Refletindo
sobre o Brasil? Não, claro; sobre Portugal da minha mãe e
do seu tempo. Em junho de 1871,
assim Eça de Queirós inicia
a primeira crônica de As Farpas que, em parceria com Ramalho
Ortigão, começou, então, a publicar em fascículos
mensais: Aproxima-te
um pouco de nós, e vê. O País perdeu a inteligência
e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres
corrompidos. A prática da vida tem por única direção
a conveniência. Não há princípio que não
seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre
os cidadãos e já não se crê na honestidade dos
homens públicos...
Para
ensinar, há uma formalidadesinha [sic]
a cumprir – saber.
O
riso é a mais útil forma da crítica,
porque é a mais acessível à multidão. O riso
dirige-se não ao letrado e ao filósofo, mas à massa,
ao imenso público anônimo. É por isso que hoje é
tão útil como irreverente rir das idéias do passado:
a multidão não se ocupa de idéias, ocupa-se das fórmulas
visíveis, convencionais das idéias. Por exemplo: o povo em
Portugal, nas províncias, não é católico –
é padrista. Que sabe ele da moral do Cristianismo? Da teologia? Do
ultramontanismo1?
Sabe do santo de barro que tem em casa, e do cura que está na igreja.
Não
há idéia mais consoladora do que esta: que eu, e tu, e aquele
monte, e o Sol – que, agora, se esconde – são moléculas
do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo fim.
É
o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas,
ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança,
estar atento às atitudes que toma a política estrangeira,
protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos,
velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual
e material em presença de outras nações, pelo progresso
que fazem os espíritos, pela conservação da justiça,
pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento
das classes infelizes.
O
que são há 20 anos os partidos em Portugal? Que pensamento
traduzem? Que grande fato social querem realizar? Formam-se, desagregam-se,
dissolvem-se, passam, esquecem, sem que deles fique uma edificação
aceitável, uma criação fecunda. Estabelecem patronatos,
constroem filiações, arregimentam homens e braços trabalhadores,
preparam terreno e solo robusto, onde eles possam sem embaraço tomar
as livres atitudes do aparato e da vaidade reluzente. Nada mais fazem. Nascem
infecundamente, morrem esterilmente.2
Ordinariamente,
todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com
cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações
e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver
crises. Não têm a austeridade, nem a concepção,
nem o instinto político, nem a experiência que faz o Estadista.
É assim que há muito tempo em Portugal são regidos
os destinos políticos. Política de acaso, política
de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso,
governado por vaidades e por interesses, por especulação e
corrupção, por privilégio e influência de camarilha,
será possível conservar a sua independência?3
Os
que sabem dar a verdade à sua pátria não a adulam,
não a iludem, não lhe dizem que é grande, porque tomou
Calicute; dizem-lhe que é pequena porque não tem escolas.
Gritam-lhe sem cessar a verdade rude e brutal. Gritam-lhe: tu és
pobre, trabalha! Tu és ignorante, estuda! Tu és fraca, arma-te!
Poupe-se
ao boi a vista ao malho.
O
interesse do Universo está todo na vida, na sua luta, na sua paixão,
no seu cerimonial, no seu ideal e no seu mal. O Sol, nascendo por detrás
das Pirâmides, sobre o fulvo deserto da Líbia, forma um prodigioso
cenário; o vale do Caos, nos Pirineus, é de uma grandeza exuberante.
Mas todos estes espetáculos hão-de ser sempre infinitamente
menos interessantes que uma simples comédia de ciúmes, passada
num quinto andar. Que há, com efeito, de comum entre mim e o Monte
Branco? Enquanto que as alegrias amorosas do meu vizinho ou os prantos do
seu luto são como a consciência visível das minhas próprias
sensações.
Houve
um filósofo que deixou aos infelizes esta máxima: Se a tua
dor te aflige, faz dela um poema.
No
fundo, nós somos todos fadistas: do que gostamos é de vinhaça
e viola e bordoada, e viva lá sô compadre...
Calado,
invadido pelo pensamento do Báb – o Arauto da Fé Bahá’í
– revolvia comigo o confuso desejo de me aventurar nessa campanha
espiritual... Por que não? Tinha a mocidade, tinha o entusiasmo...
Via-me discípulo do Báb... E partia logo a pregar, a espalhar
o verbo babista. Aonde iria? A Portugal, certamente, levando de preferência
a salvação às almas que me eram mais caras.
Na
arte, quando forte, fina e superior, a simplicidade resulta sempre de um
violento esforço. Não se coordena com clara inteligência
uma concepção, não se atinge uma expressão fácil,
concisa e harmoniosa, sem longas e tumultuárias lutas em que arquejam
juntos, espírito e vontade.
