PENSAMENTOS DE SENECA

 

 

 

Seneca

Seneca

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Em um outro texto (O Elogio da Vida) eu já havia apresentado, como introdução, alguns pensamentos de Seneca. Decidi fazer uma ampliação e divulgar um texto mais extenso acrescentando alguns fragmentos deste que foi um dos mais célebres escritores e intelectuais do Império Romano.

 

 

 

 

Breve Biografia de Sêneca

 

 

 

Lucius Annaeus Seneca (Corduba, 4 a.C. – Roma, 65 d.C.) foi um dos mais célebres escritores e intelectuais do Império Romano. Sua obra literária e filosófica, tida como modelo do pensador estóico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia européia renascentista.

 

Seneca, diferente de um filósofo, é um entusiasta da Filosofia, estudioso apaixonado, informado de todas as correntes filosóficas do seu tempo, mas contrário a encerrar-se em qualquer sistema ou fórmula. Nele, a Filosofia era viva, era a própria vida. Poeta, humanista, mais que filósofo, o elemento preponderante em suas obras são os sentimentos, mais do que as idéias, com as quais, na origem, pouco contribuiu. Entretanto, na história do pensamento, nunca, ninguém foi tão compenetrado do sentimento da nobreza do espírito humano e soube tão bem e poderosamente transmitir esse sentimento em palavras.

 

Seneca retirou-se da vida pública em 62. Entre seus últimos textos, estão a compilação científica Naturales Quæstiones (Problemas Naturais), os tratados De Tranquillitate Animi (Sobre a Tranqüilidade da Alma), De Vita Beata (Sobre a Vida Beata) e, talvez sua obra mais profunda, as Epistolæ Morales dirigidas a Lucílio, em que reúne conselhos estóicos e elementos epicuristas na pregação de uma fraternidade universal, mais tarde considerada próxima ao Cristianismo.

 

No ano 65 d.C., Seneca foi acusado de ter participado da conspiração de Pisão, uma antiga família romana, na qual o assassínio de Nero teria sido planejado. Sem qualquer julgamento, optou por cometer o suicídio; afinal, pensava que nenhum homem possui a liberdade de escolher o momento de nascer, mas todos são livres para eleger a ocasião de abandonar a vida. Na presença dos seus amigos cortou os pulsos, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia. Tácito relatou a morte de Seneca e da mulher, que também cortou os pulsos. Nero, com medo da repercussão negativa dessa dupla morte, mandou que médicos a tratassem, e ela sobreviveu ao marido alguns anos.

 

Apesar de ter sido contemporâneo de Jesus, Seneca não fez quaisquer relatos significativos de fenômenos milagrosos que aparentemente anunciavam o despoletar de uma poderosa nova religião; entretanto, há indícios de uma possível troca de correspondências com Paulo de Tarso (apóstolo, com cidadania romana, também conhecido por Saulo). Constata-se que os cristãos, por intermédio de Lucius Annaeus Seneca, assimilaram os princípios estóicos, utilizando inclusive as mesmas metáforas estóicas na Bíblia. Eis um exemplo: Sê, para teu inimigo, o que é a terra, que devolve farta colheita ao lavrador que lhe rasga o seio. Sê, para aquele que te aflige, o que é o sândalo da floresta que perfuma o machado do lenhador que o corta. Eis outro, que, talvez, tenha influenciado Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 – Paris, 5 de setembro de 1857), que acreditava que a ciência moral demonstra que a nossa felicidade e a nossa unidade consistem em, virtuosa e positivisticamente, viver para outrem: viverei com o pensamento de que nasci para os outros.

 

 

 

 

Pensamentos Senecianos

 

 

 

Eu elogio a vida. Não a que levo; mas Aquela que sei dever ser vivida.

 

A prosa adere ao pensamento, uniformiza-se e adapta-se a ele; e muitas vezes um subentendido produz um jogo de luzes e sombras cheios de profunda beleza. Amiúde, a frase breve produz inesperadas imagens pictóricas; outras vezes, antíteses ou as anedotas enriquecem as sentenças austeras. A argúcia atenua a trágica solenidade do assunto.

