Iniciação*
(Fernando
Pessoa)
Não
dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
..................................................
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda Caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
..................................................
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.
..................................................
Neófito, não há
morte.
_____
*
Publicado
in Presença,
nº 35. Maio de 1935.
|