ocupa na série psíquica. Poderíamos até, na maioria das nossas pesquisas, substituir o termo sentido pelos termos intenção ou tendência.

 

Nenhuma vicissitude externa pode ser experimentada ou sofrida pelo id, exceto por via do ego, que é o representante do mundo externo para o id. Entretanto, não é possível falar de herança direta no ego. É aqui que o abismo entre um indivíduo concreto e o conceito de uma espécie se torna evidente. Além disto, não se deve tomar a diferença entre ego e id em um sentido demasiado rígido, nem esquecer que o ego é uma parte especialmente diferenciada do id. As experiências do ego parecem, a princípio, estar perdidas para a herança; mas, quando se repetem com bastante freqüência e com intensidade suficiente em muitos indivíduos, em gerações sucessivas, transformam-se, por assim dizer, em experiências do id, cujas impressões são preservadas por herança. Desta maneira, no id, que é capaz de ser herdado, acham-se abrigados resíduos das existências de incontáveis egos; e quando o ego forma seu superego a partir do id, pode, talvez, estar apenas revivendo formas de antigos egos e ressuscitando-as.

 

 

Estrutura Tripartite da Mente

 

Temos, em primeiro lugar, a universalidade do simbolismo na linguagem. A representação simbólica de determinado objeto por outro – a mesma coisa aplica-se às ações – é familiar a todos os nossos filhos e lhes vem, por assim dizer, como coisa natural. Não podemos demonstrar, em relação a eles, como aprenderam, e temos de admitir que, em muitos casos, aprendê-la é impossível. Trata-se de um conhecimento original que os adultos, posteriormente, esquecem. É verdade que o adulto faz uso dos mesmos símbolos em seus sonhos... Ademais, o simbolismo despreza as diferenças de linguagem; investigações provavelmente demonstrariam que ele é ubíquo – o mesmo para todos os povos. Aqui, então, parecemos ter um exemplo seguro de uma herança arcaica a datar do período em que a linguagem se desenvolveu.

 

O conteúdo do inconsciente, na verdade, é, seja lá como for, uma propriedade universal, coletiva, da Humanidade.

 

Como é ousado aquele que tem a certeza de ser amado!

 

 

 

Carta de Sigmund Freud a Martha Bernays
(19 de junho 1882)

 

 

Eu sabia que seria apenas depois de teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha felicidade, e, alias, o grau da minha perda também. Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo, os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava.

Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos nos sentar de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais te sentar naquela poltrona castanha, eu estarei a teus pés no banquinho redondo, e falaremos do tempo em que não existirá diferença entre noite e dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem preocupações que nos separem.

A tua amorosa fotografia. No início, quando eu tinha o original à minha frente não pensei nada sobre a mesma; mas, agora, quanto mais olho para ela mais esta se assemelha ao objeto amado. Espero que o rosto pálido se transforme na cor das nossas rosas, e que os braços delicados se desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a imagem preciosa não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência! Eu sou apenas um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e, depois, poderás me negligenciar de novo».

Eu gostaria imenso de colocar esta fotografia entre os deuses da minha casa que pairam acima da minha secretária, mas embora eu possa mostrar os rostos severos dos homens que reverencio, quero esconder a face delicada da minha amada só para mim. Vai continuar na tua pequena caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade de vezes, nestas últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para poder tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória.


 

Não posso ver mérito algum em se ter vergonha da sexualidade.

 

Um fortalecimento do intelecto tende a dominar a nossa vida instintiva.

 

Os sonhos são absolutamente egoístas.

 

As pessoas não querem que se lhes dêem lições. É por isto que não compreendem as coisas mais simples. No dia em que o quiserem, verificar-se-á que são capazes de compreender também as coisas mais complicadas. Até lá, as instruções são: continuar a trabalhar, discutir o menos possível. Com efeito, só poderíamos dizer a um indivíduo: você é um imbecil. A outro: você é um patife. E há boas razões que excluem a realização expressiva de tais convicções. Sabemos, de resto, que estamos diante de pobres diabos, que receiam por um lado chocar, prejudicar as suas carreiras e que, por outro lado, se encontram acorrentados pelo medo do que está recalcado neles próprios. Teremos de esperar que todos eles morram ou se tornem lentamente minoritários. De qualquer maneira, o que acontece de fresco e de novo é a nós que pertence.

 

Quando a criança cresceu e abandonou os seus jogos, quando durante anos se esforçou psiquicamente por agarrar as realidades da vida com a seriedade desejada, pode acontecer que, um dia, se encontre de novo em uma disposição psíquica que volta a apagar esta oposição entre o jogo e a realidade. O homem adulto lembra-se da grande seriedade com que se entregava aos jogos infantis, e acaba por comparar as suas graves ocupações, por assim dizer, com estes jogos dos tempos da infância: liberta-se, então, da opressão demasiado pesada da vida, e conquista a fruição superior do humor.

 

 

 

 

Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar podemos conseguir em outro lugar.

 

Na verdade, não sou de forma alguma um homem de ciência, nem um observador, nem um experimentador, nem um pensador. Sou, por temperamento, nada mais do que um conquistador – um aventureiro, em outras palavras com toda a curiosidade, ousadia e tenacidade características desse tipo de homem.

 

Religião seria assim a neurose obsessiva universal da Humanidade, tal como a neurose obsessiva das crianças, que decorre do Complexo de Édipo,1 na relação com o pai.

 

Nunca fui capaz de responder à grande pergunta: o que uma mulher quer?

 

Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é que faz de nós seres tão refinados. Porque não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer.

 

Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons.2

 

Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro.

