Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

Schelling

(Fragmentos)

 

 

 

A Filosofia tem, de fato, algo, que segundo a sua natureza, sempre permanecerá ininteligível à grande multidão.

 

O sistema da Natureza é, ao mesmo tempo, o sistema do nosso Espírito.

 

A Natureza deve ser o Espírito visível; o Espírito a Natureza invisível. É aqui, portanto, na absoluta unidade de Espírito em nós e da Natureza fora de nós, que se deve resolver o problema de como é possível uma Natureza fora de nós.

 

A quem não possui a intuição do Absoluto não se pode fornecer qualquer demonstração, exatamente porque, como Absoluto, Ele é condição de toda demonstração. Só nos elevamos ao Absoluto com intuição originária.

 

Chamo de Razão a Razão Absoluta ou a Razão enquanto pensada como indiferença total do Subjetivo e do Objetivo...

 

Filosofia, que palavra acertada... Todo o nosso saber sempre permanecerá filosofia, isto é, sempre um saber apenas em progresso, cujo grau superior ou inferior devemos apenas ao nosso amor à sabedoria, isto é, à nossa liberdade.

 

O sofrimento com a ignorância sobre os objetos primeiros, sobre os maiores, para todos os homens que sentem, que não são embotados ou estreitamente auto-suficientes, é grande e pode aumentar até se tornar insuportável. Mas, se o martírio de um sistema antinatural é maior do que aquele fardo da ignorância, prefere-se, no entanto, continuar a suportar este.

 

Quem meditou sobre a liberdade e a necessidade descobriu por si que estes princípios têm de ser unificados no Absoluto – a liberdade porque o Absoluto age por potência autônoma incondicionada; a necessidade porque, justamente por isso, ela só age em conformidade com as leis do seu ser, com a necessidade interior da sua essência. Liberdade absoluta e necessidade absoluta são idênticas.

 

Onde há liberdade absoluta há bem-aventurança absoluta, e inversamente. Mas, com a liberdade absoluta também não é mais pensável qualquer autoconsciência. Uma atividade para a qual não há mais qualquer objeto, qualquer resistência, nunca retorna a si mesma. Somente pelo retorno a si mesmo surge uma consciência. Somente uma realidade limitada é efetividade para nós. Onde cessa toda a resistência, há extensão infinita. Mas a intensidade da nossa consciência está na proporção inversa da extensão do nosso ser. O momento mais alto do ser é, para nós, passagem ao não-ser, momento de anulação. Aqui, no momento do ser absoluto, a suprema passividade unifica-se com a mais ilimitada das atividades. A atividade ilimitada é... calma absoluta, epicurismo perfeito.

 

Toda essa idéia de uma felicidade como recompensa, que outra coisa seria, portanto, senão uma ilusão moral: um título de crédito com o qual se compra de ti, homem empírico, os teus prazeres sensíveis de agora, mas que só é pagável quando tu mesmo não precisas mais do pagamento. Pensa sempre nessa felicidade como um todo de prazeres que são análogos aos prazeres sacrificados agora. Ousa, apenas, dominar-te agora; ousa o primeiro passo de criança em direção à virtude; o segundo já se tornará mais fácil para ti. Se continuares a progredir, notarás, com espanto, que aquela felicidade que esperavas como recompensa do teu sacrifício, mesmo para ti não tem mais qualquer valor. Foi intencionalmente que se colocou a felicidade em um ponto do tempo em que tens de ser suficientemente homem para te envergonhares dela. Envergonhar, digo eu, pois, se nunca chegas a te sentires mais sublime do que aquele ideal sensível de felicidade, seria melhor que a razão jamais te tivesse falado. É exigência da razão não precisar mais de nenhuma felicidade como recompensa, tão certo quanto é exigência tornar-se mais conforme à razão, mais autônomo, mais livre. Pois, se a felicidade ainda pode nos recompensar – a não ser que se interprete o conceito de felicidade contrariamente a todo o uso da linguagem – ela é, então, uma felicidade que não é trazida, já, pela própria razão – (pois como poderiam razão e felicidade jamais coincidir?) – uma felicidade que, justamente por isso, aos olhos de um ser racional, não tem mais qualquer valor. Deveríamos, diz um antigo escritor, considerar que os deuses imortais são infelizes porque não possuem capitais, bens territoriais, escravos? Não deveríamos, antes, exaltá-los como os únicos bem-aventurados, justamente porque são os únicos que, pela sublimidade da sua natureza, já estão despojados de todos aqueles bens? O mais alto a que podem se elevar as nossas idéias é manifestamente um ser que, com auto-suficiência absoluta, frui somente do seu próprio ser, um ser que cessa toda a passividade, que não é passivo em relação a nada, nem mesmo em relação a leis, que age com liberdade absoluta, apenas em conformidade com o seu ser, e cuja única lei é a sua própria essência.

