Rodolfo Domenico
Pizzinga
Xavier Apressadinho!
aí
de casa apressado...
Na rua, não olhei
pro lado.
Em um zuruó, dei
um encontrão,
e ele me xingou de um
palavrão.
A coisa tava começando
mal!
Veio o ônibus, fiz
sinal...
Ele parou, eu entrei;
mas – a razão
de ser não sei! –
tropecei no degrau.
Um gato rebusnou e fez
miau!
No ônibus, pisei
no pé
logo de um baixinho pepé.
Furibundo, o pepé
deu um grito de dor.
— Desculpe,
cara, por favor!
Faço tudo pra não ser,
mas sou apressadinho sem querer.
Então, a alergia
me pegou;
dei um espirrão
que ribombou.
E mais dez que estrondearam...
Logo as narinas comicharam!
Todo mundo me olhou.
— Não
é gripe; alérgico juro que sou.
Achei que deveria explicar
para evitar mal-estar.
É! Pois é!
Sacumé?
Melhor sentado do que
em pé.
Ao lado de um político,
me assentei;
'aí vai um três com goma', pensei.
'Deve tá pensando em se arrumar;
no mínimo, em uma vantagem levar.'
Bem na frente, um carola
rezava;
acho que sua alma fortalezava.
A quem ele teria engrupido?
Estaria arrependido?
Ou negociava com Deus?
Melhor fazem os Ateus!
Eu[-não-crente]
mastiguei:
'a Eterna Lei; será cumprida a Lei.'
Um fanho – mais
pra manho –
pareceu-me tataranho.
Um girondondo,1
meio bolorento,
tinha cara de agourento.
Cor de cavalo baio,
só olhava de soslaio.
E foi enchendo o coletivo;
não deu pra ficar
abstrativo.
E toca a entrar gente,
rente que nem pão
quente.
Aquilo parecia um formigueiro
saracoteando num açucareiro.
Era bebê, era bedelho...
Era balzaquiano, era velho...
Era homem, era mulher...
Mas nem um magnata sequer!
Ora, ricalhão?
No busão?
Maioral vai de 'limo'
ou de carrão.
Então, vi uma balofa
– eca! –
que tirava e comia meleca!
E um cara, que me pareceu
somali
– a cara do Muhammad
Ali
e um tanto quanto piririca
–
comia uma banana-nanica!
Dois afrodescendentes,
que pareciam parentes,
elogiavam a Dilma Rousseff:
— Ela
é boa; tem dois ff.
Pensei: 'Não
tem nada a ver com efe;
é que a Dilma não é bodefe'.
Já um mirolho –
pobre-diabo! –
nariganga de quiabo,
de olhar triste e distante,
suspirou por um instante.
Entristei-me! Mas, fazer
o quê?
Tudo tem lá o seu
porquê.
Bem, era gente de todo
tipo;
não havia um personagem-tipo.
Este é o meu Brasil
policromo,
que jamais se tornará
acromo!
Brasil que andam a sacanear;
Brasil que vai se impondo
devagar.
É ministro... que
é ratão!
É deputado... fanfarrão!
É empresário...
canalhocrata!
É togado... gatunocrata!
É o corrupto...
corrompendo!
É o fracalhão...
cedendo!
É o professor...
que não sabe!
É o salário...
que não cabe!
É o aluno... que
finge!
É a vida... que
impinge!
É o sem-teto...
que chora!
É o fodido... que
implora!
É o pedófilo...
à espera!
É o inverno...
da primavera!
É a carpideira...
plangente!
É o morto... que
não sente!
É o virtuoso...
que honestiza!
É o encantador...
que profetiza!
É a Eunectes
murinus...
que aperta,
e o homem... que não
esperta!
É a Internet...
ensinando!
É a Internet...
desgraçando!
É a bala... perdida;
na verdade... dirigida!
É o caleidoscópio...
brilhante,
que multicolore... o instante!