 

Penso que um excesso de decretos e de interditos prejudica a autoridade da lei. Podemos observá-lo: onde existem poucas proibições, estas são obedecidas; onde a cada passo se tropeça em coisas proibidas, sente-se rapidamente a tentação de as infringir. Além disto, não é preciso se ser anarquista para se ver que as leis e os decretos, do ponto de vista da sua origem, não gozam de qualquer caráter sagrado ou invulnerável. Por vezes são pobres de conteúdo, insuficientes, ofensivas ao nosso sentido de justiça, ou nisso se tornam com o tempo, e, então, dada à inércia geral dos dirigentes, não resta outro meio de corrigir estas leis caducas senão infringi-las de boa vontade! Para mais, é prudente, quando se pretende manter o respeito por leis e decretos, não promulgar senão aqueles cuja observação ou infração possam ser facilmente controladas.

 

A Humanidade progride. Hoje, queimam meus livros; séculos atrás, teriam queimado a mim.

 

O sonho é a satisfação de que o desejo se realize.

 

Pense-se, por exemplo, na relação que existe entre o bebedor e o vinho. Não é verdade que o vinho oferece sempre ao bebedor a mesma satisfação tóxica, que a poesia tem comparado com freqüência à satisfação erótica – comparação, de resto, aceitável do ponto de vista científico? Já alguma vez se ouviu dizer que o bebedor fosse obrigado a mudar sem descanso de bebida porque se cansaria rapidamente de uma bebida que permanecesse a mesma? Pelo contrário, a habituação estreita cada vez mais o laço entre o homem e a espécie de vinho que ele bebe. Existirá no bebedor uma necessidade de partir para um país onde o vinho seja mais caro ou o seu consumo proibido, a fim de estimular por meio de semelhantes obstáculos a sua satisfação decrescente? De modo nenhum. Basta escutarmos o que dizem os nossos grandes alcoólicos, como Bócklin, da sua relação com o vinho: evocam a harmonia mais pura como que um modelo de casamento feliz. Porque a relação do amante com o seu objeto sexual será tão diferente?

 

Qualquer coisa que encoraje o crescimento de laços emocionais tem que servir contra as guerras.

 

Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.

 

Diz-se que quem modifica de tempos a tempos as suas idéias não merece qualquer confiança, porque faz supor que as suas últimas afirmações são tão errôneas como as anteriores. E, por outro lado, quem mantém as suas primeiras idéias e não as abandona facilmente, passa por teimoso e iludido. Perante estes dois juízos opostos da crítica, há só uma opção a fazer: permanecer aquilo que se é e seguir apenas o próprio juízo.

 

A religião é comparável a uma neurose da infância.

 

É inútil alongar-me demoradamente sobre a importância da autoridade. São muito poucas as pessoas civilizadas capazes de uma existência perfeitamente autônoma ou tão-só de juízo independente. Não nos é possível representar, em toda a sua amplitude, a necessidade de autoridade e a fraqueza interior dos seres humanos.

 

A inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos.

 

A renúncia progressiva dos instintos parece ser um dos fundamentos do desenvolvimento da civilização humana.

 

Sejam quais forem os sentimentos e os interesses humanos, o intelecto é, também ele, uma força. Esta não consegue prevalecer imediatamente, mas, por fim, os seus efeitos se revelam ainda mais peremptórios. A verdade que mais fere acaba sempre por ser notada e por se impor, assim que os interesses que lesa e as emoções que suscita tenham esgotado a sua virulência.

 

É escusado sonhar que se bebe; quando a sede aperta, é preciso acordar para beber.

 

Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a Terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência.

 

Sob a máscara do esquecimento e do equívoco, invocando como justificação a ausência de más intenções, os homens expressam sentimentos e paixões cuja realidade seria bem melhor, tanto para eles próprios como para os outros, que confessassem a partir do momento em que não estão à altura de os dominar.

 

Os judeus admiram mais o espírito do que o corpo. A escolher entre os dois, eu colocaria em primeiro lugar a inteligência.

 

O pensamento é o ensaio da ação.

 

Não posso conceber uma vida sem trabalho como verdadeiramente aprazível; para mim, viver através da imaginação e trabalhar significam a mesma coisa; nada mais me contenta. Seria a receita da felicidade, se não fosse o pensamento horrível de que a produtividade depende por completo de uma disposição aleatória; que poderemos, com efeito, empreender no decurso de um dia ou de um período em que as idéias se recusam e as palavras não querem se alinhar? Todo o trabalho sistemático é incompatível com os meus dons e as minhas tendências. Todos os meus estímulos resultam das impressões que recebo em contato com os meus doentes.

 

Em grande parte, a nossa civilização é responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas.3

 

É quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civilização.

 

As pessoas estarão sempre prontamente inclinadas a incluir entre os predicados psíquicos de uma cultura os seus ideais, ou seja, as suas estimativas a respeito de que realizações são mais elevadas e em relação às quais se devem fazer esforços por atingir. Parece, a princípio, que estes ideais determinam as realizações da unidade cultural; contudo, o curso real dos acontecimentos parece indicar que os ideais se baseiam nas primeiras realizações que foram tornadas possíveis por uma combinação entre os dotes internos da cultura e as circunstâncias externas, e que estas primeiras realizações são então erigidas pelo ideal como algo a ser levado avante. A satisfação que o ideal oferece aos participantes da cultura é, portanto, de natureza narcisística; repousa no seu orgulho pelo que já foi alcançado com êxito. Tornar esta satisfação completa exige uma comparação com outras culturas que visaram realizações diferentes e desenvolveram ideais distintos. É a partir da intensidade destas diferenças que toda a cultura reivindica o direito de olhar com desdém para o resto. Deste modo, os ideais culturais se tornam fonte de discórdia e de inimizades entre unidades culturais diferentes, tal como se pode constatar claramente no caso das nações.

 

 

 

 

Se o desenvolvimento da civilização é tão semelhante ao do indivíduo, e se usa os mesmos meios, não teríamos o direito de diagnosticar que muitas civilizações ou épocas culturais – talvez até a Humanidade inteira se tornaram neuróticas sob a influência do seu esforço de civilização?

