SEBASTIANISMO
(O Mito Sebastianista)

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

http://www.rdpizzinga.pro.br

 

Batalha de Alcácer Quibir

Batalha de Alcácer Quibir

 

Música de fundo: Autumn Leaves
Fonte:
http://home.ptt.ru/wander/midi.htm

 

INTRODUÇÃO

 

       Este despretensioso estudo tem por objetivo tentar focalizar o Sebastianismo sob o aspecto histórico, no qual se procurou, muito sucintamente, reconstituir os fatos que levaram ao desastre de Alcácer Quibir, ao mesmo tempo em que pretende apresentar uma análise do porquê da permanência do próprio Mito. O trabalho comenta, ainda, sobre os pseudos D. Sebastiãos e seus destinos, como aborda brevemente a repercussão de Mito no Brasil. Propõe, finalmente, uma hipótese para justificar, em parte, a reconquista da autonomia portuguesa. Por último, é feita uma rápida análise das misérias comportamentais humanas. O Advogado do Diabo nunca esteve tão certo!!!

 

D. SEBASTIÃO

 

       D. Sebastião (1554-1578) foi alevantado Rei de Portugal em 1557, com três anos de idade, em virtude da morte de seu avô D. João III. Plinio Corrêa de Oliveira assim se refere a D. Sebastião: a very pious and virgin King, the last flower of old Portugal. Por causa da pouca idade do jovem monarca, Portugal teve como regente do Reino D. Catarina, avó materna do soberano, tendo sido sucedida na regência pelo Cardeal D. Henrique, por se ter retirado para a Espanha em 1562. Só com a idade de quatorze anos, em 1568, foi D. Sebastião declarado maior pelas Cortes e coroado Rei de Portugal.

 

Lisboa - século XVI
Lisboa - século XVI

 

       De espírito apaixonado, ardente e patriótico – como entendem vários autores – preparou-se o Rei juvenil para uma cruzada em África, apoiado em um plano bem fundamentado, minuciosamente estudado e quantitativamenmte ponderado quanto às vantagens e desvantagens da campanha. O plano de guerra tinha pleno apoio popular, o consenso nacional e o estímulo papal, apesar de algumas vozes discordantes como, por exemplo, foi o caso de D. Jerônimo Osório — humanista gigante e orador eloqüente, que causou assombro em Portugal e no estrangeiro — que muitas cartas escreveu a D. Sebastião tentando dissuadi-lo das expedições africanas. D. Jerônimo Osório, consagrado humanista português, Bispo de Silves, lente da Universidade de Coimbra e secretário e mestre do Prior do Crato, foi uma das maiores figuras do humanismo português, tendo gozado também de enorme prestígio por toda a Europa culta. Nasceu em Lisboa, em 1506, e morreu em Tavira, em 1580. Estudou nas principais universidades da época (Lisboa, Salamanca, Paris, Bolonha, Roma e Veneza). A sua vasta obra, escrita em um latim que lhe granjeou o epíteto de 'Cícero Português' (pela facilidade e elegância com que escrevia o latim), é composta essencialmente por tratados de filosofia moral e política. Destacam-se 'De Nobilitate Civili et Christiana' (1542), 'De Gloria' (1549), 'De Justitia Cœlesti' (1564), 'De Regis Institutione et Disciplina' (1572) e 'De Vera Sapientia' (1578), tratados bastante conhecidos e admiradas no estrangeiro e com sucessivas edições e traduções. Os mesmos apelos recebeu D. Sebastião de Fernão Pina, que humildemente ponderou ao Rei contra seu propósito de uma campanha em terras africanas.1

       Em 1578, partiu el-Rei para a jornada africana, para, tragicamente, em 4 de Agosto, colher amarga derrota na Batalha de Alcácer Quibir ou dos Três Reis2, na qual perdeu a vida, e na qual também consubstanciou-se o fim do sonho marroquino, sendo o exército lusitano massacrado pelas forças do Marrocos. Resultado: a coroa se endividou para financiar a campanha de D. Sebastião ao Norte da África, uma parte ponderável da nobreza morreu em Alcácer Quibir ou ficou prisioneira e todo o reino foi atingido pela derrota, contando-se em milhares os mortos e os que foram feito prisioneiros (estima-se que morreram na batalha cerca de 9.000 homens). Enfim, o idealismo alucinado e irresponsável de D. Sebastião foi banhado em sangue.

 

JUSTIFICATIVA PARA A PREPARAÇÃO DA CAMPANHA AFRICANA

 

       Quadros3, ao analisar a jornada da África, apóia-se em António Belard da Fonseca e em Francisco Sales Loureiro para apontar alguns acontecimentos que impeliram D. Sebastião a guerrear em África e a conseqüente e previsível tragédia em Alcácer Quibir. A lógica desses argumentos é esclarecedora, na qual sobressaem os seguintes fatos históricos:

1º - Manifestação exuberante da opinião pública pela renovação de uma política agressiva em África, cujas praças africanas de Cabo de Gué, Safim, Azamor, Alcácer Ceguer e Arzila tinham sido abandonadas pelo Rei D. João III, que alegara dificuldades em defendê-las;

2º - Diminuição do abastecimento da metrópole em carne e cereais, bem como sentimento de retrogradação da religião católica frente ao Islã;

3º - Toda a intelectualidade da época impulsionara o jovem Rei para a campanha africana. Não havia n'aquelas eras uma única consciência discordante d'esta crença na heroicidade da guerra aos infiéis.4 Quadros, para esclarecer o ideal da época em que viveu D. Sebastião, transcreve um passo da Exortação da Guerra de Gil Vicente, exortação feita na presença de D. Manuel por ocasião da partida de D. Jaime, Duque de Bragança, para Azamor:

Ó famoso Portugal,
Conhece teu bem profundo,
pois até o polo segundo
chega o teu poder real.
Avante, avante, Senhores,
pois que com grandes louvores
todo o céu vos favorece:
El Rei de Fez esmorece,
E Marrocos dá demoras.
Óh! deixae edificar
tantas camaras dobradas,
mui pintadas e douradas,
que he gostar sem prestar.
Alabardas, alabardas!
Espingardas, espingardas!
5 (sic)

 

Alabarda

Alabarda

 

4º - Insegurança na navegação em virtude do abandono das praças da Áfica, oportunizando aos mouros e aos turcos a atacarem as costas do Algarve, apresando navios, pondo a pique outros, afligindo as populações daquela área e impondo aos portugueses uma permanente situação defensiva;

5º - Possibilidade de aliança da coroa portuguesa com Mulei Muhammad Mutawakkil, herdeiro do trono de Mulei Abdalah, Sultão do Marrocos – como veio efetivamente a acontecer – contra Mulei Abd Ali-Malik, irmão do Rei falecido, que reivindicava o mesmo trono baseado nas leis marroquinas de sucessão. Corria o ano de 1567.

