O
cético suspende seu juízo só em relação
aos assuntos não-evidentes, mas mantém suas crenças
no sentido comum.
O
cético não determina nada, nem mesmo a expressão cética
(não determino nada).
O
cético argumenta
sempre contra a posição dos outros. Se o oponente rejeita
a premissa ou a estrutura argumentativa, o cético substitui por uma
premissa ou uma estrutura que possam ser aceitas, e trabalha a partir destas.
O
cético dá
seu assentimento para as experiências que não pode evitar ter
em virtude das suas impressões ('phantasiai').
Não
podemos simplesmente afirmar uma coisa; mas conjugar sua não-evidência
com sua evidência.
Quando o cético diz 'eu não
digo nada determinado', ele quer dizer o seguinte: 'encontro-me na situação
de não afirmar nem negar dogmaticamente nada daquilo que agora está
sendo investigado'.
Quando
nos questionamos que crenças um cético pode ter, a resposta
depende sempre do que queremos dizer com a palavra 'crença'.
Há
uma diferença inconciliável entre 'como as coisas são'
e 'como as coisas aparecem para nós'. E mais: devido
às diferenças, as
mesmas impressões não são produzidas pelos mesmos objetos.
A
pessoa ordinária torna-se aberta à infelicidade porque pensa
que algumas coisas são mais valiosas ou importantes do que outras.
(Sublinhado
meu).
O
que é mais valioso e importante:
um diamante ou uma Iridomyrmex
humilis?
Diferentes
animais têm diferentes formas de origem. Alguns nascem de reprodução
sexuada, outros de reprodução assexuada; alguns, como a mula,
têm parentes heterogêneos, outros homogêneos; alguns nascem
vivos, outros em forma de ovos etc. Destas diferentes formas de origem,
devem surgir diferentes formas de ser afetado pelos sentidos.
Precisaríamos de uma prova
para escolher as nossas impressões sobre as dos animais; mas esta
prova deve ser ou aparente ou não-aparente. Se for não-aparente
(como, por exemplo, uma teoria qualquer inventada por um dogmático)
não deve ser confiável simplesmente pelo fato de que ela não
aparece para nós. Se for aparente (um aparelho de medida, por exemplo),
ela, então, deve aparecer também para os animais. Mas, se
aparece também para os animais, ela também está sob
questão e, por isto, não pode ser a resposta para esta mesma
questão.
Um animal – por hipótese,
o cachorro –
pode ter uma impressão muito superior
à nossa como, por exemplo, em relação ao faro e à
audição, e, por isto, é errado considerar o homem como
tendo as impressões mais confiáveis.
Cada
ser humano é afetado de maneira diferente pelos objetos externos.
Muitos são os exemplos que demonstram isso. Demofon, mordomo de Alexandre,
sentia frio quando estava no Sol ou em um banho quente, mas sentia calor
na sombra; Tibério César podia ver no escuro; Ândron
de Argos podia viajar através dos áridos desertos da Líbia
sem beber água etc.
Para
poder fazer um julgamento real sobre as coisas teríamos que confiar
ou em todos os homens ou em alguns. Confiar em todos seria absurdo, pois
muitas seriam as impressões contraditórias. Confiar em alguns
levanta o problema de em quais confiar. Confiar na maioria é uma
proposta infantil, pois não há como visitar todos os homens
para saber como eles são afetados. Confiar em algum homem específico
levanta a questão de em qual confiar.
Uma
prova sempre exige um critério que a confirme, e o critério
também necessita de uma prova para demonstrar a sua validade. Assim,
tanto as provas como os
critérios estão envolvidos no mesmo circular
processo de raciocínio.
Não
podemos captar a integridade dos objetos independentemente das circunstâncias
de suas disposições.
Nenhum
de nós é
capaz de afirmar qual característica pertence efetivamente a um objeto,
no que diz respeito à sua essência real, mas apenas o que lhe
pertence em relação à uma regra de conduta, à
uma lei, a
um hábito e assim por diante.
Dependendo
das condições anteriores, o mesmo vinho parece azedo para
aqueles que acabaram de comer tâmaras ou figos, mas parece ser doce
para aqueles que consumiram nozes ou grão-de-bico. E o vestíbulo
da casa de banhos esquenta os que entram, mas esfria os que saem, se ficam
esperando nele. Dependendo de se estar com medo ou confiante, o mesmo objeto
parece temível ou terrível ao covarde, mas de forma alguma
a alguém mais corajoso. Dependendo de se estar em sofrimento ou em
situação agradável, as mesmas coisas são irritantes
para os que sofrem e agradáveis para os que estão bem.
Se,
então, não se pode preferir uma aparência à outra,
com ou sem uma demonstração ou um critério, as diferentes
aparências que ocorrerem, em diferentes condições, serão
indecidíveis. De modo que, a suspensão do juízo com
relação à natureza dos existentes externos é
introduzida também deste modo.