 

O Estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseje aboli-los, mas, sim, porque quer monopolizá-los.

 

A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, se tornar feliz.

 

Não posso imaginar que uma vida sem trabalho seja capaz de trazer qualquer espécie de conforto. Para mim, a imaginação criadora e o trabalho andam de mãos dadas; não retiro prazer de nenhuma outra coisa.

 

 

 

 

O homem enérgico e que é bem sucedido é o que consegue transformar em realidades as fantasias do desejo.

 

A sede de conhecimento parece ser inseparável da curiosidade sexual.

 

Se quiseres poder suportar a vida, deves te preparar para aceitar a morte.

 

Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos.

 

O objetivo para o qual o princípio do prazer nos impele – o de nos tornarmos felizes não é atingível; contudo, não podemos, ou melhor, não temos o direito de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isto. Alguns se dedicam ao aspecto positivo do objetivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de fatores irá influenciar a escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário se tornar independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros; o tipo narcisista, que é mais auto-suficiente, procurará a sua satisfação essencial no trabalho interior da sua alma; o homem de ação nunca abandonará o mundo externo no qual pode experimentar o seu poder.

 

Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio.

 

Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais. Somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos. Somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos e os impulsos a que cedemos sem querer.

 

O eremita volta as costas a este mundo; não quer ter nada a ver com ele. Mas podemos fazer mais do que isto; podemos tentar recriá-lo, tentar construir um outro em vez dele, no qual os componentes mais insuportáveis são eliminados e substituídos por outros que correspondam aos nossos desejos. Quem, por desespero ou desafio, parte por este caminho, por norma, não chegará muito longe; a realidade será demasiado forte para ele. Torna-se louco, e normalmente não encontra ninguém que o ajude a levar a cabo o seu delírio. Diz-se, contudo, que todos nós nos comportamos em alguns aspectos como paranóicos, substituindo pela satisfação de um desejo alguns aspectos do mundo que nos são insuportáveis, transportando o nosso delírio para a realidade. Quando um grande número de pessoas faz esta tentativa em conjunto e tenta obter a garantia de felicidade e de proteção do sofrimento através de uma transformação ilusória da realidade, adquire um significado especial. Também as religiões devem ser classificadas como delírios em massa deste gênero. Escusado será dizer que ninguém que participa em um delírio o reconhece como tal.

 

 

 

A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Por exemplo: pensam compreender algo da Psicanálise porque brincam com seu jargão...

 

Onde abundam as dores brotam os licores.

 

De erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade.

 

O intelecto nunca descansa até conseguir audiência.

 

É simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objetivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e, no entanto, o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação. Aquilo a que se chama felicidade, no seu sentido mais restrito, vem da satisfação – freqüentemente instantânea de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória. Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguimos ter prazer intenso em contrastes e muito menos nos próprios estados intensos. As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz. O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo; o mundo externo, que pode se enfurecer contra nós com as mais poderosas e implacáveis forças de destruição; e, por fim, a relação com os outros homens. A infelicidade que esta última origina é talvez a mais dolorosa de todas; temos tendência para a considerar mais ou menos um suplemento gratuito, embora não possa ser uma fatalidade menos inevitável do que o sofrimento que provém das outras fontes. Não é de admirar que, debaixo da pressão destas possibilidades de sofrimento, a Humanidade esteja habituada a reduzir as suas exigências de felicidade, nem que o próprio princípio do prazer se modifique para um princípio da realidade mais acomodado sob a influência do ambiente externo. Se um homem se julga feliz, fugiu simplesmente à infelicidade ou a dificuldades. Em geral, a tarefa de evitar o sofrimento atira para segundo plano a de obter a felicidade. A reflexão mostra que há várias formas de tentar cumprir esta tarefa; e todas estas formas foram recomendadas por várias escolas de sabedoria na arte da vida e postas em prática pelos homens. A satisfação desenfreada de todos os desejos impõe-se em primeiro plano como o mais atrativo princípio orientador da vida, mas implica preferir o gozo à prudência e penaliza-se depois de uma curta satisfação. Os outros métodos, nos quais o evitar do sofrimento é o principal motivo, distinguem-se segundo a fonte de sofrimento contra a qual estão dirigidos. Algumas destas medidas são extremas e outras moderadas, algumas são unilaterais e outras tratam vários aspectos do assunto ao mesmo tempo. A solidão voluntária – o isolamento dos outros – é a salvaguarda mais rápida contra a infelicidade que possa surgir das relações humanas. Sabemos o que isto significa: a felicidade encontrada neste caminho é a da paz. Podemos defender-nos contra o temido mundo externo, voltando-nos simplesmente para uma outra direção, se a dificuldade tiver que ser resolvida sem ajuda. Há, na realidade, um outro caminho melhor: o de cooperar com o resto da comunidade humana e aceitar o ataque à Natureza, forçando-a a obedecer à vontade humana. Trabalha-se, então, com todos para o bem de todos.

 

Às vezes, o falso é a verdade de cabeça para baixo.

 

O instinto de amar um objeto demanda a destreza em obtê-lo. Se uma pessoa pensa que não consegue controlar o objeto e se sente ameaçada por ele, ela age contra ele.

 

Em última análise, precisamos amar para não adoecer.

 

Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que mais lutaste.