6º - Possibilidade de uma intervenção turca com a chegada de diversas galés aos portos africanos, pondo em risco o poderio marítimo português e obrigando a D. Sebastião – interpretando o sentimento da Nação Portuguesa – a tomar uma posição previdente e antecipando-se a uma possível invasão; e

7º - Apoio de Felipe II de Espanha com a promessa de envio de um corpo expedicionário espanhol, caso a campanha africana se concretizasse.

 

Felipe II

Felipe II - Rei da Espanha

 

       Ao que tudo indica, houve por parte do Rei Português e dos seus conselheiros o máximo de cuidado na elaboração do projeto, que contou inclusive com a aprovação do Papa Gregório XIII, que lhe concedeu a Bula da Cruzada (que o consagrava como cruzado) e apoio financeiro para a guerra num montante de 150.000 cruzados.

Houve, pois, um projeto demoradamente estudado e aconselhado por todos os dados geo-estratégicos conhecidos; houve uma ação diplomática inteligente e determinada; e houve, enfim, uma decisão baseada no inequívoco apoio de toda a nação, bem como em maduras reflexões políticas e em avisados conselhos.6

 

Papa Gregório XIII  

Papa Gregório XIII

 

       Considerar D. Sebastião um tolo, um desvairado ou um idiota (segundo o entendimento de muitos pesquisadores), não faz jus aos cuidados que teve o Monarca em se preparar para a campanha africana, muito menos reproduz com justeza seu caráter e sua personalidade. Este, insisto, é o pensamento de uma corrente importante de historiadores portugueses. Antes, preferem considerá-lo, como se afirmou anteriormente, um homem de espírito apaixonado, ardente e patriótico. Não se pode, por outro lado, deixar de ponderar a posição em que se encontrava Portugal naquela particular quadra de sua história. É preciso, contudo, assinalar, que há diversos autores que têm uma visão histórica do papel que D. Sebastião representou para Portugal totalmente detrimental para o Monarca, subestimando sua capacidade intelectual e pondo em dúvida sua própria sanidade mental.7

       Por outro lado, deve ser acrescentado que em D. sebastião — conforme acentua António Quadros na sua obra Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista — não se manifestava a descontinuidade de pensamento comum nos esquizóides ou nos esquizifrênicos, mas, sim, um taquipsiquismo dos excitados (o que não deixa de ser uma desarmonia). As pesquisas de meu amigo António Quadros levaram-no a concluir que o pensamento de D. Sebastião era coerente e contínuo, e seus escritos eram claros, concisos e até impecáveis. Para Quadros, o Rei falecido em África era um jovem perfeitamente normal.

       Eu discordo de meu amigo que já não mais está entre nós. Quem promove uma guerra, qualquer que seja o motivo, não pode ser perfeitamente normal. Paz ao meu irmão António Quadros.

 

A DERROTA EM ALCÁCER

 

       Apesar de tudo, D. Sebastião parece não ter sido um general experiente como as circunstâncias exigiram em Alcácer Quibir. A história, entretanto, revela algumas atenuantes. Primeiro, o exército que o acompanhou, salvo algumas exceções, era formado por homens, alguns covardes, outros venais. Segundo, há insinuações de que houve duplicidade do Rei de Espanha, que não cumpriu o que prometera, obrigando D. Sebastião a abandonar a tomada de Larache por mar, pois o auxílio naval e de homens que seriam enviados por Felipe II não chegaram. Terceiro, por imposição de D. Francisco Aldana – enviado especial do Rei de Espanha a batalha iniciou-se em horário e condições completamente desfavoráveis para o exército português. Sob o Sol inclemente da África, partiram os soldados portugueses em suas pesadas armaduras de guerra, contra uma força inimiga quatro vezes superior e mais adequadamente equipada. Afinal, os mouros lutavam em casa! E, como agravante, havia cem anos que os portugueses não participavam da batalhas campais.

      Quem, enfim, foi responsável pela tragédia? Quadros entende que apesar de ter faltado a D. Sebastião ... a manha, a argúcia, a autoridade e a competência técnico-militar de um excelente cabo de guerra8, o Rei, desafortunadamente, interpretou a sociedade portuguesa da época. Isto é:

... por um lado — conclui Quadros — desejosa de um ressurgimento nacional (o que Camões exprimiu com gênio nos 'Lusíadas') e convicta da necessidade de fortalecer a política africana, mas, por outro lado, minada de fatores de corrupção e de desagregação [do exército]... E não esqueçamos a ação subterrânea, ainda hoje pouco clara, de Felipe II...9

       Para Quadros e para o Padre Luis Álvares, de Proença, incumbido de celebrar a cerimônia litúrgica em memória do Rei morto, realizada nos Jerónimos em 19 de Setembro de 1578, D. Sebastião foi vítima de um ideal. Na famosa prédica da missa pela alma do Rei caído na África, assim falou padre Álvares.

Pois, quem vos matou meu formoso? Matou-vos o bispo, matou-vos o clérigo, matou-vos a freira, matou-vos o grande, matou-vos o privado, matou-vos o baixo, matou-vos o povo, matei-vos eu, matamos-vos todos, quantos somos.10

       O frade estava certíssimo. Irrepreensivelmente certo!

