umprimentou
a pulga: —
Olá! Como vai Senhor dinossauro?
Respondeu
o dinossauro: — Eu vou mais ou menos. Mais para muito menos. O
que a Senhora tem com isso?
A
pulga, meio sem jeito, deu um muxoxo, e falou: — Não precisa
ficar agressivo, Senhor dinossauro. Eu só queria ser gentil. Afinal
o Senhor é o maior e o mais poderoso dos bichos. E tem um porte muito
elegante.
Meio
mal-humorado, respondeu o dinossauro: — Sou grande e poderoso,
sim. Porte elegante? A Senhora é que está dizendo. E daí?
E daí? Tá com inveja? Eu nem sequer sei o seu nome.
—
Primeiro —
respondeu a pulga já meio irritada — não estou com
inveja coisíssima alguma. Sou muito pequenininha para ter inveja
de um gigante como o Senhor. Sei exatamente qual é o meu lugar. Segundo,
o Senhor não sabe o meu nome porque nunca me perguntou. Eu me chamo
Pulex irritans. E se um dia o Senhor tiver que escrever o meu nome, não
se esqueça: é irritans com a letra i inicial minúscula.
Aliás, as duas letras is do meu nome de família são
escritas com letras minúsculas. Entendeu? Caso seja necessário,
eu explicarei melhor. Só mais uma coisinha. Eu sei o seu nome. O
Senhor se chama Sauroposeidon protelus, e o seu protelus também é
escrito com a letra p minúscula. Nisso, temos algo em comum. E também
nossos nomes não seguem a tradição da tríplice
denominação.
O
dinossauro deu um bocejo estrondeante, fingiu que não
ouviu os comentários a respeito do seu nome, e, de picuinha, pirraçou:
— A Senhora já é uma 'little one' e, de 'mockery',
deu na telha do seu 'father" de escrever o seu 'name' de 'family' com
letra 'minuscule'. Essa 'not', 'little flea'! Não sei como
sua 'mother' permitiu esse escorregão lingüístico. Gostou
do meu 'english'?
A
pulga, roxa de raiva, deu uma aula ao dinossauro: — Olha aqui
sua besta monumental: seu inglês é 'broken english' e é
meio que meio-bosta, e meu pai não teve e não tem nada com
isso. Minha mãe é mãe solteira. Não houve escorregão
lingüístico algum; foi ela que decidiu assim, e eu estou muito
satisfeita com o meu irritans. Pior é o Senhor, que é preconceituoso.
Desde quando os pais são
os únicos responsáveis pela escolha dos nomes dos filhos?
No meu caso, foi a minha mãe que escolheu. E sabe do mais: escolheu
muito bem. E para o seu governo: só tenho o sobrenome da minha mãe.
Com
muita honra. Agora, preste muita atenção: eu não consigo
compreender como o Senhor ridiculariza a minha letra i minúscula,
se o seu protelus também é escrito com uma letra p minusculinha.
Vai ver que o 'Seigneur' seu desmesurado 'père' não sabia
'écrire' lá 'très bien' e derrapou na 'mayonnaise'.
Gostou do meu 'français'?
Calma
aí — disse
o dinossauro. Agora quem tá agredindo é a Senhora. Eu
não sei francês. É verdade verdadeira sem tergiversação
ou falsidade o que a Senhora acabou de argüir; a letra p do meu protelus
também é minúscula. Isso me incomoda um pouco, mas
não precisamos querelar por isso. Maiúscula, minúscula,
o que isso importa? Nem sei o porquê de eu ter tocado nesse assunto.
Por favor, me desculpe. Eu não quis magoá-la; fui um dinossauro
deselegante. Foi uma implicanciazinha aporrinhante de dinossauro. E eu não
tenho nada contra as mães solteiras. Pelo contrário, admiro
todas elas. E admiro a Senhora sua digníssima mãe mais do
que todas as outras mães. Soube educar a Senhora muito bem e é
digna do maior respeito.
É
bom mesmo que o Senhor a respeite e não tenha nada
contra minha mãe — respondeu
a pulga furibundérrima.
—
Senão...
—
Senão, eu vou mostrar
ao Senhor com quantos is e com quantos erres se escreve irritans —
desafiou
a pulga, pulando freneticamente a 15 pulos por segundo
—
Por favor, calma. Lembre-se do meu
protelus... Na verdade eu admiro muito a Senhora, admiro a sua
honradíssima mãe e admiro toda a sua maravilhosa família
— emendou o dinossauro. Acho até, que em relação
à Senhora, é um pouco mais do que simples admiração
— desculpou-se o dinossauro estremecendo involuntariamente e
começando a se emocionar.
—
Mais do que o quê? Mais o
quê? O quê? Diga aí. Diga aí. Fale logo. Fale
logo. Rapidinho. Rapidinho.
O
dinossauro, já emocionado prá valer, meio
choraminguento, não resistiu, e confessou cantando: — Ninguém
me ama, ninguém me quer. Ninguém me chama de meu amor. A vida
passa, e eu sem ninguém. E quem me abraça, não me quer
bem.