 

As criações, obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes, do mesmo modo que os sonhos, e, tanto como eles, são, no fundo, compromissos, dado que se vêem forçadas a evitar um conflito aberto com as forças de repressão. Todavia, diferem dos conteúdos narcisistas, associais, dos sonhos, na medida em que são destinadas a despertar o interesse em outras pessoas, e são capazes de evocar e satisfazer os mesmos desejos que nelas se encontram inconscientes. À parte isto, fazem uso do prazer perceptivo da beleza formal, aquilo a que chamei prêmio-estímulo. Aquilo que a Psicanálise foi capaz de fazer consistiu em captar as relações entre as impressões da vida do artista, as suas experiências causais e as suas obras e, a partir delas, reconstruir a sua constituição e os impulsos que se movem dentro dele. Não se deve julgar que o salaz que procura uma obra de arte se anule pelo conhecimento obtido pela análise. A este respeito é possível que o profano espere acaso demasiado da análise, mas deve ser advertido que ela não esclarece os dois problemas que são, provavelmente, os mais interessantes para ele: não esclarece quanto à natureza dos dotes do artista nem pode explicar os meios de que o artista se serve para trabalhar a técnica artística.

 

Não me cabe conceber nenhuma necessidade tão importante durante a infância de uma pessoa do que a necessidade de se sentir protegida por um pai.

 

A crença em Deus subsiste devido ao desejo de um pai protetor e aspiração à imortalidade ou como um ópio contra a miséria e o sofrimento da existência humana.

 

Aonde quer que eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim.

 

O caráter de um homem é formado pelas pessoas que escolheu para conviver.

 

A religião é um sistema de doutrinas e promessas que, por um lado, lhe explicam os enigmas deste mundo com perfeição invejável, e que, por outro lado, lhe garantem que uma providência cuidadosa velará por sua vida e o compensará, em uma existência futura, de quaisquer frustrações que tenha experimentado aqui. O homem comum só pode imaginar esta providência sob a figura de um pai ilimitadamente engrandecido. Apenas um ser deste tipo pode compreender as necessidades dos homens, enternecer-se com suas preces e apaziguar os sinais de seu remorso. Tudo é tão patentemente infantil, tão estranho à realidade, que, para qualquer pessoa que manifeste uma atitude amistosa em relação à Humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar esta visão da vida. Mais humilhante ainda é descobrir como é vasto o número de pessoas de hoje que não podem deixar de perceber que as religiões são insustentáveis e, não obstante isso, tentam defendê-las, item por item, em uma série de lamentáveis atos retrógrados.

 

 

 

A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real.

 

O homem é dono do que cala e escravo do que fala. Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.

 

O sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente.

 

As provas da Psicanálise demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo – casamento, amizade, as relações entre pais e filhos contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em conseqüência da repressão. Isto se acha menos disfarçado nas altercações comuns entre sócios comerciais ou nos resmungos de um subordinado em relação ao seu superior. A mesma coisa acontece quando os homens se reúnem em unidades maiores. Cada vez que duas famílias se vinculam por matrimônio, cada uma delas se julga superior ou de melhor nascimento do que a outra. De duas cidades vizinhas, cada uma é a mais ciumenta rival da outra; cada pequeno cantão encara os outros com desprezo. Raças estreitamente aparentadas mantêm-se a certa distância uma da outra: o alemão do sul não pode suportar o alemão setentrional, o inglês lança todo tipo de calúnias sobre o escocês, o espanhol despreza o português. Não ficamos mais espantados que diferenças maiores conduzam a uma repugnância quase insuperável, tal como a que o povo gaulês sente pelo alemão, o ariano pelo semita. Quando esta hostilidade se dirige contra pessoas que de outra maneira são amadas, descrevêmo-la como ambivalência de sentimentos e explicamos o fato, provavelmente de maneira demasiadamente racional, por meio das numerosas ocasiões para conflitos de interesse que surgem precisamente em tais relações mais próximas. Nas antipatias e aversões indissimuláveis que as pessoas sentem por estranhos com quem têm de tratar, podemos identificar a expressão do amor a si mesmo – a expressão do narcisismo. Este amor a si mesmo trabalha para a preservação do indivíduo e se comporta como se a ocorrência de qualquer divergência das suas próprias linhas específicas de desenvolvimento envolvesse uma crítica delas e uma exigência da sua alteração. Não sabemos por que tal sensitividade deva se dirigir exatamente a estes pormenores de diferenciação, mas é inequívoco que, em relação a tudo isto, os homens dão provas de uma presteza a odiar, de uma agressividade cuja fonte é desconhecida, e à qual se fica tentado a atribuir um caráter elementar. Mas, quando um grupo se forma, a totalidade desta intolerância se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades dos seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. Uma tal limitação do narcisismo, de acordo com nossas concepções teóricas, só pode ser produzida por um determinado fator, um laço libidinal com as outras pessoas. O amor por si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros, o amor por objetos. Levantar-se-á imediatamente a questão de saber se a comunidade de interesse em si própria, sem qualquer adição de libido, não deve necessariamente conduzir à tolerância das outras pessoas e à consideração para com elas. Esta objeção pode ser enfrentada pela resposta de que, não obstante, nenhuma limitação duradoura do narcisismo é efetuada desta maneira, visto que esta tolerância não persiste por mais tempo do que o lucro imediato obtido pela colaboração de outras pessoas. Contudo, a importância prática deste debate é menor do que se poderia supor, porque a experiência demonstrou que, nos casos de colaboração, se formam regularmente laços libidinais entre os companheiros de trabalho, laços que prolongam e solidificam a relação entre eles até um ponto além do que é simplesmente lucrativo. A mesma coisa ocorre nas relações sociais dos homens, como se tornou familiar à pesquisa psicanalítica no decurso do desenvolvimento da libido individual. A libido liga-se à satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como seus primeiros objetos as pessoas que têm uma parte nesse processo. E, no desenvolvimento da Humanidade como um todo, do mesmo modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo. E isto é verdade tanto quanto ao amor sexual pelas mulheres, com todas as obrigações que envolve de não causar dano às coisas que são caras às mulheres, quanto do amor dessexualizado e sublimado, por outros homens, que se origina do trabalho em comum.

 

 

 

 

Todo tratamento psicanalítico é uma tentativa para libertar o amor recalcado.

 

Nunca chegaremos a dominar completamente a Natureza, e o nosso organismo corporal – ele mesmo parte da Natureza permanecerá sempre como uma estrutura passageira com limitada capacidade de realização e adaptação.