 

O ENCOBERTO

 

D. Sebastião

D. Sebastião

 

       Teria morrido El-Rei na Batalha de Alcácer Quibir? Apesar de o povo não ter acreditado na morte de seu Rei, um corpo foi apresentado como sendo o do Rei um dia após o fatídico 4 de Agosto. O corpo foi solenemente trasladado para Portugal, embora alguns cronistas da época presentes em Alcácer tenham afirmado que nunca ninguém houvera visto o inimigo matar o Monarca. Alguns soldados, inclusive, disseram tê-lo visto após a luta, e outros, ainda, buscando refúgio em Arzila, teriam dito estar em companhia de El-Rei. O historiador Belard da Fonseca arrisca: em face dos elementos históricos que possuímos... é impossível afirmar-se que D. Sebastião morreu em Alcácer Quibir.11 Se não morreu nas quentes areias marroquinas, 'morreu' fisicamente para Portugal, pois nunca mais foi visto. E mais: levou a uma união ibérica forçada (Portugal/Espanha) que humilhou e submeteu os portugueses por sessenta anos. Muitos não sabem ou esquecem que, durante esse período, o Brasil colonial esteve também ligado à Espanha.

       Enfim, a doce farinha distribuída aos lisboetas por Felipe II (agora já Felipe I de Portugal) ao desembarcar da galera imperial em Lisboa em 24 de Abril de 1581, não impediu que se difundisse no País, como reflete Voltaire Schilling, a 'doença do Sebastianismo' — curiosa crença, que se enraizaria por muito tempo na mente e na alma lusa, de que D. Sebastião, de fato, não morrera nas areias africanas. Ao contrário, estava vivo, esperando apenas o momento de reaparecer e salvar Portugal das mãos dos castelhanos. Ele era 'O Desejado' que a qualquer momento deixaria a situação de estar 'Encoberto' e, saindo do seu esconderijo, empunharia a espada da independência dos portugueses. Continua Voltaire: Coroado Felipe II Rei de Portugal, o que restou ao patriotismo português senão a esperança de que voltasse o Desejado para restaurar a soberania nacional? E assim, Felipe II da Espanha tornou-se Felipe I de Portugal, [até morrer em 1598]. Contudo, o fim da Unidade Ibérica deu-se em 1º de Dezembro de 1640 com a rebelião bem sucedida do Duque de Bragança, em Portugal, apoiada em silêncio pelo Cardeal Richelieu da França. O Duque proclamou-se Rei de Portugal como D. João IV e Portugal recuperou sua tão desejada e meritória autonomia.

 

D. João IV
D. João IV

 

             Voltando às reflexões de meu amigo António Quadros, lê-se: O Rei estava encoberto, mas voltaria numa manhã de nevoeiro montado no seu cavalo branco.12 E Fernado Pessoa escreveu (sic):

 

O  DESEJADO

 

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!

 

       Sobre o Mito Sebastianista, a Secretaria de Estado e Comunicação Social de Portugal fez publicar os seguintes comentários:

 

... o Sebastianismo traduz a nostalgia de uma idade de ouro que passara e o sentimento de humilhação nacional de um povo ocupado pelo estrangeiro, bem como a espera messiânica duma comunidade incapaz de resolver os seus destinos.13

 

       Há, ainda, a questão do messianismo judaico que auxiliou no desenvolvimento da crença no Rei que um dia haveria de voltar...

 

No surto do fenômeno, teve também importância o messianismo judaico vivido pelos cristãos novos. Os judeus tinham sido expulsos de Portugal em 1496 (no reinado de D. Manuel), depois de acolhidos por D. João II em 1492. As célebres trovas do Bandarra [alcunha da Gonçalo Annes, que significa mandrião, vadio, e que teve seus escritos proibidos pela Inquisição portuguesa, não por conterem qualquer vestígio judaizante, mas, apenas, por apresentarem livre interpretação das Sagradas Escrituras], da primeira metade do século XVI, profetizando a vinda do Rei Encoberto que 'fará a paz em todo o mundo', tiveram grande audiência junto da população cripto-judaica e grande favor popular.14

 

       O Encoberto não era tão-só a representação simbólica do Rei desaparecido. Era o próprio Portugal... profundo, secreto, escondido, que, no mito e pelo mito, procurava a regenaração do seu tecido dilacerado e doente...15 Medeiros acrescenta que o Mito agasalhado e transformado em tradição reflete, por parte do povo português, ... seu patriotismo, penetrando e perdurando no âmago da sua alma.16

       Finalmente, há quem defenda a tese de que D. Sebastião, envergonhado pela derrota, não teve coragem para voltar a Portugal, tendo seguido para a Terra Santa expiar seus erros e pedir perdão ao Redentor por suas culpas. Particularmente acho isso mirabolante. Ninguém abre mão do poder para expiar nada. Qualquer poder. Sem excessão. Um poderoso qualquer só abdica de sua condição se for forçado a tal. Quanto mais um rei. Quanto mais um rei que não tinha lá esses escrúpulos e que, certamente, acreditava que era especial por ter sido ungido com os óleos sagrados. Bem, era assim mesmo. E os que disseram que viram D. Sebastião depois da Batalha, inventaram essa história para se valorizar. Ou para usufruir algum tipo de vantagem. Tudo grupo!

       Mas, contraditoriamente, foi na morte que permaneceu vivo, ou seja, na crença e no imaginário populares, nos rumores transgeracionais, nos amigos e no lirismo português, onde, na poesia, figura em lugar altaneiro. O Sebastianismo é uma ressurreição permanente, uma homenagem que a morte prestou à sua bravura ímpar.17

 

Ninguém teve, neste mundo,
Amor assim, tão profundo,
Como teve o Rei-Soldado,
Trovão de Alcácer Quibir;
Desejado, antes de vir,
Depois de ir, mais desejado.
18

 

       E uma das trovas do Bandarra profetiza:

 

Este sonho que sonhei
É verdade muito certa,
Que lá da Ilha Encoberta
Vos há-de chegar este Rei.