 

Que outra coisa é, senão inflamar nossos vícios, quando os imputamos aos deuses e se concede a deferência da divindade a um exemplo de fraqueza? Podem estes não achar muito curtas as noites pelas quais pagam tão caro? Perdem o dia na espera da noite; a noite, de medo da aurora.

 

Os vegetais constituem alimentação suficiente para o estômago, e, no entanto, recheamo-lo de vidas valiosas.

 

Cada um se lança à vida sofrendo da ânsia do futuro e do tédio do presente.

 

 

 

 

É necessariamente a mais miserável e não apenas a mais breve, a vida dos que obtêm com grande esforço algo que conservam com um esforço ainda maior. Em meio a grandes labutas, conseguem o que desejam e ansiosos conservam o que conseguiram. Entretanto, não têm consciência de que o tempo nunca mais há de voltar.

 

O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos desnecessários, pelos tolos contentamentos, pelas paixões ávidas e pelas conversas inúteis? E quão pouco te restou do que era teu?1

 

Não se encontra ninguém que queira dividir sua riqueza, mas a vida é distribuída entre muitos! Alguns são econômicos na preservação de seu patrimônio, mas desperdiçam o tempo – a única coisa que justificaria a avareza.

 

Para a nossa avareza, o muito é pouco; para a nossa necessidade, o pouco é muito.

 

Alguns, sem terem dado rumo às suas vidas, são flagrados pelo destino esgotados e sonolentos.

 

A vida, se bem empregada, é suficientemente longa, e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizaremos aquilo que deveríamos realizar, e sentimos que ela realmente se esvai.

 

Tal como abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também nossa vida se estende por muito tempo, para aquele que sabe dela bem dispor.

 

Foges em companhia de ti próprio; é tua alma que precisa ser mudada, não o clima.

 

Deixarás de temer quando deixares de ter esperança.2

 

 

 

 

 

Esperança suscita esperança; ambição fazer nascer ambição.

 

A virtude é difícil de se manifestar, precisa de alguém para orientá-la e dirigi-la. Mas os vícios são aprendidos sem mestre.

 

Os vícios sufocam os homens e andam à sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade. Permanecem imersos, presos às paixões, não favorecendo um voltar-se para si próprio. Mesmo encontrando alguma paz, os homens continuam sendo levados por suas ambições, não encontrando tranqüilidade, tal como o fundo do mar que, depois da tempestade, ainda continua agitado.

 

Longo é o caminho ensinado pela teoria; curto e eficaz o do exemplo.

 

Os males de que foges estão em ti.3

 

Algumas doenças devem ser curadas sem que os pacientes as conheçam: a muitos, o conhecimento de sua doença foi a causa da morte.

 

É parte da cura o desejo de ser curado.

 

Sentir solidão não é estar só, é estar vazio.

 

É necessário procurarmos conhecer a que má e penosa servidão nos sujeitamos quando nos abandonamos ao poder alternado dos prazeres e das dores – esses dois amos tão caprichosos quanto tirânicos.

 

O homem vive preocupado em viver muito e não em viver bem, quando, na realidade, não depende dele o viver muito, mas, sim, o viver bem.

 

Muitas coisas não ousamos empreender por parecerem difíceis; entretanto, são difíceis porque não ousamos empreendê-las.

 

Se vives de acordo com as Leis da Natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico.

 

Pobre não é aquele que tem pouco, mas, antes, aquele que muito deseja.

 

 

 

Vive de tal maneira que não faças nada que não possas dizer aos teus inimigos.

 

Onde quer que haja um ser humano, há uma oportunidade para que se manifeste o bem.

 

Há pessoas que não param de se atormentar com a lembrança de coisas passadas; outras se afligem pelos males que virão. É tudo absurdo, pois o que já aconteceu não nos afeta mais e o futuro ainda não nos tocou... Devemos contar cada dia como uma vida separada.

 

Devem ser evitados os tristes de que tudo se queixam.

 

Perguntas-me qual foi o meu progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo.

