A
sobrevivência da Democracia
e da liberdade, no mundo moderno, depende de nossa capacidade de estendermos
todo o povo, e não de forma potencial, mas efetiva, os benefícios,
hoje reservados a uma classe dominante, dessa liberdade e da própria
civilização.
Nada falseia mais o espírito
jurídico, nada o afasta mais perigosamente do seu verdadeiro sentido,
do que a convicção, favorecida pelos longos períodos
de estabilidade, de que a vida social deve se ajustar aos conhecimentos
jurídicos, em vez de se adequarem estes àquela.
A
continuidade da civilização, com o seu resultado final que
é a reconciliação dos homens, depende da nossa capacidade
de preservar a paz, substituindo a competição militar entre
os povos por técnicas cada vez mais estáveis de cooperação
e de convivência, e caminhando para uma integração econômica
que nivele as oportunidades, com a rápida eliminação
dos resíduos do imperialismo e das rivalidades nacionais.
Aqueles
que urdem o sonho absurdo de tornarem compatível a sobrevivência
da liberdade política com a sobrevivência da desigualdade econômica
e social, nada mais são do que os coveiros, talvez inconscientes,
das instituições e princípios por que se batem.
Não
é exato, como aliás já são poucos os que pretendem,
que a Democracia possa se salvar como fórmula política, apenas
mediante o apego a certos ideais jurídicos, que deram expressão
adequada, em outras épocas, a formas então válidas
de supremacia social. Também não é certo, como muitos
ainda querem crer, que o futuro da Democracia dependa apenas do desenvolvimento
econômico, e que o seu fortalecimento possa se medir no crescimento
da renda nacional ou do seu índice 'per capita'. O crescimento da
renda nacional, mesmo quando se processa a uma taxa superior à do
aumento demográfico, pode reverter, graças à má
distribuição social da riqueza, em benefício de setores
limitados da população, e agravar temporariamente, em vez
de atenuar, as tensões sociais internas, que comprometem a estabilidade
das instituições democráticas e dela fazem um poderoso
instrumento, não a serviço da reconciliação,
mas a serviço da opressão.
Ao
contrário da inteligência, que não é contagiosa,
burrice pega.
Se
o pensamento democrático não for capaz de formular, em termos
válidos e inteligíveis, o seu esquema de reforma social, esta
abrirá seu caminho anti-democraticamente, porque, no quadro das tensões
internas da sociedade atual, as forças que aspiram a uma participação
mais ampla nos benefícios da vida comum são superiores em
intensidade às que procuram deixar em segundo plano essa ampliação,
para se limitarem à defesa das chamadas garantias democráticas.
No
Brasil, o povo, enquanto povo, é melhor do que as elites, enquanto
elites.
Toda
contemporização ou insinceridade na abertura de um rumo eficaz
de reforma social se liquida em um reforço do processo anti-democrático
e na debilitação a curto prazo da própria Democracia.
Não
pode haver moralidade política sem prudência, isto é,
sem considerar as conseqüências políticas de uma ação
aparentemente moral.
A
preservação e o fortalecimento da Democracia representativa
constituem um objetivo inalienável da nossa civilização,
e que só através dela alcançaremos uma forma de convivência
política verdadeiramente isenta de opressão. Em primeiro lugar,
a Democracia, no quadro comparativo das instituições políticas
conhecidas, não foi superada como forma de proteção
do homem na sua confrontação cotidiana com o poder. Em segundo
lugar, nenhum outro regime, por mais convincentes que sejam seus resultados
no campo econômico ou tecnológico, logrou oferecer mecanismo
mais impessoal e mais capaz de absorver e compensar as formas primárias
de violência, do que o democrático, sobretudo no episódio
culminante, que é o da transferência do poder.
O homem real é um composto
de homem econômico, homem político, homem moral, homem religioso
etc. Um homem que não fosse nada mais que um homem político
seria um animal, pois careceria por completo de prudência.
A
reforma social não poderá, em qualquer país, mas notadamente
entre nós, fugir a certas características e objetivos: 1º)
terá de ser uma reforma incorporada às aspirações
do povo, que suba das próprias bases sociais, debatida e filtrada
nas organizações de classe, e não uma reforma outorgada
pela classe dominante, expressiva apenas de uma concessão sem conciliação;
2º) terá de ser uma reforma que fira de frente o problema vital
da segurança econômica do indivíduo na sociedade, pois
na sociedade burguesa, em cujas formas já decompostas ainda vivemos,
a segurança econômica é o privilégio do proprietário,
do chamado homem-independente, enquanto a forma universal de participação
do indivíduo na sociedade é o trabalho, e o 'status' que a
todos corresponde é o de trabalhador; e 3º) terá de produzir,
a curto prazo e sem violência, com respeito dos direitos subjetivos,
uma redistribuição da renda social, de modo que esta, através
do salário, dos serviços coletivos e dos investimentos no
setor público e privado, atinja a sociedade no seu todo, eleve o
padrão de vida e crie o número crescente de ocupações
e atividades requeridas pelo aumento e pela ativação da população.