 

OS FALSOS D. SEBASTIÃOS

 

       Durante a ocupação espanhola (1580-1640), D. Sebastião veio a ser naturalmente identificado como o Encoberto. Disso se aproveitaram quatro impostores para tentar se apossar do trono. Talvez houvesse em alguns deles uma pestana de patriotismo. Pode ser. Escusado dizer que nenhum logrou êxito. O primeiro falso Desejado apareceu em Penamacor (antiquíssima e histórica praça de guerra medieval, cruzada por ricos vestígios romanos), fronteira de Portugal com a Espanha, no ano de 1584, contando histórias fantásticas sobre a batalha de Alcácer Quibir. Preso pelos espanhóis, foi condenado às galés partindo na armada invencível de Felipe II para a invasão da Inglaterra.19 Dele não mais se ouviu falar.

 

Penamacor
Penamacor

 

       Um ano depois surgiu um segundo Desejado-patriota natural da Ilha Terceira. Chamava-se Mateus Álvares – o falso rei da Ericeira – e chegou a coroar uma rainha com o diadema da Virgem local. Foi preso perto da Ericeira em um local hoje conhecido por Senhora do Ó. Acabou decaptado no pelourinho da Ericeira em 1585. Ao lhe aplicarem a tortura, sofreu-a com ânimo, e quando os juízes o interrogaram declarou-lhes que, de caso pensado, tomara o nome de D. Sebastião, e que intencionara revoltar os Portugueses contra o 'Jugo Espanhol' [e a ocupação filipina]. Quando tivesse conquistado Lisboa, diria aos seus compatriotas: 'Estais livres, escolhei o rei que vos aprouver'. Executados os cabecilhas da rebelião, Filipe (II da Espanha e I de Portugal), concedeu indulto geral aos 'rústicos do Concelho de Sintra'.

      Gabriel de Espinosa foi o terceiro 'encoberto' — conhecido como o 'pasteleiro de Madrigal'. Os historiadores afirmam que era o retrato vivo de D. Sebastião. Como soldado espanhol, havia servido em Portugal e vivia na Cidade de Madrigal, na Castela, como pasteleiro. Era dono de gestos altivos, bem falar, destreza à cavalo e conhecimentos de espanhol, francês, português e alemão. Há de se convir que essas habilidades eram uma coisa incomum para um simples oficial pasteleiro. Um monge português, Frei Miguel dos Santos, decidiu, então, fomentar uma revolução tentando convencer D Ana D'Áustria, filha ilegítima de D. João de Áustria (meio irmão de Felipe II) a se casar com o pasteleiro que, segundo o Frei, não era nada mais nada menos do que o Rei D. Sebastião. O trio foi preso pelas autoridades espanholas, tendo D. Ana sido condenada a quatro anos de prisão e os dois conspiradores sentenciados, enforcados, esquartejados e expostos em praça pública. Corria o ano de 1595.

 

Gabriel de Espinosa
O Pasteleiro de Madrigal

 

       O último pseudo-D. Sebastião foi Marco Tulio Catizone, calabrês de nascimento, mas conhecido como 'o falso de Veneza', que, embora ignorasse(!?) a língua portuguesa, tentou impingir a patriotas portugueses que fizera voto de silêncio de não falar português durante um certo tempo.20 Não posso deixar de ironizar: malandro pra arrumar um troco se faz de cego, de surdo e de mudo. Ou de coisa pior. Como os falsos Desejados anteriores, foi exemplarmente punido pelas autoridades espanholas, tendo sido condenado às galés. Os outros membros do grupo foram enforcados, esquartejados e seus restos expostos em praça pública. Mas, o episódio do calabrês Marco Túlio Catizone foi muito mais sério do que se possa imaginar: por efeito dele se veio a radicar definitivamente nos espíritos a crença messiânica, que, adormecida um tempo, desabrochou afinal em rebentos vigorosos no século que entrava.

       Segundo Jacqueline Hermann, diferentemente dos homens, que encarnaram e participaram de um enredo farsesco, as mulheres chegaram ao Encoberto através de visões e de viagens encantadas. ... mulheres filiadas a ordens religiosas se diziam escolhidas por Deus para continuar sua obra na Terra. Luzia de Jesus e Joana da Cruz, sentenciadas pelo Santo Ofício português em 1647 e 1660, respectivamente, deixaram suas visões escritas e acreditavam receber mensagens divinas. Luzia de Jesus afirmava, entre outras coisas, que Deus lhe pedira que fosse a mãe dos pecadores, que o tempo de martírio estava acabando e que um novo rei estava a caminho para restaurar as glórias do reino. Joana da Cruz recebera a revelação de que Roma haveria de se abrasar, um clérigo se tornaria papa e proporia a canonização de D. Sebastião. Condenadas como embusteiras, as histórias dessas mulheres revelam uma das faces do longo e complexo processo de vulgarização do Catolicismo desencadeado no tempo das Reformas. No cotidiano dos conventos, as mensagens religiosas não raro estimulavam uma religiosidade intimista e subjetiva que, muitas vezes, resvalava para visões e heterodoxias que o Santo Ofício procurou controlar. Nos casos de Joana da Cruz e Luzia de Jesus, a punição foi o degredo para o Brasil, onde, provavelmente, deram continuidade à exposição de suas visões e encantamentos.

       Enfim, não posso discordar de António Carvalho quando diz que o Sebastianismo é uma espécie de doença nacional, uma 'mania mansa', uma 'aberrante maluquice'...

