A ALMA-ROUXINOL APRISIONADA

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga


 

 

 

 

 

Sim, a ignorância é qual redoma fechada e sem ar, e a Alma, um rouxinol dentro dela. A ave canora não gorjeia e nem pode mover uma pena, mas emudece e entorpece, e morre de exaustão. (A Voz do Silêncio, Fragmento II, versículo 112).

 

Mas mesmo a ignorância ainda é preferível à erudição da cabeça sem a Sabedoria da Alma para a iluminar e guiar. (A Voz do Silêncio, Fragmento II, versículo 113).

 

Helena Petrovna Blavatsky (1831 – 1891)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Oh!, pobre Alma-rouxinol!

Aprisionada e obnubilada,

 

 

Oh!, pobre Alma-rouxinol!

Morte lassa... Lastimada!

Longa noite de aranhol!

 

 

Oh!, pobre Alma-rouxinol!

De equívocos empapada,

gosto amaro de arriol!

 

 

Oh!, pobre Alma-rouxinol!

Sei que estás atormentada!

 

 

Oh!, pobre Alma-rouxinol!

Tu podes ser transmutada!

 

 

 

 

 

O Santo Lapis no Crisol

 

 

 

 

 

 

 

 

_____

Nota:

1. O terceiro verso do primeiro terceto deste poema – serve a Lilith e não vê o Sol! – é meramente metafórico, e procura tão-só simbolizar a avernosa Noite Negra da Alma, que, ainda simbolicamente, poderá ou não ter algum tipo de vinculação com a mitológica Lilith.

 

 

 

Assim sendo, preliminarmente, no livro Kabbala – La Biblia: Divino Proyecto del Mundo, Friedrich Weinreb informa que Lilith é a mulher da noite e da esfera dos demônios, e tem em comum com a palavra LaILaH (30-10-30-5), que significa noite, a mesma raiz. A conexão simbólica* de Adão com Lilith foi conseqüência de sua dor não elaborada, derivada da morte da Abel e do crime de Caim (o primeiro Mago Negro iniciado diretamente por Lilith). Weinreb explica que um sofrimento profundo não entendido poderá levar o homem a uma perversão, a um desvio sexual e a um vínculo com Lilith.

Seja como for, segundo Josilene Sousa, Lilith (ou Lua Negra) é um ponto astronômico correspondente ao grau do apogeu da órbita lunar projetado na eclíptica zodiacal. No campo mítico, o modelo feminino permitido ao ser humano pelo padrão ético judaico-cristão baseia-se no de um fragmento do ‘primeiro ego’, que seria Adão. Vários textos históricos, no entanto, citam uma variante, a criação de Lilith, a primeira mulher, feita em igualdade de condições com o primeiro homem, e expulsa do Paraíso por tentar fazer valer esta igualdade. Pode-se admitir, ainda, que o nome de Lilith tenha raízes semíticas e indo-européias, ligadas às palavras Lil (vento e ar), e também às palavras sumérias Lulti (lascívia) e, como ensinou Friedrich Weinreb, à palavra hebraica LaILaH (noite), tendo sido venerada sob os nomes de Lilitu, Lilu, Ardat Lili e Lamaschtu. Não se sabe com certeza de que forma a lenda de Lilith, esta primeira companheira de Adão, foi banida da versão Bíblica da Igreja. Mas, consultando as Escrituras hebraicas poderemos encontrá-la como uma mulher condenada a ser inferior e subordinada ao homem. No fundo, Lilith já fora criada como um demônio, tendo gerado, juntamente com Adão, outros seres iguais a ela, que se vingaram da Humanidade. Essa natureza satânica é, por assim dizer, uma advertência do que a cultura rabínica e patriarcal nos faz com relação àquela que perturbou a noite toda o sono de Adão: Lilith, feita de sangue (menstruação) e de saliva (desejo) é a expressão de fatalidade. Neste ponto, Lilith é mais fiel ao protótipo da mulher do que a submissa Eva, embora ambas sempre tenham sido veículos da tentação e do pecado. Só que a recusa ao desejo, ao sonho erótico que subtraiu a porção divina de Adão, chega, com Lilith, a extremos surpreendentes após a separação deste casal. O alfabeto Bem Sirá (século VI ou VII) conta que Lilith, inconformada com a situação de desigualdade vivida com Adão, questiona: — Por que devo me deitar embaixo de ti? Por que devo me abrir sob teu corpo? Por que devo ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e, por isso, sou tua igual. Mas Adão, ciente da supremacia do homem, nega-se a mudar a ordem e o equilíbrio preestabelecido. Lilith revolta-se, pronuncia o nome mágico de Deus, acusa Adão e vai embora. Voa para as margens do Mar Vermelho, onde passa a viver em promiscuidade com os demônios, gerando cem demônios por dia denominados Lillims (dentre eles, súcubos** e íncubos***). E lá ela se transforma e assume seu tenebroso destino, seduzindo homens em seu sonho e espalhando a morte. Encarnando o feminino negativo, Lilith transfigura-se, posteriormente, em inúmeras deusas lunares (Ihstar, Astarte, Isis, Cibele, Hécate), arquétipos das forças incontroláveis do submundo – a Lua Negra. Até chegou a ser personificada pela bruxa, na Idade Média, contra a qual o homem moveu uma das mais sangrentas perseguições religiosas de toda a sua trajetória terrena. Mas existem muitas outras histórias sobre Lilith. Dizem que ela significa a outra ou o outro, em um triângulo amoroso. Para os assírios, era considerada um demônio. Alguns estudiosos dizem que ela era a mulher de Samuel, da qual surgiram as imagens de Adão e Eva. No Zohar também é assimilada como a rainha dos demônios que incitava os homens. Na KaBaLa, Lilith pode corresponder ao 10º Sefiroh, Malkuth, que reina no submundo e na escuridão, incapaz de fazer contato com Deus, sempre sujeita a tentações e frustrações.