 

O novo sempre despertou perplexidade e resistência.

 

Não permito que nenhuma reflexão filosófica me tire a alegria das coisas simples da vida.

 

Quando já se viveu por muito tempo em uma civilização específica e com freqüência se tentou descobrir quais foram as suas origens e ao longo de que caminho ela se desenvolveu, fica-se às vezes tentado a voltar o olhar para outra direção e indagar qual o destino que a espera e quais as transformações que está fadada a experimentar. Logo, porém, se descobre que, desde o início, o valor de uma indagação deste tipo é diminuído por diversos fatores, sobretudo pelo fato de apenas poucas pessoas poderem abranger a atividade humana em toda a sua amplitude. A maioria das pessoas foi obrigada a se restringir a somente um ou a alguns dos seus campos. Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de se mostrar o seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que precisamente em um juízo deste tipo as expectativas subjetivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de fatores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor otimismo da sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada pelo seu temperamento ou pelo seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o fato curioso de que, em geral, as pessoas experimentam o seu presente de forma ingênua, por assim dizer, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre o seu conteúdo; têm primeiro de se colocar a uma certa distância dele, isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julguem o futuro.

 

Cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações.

 

O indivíduo em um grupo está sujeito, através da influência deste, ao que, com freqüência, constitui uma profunda alteração na sua atividade mental. A sua submissão à emoção se torna extraordinariamente intensificada, enquanto que a sua capacidade intelectual é acentuadamente reduzida, com ambos os processos evidentemente se dirigindo para uma aproximação com os outros indivíduos do grupo; e este resultado só pode ser alcançado pela remoção daquelas inibições aos instintos que são peculiares a cada indivíduo, e pela resignação deste àquelas expressões de inclinações que são especialmente suas. Aprendemos que estas conseqüências, amiúde importunas, são, até certo ponto pelo menos, evitadas por uma «organização» superior do grupo, mas isto não contradiz o fato fundamental da psicologia de grupo: as duas teses relativas à intensificação das emoções e à inibição do intelecto nos grupos primitivos.

 

Nos sonhos, envergamos a semelhança com aquele homem mais universal, verdadeiro e eterno que habita na escuridão da noite primordial.

 

Toda anedota tem um fundo de verdade.

 

 

 

Um velhinho de uns 80 anos estava caminhando pela rua quando encontrou um menino de uns dez anos, chorando, sentado na calçada. Ele ficou com muita pena do menino, e resolveu parar, e lhe perguntou:

Ô, menino, por que você está chorando?

E o menino lhe respondeu:

É porque eu não posso fazer o que os adultos fazem…

Então, o velhinho sentou-se na calçada, ao lado do menino, e também começou a chorar...


 

Nós nunca ficamos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor.

 

Ao tomar uma decisão de menor importância, eu descobri que é sempre vantajoso considerar todos os prós e contras. Em assuntos vitais, no entanto, tais como a escolha de um companheiro ou uma profissão, a decisão deve vir do inconsciente, de algum lugar dentro de nós. Nas decisões importantes da vida pessoal, devemos ser governados, penso eu, pelas profundas necessidades íntimas da nossa natureza.

 

Envolve-me lentamente uma carapaça de insensibilidade; verifico-o sem me queixar. É também um desfecho natural, um modo de começar a me tornar anorgânico. A isto se costuma chamar, segundo creio, a serenidade da idade. É algo que, sem dúvida, supus dever estar ligado a uma viragem decisiva nas relações entre as duas pulsões cuja existência. A transformação que a acompanha não é talvez excessivamente forte; permanece cheio de interesse tudo quanto tinha outrora, mas há um certo eco que falta. Eu, que não sou músico, represento-me esta diferença como uma questão de usar ou não o pedal. A pressão sensível e incessante de uma enorme quantidade de sensações importunas deve ter apressado este estado prematuro, esta disposição a sentir tudo 'sub specie æternitatis'.4

 

Não é preciso proibir aquilo a que nenhuma alma humana aspira. É precisamente o modo como está formulada a proibição «Não matarás», que é de molde a nos dar a certeza de descendermos de uma série infinitamente longa de gerações de assassinos, que possuíam no sangue, talvez como nós próprios, a paixão de matar.

 

A religião, quando tentamos determinar o seu lugar na história da evolução humana, não nos surge como uma aquisição duradoura, mas como a vertente da neurose pela qual o homem tem inevitavelmente de passar ao longo do caminho que o conduz da infância à maturidade... No que diz respeito à proteção prometida pela religião aos seus adeptos, penso que nenhum de vós consentiria em subir para um automóvel cujo condutor declarasse não querer se incomodar com as determinações que regulamentam a circulação para obedecer apenas aos ímpetos exaltantes da sua própria fantasia.

 

O homem a quem o arrependimento, após o pecado, impõe grandes exigências morais, expõe-se à acusação de ter tornado a sua tarefa demasiado fácil. Não praticou o que é essencial na moral – a renúncia. Com efeito, o comportamento moral ao longo da vida é exigido em função dos interesses práticos da Humanidade. O homem citado recorda-nos os bárbaros das grandes ondas migradoras, que matavam e depois faziam penitência, e para os quais fazer penitência acabou por se tornar uma técnica facilitadora do assassínio.

 

 

 

 

Quem na sua própria juventude provou as misérias da pobreza, experimentou a insensibilidade e o orgulho dos ricos, encontra-se certamente ao abrigo da suspeita de incompreensão e de falta de boa vontade ante os esforços tentados para combater a desigualdade das riquezas e tudo quanto dela decorre. Na verdade, se esta luta invocar o princípio abstrato e baseado na justiça da igualdade de todos os homens entre si, será demasiado fácil objetar que a Natureza foi a primeira, através da soberana desigualdade das capacidades físicas e mentais repartidas pelos seres humanos, a cometer injustiças contra as quais não há remédio.