 

Deus é uma Essência Real que, no entanto, não tem nada antes ou fora de Si. Tudo aquilo que Ele é, o é por Si Mesmo. Ele provém inicialmente de Si Mesmo para, no fim, acabar de novo puramente em Si Mesmo. Em suma: Deus faz-se a Si Mesmo. E, da mesma forma que é certo que Ele se faz a Si Mesmo, também é certo que Ele não está concluído e feito desde o início, porque, caso contrário, não teria necessidade de Se fazer.1

 

 

 

 

 

 

Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775 – 1854)



 

 

 

O Peregrinar só poderá suceder

se houver   Absolutas.

Um ente só poderá vir–a–ser

se houver    Absolutas.

 

 

Dependências e incoerências

só produzem pesar e tormento.

Que se abjuguem as Consciências!

Decremento  Ampliamento!

 

 

A Peregrinação é Privilégio do ente.

Então, por que continuar a abrir mão?

Porque continuar prisioneiro e doente,

se a Vox Dei2 fala em cada Coração?

 

 

..................................

 

 

Nenhum ser-no-mundo está constrangido

a esperar o Dia da Transformação!3

Nenhum ser-no-mundo está impedido

de estabelecer sua Transmutação.4

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

_____

Notas:

1. Este conceito filosófico está absolutamente de acordo com o Misticismo Iniciático, ainda que o sentido do pensamento schellinguiano não seja este. Isto poderá ser sentido assim, se não idealizarmos um Deus transcendente ou mesmo imanente, egregórico ou não, e admitirmos como Verdade a ser perseguida ad semper o Mestre-Deus de nosso Coração. Então, vou reproduzir parte do fragmento schellinguiano, para uma profunda reflexão: Deus faz-se a Si Mesmo. E, da mesma forma que é certo que Ele se faz a Si Mesmo, também é certo que Ele não está concluído e feito desde o início, porque, caso contrário, não teria necessidade de Se fazer. E acrescento: este mesmo Deus (o Mestre-Deus de nosso Coração) jamais poderá estar ou ser concluído, porque se pudesse estar ou ser concluído, isto seria sinônimo de fim ou de começo. E como fim e começo – metafisicamente também são sinônimos e não existem ou poderão existir como fim definitivo ou como começo determinado, ad semper teremos que (se desejarmos!) edificar o Mestre-Deus de nossos Corações. Eu, que começo a ficar irritado quando vai me dando sono, acho esta idéia ótima!

2. In Corde loquitur nostro Vox Dei. Em nosso Coração fala a Voz de Deus. AMeN.

3. Constrangido a esperar o Dia da Transformação para poder mudar. A mudança deverá ser agora. AMeN.

4. Transmutação das cobiças, dos desejos e das paixões em Compreensão, Bem e Beleza. A Liberdade é impossível sem que haja Compreensão. AMeN.

 

 

 

 

Fundo musical:

Libertad (Jose Luis Perales)

Fonte:

http://www.swissdom.cc/
midis/latino_moderno/moderno.html