Para que uma reforma preencha estes requisitos, não basta que ela
se exprima em leis capazes de operar com resultados tecnicamente positivos
sobre a realidade nacional. É necessário não esquecer
que esta realidade já exprime e institucionaliza formas inveteradas
de opressão social e de dominação, estabelecidas em
proveito de classes, de grupos e de interesses nacionais ou estrangeiros
diferenciados, e sem a liquidação progressiva e completa destas
formas de opressão não será possível criar,
no País, condições que, sendo acauteladoras da justiça,
também o sejam da eficiência e da continuidade do crescimento.
Não
sou liberal nem comunista; sou Brasileiro.
A
reforma agrária nem pode ser um confisco mal disfarçado de
terras nem uma gigantesca operação imobiliária, montada
à base de indenização prévia, para transformar
em dinheiro líquido inversões antieconômicas, para as
quais falta, inclusive, um mercado permanente com capacidade de absorção.
Com a reforma agrária estaremos passando do feudalismo ao Capitalismo,
nos campos, e dando oportunidade ao surgimento de uma nova classe agrária,
dinâmica, operosa, lançada à sombra de uma assistência
técnica e financeira concentrada, capaz de elevar as condições
de produtividade em áreas selecionadas para o abastecimento do País.
O
Estado é a manifestação dos interesses públicos.
O público não é algo de total e de constante, mas é
formado de grupos de interessados, que surgem, ampliam-se, restringem-se
ou desaparecem, conforme as irradiações, retrações
e expansões da convivência humana.
Um
país onde se desencoraja a empresa privada ao mesmo tempo que se
deteriora a empresa pública, nem se está preparando para uma
expansão capitalista nem para uma socialização, mas
se está simplesmente deixando ir ao impulso de uma corrente descendente,
que pode ancorá-lo em uma estagnação a longo prazo
ou precipitá-lo na desordem social.
O
suposto 'ser racional' dos gregos e o suposto 'indivíduo' de Stuart
Mill são dois produtos altamente elaborados, não sendo inata
senão a possibilidade de determinado organismo humano se fazer um
e outro, se a sua história, se as suas experiências, se as
pessoas com quem conviver e se agrupar, ou seja, se a sua educação
a isto o ajudarem.
Nenhum
projeto nacional é válido e nenhuma política interna
é auto-sustentável, se não lograrem inserir o País
no rumo histórico do seu tempo, e superpor harmonicamente o nacional
e o universal.
Somente
pela educação poderemos produzir o homem racional, o homem
independente, o homem democrático... As escolas deverão ser,
assim, organizações locais, administradas por conselhos leigos
e locais, com o máximo de proximidade das instituições
que venham a dirigir e com o máximo de autonomia que lhes for possível
dar.
O
pan-americanismo deve ser um instrumento de luta pela emancipação
econômica e social das nações deste hemisfério.
A instabilidade das instituições
democráticas no hemisfério tem sua origem no subdesenvolvimento
econômico e no sistema egoísta de um certo tipo de empresas
de âmbito internacional, que perturbam o funcionamento normal dos
regimes e, muitas vezes, alimentam as sedições.
Na
ONU, o Brasil deve manter uma posição de independência
em relação aos diversos blocos em que se dividem os Estados-membros,
votando em cada caso tendo em vista os objetivos permanentes de nossa política
internacional e a defesa dos interesses do Brasil.
Os
interesses reais da Nação não se chocam, mas, pelo
contrário, se harmonizam com o objetivo de segurança e elevação
de nível de vida contido nas reivindicações da classe
operária, mas também coincidem com os interesses da produção,
ansiosa por alcançar níveis eficazes de produtividade, e se
libertar de condições herdadas do passado, contrárias
à consolidação do seu desenvolvimento.
É
do ajustamento perfeito entre elites, capazes de se modernizarem, e o povo,
que nos testemunha todos os dias sua vitalidade, que sinceramente espero
ver surgir, por eletrólise, essa realidade que pressentimos: o futuro
do Brasil.
Nos
povos primitivos, sempre se encontram vestígios de duas formas de
matrimônio: o rapto e a compra. O matrimônio se apresenta como
ato de apreensão da mulher, ato que exige, a princípio, o
emprego da força, e em uma época talvez mais evoluída,
exige o pagamento de um preço. O homem é sujeito do ato; a
mulher o objeto. Deve-se ao Direito Romano ter elevado a mulher, na Antigüidade,
à categoria de sujeito do matrimônio, esboçando uma
profunda transformação moral e jurídica, que o Cristianismo
iria aperfeiçoar e terminar.
Quem
só Direito sabe, nem o Direito sabe.