 

Quem é temido, teme. Ora, não pode ficar tranqüilo quem é objeto do medo alheio.

 

Morremos a cada dia; a cada dia falta uma parte da vida.

 

A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida.

 

Conviva com os homens como se Deus o visse. Fale com Deus como se os homens ouvissem.

 

Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas.

 

A lei deve ser breve para que os indoutos possam compreendê-la facilmente.

 

A maldade bebe a maior parte do veneno que produz.

 

Os homens que se tornam arrogantes com o sucesso têm o mau hábito de odiar aqueles a quem ofenderam.

 

A companhia da multidão é nociva: há sempre alguém que nos ensina a gostar de um vício, ou que, sem que percebamos, transmite-nos este vício por completo ou em parte. Quanto mais numerosas forem as pessoas com as quais convivemos, maior é o perigo.

 

Para atingir a felicidade é necessário evitar a multidão e abandonar a idéia de que o melhor está ligado ao maior número. A multidão toma posição contra a razão; a opinião da multidão é indício do pior. Devemos procurar aquilo que é melhor, não o que é mais comum.

 

As virtudes sempre estão onde reinam a harmonia e a unidade; já os vícios onde imperam as dissensões.

 

Exige, de mim, não que eu seja igual aos melhores; mas; que seja superior aos maus.

 

Ao avarento falta-lhe tanto o que tem quanto o que não tem; ao luxo faltam muitas coisas; à avareza, todas.

 

Uma grande riqueza é uma grande escravidão.

 

Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranqüilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te, então, a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da Sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isto será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.

 

Se um grande homem cair, mesmo depois da queda, ele continua grande.

 

Diz todas as coisas aos outros, mas de modo que, ao dizê-las, tu também possas ouvi-las.

 

Os progressos obtidos por meio do ensino são lentos; já os obtidos por meio de exemplos são mais imediatos e eficazes.

 

Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela.

 

Para muitos, é assim: uma parte da vida passam fazendo mal o que fazem; a outra, não fazendo coisa alguma; e o resto da vida fazendo o que não deveriam fazer.

 

Existem três maneiras de combater a injustiça: o silêncio, o trabalho e a paciência.

 

É melhor ser desprezado por viver com simplicidade do que ser torturado por viver em permanente simulação.

 

O prêmio de uma boa ação é tê-la praticado.

 

Nossa vida é como uma comédia: ninguém repara se foi longa, e, sim, se foi bem representada.

 

Você se tornará avarento se conviver com homens mesquinhos e avarentos. Se tornará vaidoso, se conviver com homens arrogantes. Jamais se livrará da crueldade se compartilhar sua casa com torturadores. Alimentará sua luxúria confraternizando-se com adúlteros. Se quer se livrar de seus vícios, mantenha-se afastado do exemplo e do convívio com os viciados.

 

Toda crueldade resulta da fraqueza.

 

Admito que é inata em nós a estima pelo próprio corpo; admito, portanto, que temos o dever de cuidar dele. Não nego que devamos lhe dar atenção, mas nego que devamos ser seus escravos. Será escravo de muitos quem for escravo do próprio corpo, quem temer por ele em demasia, quem tudo fizer em função dele. Devemos proceder não como quem vive no interesse do corpo, mas, simplesmente, como quem pode viver sem ele. Um excessivo interesse pelo corpo inquieta-nos com temores, carrega-nos de apreensões, expõe-nos aos insultos; o bem moral torna-se desprezível para aqueles que amam em excesso o corpo. Tenhamos com ele o maior cuidado, mas na disposição de o atirar às chamas quando a razão, a dignidade e a lealdade assim o exigirem.

 

O sábio considera como indiferente se a sua morte é natural ou voluntária, se ocorre mais tarde ou mais cedo. Morrer mais cedo ou morrer mais tarde é irrelevante. Relevante, sim, é saber se se morre com dignidade ou sem ela, pois morrer com dignidade significa escapar ao perigo de viver sem ela.

 

Morrer para evitar a dor é uma atitude de fraqueza e de covardia; viver só para suportar a dor é pura estupidez.