Um corpo pode ser simples ou composto.
Se é composto, pode se decompor, e, portanto, é mortal. Se
for simples, é um dos Quatro Elementos – Fogo, Ar,
Água e Terra
– e,
então, é inerte e inanimado. Daí se segue que a Divindade
ou é mortal ou é inanimada, o que, em ambos casos, é
um absurdo.
As
coisas existem; porém, só o que podemos saber e dizer delas
é de que maneira nos afetam, não o que são em si mesmas.
A
vida prática deve reger-se por quatro guias: a experiência
da vida, as indicações que a Natureza nos dá através
dos sentidos, as necessidades do corpo e as regras das artes.
O Silogismo4
é um círculo vicioso.
Há, na verdade, duas Gramáticas:
uma geral e outra particular.A Gramática geral se refere ao conhecimento
das letras – sejam gregas ou bárbaras. Esta Gramática
se compromete a ensinar o alfabeto e suas combinações, sendo,
assim, uma especialidade relativa à leitura e à escrita (esta
Gramática está entre as coisas mais úteis: ela cura
a indolente doença do esquecimento). Já no sentido particular,
a Gramática não se limita ao mero conhecimento das letras,
mas quer ser uma especialidade mais profunda, pretendendo investigar a origem
e a natureza da linguagem, além das partes das orações
(chegando às palavras, sílabas etc.).
A
Gramática está dividida em três partes: técnica,
histórica e especializada ou própria. A parte técnica
concerne à própria linguagem e seus componentes, debruçando-se
sobre seus elementos, sílabas, expressão e partes da oração,
distribuição, ortografia e helenismo. A parte histórica
da Gramática é aquela que se encarrega da explicação
no que concerne a pessoas, lugares, ficções e mitos. Finalmente,
na parte especializada ou própria é examinada a linguagem
dos poetas e prosadores – expondo-se, criticando-se e catalogando-se
suas obras; investigando-se a obscuridade de sua linguagem; e distinguindo-se
o que é genuíno do que é espúrio... A Gramática,
sob a concepção dos gramáticos, é não-existente.
O discurso divide-se em palavras
e substâncias que as fundamentam. As palavras são tanto as
expressões como seus significados; as substâncias que as fundamentam,
por seu turno, são os objetos no mundo referidos pelas palavras.
Os estóicos aceitavam que
três coisas estavam ligadas: o significado, o que significa e o objeto.
O que significa é a palavra, por exemplo, o termo 'Dion'; o significado
é o que exprime o que compreendemos e pensamos, e que o estrangeiro
não compreende, ainda que seja capaz de ouvir o termo. Finalmente,
encontramos o objeto exterior: Dion em pessoa. Duas dessas coisas são
corpos: a palavra e o objeto; a terceira é incorporal; é o
que pode ser verdadeiro ou falso.
Os
gramáticos são incompetentes, pois toda composição
de prosa e poesia consiste de palavras que significam e de coisas que são
significadas. Seria, portanto, necessário ao gramático entender
as palavras, ou apenas as coisas que as fundamentam, ou ambas. Os gramáticos
não entendem as coisas que fundamentam as palavras, uma vez que algumas
destas coisas pertencem à ciência natural, outras são
matemáticas, outras, ainda, são médicas, musicais etc.
Então, no fim das contas, para se entender estes escritos é
preciso ser um especialista da área de que a composição
estiver tratando. Isto significa dizer que, como os gramáticos não
podem ser especialistas em todas estas ciências, eles interpretariam
erroneamente estes textos... Como os gramáticos conheceriam algumas
palavras científicas, tais como realidade e essência, em Aristóteles?
Em suma, se os gramáticos não sabem nem as coisas nem as palavras,
e o poema ou a obra em prosa não é nada além disso,
os gramáticos não vão possuir uma especialidade capaz
de explicar o que é dito por poetas e prosadores.
Em
relação a qualquer assunto, tem surgido não só
entre as pessoas comuns, mas também entre os filósofos, um
conflito interminável, em virtude do qual somos incapazes tanto de
escolher uma coisa como de a rejeitar, acabando assim por suspender o juízo.
O
fogo, que por essência queima, causa a cada um a representação
de ser quente.
O
fenômeno prevalece sobre tudo, por toda parte onde ele se encontra.
A
parte é algo diferente do todo, mas é também o mesmo
que o todo é; a substância é o todo e a parte.
Pode
ser e pode não ser.