Homem,
que fizeste tu da alma?
Que
mérito há em amar os que nos amam?
Ah!,
nunca homem deste século batalhou mais esforçadamente contra
a seca de viver!
O
riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação.
E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião.
A
imprensa é composta de duas ordens de periódicos: os noticiosos
e os políticos. Os
noticiosos têm todos a mesma notícia; os políticos têm
todos a mesma política.
É
o Coração que faz o caráter.
A
arte é um resumo da Natureza feito pela imaginação.
Pensar e fumar são duas operações
idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento.
É
o comer que faz a fome.
Nas
nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar
em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas
benditas, os homens praticam todas as ações – mesmo
as boas.
Os
sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade.
Existe
no fundo de cada um de nós, é certo – tão friamente
educados que sejamos – um resto de misticismo; e basta, às
vezes, uma paisagem soturna, o velho muro de um cemitério, um ermo
ascético, as emolientes brancuras de um luar, para que esse fundo
místico suba, se alargue como um nevoeiro, encha a alma, a sensação
e a idéia, e fique assim o mais matemático ou o mais crítico,
tão triste, tão visionário, tão idealista –
como um velho monge poeta.
Políticos
e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.
O apreço exterior pela arte
é a sobrecasaca da inteligência.
O
ódio é um sentimento negativo que nada cria e tudo esteriliza:
quem a ele se abandona bem depressa vê consumidas na inércia
as forças e as faculdades que a Natureza lhe dera para a ação.
O ódio, quando impotente, não tendo outro objeto direto e
nem outra esperança senão o seu próprio desenvolvimento
é uma forma da ociosidade. É uma ociosidade sinistra, lívida,
que se encolhe a um canto, na treva. Mas que esse sentimento seja secundário
na vasta obra que temos diante de nós, agora que acordamos, e não
essencial, ou supremo e tão absorvente que só ele ocupe a
nossa vida, e se substitua à própria obra.
Quem,
sem descanso, apregoa a sua virtude, a si próprio se sugestiona virtuosamente
e acaba por ser, às vezes, virtuoso.
O
jornal exerce todas as funções do defunto satanás,
de quem herdou a ubiqüidade; e é não só o pai
da mentira, mas o pai da discórdia.
Para
aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam.
É que o amor é essencialmente
perecível, e na hora que nasce começa a morrer. Só
os começos são bons. Há, então, um delírio,
um entusiasmo, um bocadinho do céu. Mas depois! Seria, pois, necessário
estar sempre a começar, para poder sempre sentir?
Quando
não se tem aquilo que se gosta é necessário gostar-se
daquilo que se tem.
A
curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva, por um lado, a escutar
atrás das portas, e, por outro, a descobrir a América.
Não
haveria o direito de vencer, se não houvesse o direito de perdoar.
Ora,
no mundo, só há de interessante, verdadeiramente, o Homem
e a Vida.
Nada
influencia mais profundamente o sentir do homem do que a fatiota que o cobre.
O mais ríspido profeta, se enverga uma casaca e ata ao pescoço
um laço branco, tende logo a sentir os encantos dos decotes e da
valsa; e o mais extraviado mundano, dentro de uma 'robe de chambre', sente
apetites de serão doméstico e de carinhos ao fogão.
Maior ainda se afirma a influência do vestuário sobre o pensar.
Não é possível conceber um sistema filosófico
com os pés entalados em escarpins de baile, e um jaquetão
de veludo preto forrado a cetim azul leva inevitavelmente a idéias
conservadoras.
Em matéria social, é
o rótulo impresso na garrafa que determina a qualidade e o sabor
do vinho.
As
revoluções não são fatos que se aplaudam ou
que se condenem. Havia nisso o mesmo absurdo que em aplaudir ou condenar
as evoluções do Sol. São fatos fatais. Têm de
vir. De cada vez que vêm é sinal de que o homem vai alcançar
mais uma liberdade, mais um direito, mais uma felicidade. Decerto que os
horrores da revolução são medonhos; decerto que tudo
o que é vital nas sociedades, a família, o trabalho, a educação,
sofrem dolorosamente com a passagem dessa trovoada humana. Mas as misérias
que se sofrem com as opressões, com os maus regimens, com as tiranias,
são maiores ainda. As mulheres assassinadas no estado de prenhez
e esmagadas com pedras, quando foi da revolução de 93, é
uma coisa horrível; mas as mulheres, as crianças, os velhos
morrendo de frio e de fome, aos milhares nas ruas, nos invernos de 80 a
86, por culpa do Estado, e dos tributos e das finanças perdidas,
e da fome e da morte da agricultura, é pior ainda. As desgraças
das revoluções são dolorosas fatalidades; as desgraças
dos maus governos são dolorosas infâmias.