 

Há numerosos indivíduos civilizados que recuariam aterrados perante a idéia do assassínio ou do incesto, mas que não desdenham satisfazer a sua cupidez, a sua agressividade, as suas cobiças sexuais, que não hesitam em prejudicar os seus semelhantes por meio da mentira, do engano, da calúnia, contanto que o possam fazer com impunidade.

 

É curioso como os homens, que tão mal sabem viver isolados, se sentem, no entanto, pesadamente oprimidos pelos sacrifícios que a civilização espera deles a fim de lhes possibilitar que vivam em comum... A civilização é coisa imposta a uma maioria recalcitrante por uma minoria que descobriu como se apropriar dos meios de poder e de coação.

 

Podemos dizer sem contemplações à sociedade que aquilo a que ela chama a sua moral custa mais sacrifícios do que o que vale, e que os seus modos de proceder são falhos tanto de sinceridade como de sabedoria... Dir-se-ia que basta um grande número, que milhões de homens se encontrem reunidos, para que todas as aquisições morais dos indivíduos que os compõem se desvaneçam por completo e não restem já em seu lugar senão as atitudes psíquicas mais primitivas, mais antigas, mais brutais.

 

 

 

 

Existem infinitamente mais homens que aceitam a civilização como hipócritas do que homens verdadeiramente e realmente civilizados, e é lícito até nos perguntarmos se um certo grau de hipocrisia não será necessário à manutenção e à conservação da civilização, dado o reduzido número de homens nos quais a tendência para a vida civilizada se tornou uma propriedade orgânica.

 

O nosso conhecimento do valor histórico de certas doutrinas religiosas aumenta o nosso respeito por elas, mas não invalida a nossa posição, segundo a qual devem deixar de ser apresentadas como os motivos para os preceitos da civilização. Pelo contrário! Estes resíduos históricos nos auxiliaram a encarar os ensinamentos religiosos como relíquias neuróticas, por assim dizer, e agora podemos arguir que provavelmente chegou a hora, tal como acontece em um tratamento analítico, de substituir os efeitos da repressão pelos resultados da operação racional do intelecto. Podemos prever, mas dificilmente lamentar, que tal processo de remodelação não se deterá na renúncia à transfiguração solene dos preceitos culturais, mas que a sua revisão geral resultará em que muitos deles sejam eliminados. Deste modo, a nossa tarefa de reconciliar os homens com a civilização estará, até um grande ponto, realizada. Não precisamos deplorar a renúncia à verdade histórica quando apresentamos fundamentos racionais para os preceitos da civilização. As verdades contidas nas doutrinas religiosas são, afinal de contas, tão deformadas e sistematicamente disfarçadas, que a massa da Humanidade não pode identificá-las como verdade. O caso é semelhante ao que acontece quando dizemos a uma criança que os recém-nascidos são trazidos pela cegonha. Aqui, também estamos a contar a verdade sob uma roupagem simbólica, pois sabemos o que esta ave significa.5 A criança, porém, não sabe. Escuta apenas a parte deformada do que dizemos e sente que foi enganada; sabemos com que freqüência a sua desconfiança dos adultos e a sua rebeldia têm realmente começo nesta impressão. Tornamo-nos convencidos de que é melhor evitar estes disfarces simbólicos da verdade no que contamos às crianças, e não afastar delas um conhecimento do verdadeiro estado de coisas, comensurado a seu nível intelectual.

 

Quando a civilização formulou o mandamento de que o homem não deve matar o próximo a quem odeia, que se acha no seu caminho ou cuja propriedade cobiça, isto foi claramente efetuado no interesse comunal do homem, que, de outro modo, não seria praticável, pois o assassino atrairia para si a vingança dos parentes do morto e a inveja de outros, que, dentro de si mesmos, se sentem tão inclinados quanto ele a tais atos de violência. Assim, não desfrutaria da sua vingança ou do seu roubo por muito tempo, mas teria toda a possibilidade de ele próprio em breve ser morto. Mesmo que se protegesse contra os seus inimigos isolados através de uma força ou cautela extraordinárias, estaria fadado a sucumbir a uma combinação de homens mais fracos. Se uma combinação deste tipo não se efetuasse, o homicídio continuaria a ser praticado de modo infindável, e o resultado final seria que os homens se exterminariam mutuamente. Chegaríamos, entre os indivíduos, ao mesmo estado de coisas que ainda persiste entre famílias na Córsega6, embora, em outros lugares, apenas entre nações. A insegurança da vida, que constitui um perigo igual para todos, une hoje os homens em uma sociedade que proíbe ao indivíduo matar, e reserva para si o direito à morte comunal de quem quer que viole a proibição. Aqui, então, temos justiça e castigo. Mas não damos publicidade a esta explicação racional da proibição do homicídio. Asseveramos que a proibição foi emitida por Deus. Assim, assumimos a responsabilidade de adivinhar as Suas intenções e descobrimos que Ele também não gosta que os homens se exterminem uns aos outros. Comportando-nos desta maneira, revestimos a proibição cultural de uma solenidade muito especial, mas, ao mesmo tempo, arriscamos-nos a tornar sua observância dependente da crença em Deus. Se voltarmos atrás, ou seja, se não mais atribuirmos a Deus o que é a nossa própria vontade, e nos contentarmos em fornecer a razão social, então, é verdade, teremos renunciado à transfiguração da proibição cultural, mas também teremos evitado o seu risco. Contudo, ganhamos algo mais. Através de certo tipo de difusão ou infecção, o caráter de santidade e inviolabilidade – de pertencer a outro mundo, poder-se-ia dizer – espalhou-se de certas poucas proibições de vulto para todas as outras regulamentações, leis e ordenações culturais. Nestas, entretanto, a auréola com freqüência não parece cair bem; não apenas se invalidam umas às outras por fornecerem decisões contrárias em épocas e lugares diferentes como também, à parte isto, apresentam todos os sinais de inadequação humana. É fácil identificar nelas coisas que só podem ser produto de uma compreensão míope, de uma expressão de interesses egoisticamente restritos ou de uma conclusão baseada em premissas insuficientes. A crítica que não podemos deixar de lhes dirigir também diminui a um grau muito pouco favorável o nosso respeito por outras exigências culturais mais justificáveis. Visto ser tarefa difícil isolar aquilo que o próprio Deus exigiu, daquilo que pode ter a sua origem remontada à autoridade de um parlamento todo-poderoso ou de um alto judiciário, constituiria vantagem indubitável que abandonássemos Deus inteiramente e admitíssemos com honestidade a origem puramente humana de todas as regulamentações e preceitos da civilização. Junto com sua pretensa santidade, estes mandamentos e leis perderiam também sua rigidez e imutabilidade. As pessoas compreenderiam que são elaborados, não tanto para dominá-las, mas, pelo contrário, para servir os seus interesses, e adotariam uma atitude mais amistosa para com eles e, em vez de visarem à sua abolição, visariam unicamente à sua melhoria. Isto constituiria um importante avanço no caminho que leva à reconciliação com o fardo da civilização.

