Schelling
(Fragmentos)
A
Filosofia tem, de fato, algo, que segundo a sua natureza, sempre permanecerá
ininteligível à grande multidão.
O
sistema da Natureza é, ao mesmo tempo, o sistema do nosso Espírito.
A
Natureza deve ser o Espírito visível; o Espírito
a Natureza invisível. É aqui, portanto, na absoluta
unidade de Espírito em nós e da Natureza fora de nós,
que se deve resolver o problema de como é possível uma
Natureza fora de nós.
A
quem não possui a intuição do Absoluto não
se pode fornecer qualquer demonstração, exatamente porque,
como Absoluto, Ele é condição de toda demonstração.
Só nos elevamos ao Absoluto com intuição originária.
Chamo
de Razão a Razão Absoluta ou a Razão enquanto
pensada como indiferença total do Subjetivo e do Objetivo...
Filosofia,
que palavra acertada... Todo o nosso saber sempre permanecerá
filosofia, isto é, sempre um saber apenas em progresso, cujo
grau superior ou inferior devemos apenas ao nosso amor à sabedoria,
isto é, à nossa liberdade.
O
sofrimento com a ignorância sobre os objetos primeiros, sobre
os maiores, para todos os homens que sentem, que não são
embotados ou estreitamente auto-suficientes, é grande e pode
aumentar até se tornar insuportável. Mas, se o martírio
de um sistema antinatural é maior do que aquele fardo da ignorância,
prefere-se, no entanto, continuar a suportar este.
Quem
meditou sobre a liberdade e a necessidade descobriu por si que estes
princípios têm de ser unificados no Absoluto –
a liberdade porque o Absoluto age por potência autônoma
incondicionada; a necessidade porque, justamente por isso, ela só
age em conformidade com as leis do seu ser, com a necessidade interior
da sua essência. Liberdade absoluta e necessidade absoluta são
idênticas.
Onde
há liberdade absoluta há bem-aventurança absoluta,
e inversamente. Mas, com a liberdade absoluta também não
é mais pensável qualquer autoconsciência. Uma
atividade para a qual não há mais qualquer objeto, qualquer
resistência, nunca retorna a si mesma. Somente pelo retorno
a si mesmo surge uma consciência. Somente uma realidade limitada
é efetividade para nós. Onde cessa toda a resistência,
há extensão infinita. Mas a intensidade da nossa consciência
está na proporção inversa da extensão
do nosso ser. O momento mais alto do ser é, para nós,
passagem ao não-ser, momento de anulação. Aqui,
no momento do ser absoluto, a suprema passividade unifica-se com a
mais ilimitada das atividades. A atividade ilimitada é... calma
absoluta, epicurismo perfeito.
Toda
essa idéia de uma felicidade como recompensa, que outra coisa
seria, portanto, senão uma ilusão moral: um título
de crédito com o qual se compra de ti, homem empírico,
os teus prazeres sensíveis de agora, mas que só é
pagável quando tu mesmo não precisas mais do pagamento.
Pensa sempre nessa felicidade como um todo de prazeres que são
análogos aos prazeres sacrificados agora. Ousa, apenas, dominar-te
agora; ousa o primeiro passo de criança em direção
à virtude; o segundo já se tornará mais fácil
para ti. Se continuares a progredir, notarás, com espanto,
que aquela felicidade que esperavas como recompensa do teu sacrifício,
mesmo para ti não tem mais qualquer valor. Foi intencionalmente
que se colocou a felicidade em um ponto do tempo em que tens de ser
suficientemente homem para te envergonhares dela. Envergonhar, digo
eu, pois, se nunca chegas a te sentires mais sublime do que aquele
ideal sensível de felicidade, seria melhor que a razão
jamais te tivesse falado. É
exigência da razão não precisar mais de nenhuma
felicidade como recompensa, tão certo quanto é exigência
tornar-se mais conforme à razão, mais autônomo,
mais livre. Pois, se a felicidade ainda pode nos recompensar –
a não ser que se interprete o conceito de felicidade contrariamente
a todo o uso da linguagem – ela é, então, uma
felicidade que não é trazida, já, pela própria
razão – (pois como poderiam razão e felicidade
jamais coincidir?) – uma felicidade que, justamente por isso,
aos olhos de um ser racional, não tem mais qualquer valor.
Deveríamos, diz um antigo escritor, considerar que os deuses
imortais são infelizes porque não possuem capitais,
bens territoriais, escravos? Não deveríamos, antes,
exaltá-los como os únicos bem-aventurados, justamente
porque são os únicos que, pela sublimidade da sua natureza,
já estão despojados de todos aqueles bens? O mais alto
a que podem se elevar as nossas idéias é manifestamente
um ser que, com auto-suficiência absoluta, frui somente do seu
próprio ser, um ser que cessa toda a passividade, que não
é passivo em relação a nada, nem mesmo em relação
a leis, que age com liberdade absoluta, apenas em conformidade com
o seu ser, e cuja única lei é a sua própria essência.
Deus
é uma Essência Real que, no entanto, não tem nada
antes ou fora de Si. Tudo aquilo que Ele é, o é por
Si Mesmo. Ele provém inicialmente de Si Mesmo para, no fim,
acabar de novo puramente em Si Mesmo. Em suma: Deus faz-se a Si Mesmo.
E, da mesma forma que é certo que Ele se faz a Si Mesmo, também
é certo que Ele não está concluído e feito
desde o início, porque, caso contrário, não teria
necessidade de Se fazer.1