 

Nunca é agradável aos grandes espíritos uma prolongada permanência no corpo: eles anseiam por se lançar para fora. Suportam, a custo, as angústias, acostumados que estão a vaguear soltos por todo o Universo e, do alto, a desprezar as coisas humanas. Donde resulta que Platão exclama: 'a alma do sábio se inclina inteira para a morte, deseja isto, sobre isto medita, é sempre arrebatada por este anseio, buscando outro mundo.'

 

Só há uma coisa que sabemos: não sabemos nada.4

 

Se o que tens te parece insuficiente, então, mesmo que possuas o mundo, ainda assim te sentirás na miséria.

 

Uma vez principiada, a vida segue seu curso, e não reverterá nem o interromperá, não se elevará, não te avisará de sua velocidade. Transcorrerá silenciosamente, não se prolongará por ordem de um rei, nem pelo apoio do povo. Correrá tal como foi impulsionada no primeiro dia; nunca desviará seu curso, nem o retardará. Que sucederá? Tu estás ocupado, e a vida se apressa; por sua vez virá a morte, à qual deverás te entregar, queiras ou não.

 

Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça.

 

A morte é uma libertação de todas as dores e o término além do qual os nossos males não ultrapassam; ela nos leva de volta àquela tranqüilidade na qual jazíamos antes de nascer. Os ignorantes dos próprios males são aqueles pelos quais a morte não é louvada e esperada como o melhor invento da Natureza, quer inclua a felicidade, quer afaste a calamidade, quer ponha fim à saciedade e ao cansaço do velho, quer arrebate a idade juvenil em flor, quando se espera o melhor, quer também chame a infância antes que cheguem os estágios mais duros. A morte é o fim para todos. A morte liberta do sofrimento; a morte liberta de todos os males.

 

Se vês o último dia não como castigo mas como que uma lei da Natureza, nenhum temor ousará penetrar nessa alma de onde tiveres expulsado o medo da morte.

 

A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira; pelos inteligentes, como falsa; e pelos governantes, como útil.

 

Depois de nos precavermos contra o frio, a fome e a sede, tudo mais não passa de vaidade e de excesso.

 

Leve, uma carga faz do outro devedor; pesada, faz dele um inimigo.

 

A parte mais importante do progresso é o desejo de progredir.

 

Nossos vícios atacam-nos e rodeiam-nos de todos os lados, e não permitem que nos reergamos, nem que nossos olhos se voltem para discernir a verdade, mantendo-nos submersos e acorrentados às paixões.

 

Cada um é tão infeliz quanto acredita sê-lo.

 

Quem vive na tranqüilidade, que seja mais ativo; quem vive na atividade deve encontrar tempo para descansar. Observa a Natureza: ela te lembrará que fez o dia e a noite.

 

A vantagem é recíproca, pois os homens, enquanto ensinam, aprendem.

 

A quantos as riquezas não são um peso! Quantos não verteram seu sangue por causa de sua eloqüência e da presteza diária com que exibem seus talentos! Quantos não estão pálidos por causa de seus contínuos prazeres! A quantos a vasta multidão de clientes não dá nenhuma liberdade! Passa os olhos por todos, desde os mais pequenos até os mais poderosos: este advoga, aquele assiste, um é acusado, outro defende, e um outro ainda julga – ninguém reivindica nada para si; todos consomem mutuamente suas vidas. Pergunta por aqueles cujos nomes se aprendem de cor e verás que eles são identificados pelas características seguintes: este é servidor daquele, que o é de um outro – ninguém pertence a si próprio. E, portanto, é o cúmulo da insensatez a indignação de alguns: queixam-se do desdém de seus superiores porque estes não tiveram tempo de ir ter com eles quando o desejavam. Quem ousará se queixar da soberba de um outro, quando ele mesmo não tem um momento livre para si próprio? E aquele, contudo, apesar de seu aspecto insolente, olhou-te uma vez com consideração, sem saber quem eras, prestou atenção às tuas palavras e mesmo te recebeu junto de si; tu não te dignaste a considerar nem a ti mesmo. Portanto, não há razão para pedires contas de teus favores a quem quer que seja, uma vez que, quando os fizeste, não desejavas estar com um outro, mas não podias estar contigo.