 

 

 

Que haja tolerância e solidariedade!

 

 

 

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Notas:

1. Segundo Sigmund Freud, o Complexo de Édipo verifica-se quando, na segunda infância, a criança atinge o período sexual fálico, e, então, se dá conta da diferença de sexos, tendendo a fixar a sua atenção libidinosa nas pessoas do sexo oposto no ambiente familiar. O conceito foi descrito por Freud e recebeu a designação de complexo por Carl Gustav Jung (Kesswil, 26 de julho de 1875 – Küsnacht, 6 de junho de 1961), que desenvolveu semelhantemente o conceito de Complexo de Electra. O Complexo de Electra é definido como sendo uma atitude emocional que todas as meninas têm para com a sua mãe. Trata-se de uma atitude que implica em uma identificação tão completa com a mãe que a filha deseja, inconscientemente, eliminá-la e possuir o pai.

2. Aqui, vale a pena lembrar que a bondade ignorante poderá, algumas vezes, inconscientemente, ser, na realidade, perversa e acachapante. E a bondade ignorante (ou a crueldade reiterada) de um pai ou de uma mãe poderá, no limite, acabar produzindo um assassino em série (também conhecido pelo nome em inglês serial killer) – criminoso de perfil psicopatológico que comete crimes com uma certa freqüência, usualmente seguindo um modus operandi, e, às vezes, deixando sua 'assinatura'. Geralmente, o serial killer é um cidadão respeitável – atraente, bem sucedido, membro ativo da comunidade – até que seus crimes são descobertos. Corriqueiramente, o serial killer apresenta três comportamentos sistemáticos durante a infância, conhecidos como a Tríade MacDonald: enurese noturna (faz xixi na cama), causa incêndios e é particularmente cruel com os animais e com outras crianças menores. O exemplo clássico de serial killer é o de Norman Bates, interpretado por Anthony Perkins – o empalhador matricida que se dizia vítima de sua própria armadilha – no filme Psicose, de Alfred Joseph Hitchcock (Londres, 13 de agosto de 1899 – Los Angeles, 29 de abril de 1980), que foi inspirado na vida atormentada do homicida Edward Theodore Gein, mais conhecido como Ed Gein (La Crosse, Wisconsin, 27 de agosto de 1906 – Waupun, Wisconsin, 26 de julho de 1984), de quem nunca se viu nada semelhante no campo da aberração mental. Ed Gein foi condenado pelos homicídios de apenas duas pessoas (desta maneira, tecnicamente, não se encaixando na definição de serial killer), mas é suspeito por ter assassinado dez pessoas no total, o que, se assim foi, pode ser considerado um assassino serial. Os seus crimes ganharam notoriedade quando as autoridades descobriram que Gein exumava cadáveres de cemitérios locais e fazia troféus e lembranças com eles. Enfim, a eventual insanidade, freqüentemente alegada na tentativa de absolver o assassino serial, quase nunca é constatada de fato pela Psiquiatria, pois, o fato de o assassino ser portador de algum transtorno de personalidade ou parafilia (distúrbio psíquico que se caracteriza pela preferência ou obsessão por práticas sexuais socialmente não aceitas como a pedofilia, o sadomasoquismo, o exibicionismo etc.) não faz dele um alienado mental. Quando capturados, costumam simular insanidade, alegando múltiplas personalidades, esquizofrenia ou qualquer coisa que o exima de responsabilidades mas, na realidade, aproximadamente apenas 5% dos assassinos em série podem ser considerados mentalmente doentes no momento de seus crimes. Para facilitar o entendimento, academicamente podemos dizer que o assassino serial psicótico atuaria em conseqüência de seus delírios e sem crítica do que está fazendo, enquanto o tipo psicopata atua de acordo com sua crueldade incontrolada. O psicopata tem juízo crítico de seus atos e é muito mais perigoso, e devido à sua capacidade de fingir emoções e se apresentar extremamente sedutor, consegue sempre enganar suas vítimas. O psicopata busca constantemente seu próprio prazer, é solitário, muito sociável e de aspecto encantador. Ele age como se tudo lhe fosse permitido; se excita com o risco e com o proibido. Quando mata, tem como objetivo final humilhar a vítima para reafirmar sua autoridade, realizar sua auto-estima e protagonizar seu teatro de horrores. Para ele, o crime é secundário, e o que interessa, de fato, é o desejo de dominar, de se sentir superior. O assassino serial, evidentemente, não é uma pessoa normal, mesmo porque este conceito é muito vago; passa pelo critério estatístico (estatisticamente não-normais), mas isto não significa obrigatoriamente que ele não tem consciência do que faz. A maioria dos assassinos seriais é diagnosticada como portadora de Transtorno de Personalidade Anti-social (sinônimo de dissocial, psicopata, sociopata). Embora estes assassinos possam não ter pleno domínio no controle dos impulsos, eles distinguem muito bem o certo do errado, tanto que querem sempre satisfazer seus desejos sem correr riscos de ser apanhados. Quanto à sua forma de atuar, os assassinos em série se dividem em organizados e desorganizados. Organizados são aqueles mais astutos e que preparam os crimes minuciosamente, evitando deixar pistas que os identifiquem. Os desorganizados, mais impulsivos e menos calculistas, atuam sem se preocupar com eventuais erros cometidos. Uma vez capturados, os assassinos em série podem confessar seus crimes, às vezes atribuindo-se a característica de serem mais vítimas do que aquelas que, na realidade, assassinaram, de terem personalidades múltiplas, de estarem possuídos etc. De modo geral, todos eles experimentam um terrível afã de celebridade. Como no resto do mundo, a maioria dos assassinos em série, no Brasil, são homens, brancos, têm entre 20 e 30 anos, vieram de famílias desestruturadas, sofreram maus-tratos ou foram molestados quando crianças. As mulheres assassinas em série representam apenas 11% dos casos, e, em geral, são muito menos violentas do que os assassinos masculinos, e raramente cometem um homicídio de caráter sexual. Quando matam, não costumam utilizar armas de fogo, e raramente usam armas brancas, preferindo os métodos mais discretos e sensíveis, como, por exemplo, o veneno. Elas costumam ser mais metódicas e cuidadosas do que os homens. Normalmente, as mulheres assassinas planejam o crime meticulosamente e de uma maneira sutil, se apresentando como verdadeiros quebra-cabeças aos investigadores. Esta peculiaridade inteligente faz com que possa passar muito tempo antes que a polícia consiga identificar e localizar a assassina. É comum identificarmos, na história do desenvolvimento da personalidade destes assassinos seriais, alguns fatos comuns. Segundo Ilana Casoy, escritora e estudiosa do assunto, é raro um (assassino serial) que não tenha uma história de abuso ou negligência dos pais. Isto não significa que toda criança que tenha sofrido algum tipo de abuso seja um matador em potencial. De crianças, geralmente, os assassinos em série tiveram um relacionamento interpessoal problemático, tenso e difícil.