 

O SEBASTIANISMO NO BRASIL

 

       O Sebastianismo — Mito essencialmente português — no Brasil, inicialmente se manifestou como uma fé católica mais exigente, à semelhança da fé dos quacres e dos puritanos. Mas é, sobretudo, no traço mais inculto da população brasileira (como sempre e lamentavelmente sói acontecer), que movimentos fanáticos terão sua acolhida e origem, o que, obviamente, não é uma exclusividade brasileira. E o nacionalismo exaltado origina sucessivamente movimentos facciosos baseados em crenças brutais, que não raro acabam em derramamento de sangue. Foi exatamente isso que aconteceu no Brasil. Recordando um horror: O caso mais famoso de suicídio coletivo associado ao fanatismo religioso foi o do pastor americano Jim Jones e sua seita, o Templo do Povo. Mais de 900 pessoas morreram ao ingerir uma mistura de suco de laranja com cianureto na noite de 18 de Novembro de 1978, em Jonestown, uma aldeia no meio [do nada] da selva na Guiana. Os que se recusaram a beber o veneno foram assassinados. No Brasil, o Mito Sebastianista produziu três episódios marcantes e medonhos: o de 1817, o de 1836 e o de 1893.

 

1817

 

       O primeiro ocorreu na Serra do Rodeador, em Bonito, Pernambuco, que teve como figura de relevo o beato Silvestre José dos Santos — o Mestre Quiou — que possuía a habilidade de unir ideais religiosos com guerrilha. Com sua argúcia, em 1817, cativou os bonitenses e lá se estabeleceu. Esse movimento, como todos os outros, guarda alguma proximidade com o que se conhece como a fundação de um Quinto Império do Mundo, entendido este Império como o lugar de consumação definitiva de um Paraíso Terrenal, no caso, um novo tempo de abundância a ser iniciado na cidade do beato Silvestre. Antonio Ribeiro Freire foi o tenente que, em 23 de Outubro de 1820, tendo sob sob seu comando 23 homens, acabou com o acampamento dos quatrocentos fanáticos ali residentes Este acontecimento ficou conhecido na história como o 'Massacre de Bonito'.

 

1836

 

       O segundo também ocorreu em Pernambuco e ficou conhecido como o caso da Pedra Bonita. O mameluco João Antonio dos Santos pregava o ressuscitamento de D. Sebastião se as rochas incrustadas de malacachetas fossem lavadas com o sangue das crianças. Esse fato (que envolve o culto litolátrico ou respeito supersticioso às pedras, como é o caso das Nossas Senhoras das Pedras, da Penha, do Pilar e da Lapa) deu origem ao romance Pedra Bonita (1938) do romancista brasileiro José Lins do Rego (1901-1957).

 

O reino da abundância e riqueza prometida aos sertanejos, perseguidos pela fome e pela seca, era o reino encantado de D. Sebastião, o mundo maravilhoso que surgiria do sacrifício humano. 21

 

       1893

 

       E o terceiro foi o movimento fanático-religioso de maior importância. Aconteceu em Canudos, Bahia, e teve como protagonista Antonio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antonio Conselheiro, asceta que pregava o fim do mundo.22 A história de Canudos começou em 1893, quando foi fundado o Arraial de Canudos em uma antiga fazenda de gado às margens do Rio Vaza-Barris, nos sertões da Bahia. Sob a liderança do beato Antonio ConseIheiro, a população do Arraial chegou a atingir 8.000 sertanejos, integrados sob a forma de congregação religiosa. Viver no Arraial representava estratégia de sobrevivência para uma população camponesa sem terras e sem recursos, habitando uma região inóspita, com muitos períodos de seca e de sol causticante. Além disso, sentiam-se amparados pelo beato Antonio Conselheiro, homem com alguma instrução, que os orientava e amparava moral e religiosamente, inclusive ministrando sacramentos. O beato pregava contra as leis do regime republicano, recém-instituído que considerava uma ofensa às leis de Deus. Antonio Conselheiro batia-se principalmente contra a separação da Igreja e do Estado e contra o casamento civil. Via nessas novas leis uma heresia, pois considerava que os poderes religiosos deveriam ter supremacia sobre os civis. Desse modo, orientava seus seguidores a não aceitarem as leis do governo republicano. Na época, o movimento de Antonio Conseiheiro era visto como fonte do mal e da anarquia. O beato era considerado por cientistas de renome, entre os quais o médico Nina Rodrigues, um desajustado mental. Respeitados intelectuais, como o escritor Machado de Assis, acreditavam ser necessário extirpar o mal de Canudos e pôr fim à 'seita do Conseheiro'. O lançamento de 'Os Sertões', de Euclides da Cunha, trouxe novas questões para o debate, abrindo caminho para novas interpretações sobre o movimento e a Guerra de Canudos. Euclides, que assistiu ao final da guerra como repórter do jornal O Estado de São Paulo, concluiu que a Guerra de Canudos tinha sido um erro histórico. Segundo o escritor, em vez de soldados, o governo republicano deveria ter enviado 'mestres de escola' para educar a população de Canudos no caminho do progresso e da civilização, ou seja, as autoridades militares e civis erraram e abusaram do poder ao reprimir pela força uma população que deveria, pelo contrário, ser integrada ao Estado-nação. Em 5 de Outubro de 1897 foram mortos os últimos defensores do Arraial.

 

O Corpo de Antonio Conselheiro

 

       João Melchiades, poeta paraibano, ex-soldado na Guerra de Canudos, citado por Paulo Monteiro Varjão, 96 anos, morador de Canudos, escreveu:
 

Escapa, escapa, soldado.
Quem quiser ficar que fique,
Quem quiser morrer que morra.
Há de nascer duas vezes,
Quem sair desta gangorra.


       Na obra Os Sertões  (1902), Euclides da Cunha (1866-1909) descreve o arrasamento dos insurrecionados chefiados pelo bom jesus Antonio Conselheiro. O fanatismo desse grupo chegava ao limite de profetizar o regresso de D. Sebastião com todo o seu exército emergindo das ondas do mar. Torres apresenta uma explicação interessante e coerente para o episódio de Canudos, na qual dá a dimensão do acontecimento histórico ocorrido na Bahia.