 

Liberdade é colocar a alma acima das injúrias e conseguir transformar-se a si mesmo, de tal maneira que seja possível extrair unicamente de si mesmo as próprias satisfações.

 

 

Ácido Desoxirribonucleico - ADN

 

Nunca a fortuna põe um homem em tal altura que não precise de um amigo.

 

Todos os espíritos que alguma vez brilharam consentirão neste único ponto: jamais se cansarão de se espantar com a cegueira das mentes humanas. Não se suporta que as propriedades sejam invadidas por ninguém, e, se houver uma pequena discórdia quanto à medida de seus limites, os homens recorrem a pedras e armas; no entanto, permitem que outros se intrometam em suas vidas, a ponto de eles próprios induzirem seus futuros possessores; não se encontra ninguém que queira dividir seu dinheiro, mas a vida, entre quantos cada um a distribui! São avaros em preservar seu patrimônio, enquanto, quando se trata de desperdiçar o tempo, são muito pródigos com relação à única coisa em que a avareza é justificada. Por isto, agrada-me interrogar um qualquer, dentre a multidão dos mais velhos: — Vemos que chegaste ao fim da vida, contas já cem ou mais anos. Vamos! Faz o cômputo de tua existência. Calcula quanto deste tempo credor, amante, superior ou cliente te subtraiu e quanto ainda as querelas conjugais, as reprimendas aos escravos, as atarefadas perambulações pela cidade; acrescenta as doenças que nós próprios nos causamos e também todo o tempo perdido: verás que tens menos anos de vida do que contas. Faz um esforço de memória: quando tiveste uma resolução seguida? Quão poucas vezes um dia qualquer decorreu como planejaras! Quando empregaste teu tempo contigo mesmo? Quando mantiveste a aparência imperturbável, o ânimo intrépido? Quantas obras fizeste para ti próprio? Quantos não terão esbanjado tua vida, sem que percebesses o que estavas perdendo; o quanto de tua vida não subtraíram sofrimentos desnecessários, tolos contentamentos, ávidas paixões, inúteis conversações, e quão pouco não te restou do que era teu! Compreendes que morres prematuramente?

 

Como mortais, vos aterrorizais de tudo; mas desejais tudo como se fôsseis imortais... Que negligência tão louca a dos mortais, de adiar para o qüinquagésimo ou sexagésimo ano os prudentes juízos, e a partir deste ponto, ao qual poucos chegaram, querer começar a viver!

 

Conto entre os piores os que nunca estão disponíveis para nada, senão para o vinho e os prazeres sensuais, pois não há ocupação mais vergonhosa.

 

Não há porque pensar que alguém tenha vivido muito, por causa de suas rugas ou cabelos brancos: ele não Viveu por muito tempo, simplesmente foi por muito tempo. Pensarias ter navegado muito, aquele que, tendo se afastado do porto, foi apanhado por violenta tempestade, errou para cá e para lá e ficou a dar voltas, conforme a mudança dos ventos e o capricho dos furacões, sem, contudo, sair do lugar? Ele não navegou muito; ao contrário, foi muito acossado.

 

O que emprega todo o tempo consigo próprio, que ordena cada dia como se fosse uma vida, nem deseja o amanhã, nem o teme.5

 

Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida.

 

A fome não é exigente; basta contentá-la. Como? Não importa.

 

As coisas que nos assustam são em maior número do que as que efetivamente fazem mal, e afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos reais.

 

A deformidade do corpo não afeia uma bela alma, mas a formosura da alma se reflete no corpo.

 

Desventurado é aquele que por tal se julga.

 

Na vida pública, ninguém olha para os que estão pior, mas apenas para os que estão melhor.

 

O fogo é a prova do ouro; a miséria, a do homem forte.

 

Procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti.

 

Sou muito grande e muito superior é o destino para o qual nasci, para que eu possa permanecer escravo do meu corpo.

 

Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente, como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás. Cada hora do nosso passado pertence à morte.