Enfim, Beatrix Algrave informa que, segundo a tradição, o culto à Lilith também possuiria relações com o período menstrual. Por este motivo, as mulheres a cultuavam durante a Lua Nova, pois em muitas culturas era comum associar as fases da Lua com a mulher; quando a Lua Nova chegava, costumava-se dizer que a Deusa estava com as regras. Assim, o período normalmente dedicado a Lilith, naquela época, era exatamente o período menstrual. O período menstrual era o momento em que as mulheres poderiam ter relações sexuais livres da possibilidade de gravidez e, por isso, tais relações estariam exclusivamente ligadas ao prazer (e não à procriação, como era a perspectiva patriarcal). Assim, muitas vezes, foram feitas referências a esta Deusa como o Espírito Menstrual. É em virtude disto que, posteriormente, na sociedade judaica, se criou uma série de tabus em relação à menstruação.

* Segundo a Tradição, a conexão simbólica de Adão com Lilith durou 130 anos e não produziu filhos, mas demônios, pois tudo o que não está orientado no sentido na unificação cria demônios. Em KaBaLa, o número 130 simboliza o fim de uma convivência incorreta e desarmônica entre um homem e uma mulher. A própria palavra SINaI (60-10-50-10) tem valor numérico total igual a 130, apresenta um vínculo com a palavra Sin e está conectada com a Lua, ou seja, com a forma, com o corpo e com o mundo da esquerda. Lilith aparece, por exemplo, no Antigo Testamento, na Profecia de Isaías, XXXIV, 14: E nela se encontrarão os demônios com os onocentauros****, e os sátiros***** gritarão uns para os outros; ali se deitará a lâmia****** e encontrará o seu repouso. Enfim, segundo a tradição talmúdica, Lilith é a Rainha do Mal, a Mãe dos Demônios e a Lua Negra. Já em História da Magia, Elifas Levi comenta os atributos de Lilith e de Nehemah: Há no inferno – dizem os cabalistas – duas rainhas dos vampiros: uma Lilith, a mãe dos abortos; a outra Nehema, a beleza fatal e assassina. Quando um homem é infiel à esposa que lhe foi destinada pelo céu, quando se entrega aos descaminhos de uma paixão estéril, Deus lhe toma a esposa legítima e santa e entrega-o aos beijos de Nehema... Nehema pode ser mãe, mas não cria os filhos; entrega-os a Lilith, sua funesta irmã, para que os devore.

** Súcubo – Demônio ou fantasma maligno feminino que, segundo velha crença popular, vem pela noite copular com um homem, perturbando-lhe o sono e causando-lhe pesadelos.

*** Íncubo – Demônio ou fantasma maligno masculino que, segundo velha crença popular, vem pela noite copular com uma mulher, perturbando-lhe o sono e causando-lhe pesadelos.

**** O centauro aparece na iconografia cristã como uma besta infernal, tentadora de donzelas. Às vezes, aparece sob a forma de onocentauro, mistura de homem e de burro, com exagerados atributos sexuais.

***** Sátiro = homem devasso, luxurioso.

****** Lâmia = monstro mítico representado por uma cabeça de mulher com corpo de serpente que, segundo a lenda, se alimentava de homens e de crianças.

 

Esta nota foi editada das fontes:

Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.

http://br.groups.yahoo.com/group/mitos_e_deuses/
messages/8203?viscount=-30&l=1

http://www.geocities.com/lillithoc/rainha.htm

http://www.beatrix.pro.br/cultobsc/lilith.htm

http://www.vanessatuleski.com.br/mitologia/lilith.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Lilith

 

 

 

 

Quiróptero Solitário
(à procura de uma artéria descuidada)

 

 

 

Bibliografia:

BLAVATSKY, Helena Petrovna. A doutrina secreta. 6 volumes. 10ª ed. São Paulo: Pensamento, 1998.

LÈVI, Éliphas. História da magia. São Paulo: Pensamento, 1974.

SOUZENELLE, Annick de. La letra, camino de vida (el simbolismo de las letras hebreas). Buenos Aires: Editorial Kier S. A., 1995.

WEINREB, Friedrich. Kabbala – La Biblia: Divino Proyecto del Mundo. Buenos Aires: Editorial Sigal, 1991.

 

Música de fundo:

Love is a Many Splendored Thing (Sammy Fain & Paul Francis Webster)

Fonte:

http://www.membres.lycos.fr/danak/page2.html