 

      A luta contra Canudos se fez no auge da influência positivista. Isto é bem significativo: para os sertanejos, a República era a abominação por ser um governo de hereges; e a monarquia uma autoridade fundada em Deus. De fato, os diplomas oficiais diziam que o Imperador devia seu poder à graça de Deus, era coroado e sagrado em uma bela cerimônia religiosa, ungido com os Santos Óleos pelos bispos e a Igreja era unida ao Estado. A República era o casamento civil, a ausência de símbolos religiosos (a separação da Igreja do Estado) etc. De modo que, afinal, para resumir, havia a oposição entre uma visão sacral da política e uma visão laica, puramente secular.23

 

       A insurreição de Canudos encontrou aí o fermento propício e o clima adequado para atrair corações, corações que precisavam de um símbolo para auxiliá-los e guiá-los a conquistar suas aspirações. Mas, em 1897, Antonio 'Bom Jesus' Conselheiro e seus leais seguidores foram massacrados pelo exército da República.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

      Apesar das diversas histórias e lendas que se contaram sobre o trágico 4 de Agosto de 1578, parece não pairar nenhuma dúvida de que o Rei D. Sebastião teve a vida suspensa na sangrenta (e descabida) Batalha de Alcácer Quibir. Documentos do Arquivo Secreto do Vaticano atestam que os restos mortais sepultados em Belém eram de fato de D. Sebastião, e as autoridades civis e eclesiásticas nunca tiveram qualquer dúvida sobre isso.

 

Reconhecimento do cadáver de D. Sebastião
Alcácer Quibir:
Reconhecimento do cadáver de D. Sebastião.
ca. 1888, óleo sobre cartão, 225 x 335 mm

Museu Nacional Soares dos Reis,
Porto, Portugal.

 

       A lenda-mito do Sebastianismo parece ter tido sua origem durante a dominação espanhola, e constituiu o poderoso fator revolucionário de 1640. A humilhação pela derrota consumada ... no espaço de uma hora24 em Alcácer, o posterior domínio espanhol, a ruína da fazenda nacional portuguesa e a perda das possessões de ultramar constituiram-se no fermento incontrolável no qual o Mito Sebástico proliferou e se esparramou.

       No início do domínio espanhol, poucos eram os que acreditavam na morte do Rei. Isso explica, em parte, o sucesso momentâneo que acolheram os impostores que tentaram se fazer passar pelo Encoberto-Desejado — designações do Monarca trucidado em Alcácer. Lobo descreve essa época vivida por Portugal como envolta em ... uma atmosfera de dôr, de mysticidade e de portentos25 (sic). Ainda explicando a força monumental do Mito Sebastianista, conclui:

      Quando ... a affirmativa se consocia com algum sentimento elevado, como é o patriotismo, e subministra algum confôrto á dôr, como era a dos portuguezes sob o espesinhar do castelhano, então a credulidade nem conhece demarcações, nem distincções de classe: um phenomeno impossível, como a sobrevivência de rei D. Sebastião, encontra facil assentimento, ainda nos mais cultos entendimentos.26 (sic).

       Torres, em perfeita concordância com Lobo, acrescenta que ... o povo continuou ... aguardando a vinda de D. Sebastião, antes O Desejado, agora O encoberto, que viria dar cabo às miséria.27

       Em última análise, D. Sebastião passou a simbolizar para os portugueses o ideal de independência e a necessidade de reconquistarem o direito legítimo de aclamarem um rei português para ocupar o trono de Portugal.

 

ADDENDUM

 

       Antes de começar estas últimas linhas fui verificar o tamanho do arquivo. 1,26 Mb. Pensei comigo: mais um arquivo pesado. Quem se interessará em abri-lo? Mas, não importa. Meu pensamento com relação às coisas que ando escrevendo é muito simples: se uma única pessoa ler um texto que escrevi, a tarefa está cumprida. Tenho certeza de que em todos os rascunhos que disponibilizei na WEB, há, em todos, pelo menos um pensamento ou uma sentença de cariz iniciático e/ou místico. Se assim não fosse, considero que os ensaios seriam inúteis e o site não teria razão para existir. No futuro, também tenho certeza, 'meus' textos serão considerados levíssimos. A Internet vai voar e o desempenho dos computadores melhorará sensivelmente. É, mutatis mutandis, mais ou menos como a Avenida da Liberdade em Portugal: quando foi construída era larguíssima para a época; hoje já é um pouco estreita. E a nossa Avenida Nossa Senhora de Copacabana aqui no Rio de Janeiro? Hoje anda mais engarrafada do que desengarrafada. Há cinqüenta anos (quase) se podia jogar bola no meio da rua! Para atrapalhar, só os trilhos do bonde. Veja ilustre passageiro, que belo tipo faceiro...

 

AVENIDA DA LIBERDADE, EM PORTUGAL.  BONDE, NO RIO DE JANEIRO.

 

       Mas, enquanto digitava estas linhas, Blanquinha – minha esposa-companheira – estava assistindo ao filme 'O Advogado do Diabo'. Grande filme! Tudo gira em torno da questão da vaidade. Eu já o havia visto. No final do filme há um diálogo muito forte entre Al Pacino (o diabo) e Keanu Reeves (o advogado). Em um dado momento, em falas próximas, Pacino-demo diz: — O século XX foi todo meu. Eu amo o homem com todas as suas imperfeições. E a última fala é: A vaidade é o meu pecado favorito.

       Ora, o grande problema dos seres é a percepção inorgânico-vaidosa das coisas. Mas, no Universo não existe inorganicidade nem estanqueidade. Já escrevi que, quando alguém tamborila os dedos em uma mesa, todo o Universo é afetado, porque há uma causalidade perene e imperdível permeando as diversas oitavas universais. Um outro aspecto é que o tempo, além de ser uma ilusão dos sentidos, não existe como atualidade. É uma mera realidade biológico-sensorial. E, relativisticamente, diferentes observadores 'podem perceber' intervalos de tempo diferentes para um determinado par de eventos, o que só confirma que o tempo é uma realidade e que existe porque nós o fazemos existir, e porque dele somos encarnativamente dependentes. Por outro lado, quando dormimos, não percebemos o 'tempo passar', e, pior: dependendo do nosso caráter e das nossas algemas, poderemos, durante o sono, 'fazer' coisas horrorosas. Outras vezes, dormindo ou acordados, só fazemos o que deve ser feito se formos empurrados! E há aquelas vezes em que nem sabemos o que estamos fazendo! Alguém pode saber exatamente o que está fazendo quando bebe até ficar completamente embriagado?