Em
suma, esta geração nova sente a necessidade do divino. A ciência
não faltou, é certo, às promessas que lhe fez: mas
é certo também que o telefone, o fonógrafo, os motores
explosivos e a série dos éteres não bastam a calmar
e a dar felicidade a estes corações moços. Além
disso, eles sofrem desta posição ínfima e zoológica
a que a ciência reduziu o homem, despojado por ela da antiga grandeza
das suas origens e dos seus privilégios de imortalidade espiritual.
É desagradável, para quem sente a alma bem conformada, descender
apenas do protoplasma; e mais desagradável ter o fim que tem uma
couve, a quem não cabe outra esperança senão renascer
como couve. O homem contemporâneo está evidentemente sentindo
uma saudade dos tempos gloriosos em que ele era a criatura nobre feita por
Deus, e no seu ser corria com outro sangue o fluido divino, e ele representava
e provava Deus na criação, e quando morria reentrava nas Essências
Superiores e podia ascender a anjo ou santo. Tão tumultuosamente
esta geração nova apetece o divino, que, à falta dele,
se contenta com o sobrenatural. Assim sucede que, enquanto alguns rondam
já com os braços em cruz, em torno do Cristianismo, e outros
mais ousados penetram na índia a procurar o Budismo, há um
número considerável que se senta em torno de uma mesa ou de
um chapéu, e se instala confortavelmente no Espiritismo. Em Paris,
em todas as grandes cidades, onde o materialismo excessivo exasperou as
imaginações, não se vêem senão homens
inquietos batendo de novo à porta dos mistérios.
Um
homem, realmente, não pode ter a rigidez impassível de um
princípio. Os princípios são insensíveis e intangíveis,
e os homens são um feixe de nervos sujeitos à todas as influências,
mesmo às da chuva e do vento. É absurdo pretender que um poeta
seja tão poético como os seus poemas, um padre tão
transcendente como o seu dogma e que um estadista, elevado ao poder para
representar uma idéia, se torne tão impessoal como ela, e
como ela prossiga impassivelmente na sua evolução, mesmo quando
a Terra trema e os céus em torno caiam.
O
Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque
desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal
– a lei própria da Vida; portanto, lhe tira o caráter
pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por
um Destino inimigo e faccioso! Realmente, o nosso mal, sobretudo, nos amarga
quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho, porque nos sentimos
escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido
para a fortuna. Quem se queixaria de ser coxo, se toda a Humanidade coxeasse?
E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto
na neve, na friagem e na borrasca de um inverno especial, organizado nos
céus para o envolver a ele unicamente, enquanto em redor toda a Humanidade
se movesse na benignidade de uma primavera? O Pessimismo é excelente
para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da inércia.
...
Nada torna o homem recolhido, aconchegado
à lareira, simples e facilmente feliz como a guerra. É a paz
que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências
do desejo.
A imaginação, na cidade,
é a perpétua repelida. A imaginação só
vive da vida dos outros seres: precisa pousar sobre as coisas externas e
tirar-lhes, como a abelha tira o mel às flores, a quantidade de sonho
que as coisas contêm. A imaginação, no campo, na margem
dum rio, entre uma floresta, toma um livre caminho, encontra alimento, vive,
tem quem a escute, tem confidentes, tem companhia, pasta livremente, devagar,
olhando, cismando... Apertada nas ruas duma cidade de casas estreitas e
chatas, na violenta limitação imposta pela municipalidade,
o que há-de fazer a imaginação, de que há-de
viver, como pode ter expansões legítimas? Esvoaça,
como um pássaro dentro duma casa fechada, batendo as asas de encontro
às paredes caiadas. E assim, a imaginação, batendo
de encontro a tudo o que faz a vida social, perturba a quietação
das coisas sérias: arremessa-se então para a política,
e produz os revolucionários, as mudanças de Estado, a guilhotina;
lança-se na vida moral e produz a orgia, as 'lorettes',4
o luxo, as roletas. E quando se concentra sobre si mesma, quando se escava
a si própria, acontece-lhe o que acontece a todas as funções
que se isolam, que se impropriam: vê falso, sente falso, produz falso!5
A
arte convencional mutila o homem moral, como a ciência convencional
mutila o homem físico; são ambas aprovadas pelos monsenhores
arcebispos de Paris e dadas em leitura nos colégios. Mas uma ensina
falso, como a outra educa falso: ambas nocivas, portanto.