 

Se fosse possível apresentar a cada um a conta dos anos futuros, da mesma forma que podemos fazer com os passados, como tremeriam aqueles que vissem lhes restar poucos anos e como os poupariam! Pois, se é fácil administrar o que, embora curto, é certo, deve-se conservar com muito cuidado o que não se pode saber quando haverá de acabar.

 

Protelar é o maior prejuízo para a vida.

 

Tudo que está por vir se assenta na incerteza: desde já, Vive!

 

Contra as paixões deve-se lutar com arrojo, não com sutilezas; e deve-se romper a linha de batalha com um grande assalto, não com tímidas tentativas. Devemos vencer as paixões, não espicaçá-las.6

 

A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é, e o que haverá de ser. Destes, o que vivemos é breve; o que haveremos de viver, duvidoso; o que já vivemos, certo... Ninguém se voltará de bom grado ao passado, exceto aquele cujas ações estão todas submetidas à censura de sua consciência, que nunca se engana.

 

O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece não existir, pois está sempre em movimento; flui e precipita-se; deixa de ser antes de vir-a-ser; é tão incapaz de se deter quanto o mundo ou as estrelas, cujo infatigável movimento não lhes permite permanecer no mesmo lugar. Pertence, pois, aos ocupados, apenas o tempo presente, que é tão breve que não pode ser abarcado; e este mesmo lhes escapa, ocupados que estão em muitas coisas. Enfim, queres saber quão pouco vivem os ocupados? Vê como desejam viver longamente. Velhos decrépitos mendigam em suas orações um acréscimo de uns poucos anos; procuram parecer menos idosos e lisonjeiam-se com mentiras e encontram tanto prazer em enganar a si próprios, que é como se enganassem junto o destino. Mas, quando uma enfermidade qualquer os adverte de que são mortais, morrem tomados de pavor, não como se deixassem a vida, mas como se ela lhes fosse arrancada. Ficam gritando que foram tolos em não viver e que, se por acaso escaparem da doença, haverão de viver no ócio; então, tomam consciência de quão inútil foi adquirir o que não desfrutaram, e de como todos os seus esforços resultaram em vão.

 

Dentre todos os homens, somente são verdadeiramente ociosos os que estão disponíveis para a Sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não apenas administram bem sua vida, mas lhe acrescentam toda a eternidade.7

 

 

... frívola paixão de aprender inutilidades...

 

Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer.

 

Quando lhe vier o último dia, o sábio não hesitará em caminhar para a morte com passo firme.

 

Nenhuma meditação é tão imprescindível como a meditação da morte.

 

Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem já existe dentro de ti. Para seres um homem de bem só precisas de uma coisa: a vontade.

 

A virtude não se conquista por procuração.

 

Um homem será bom se a sua razão for desenvolvida e justa, e se estiver adequada à plena realização da natureza humana.

 

Já que a Natureza nos permite entrar em comunhão com toda a eternidade, por que não nos desviarmos dessa estreita e curta passagem do tempo e nos entregarmos com todo nosso espírito àquilo que é ilimitado, eterno e partilhado com os melhores?

 

Toda arte é imitação da Natureza.

 

A vida do Filósofo estende-se por muito tempo, e ele não está confinado nos mesmos limites que os outros. É o único a não depender das leis do gênero humano: todos os séculos o servem... Algo se distancia no passado? Ele recupera-o com a memória. Está no presente? Ele o desfruta. Há de vir no futuro? Ele o antecipa. A reunião de todos os momentos em um só torna sua longa a vida.

 

O benefício que a todos se faz, a nenhum se faz.8

 

As idéias belas e verdadeiras pertencem a todos.

 

As riquezas não são um bem, pois, se o fossem, tornariam bons os ricos. No caso do sábio, as riquezas estão ao seu serviço; ao insensato; dirigem-no.

 

O sábio adverte os outros não por sentimento de raiva, mas tendo em vista a sua cura.

 

Nunca um general confia na paz a ponto de não se preparar para a guerra.

 

Um timoneiro que se preze continua a navegar mesmo com a vela despedaçada.

 

No seio do homem virtuoso existe um Deus.