 

2
E M P U R R A!!!

 

       Não existindo como atualidade, há tantos tempos quantos sejam os seres que se deixem dominar e se deixem depender de maneira escravizante da ilusão temporal. E nada escraviza mais o ser humano do que usar relógio de punho. Ou de algibeira (essa palavra fui sacar do fundo do baú!).

       Ilustrativamente, um exemplo simplíssimo do binômio dependência-independência é, por exemplo, o tempo que leva um avião para ir do Rio a Nova Iorque. Certamente não é o mesmo tempo que demora um navio para fazer o mesmo percurso. E não é, ainda, nem comparativamente, o tempo que um sensitivo leva para projetar sua consciência de Copacabana a Manhattan. Naquilo que denominamos de 'sonhos', um episódio que pensamos que durou alguns minutos ou horas, pode ter acontecido (aflitivamente ou não) em pouquíssimos segundos.

 

S O N H O S

 

       Engraçadamente necessária foi a padronização do segundo (s) de acordo com a XIII Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM): O segundo é a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação, emitida por um átomo de césio–133, durante a transição entre os dois níveis hiperfinos do Estado Fundamental. Alguém pode entender isso? Só se tiver estudado física e química. Mas, o sujeito que está com dor de barriga sabe muito bem o quanto demora a passar um segundo. Um segundo pode ser a diferença entre se cagar todo ou não. E para quem ganha um salário-mínimo um segundo equivale a uma hora. O tempo parece que não passa. E demora mais ainda a passar quando o dinheiro acaba e o mês continua. Contudo, quando se dorme, o tempo realmente inexiste como realidade, porque simplesmente o tempo está associado à duração e manifestação da consciência objetiva dos seres. O fato inabalável é que o dito 'tempo' é imutável, porque o conjunto dos universos que compõe o Universo não sofre alteração energética ou material (para mais ou para menos), sendo as variações relativas do 'tempo' meramente variações de estados freqüenciais que são percebidas ou medidas como dilatações ou contrações temporais. E nós jamais saberemos o que significa (se tem algum significado) o tempo para uma bactéria. Certamente, no Plano da Eterna Luz entropia e tempo não estão dicionarizados. Imaginemos, ainda, por exemplo, uma certa quantidade de água em uma panela que é posta para ferver. Se, por hipótese, esta água estava à temperatura ambiente de 30º C, ferverá a aproximadamente 100º C. Para ferver demorará um tempo t1; para voltar à temperatura ambiente demorará t2 (diferente de t1). Qualquer pessoa que já esquentou água sabe que t2 será maior do que t1, isto é: t2 > t1. Ou seja: a água demora mais para esfriar do que para esquentar. (É claro que se a água for aquecida com uma lamparina...).

 

+1     -1

 

       Juntando tudo isso, o que o Sebastianismo e o Advogado do Diabo têm a ver com estas lucubrações? Muito simples. Ignorância, cupidez e vaidade levaram D. Sebastião (como levam todos os homens) à desgraça. Portugal sofreu junto. Mas, quando alguém se desgraça sozinho por atos equivocados que praticou, isto representa uma coisa, pensarão alguns. Se isto fosse possível... Contudo, isso é inteiramente impossível. Se o Universo não fosse um corpo vivo e orgânico, isso seria plausível. Mas não é. O fato é que, da mesma forma que o nosso corpo físico é todo interdependente (operar amígdalas desnecessariamente, extrair dentes sem necessidade, laquear trompas, furar orelhas etc. são crimes contra a natureza humana), nossas ações (mas principalmente nossos pensamentos) atuam sobre nós e sobre o todo. E esse todo inclui, no mínimo, minerais, vegetais, animais, outros seres humanos e a própria Terra, que é um ser vivente como tudo no Universo. Como já abordei esse tema em outros trabalhos, quero aqui apenas associar a maluquice heróico-patriótica de D. Sebastião com os diversos momentos do Sebastianismo manifestado no Brasil. Misturando e liquidificando tudo isso com os engodos religiosos que enfiaram goela abaixo da Humanidade por séculos, acabamos por assistir no nosso quintal tropical o massacre baiano de Canudos. Mitos do tipo sebastianista e do nacional-socialismo (um reich para mil anos) só produzem horror e compensações ajustadoras pesadíssimas. Quando se coloca meleca embaixo de uma mesa sem ninguém ver, pensa-se que ninguém viu. Sim, ninguém viu com os olhos físicos. Mas, o ato fica gravado no DNA Cósmico, e se torna, a partir daí, parte do subconsciente coletivo, enfim do Cósmico como um todo. Tirar uma melequinha e grudá-la sob uma mesa não tem lá importância alguma. Mas, orquestrar uma campanha para dizimar os mouros no Marrocos tem. E as conseqüências ulteriores — como as que se manifestaram no imaginário popular ignorante brasileiro (como o imaginário dos escravos brasileiros, dos curibocas etc. em plena segunda metade dos setecentos) — geralmente não são consideradas por ninguém ao resolver fazer isto ou aquilo. D. Sebastião e toda a tropa de boçais que o emulou (inclusive o Vaticano) nem de longe cogitaram destas questões. Só tinham na cabeça um pensamento: Vamos a foder os moiros.

       Emoções fortes podem matar. Pensamentos desarmoniosos podem fazer adoecer. Despotismos e tiranias fazem a Terra e a Natureza chorar. E isto não é uma simples metáfora. Tenho lido cuidadosamente as obras de Vicente VeladoFRC e Abade Especial da Ordo Svmmvm Bonvm para o Terceiro Mundo — e concordo quando ele afirma que o episódio alucinante do World Trade Center foi um divisor de águas. O September 11, 2001, deflagrou a sem-fim war against terrorism, war que só trouxe e trará dor, desgraça e miséria, e que jamais porá fim às diferenças histórico-ideológico-religiosas entre o Ocidente e o Oriente. Nada pode ser resolvido no tiro e na opressão. Como seqüestrar e matar ritualisticamente seres humanos não fará a Coalização Ocidental recuar. Essa estratégia de matar 100 ou 200 para evitar a morte de 100.000 ou de 200.000 tem se mostrado ineficaz e ineficiente, além do que é brutal e cosmicamente inaceitável. O que esses indivíduos (de ambos os lados) não sabem é que, quando alguém assassina alguém, simplesmente está automaticamente suicidando. Somos todos UM.