Só na verdade o pensamento
e a sua criação suprema – a ciência, a literatura
e as artes – dão grandeza aos povos, atraem para eles universal
reverência e carinho, e, formando dentro deles o tesouro de verdades
e de belezas que o Mundo precisa, os tornam, perante o mundo, sacrossantos.
A definição de «grande
homem» está feita já, e com exatidão. O grande
homem é aquele que, pelo raciocínio, atingiu uma maior soma
de verdade, ou pela imaginação as maiores formas de beleza,
ou pela ação os mais altos resultados, do que todos os seus
contemporâneos na latitude do seu século. Esta obra superior
em verdade, em beleza, em bondade ou em utilidade, é produzida por
um não sei quê que possui o grande homem, que se chama gênio,
cuja natureza não está suficientemente explicada, mas que
constitui uma força infinitamente maior que o simples talento, o
simples gosto ou a simples virtude.
Os
interesses, os negócios, a loja, a repartição, a família,
a profissão liberal, os prazeres não deixam um momento para
as exigências de uma iniciação artística. E em
uma cidade de dois milhões de almas, como Paris, há, por fim,
apenas, meia dúzia de almas que possam sentir com verdade e profundidade
a beleza ou a grandeza de uma obra, e que diante de um quadro de Velásquez
e de um quadro de Bonguereau, saibam qual pertence à arte e qual
pertence ao artifício. Por isso, a oleografia triunfa, e Ohnet e
outros tiram a cem mil exemplares e as comédias mais desprezivelmente
idiotas congregam as multidões. E não é culpa da multidão.
Ela pode dizer, como o amanuense a Voltaire: «Não me sobra
tempo para ter bom gosto».6
A
Democracia, saída toda inteira da Declaração dos Direitos
do Homem, que afirmara soberbamente a sua liberdade e a sua igualdade, encontra
no homem um ser mesquinhamente sujeito a todas as fatalidades físicas
e a todas as dependências sociais, e não consegue libertá-lo
delas, porque contra os direitos do homem, declarados, protestam as realidades
da Natureza, experimentadas. Daí todas as angustiosas contradições
do século. Em lugar da fraternidade, vem a guilhotina operar como
fator de civilização; em vez das raças fundadas numa
concórdia universal, crescem as nacionalidades antagônicas,
que abominam e vivem cobertas de ferro e armas, espreitando, por cima das
fronteiras, o apetecido momento psicológico de se entredilacerarem.
Da aristocracia territorial e senhorial decepada renasce, como cabeça
número dois da hidra, a aristocracia argentária e industrial;
e o mundo, que deixara de ver escravos revoltados e jacqueries7,
de novo os encontra ante si, mas implacáveis e dolorosas, sob o nome
de Comunismo e de niilismo. E, como se isto não bastasse, a própria
ciência nega a origem da Democracia, que se dizia ser a igualdade
natural, provando que a única lei universal é a desigualdade;
que o homem, como os outros seres, está sujeito à seleção
evolutiva; que o direito das espécies à vida se avalia à
proporção da sua capacidade para viver; que quem triunfa e
sobrevive é o mais forte; e que, portanto, só há realidade
de direito quando há manifestações de força.
Diremos ainda que a Democracia é uma vitoriosa?8
Coração
Incoerente: A superior sapiência das nações
já formulou esta lei naquele seu fino adágio: 'O coração
não sente o que os olhos não vêem'. A mais pequenina
dor, que diante de nós se produz e diante de nós geme, põe
na nossa alma uma comiseração e na nossa carne um arrepio,
que lhe não dariam as mais pavorosas catástrofes passadas
longe, noutro tempo ou sob outros céus. Um homem caído a um
poço na minha rua mais ansiadamente me sobressalta que cem mineiros
sepultados numa mina da Sibéria; e um carro esmagando a pata de um
cão, em frente à nossa janela, é um caso infinitamente
mais aflitivo do que a heróica e admirável Joana d'Arc queimada
na praça de Rouen.9
Desde
que a caridade se organiza e se consolida em instituição,
com regulamentos, relatórios, comitês, sessões, um presidente
e uma campainha, e do sentimento natural passa a função oficial,
é porque o homem, não contando já com os impulsos do
seu Coração, necessita obrigar-se publicamente ao bem pelas
prescrições de um estatuto. Com os Corações
assim duros e os invernos tão longos, que vai ser dos pobres?10
Uma
religião a que se elimine o ritual desaparece, porque as religiões
para os homens (com exceção dos raros metafísicos,
moralistas e místicos) não passam de um conjunto de ritos,
através dos quais cada povo procura estabelecer uma comunicação
íntima com o seu deus e dele obter favores.11
A
Título de Remate
Vou
resumir o que garimpei e o que compreendi de Eça com um ensinamento
zen-budista (que não é de minha autoria).