 

 

 

Os deuses põem à prova a virtude e exercitam a força de espírito dos bons, que devem seguir seu destino preestabelecido9: o sábio, por isto, nunca será infeliz.

 

De fato, este nosso corpo é para o espírito uma carga e um tormento. Sob o seu peso, o espírito tortura-se, está aprisionado, a menos que dele se aproxime a Filosofia para o incitar a alçar-se à contemplação da Natureza, a trocar o mundo terreno pelo mundo divino. Esta é a liberdade do espírito, estes são os seus vôos: subtrair-se ocasionalmente à prisão e ir refazer as forças no firmamento.

 

Não há Filosofia sem virtude, nem virtude sem Filosofia. O fim da atividade filosófica é uma vida sábia, e é próprio do sábio realizar uma vida no bem.

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Xenófanes de Cólofon (580/577 a. C. (?) – 460 a. C. (?), que escreveu exclusivamente em versos, afirmou: Homem nenhum viu e não haverá quem possa ver a verdade acerca dos deuses e de todas as coisas das quais eu falo; pois, mesmo se alguém conseguisse se expressar com toda exatidão possível, ele próprio não se aperceberia disso. A opinião reina em tudo.

2. Penso que o medo derive, sim, da ignorância. Mas, como a esperança é uma forma de ignorância...

3. Somos, todos nós, os arquitetos e os engenheiros tanto do nosso paraíso quanto do nosso inferno.

4. Émile Dantinne, cujo Nome Iniciático é Sâr Hieronymus (que simplesmente significa Nome Sagrado), nasceu na cidade de Huy, Bélgica, no dia 19 de abril de 1884. Fez a sua Grande Iniciação, também na cidade de Huy, no dia 21 de maio de 1969, com a idade de 85 anos. Ao seu lado, como descreve Marco Antonio Coutinho, velando por ele, sua filha Marie-Louise pôde ouvi-lo sussurrar as últimas palavras; — A gente não sabe nada.

5. Esta sentença pode dar uma idéia de egoísmo. Mas, se entendida no sentido místico-iniciático, está absolutamente correta. Por exemplo, um olhador de Big Brother que gosta de espiar, ao vivo e à cores, tudo o que acontece na casa mais vigiada do Brasil, é simplesmente um anti-seneciano. Ainda que um minuto seja um tempo muito pequeno, se tivesse que ser vendido ou comprado, qual seria o seu preço?

6. Esta sentença é do filósofo Fabiano citada por Seneca.

7. Bendito Ócio Filosófico! Mas, cuidado! Como disse o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (Madrid, 9 de maio de 1883 – Madrid, 18 de outubro de 1955), exagero é sempre a exageração de algo que não o é. Sabedoria = SOPhIa.

 

 

 

 

8. Est modus in rebus, sunt certi denique fines, quos ultra citraque nequit consistere rectum. Em todas as coisas há um meio termo; existem, afinal, limites definidos, além ou aquém dos quais não se pode manter o bem. (Horácio, Satiræ 1.1.106). Enfim, tudo o que é feito indiscriminadamente é injusto. Até o bem!

9. Haverá destino? Haverá destino preestabelecido? Quem fabrica e comanda o destino? Quem preestabelece?

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.netanimations.net/
gears.htm

http://www.netanimations.net/
earth_globes.htm

http://balacobacu.blogspot.com/

http://salomaosabio.com/uncategorized/
2008/11/28/hope-in-santa-catarina/

http://forumpatria.com/historia-universal/
seneca-gigante-da-cultura-romana/

http://www.igrejapositivistabrasil.org.br/
igreja.html

http://fatoseangulosbloginfo.blogspot.com/

http://www.scribd.com/

http://www.pensador.pt/autor/seneca/

http://www.mensagenscomamor.com/
frases_de_lucius_annaeus_seneca.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9neca

http://www.pensador.info/autor/Seneca/

http://ateus.net/ebooks/

 

Fundo musical:

5ª Sinfonia de Beethoven

Fonte:

http://www.igrejapositivistabrasil.org.br/
igreja.html