Sim... sem quê nem
pra quê!
Não... mas ninguém
diz o porquê!
É o dormir... acordado!
É o viver... anestesiado!
É o tsunami...
da vida!
É a vida... esquecida
da Vida!
É o mânvântâra...
manvantarizando!
É o prâlâya...
esperando!
Mas, por sua própria
natureza,
o Brasil só esparrama
beleza.
Brasil: país que
não tem dono,
e que de nenhum é
um clono.
Fiquei feliz de ser brasileiro!
Marafa, gatuno, bicheiro
– cada um é
meu irmão.
Quem é que não
tem borrão?
E o tempo voou, voando...
De repente, me vi chegando
onde eu tinha que saltar.
— Cença,
não posso me atrasar,
senão o patrão me demite;
ele é severo e imite.
No trabalho, no
'hall', escorreguei;
quando fui mijar, me mijei.
Foi só água
em cada mão,
pois, não havia
sabão!
Pode uma coisa dessas?
Lá, as coisas andam
às avessas.
Na saída, dei com
a cara na porta,
e minha
cara ficou 'vermelhorta'!2
Uma barata! Dei um corcovo...
E me estabaquei de novo!
Pode uma barata dessas?
É; está
tudo mesmo às avessas.
Mais tarde, almocei rapidinho;
voltei como um andorinho.
Sempre correndo, preocupado,
tinha que dar conta do
riscado.
Meu chefe, disse (meio
puto):
— Você
tá atrasado um minuto!
— Ora
chefe, foi só um segundo;
eu sou um funcionário fecundo.
— O.k.;
então, meta bronca;
veja se você não dorme nem ronca.
Na pressa, fiz uma merda.
Ainda hei de ganhar uma
herda!
A tarde escoou muito lenta.
Tarde triste; tarde cinzenta!
O ar condicionado rangendo...
Todo mundo digitando ou
escrevendo.
Aquilo até parecia
um cemitério;
que ambiente mais deletério!
Às vezes, adeja
por lá um fantasma;
não há quem
não sinta um miasma.
Ufa! Chegou a hora de
ir embora!
Em casa, me espera Aurora,
que de Amélia não
tem nada,
mas, na hora H, é
assanhada.
Esqueci os dissabores
do dia
e até da espirrenta
alergia.
Um punzito de despedida,
e só pensei na
acolhida.
'Aurora, hoje, você não me escapa!
Minha gata, minha guapa!'
Já em casa, tomei
um banho;
de nervoso, fiquei gaganho.
Onde está meu 'robe
de chambre'?
Bolas! Vou comer um fiambre
e tomar um copo de vinho.
Preciso estar tinindinho;
depois, serão onze
minutos,
meigos, mas, ternamente
brutos.
— Oh!,
Aurora! Morri de saudade;
juro, é a mais pura verdade.
E você? Lembrou de mim?
Por favor, diga que sim.
— Xavier,
to com dor de cabeça;
não insista, não me peça.
—
É vapt-vupt; não demoro.
Venha aqui; eu imploro.
— Porra!
Você só pensa naquilo?
Dê um tempo; fique tranqüilo.
— Só
um pouquinho, meu bem.
—
Nem vem que hoje não tem.
Vá ver televisão;
veja se deixa de ser chorão.
Se quiser, namore sozinho;
eu não ligo nem um tiquinho.
E essa, agora! E essa,
agora!
Qualquer dia, eu vou embora.
'Isto é loucura',
pensei;
mas, logo me conformei.
De repente, um solanco!
Estou manco? Caí
do banco?
Voando, o espaço
cruzando,
no meu corpo fui entrando.
Então, espreguicei,
bocejei...
Era tudo um sonho. Acordei.
Aurora, ao meu lado, sorria,
e, com aquele jeitinho,
pedia...
Onze minutos? Que nada!
Em três, a coisa
tá acabada!
Xavier e Aurora!