 

S U I C Í D I O

 

       O que todas essas coisas vêm sistematicamente fazendo é apenas (como se apenas significasse algo sem importância) engordar, em todos os níveis, a desarmonia planetária. A coisa hoje se tornou tão absurda que arrombar uma embalagem em um supermercado e sair descaradamente comendo tornou-se prática de somenos. Afanar um dim-dim (e subtrair uma vida, quando há reação) é apenas questão de... Sei lá. Acho que não é mesmo questão de nada. Os desmandos e os assassinatos em escala mundial estão tornando os descumprimentos uma coisa corriqueira. Sacudir um revólver na cara de alguém e dizer 'perdeu, cara' tornou-se moda nas esquinas com sinais do Rio de Janeiro. Quem reage, dança. O que tenho observado é que, 'contraditoriamente', tem havido uma acelerada perda de respeito por si próprio — como se fosse uma espécie de foda-se geral — ao lado de uma crescente onda de espiritualidade, com as pessoas buscando desesperadamente compreender o mistério da vida (e da Vida). Não creio que essa busca por uma compreensão espiritual mais profunda seja motivada por qualquer forma de medo ou de insegurança, porque o medo empurra as pessoas para as múltiplas formas de escravização religiosa disponíveis no mercado de vassalagens. A busca está se dando em outra direção, exatamente na contramão das religiões instituídas. É a 'fronteira' à qual alude Velado. 6ª Raça-Raiz! Novos tempos! Há mesmo um certo 'Vento' no ar que começou a soprar do Leste, e aqueles que possuem algum tipo de sensibilidade já perceberam. O Mundo não será catolicizado, islamizado, judaizado, 'espiritizado' ou outro 'zado' (ou 'sado') qualquer. Por isso, também não será arrasado. Será espiritualizado pela Via do Coração. O Olho é Cardíaco. Os que insistirem em fazer negócios com os deuses-demônios irão fazê-los em outras galáxias. (Sustente o olhar na animação abaixo por quinze segundos. Depois, verbalize apenas uma única vez o pensamento: PAZ AO MUNDO)

 

O  VENTO  QUE  VEM  DO  LESTE

 

       Enfim, preciso terminar este texto, porque, se eu não me controlar, escrevo uma semana sem parar. O fato é que os DeMôNiOs que criamos (consciente e/ou inconscientemente) adoram nossas vaidades, se comprazem com nossas cobiças, gargalham com nossos desejos subalternos, festejam nossas paixões desmedidas, masturbam-se e nos atormentam com nossas luxúrias físicas e mentais (íncubos e súcubos criados por todos nós) e se alimentam de nossas podridões. Quando alguém é assassinado, estuprado, tiranizado ou simplesmente desrespeitado, você – que porventura esteja lendo estas palavras – é responsável por tudo isso. Tanto quanto eu. Nem menos nem mais. Por isso... Por todos nós eu rogo:

 

 

 

PAZ  AO  MUNDO

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. SARAIVA, António José e LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 12ª edição. Porto: Tipografia Bloco Gráfico Ltda., p. 298. LOBO, A. de Sousa Silva Costa. Origens do Sebastianismo: história e perfiguração dramática. Lisboa: Edições Rolim, 1982, p.35.

2. Em Marrocos, a Batalha de Alcácer Quibir (Ksar-el-Kebir) é mais conhecida como Batalha dos Três Reis, por causa dos Reis que nela faleceram: D. Sebastião, Mulei Muhammad Mutawakkil e Mulei Abd Ali-Malik. Cf. MEDEIROS, J. H. Gago de. O encoberto nos Jerónimos. Lisboa: Centros de Estudos da Marinha, 1972, p. 33.

3. Cf. QUADROS, António. Poesia e filosofia do Mito Sebastianista. Lisboa: Guimarães & Cia. Editores, 1983, vol. 2, pp. 87 a 97.

4. LOBO, A. de Sousa Silva Costa, op. cit., p. 37.

5. In: Obras Completas de Gil Vicente, vol. IV. Lisboa: Sá da Costa, 1943, pp. 147 e 148, apud António Quadros, op. cit., p. 89.

6. QUADOS, António, op. cit., p. 96.

7. LOBO, A. de Sousa Silva Costa, op. cit., p. 35.

8. QUADROS, António, op. cit., p. 102.

9. Id., pp. 103 e 104.

10. Sermão incluído co Códice nº 3030 da Biblioteca Nacional. Códices, apud QUADROS, António, op. cit., p. 104.

11. FONSECA, António Belard da. D. Sebastião, antes e depois de Alcácer Quibir, p. 88, apud QUADROS, António, op. cit., p. 106.

12. QUADROS, António, op. cit., p. 106.

13. SECRETARIA DE ESTADO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL, Lisboa. O Sebastianismo: breve panorama dum mito português, jan. de 1978, 1978, p. 10.

14. Id.

15. QUADROS, António, op. cit., p. 107.

16. Cf. O Encoberto nos Jerónimos, op. cit., p. 40.

17. MEDEIROS, J. H. Gago de, op. cit., p. 42.

18. SECRETARIA DE ESTADO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL, op. cit., p. 13.

19. Id.

20. Id., p. 16.

21. Id.

22. Id.

23. TORRES, João Camilo de Oliveira. História das idéias religiosas no Brasil (A igreja e a sociedade brasileira). São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1968, p. 96.

24. LOBO, A. de Sousa Silva Costa, op. cit., p. 38.

25. Id., p. 85.

26. Id., p. 86.

27. TORRES, João Camilo de Oliveira, op. cit., p. 95.

 

WEBSITES CONSULTADOS

 

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