3. Ora, isto é uma incongruência fora do comum. Então, o Período Lunar foi melhor do que o Período Terrestre? E o Período Solar foi melhor do que o Período Lunar? E o Período de Saturno foi melhor do que o Período Solar? A prevalecer este entendimento abstruso, à medida que formos alcançando progressivamente os Períodos de Júpiter, de Vênus e de Vulcano, ao invés de lentamente irmos nos tornado Deuses, acabaremos nos diplomando em demônios incontroláveis.

4. Sub specie æternitatis é uma das máximas de Baruch Spinoza (24 de novembro de 1632, Amsterdã – 21 de fevereiro de 1677, Haia) que significa na perspectiva da eternidade.

5. Apesar de em Levítico XI: 18-19 ser qualificada como impura, a cegonha é considerada, na maioria das vezes, uma ave de bom augúrio. É muito difundida a lenda segundo a qual ela traz os recém-nascidos. Isto está indubitavelmente ligado aos seus costumes de ave migratória e monogâmica, correspondendo seu retorno ao despertar da Natureza na primavera. A cegonha também é símbolo da piedade familiar. Na Europa medieval, acreditava-se que a cegonha alimentava seus pais envelhecidos e que era muito dedicada a seus filhotes. No Extremo Oriente, tal qual o grou, ela é considerada um símbolo da imortalidade.

6. A vendeta particular em nada difere da cultura da vendetta corsa, cujo sentimento de hostilidade e vingança entre famílias ou clãs rivais desencadeia assassinatos e atos de vingança mútua, envolvendo assaltos, combates, incêndios e extermínio de famílias inteiras. Vendeta (ou seja, vingança) é uma seqüência de ações e contra-ações motivadas por vingança que são levadas a cabo ao longo de um extenso período de tempo por grupos que buscam justiça; ela foi uma parte importante de muitas sociedades pré-industriais, especialmente na região mediterrânea, e ainda hoje persistem em algumas áreas. A vendeta poderia ser também interpretada como rixa (estado de hostilidade entre pessoas e/ou grupos em desacordo), sendo aplicada geralmente entre disputas e desavenças familiares que deslustrem a honra, a reputação, o bom nome e a memória dos indivíduos envolvidos.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.simplypsychology.org/
psyche.html

http://www.rubedo.psc.br/
Artigos/idcoleti.html#FOOTNOTE

http://books.google.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vendeta

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Cegonha#Simbolismo

http://www.myspace.com/wyrmspit

http://prestesaressurgir.blogspot.com/
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http://picasaweb.google.com/lh/photo/
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http://profcristinacorgo.blogspot.com/
2009/11/descobre-as-5-diferencas.html

http://www.maxi-gif.com/gif-anime-squelette

http://www.citador.pt/
textos/a/sigmund-freud

http://izoton.blogs.sapo.pt/
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http://www.saindodamatrix.com.br/
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http://www.alarmegeny.com/

http://pensador.uol.com.br/
autor/sigmund_freud/

http://gballone.sites.uol.com.br/
forense/criminologia.html

http://pensador.uol.com.br/
autor/sigmund_freud/2/

http://pensador.uol.com.br/
autor/sigmund_freud/3/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ed_Gein

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Assassino_em_s%C3%A9rie

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Complexo_de_%C3%89dipo

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Complexo_de_Electra

http://pt.wikiquote.org/
wiki/Sigmund_Freud

 

Fundo musical:

Psycho: The Murder
Compositor:
Bernard Herrmann

Fonte:

http://beemp3.com/