Sobre
as coisas que se investigam, do ponto de vista da Filosofia, uns afirmam
haver encontrado a verdade, outros declaram que não é possível
que isto se cumpra e outros continuam investigando. Os que acreditam ter
encontrado a verdade são os chamados propriamente dogmáticos,
como, por exemplo, os seguidores de Aristóteles e Epicuro, os Estóicos
e alguns outros. Da mesma maneira que se manifestaram pela inapreensibilidade
da verdade, são os seguidores de Clitômaco, Carnéades
e outros acadêmicos. E os que continuam investigando são os
céticos. De onde, com muita razão, se considera que os sistemas
filosóficos são, em linhas gerais, três: dogmáticos,
acadêmicos e céticos.
Qualquer
um que sustenta crenças mesmo num assunto... ou faz afirmações
sobre qualquer assunto não-evidente tem, por isso mesmo, o caráter
distintivo de um dogmático.
Diante
de tais questões insolúveis, levantadas por Górgias,
desaparece, pelo que concerne, o critério da verdade: do inexistente
e do incognoscível não há possibilidade de juízo.
Os
argumentos do Ceticismo contra os dogmáticos são: 1º
- o caráter relativo das opiniões; 2º - a necessidade
de uma regressão ao infinito para se encontrar o Primeiro Princípio,
no qual todos os outros se sustentam; 3º - o caráter relativo
das percepções; 4º - toda demonstração
se funda em princípios que não se demonstram, mas se admitem
por convenção; e 5º - demonstrar algo supõe no
homem a faculdade de demonstrar e a validade da demonstração.
Existem
três questões que organizam toda e qualquer investigação
filosófica, que, ao serem respondidas, proporcionam uma vida feliz.
São elas: 1ª) qual a verdadeira natureza das coisas? 2ª)
em que situação nos colocamos em relação à
estas coisas? e 3ª) o que se pode esperar que se siga desta situação?
Deste Logos, os homens se tornam
descompassados, quer antes de O ouvir, quer logo O tenham ouvido; pois,
tornando-se todas (as coisas) segundo este Logos, a inexperientes se assemelham,
embora sendo experimentado em palavras e ações, tais quais
eu discorro segundo a natureza, distinguindo cada (coisa) e explicando como
se comporta. Aos outros homens, escapa quando estão despertos, tal
como esquecem como quando estão dormindo.
Os
homens vivem como se tivessem uma inteligência privilegiada e particular.
Não sou ateu. Vocês
não podem afirmar isso, porque, para admitir que Deus não
existe, eu estaria estabelecendo um critério dogmático, um
método teológico para provar que Deus não existe.
Se
se disser que uma escola ('hairésis') é uma adesão
a numerosas verdades ou dogmas ('dogmata') coerentes entre si, diremos que
o cético não tem escola. Em contrapartida, se se disser que
uma escola ('hairésis') é um modo de vida que segue um certo
princípio racional em conformidade ao que nos aparece, diremos que
o cético tem uma escola.
O
Pirronismo conduz à crença de que as sensações,
opiniões e valores não se contradizem por causa do desvio
da razão em sua relação com o sujeito, o meio e o objeto
do conhecimento, mas porque o mundo em si não tem uma natureza estável
a ser apreendida ou não na busca da verdade.
O
homem é naturalmente um amante da verdade.
A Verdade é inacessível.
Isto
não é desta maneira mais do que daquela outra ou do que nenhuma
das duas.
Ponho
em questão qualquer crença dogmática na realidade essencial
das coisas, mas não recuso a adesão à forma como as
coisas aparecem na representação passiva que leva ao assentimento
involuntário sob a exigência da necessidade de viver.
A
representação é uma impressão na alma. Cleanto
entendeu a impressão como depressão e relevo, tal qual a marca
feita pelos timbres na cera. Crisipo reteve como absurda essa interpretação.
Em primeiro lugar, de fato, diz ele, quando a mente representa ao mesmo
tempo um triângulo e um quadrado, será preciso que o mesmo
corpo, ao mesmo tempo tenha em si diferentes figuras e se torne, simultaneamente,
triângulo e quadrado, e também círculo, o que é
absurdo. Ademais, dado que em nós estão presentes, juntas,
muitas representações, a alma deverá ter inúmeras
figuras, o que é ainda pior. Crisipo supunha, então, que Zenão
tivesse usado o termo 'impressão' em lugar de 'alteração',
de modo que a definição seria a seguinte: representação
é uma alteração da alma, pois não é absurdo
que o mesmo corpo, ao mesmo tempo, existindo em nós muitas representações,
receba várias alterações. De fato, como o ar, quando
muitos falam simultaneamente, recebendo ao mesmo tempo numerosas e diferentes
percussões, sofre muitas alterações, assim também
a parte regente da alma, recebendo numerosas representações,
sofrerá algo análogo.
A
representação é uma modificação da alma...
A representação compreensiva é aquela impressa e bem
assimilada de uma coisa que realmente subsiste e no modo como subsiste,
e é de tal modo que não poderia surgir de uma coisa que não
subsiste.
