A RODA DA BOA LEI

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

Como um relâmpago na noite,

minha vida não viveu e morreu.

Do Conticínio1, só cheguei à Meia-noite.

 

 

Como um suspiro suspirado,

dormi sem conseguir acordar

de um sonho afligente... Sonhado!

 

 

Consenti o não-consentível.

Hoje, estrondeio de ceca em meca,

mas meu grito é não-audível!

 

 

 

O Grito Inaudível

 

 

 

_____

Nota:

1. A Noite – mysticorum obscuritas (obscuridade dos místicos) segundo António de Lisboa (1191 ou 1195 – 1231) – tem começo ou Conticinium (Conticínio), meio ou Media Nox (Meia-Noite) e fim ou Claridade (Aurora), e o tempo de duração é individual. O Conticínio é a primeira fase da Noite em que tudo está silente. É o tempo em que são satisfeitas as seduções blandiciosas da carne — carnis suavia blandimenta. O Santo ensinou que, para vencer as tentações próprias do Conticínio, é preciso meditar sobre as iniqüidades praticadas, considerar o exílio (e desejar ardentemente a reintegração) e contemplar o Criador (misticamente, isto equivale ao Deus Interno de nosso Coração). Auxiliado pela razão e pela discrição, o principiante vai subindo, degrau por degrau, a escada da crucifixão: a razão dominando os sentidos e esclarecendo sobre o Bom Caminho. Assim, derramando lágrimas, envergonhado, vexado e cabisbaixo vai o postulante trilhando a Senda que levará à Illuminação. Lentamente, os sentidos físicos e os apetites do corpo vão sendo dominados, e os incipientes passam para o estádio de aproveitantes (fase da Meia-Noite). Todavia, no que concerne ao sofrimento moral, este se vai intensificando. É o reconhecimento tácito da queda, do afastamento da LLuz, do exílio de Deus, da consciência plena da ainda permanência nas trevas. É a angústia por desejar alcançar a LLuz Maior, por desejar ardentemente realizar o Cristo Interno e, em graça total, no dizer de Santo António, contemplar o Criador. É o desespero por ter, tenuemente, vislumbrado a possibilidade de se tornar uno com o Pai — o Deus de seu Coração — e de não ter podido ainda realizar o sonho dos sonhos. É uma dor lancinante. Um desespero sufocante. Um horror atemorizante. É a negra Noite Negra. É a crucificação individual. É o inferno interior. É a compreensão do exílio da Vida. A Noite Negra traz à lembrança a fase negra da Crisopéia.

 

Música de fundo:

Burbujas de Amor (Juan Luis Guerra)

Fonte:

http://www.musicasmaq.com.br/