Pelo
Ceticismo chegamos primeiro à suspensão do julgamento e depois
à liberdade de inquietação.
Más
testemunhas para os homens são olhos e ouvidos, se almas bárbaras
eles têm.
Todo
inteiro vê, todo inteiro pensa, todo inteiro ouve.
O
moinho dos deuses mói lento! Mas mói muito fino.
Homero
e Hesíodo imputaram aos deuses tudo quanto entre os homens é
indecoroso e censurável: roubos, adultérios, enganos recíprocos.
É
impossível conseguir que o Ser não seja.
Pois
todos nascemos da Terra e da Água.
A
Verdade e a Sabedoria – pelo menos com relação às
coisas não-evidentes – nenhum ser humano conhece porque, mesmo,
se por sorte ele as encontrar, ainda assim ele não saberá
que as encontrou, mas tão-só imaginará e opinará.
Não
há homem algum que jamais claramente tivesse visto e saiba dos deuses
e de tudo; pois, ainda que alguém viesse a pronunciar o melhor possível
a lavra definitiva, nem esse saberia. Sobre tudo recai a opinião.
É
possível viver segundo a experiência comum
e segundo o 'costume' se nos conformarmos a estas quatro regras elementares:
1ª) seguir as indicações da Natureza; 2ª) seguir
os impulsos de nossos sentidos, que nos levam por exemplo, a comer quando
temos fome e a beber quando temos sede; 3ª) respeitar as leis e os
costumes do seu próprio país e, portanto, do ponto de vista
prático, aceitar as relativas avaliações de piedade
como um bem e da impiedade como um mal; e 4ª) não permanecer
inerte, mas exercer uma arte.
Os
céticos esperam atingir a imperturbabilidade, dirimindo a desigualdade
que há entre os dados dos sentidos e os dados da razão; mas,
quando não conseguem, suspendem o juízo, e com esta suspensão
vem a imperturbabilidade, como a sombra sobrevém ao corpo.
O
fenômeno – que é sentido – embora e sempre relativo,
não implica erro. Tal não acontece com o que é construído,
pois qualquer teorização fundada no noumeno, quer na suposição
do seu correlato fora do espírito, quer na inferência de causas
e relações necessárias, não passa de pretensão
ilegítima.
Ninguém
jamais soube algo claro nem jamais o saberá, pois a tudo se cola
a opinião.
É próprio das almas
bárbaras confiar em sensações sem razão (Logos).
Enquanto intuído, o tempo
é o puro devir. O tempo é puro transformar-se, é o
puro conceito, o simples, que é harmônico a partir de absolutamente
opostos. Sua essência é ser e não-ser, sem outra determinação
— ser puro e abstrato não-ser, postos imediatamente em uma
unidade e ao mesmo tempo separados. Não como se o tempo fosse e não
fosse, mas o tempo é isto: no ser imediatamente não-ser e
no não-ser imediatamente ser – esta mudança de ser para
não-ser, este conceito abstrato, é, porém, visto de
maneira objetiva, enquanto é para nós. No tempo não
há o passado e o futuro, somente há o agora; e este é,
para não-ser, está logo destruído, passado –
e este não-ser passa, do mesmo modo, para o ser, pois ele é.
É a abstrata contemplação desta mudança.
Tudo que nos cerca é lógico
e compreensível por si.
Somente a consciência como
Consciência do Universal é Consciência da Verdade.5
O engano, portanto, consiste na particularização do pensamento
– o mal e o engano residem no fato da separação do Universal.
Empolguei-me
com o que estudei;
então, epilogarei assim:
O que
será a Verdade?
O
que não é a Verdade?
Continuarei
auscultando;
e,
por aí, vou jornadeando.
A
noite vem depois do dia
ou
ela vem antes do dia?6
e,
por aí, vou caminhando.
A
ordem será nascer–›morrer
ou
a ordem é morrer–›nascer?
Continuarei
escoldrinhando;
e,
por aí, vou seqüenciando.
O
início ALeF?
O fim TaV?
Ou
são um o ALeF
e o TaV?
Continuarei
esmerilhando;
e,
por aí, vou me esforçando.
O
bulcão é falta de LLuz
ou
nele não se vê
a LLuz?7
Continuarei
perscrutando;
e,
por aí, vou peregrinando.
Será
subtração ou adição?
Amontoação
ou repartição?
Continuarei
investigando.
Um
dia saberei? Quando?
Mas,
uma coisa eu bem sei:
como
Sócrates, eu nada sei.
Mas,
sei mais do que sabia;
Este
é o fado
de todos nós:
navegar
em uma casca de noz.
Na
encarnação, com casca;
na
desencarnação, sem casca.
Mas,
sempre haverá casca
a
nos amofinar como borrasca.
Todavia,
bendita amofinação
que
nos livrará da crucifixão.8