—
Ora! Vamos lá! Um dinozinho
grandão, bonitão, como o Senhor. Pare com isso; não
fique assim! Antonio Maria e Fernando Lobo não poderiam se inspirar
no Senhor para terem escrito Ninguém me Ama — disse a
pulga afagando a pata do monstro, que, à essa altura, arfava, barria,
chorava e soluçava como criança de berço, tudo ao mesmo
tempo e desafinado como aporrinhola rachada. Pulex, já mais
calma, só estava dando dois pulos por segundo
—
Eu amo a Senhora. Fazer o quê? A Senhora
é a pulguinha da minha vida. Essa é a verdade. Pronto. Confessei.
Por isso é que eu, às vezes, sou agressivo e, infantilmente,
implico com a Senhora. Sei lá. Eu sou grandão, mas sou tímido
e ciumento. Por isso nunca tive coragem de perguntar o seu nome. Puxel é
um nome tão gracioso! E tirirans é tão arrebatador!
Oh!, doces sonhos! Como eu pude ficar tanto tempo sem saber? Oh!, existência
sem finalidade! Se mudassem o meu nome para Burrossaurus ignoranterrimus,
eu nem ligaria!
A
pulga, ainda que meio enternecida, quase começou um segundo imbróglio,
mas se controlou, e, polidamente, corrigiu: Senhor, meu nome não
é Puxel; é Pulex. E também não é tirirans;
é irritans. Mas não perdeu a oportunidade de dar uma
catucada. Sem parar para respirar, admoestou: — por favor não
confunda dinossauro apaixonado com a crise aérea pela qual passa
o Brasil desde dois mil e seis sem afetar bulhufas de lhufas de necas de
nicas de pitibiriba a popularidade presidencial do Excelentíssimo
Senhor Presidente da República Federativa do Brasil reeleito democraticamente
pelo voto direto e secreto Luiz Inácio Lula da Silva.
—
É que eu estou muito emocionado,
Puxel. Digo, Xupel. Oh!, não! Lepux... Lupex... Luxep... Pelux...
Pluxe... Xepul... Xelpu... Xuelp... Xeulp... Caramba! Raios que me partam
em mil pedaços! Pulex. Acertei! — desculpou-se o dinossauro.
E emendou: — Mas essa crise aérea patropi não é
responsabilidade minha nem do meu pai, que já se aposentou, há
três anos, da Agência Nacional de Aviação Civil.
Eu não tenho nada com isso. Nem ele. Agora, isso é um Ananas
comosus que deve ser descascado pelo Digníssimo Senhor Ministro santamariense
Nelson Azevedo Jobim. Do jeito que eu estou, não piloto nem a minha
vida, e, com 'grooving' ou sem 'grooving', eu só ando derrapando.
—
Tudo bem, eu compreendo. Mas...
Meu dino querido... Meu Sauroposeidon... Isso é irresolúvel.
Como é que... Eu sou muito pequenininha... E o Senhor... O Senhor
é tão grande... Tão donaire... Ora! O Senhor deve ter
enlouquecido. Enlouquecido de amor... Um amor... Impossível... Eu
sou tão pequenininha...
Sauroposeidon,
desconsolado, balbuciou: — Dizem por aí que há uma
Santa Esperança, chamada Tettigonia viridissima, descendente da família
dos nobres tetigoniídeos – uma Santíssima reclusa
milagreira e abençoada por Júpiter – que faz qualquer
milagre. Dizem que cura qualquer coisa: de unha encravada a vulvovaginite
granular e orquiepididimite, viral ou bacteriana. O consulente não
precisa pagar nada; quem quer, dá o que pode. Quem sabe ela aumenta
o seu tamanho? Se esse milagre não der certo, ela pode tentar diminuir
o meu. Para ficar com a Senhora, eu topo qualquer parada. Meu amor
pela Senhora é puro e dinossaural; durará toda a eternidade
e mais seis meses. Se, nesta vida, não for a Senhora a inspiração
da minha vida, não haverá de ser minguém. O que a Senhora
acha? Vamos fazer uma visitinha à Santa Tettigonia? Não se
esqueça de que ela foi abençoada por Júpiter.
Pulex
ficou pensativa. Tinha que dar uma resposta sincera e definitiva ao
dinossauro, mas não queria feri-lo. Ferir um dino apaixonado seria
uma covardia. Mais do que isso: seria uma indignidade 'pulguenolosa',
não uma pulcritude própria de uma pulcrícoma pulga
cosmopolita pertencente à família dos pulicídeos e
vinculada à ordem dos sifonápteros apropriada para aquela
ocasião inusual, impactante e muito da filha da pulga. Depois de
alguns instantes, didática e sabiamente argumentou: — Sauroposeidonzinho,
preste atenção. Eu nasci pulga; o Senhor, dinossauro. Eu gosto
de sangue quente; o Senhor, de folhinhas. Pense bem: o que seria dos peixinhos
se não existisse o oceano? E das aves do céu se não
houvesse o ar? Pense em você e nos seus parentes. Caso não
houvesse folhas suficientes sobre a Terra, os Senhores se alimentariam de
quê? Eu, particularmente, não estou nem aí para as folhas.
Para mim, não faz a menor diferença se há folhas ou
se não há. E já que estamos falando em papança,
para se fazer um bom marrom-glacê é necessário ter Castanea
sativa à mão. Como já lhe disse, eu gosto que me enrosco
de sangue. Bem quentinho. Pois é. Cada coisa no seu lugar, cada lugar
na sua coisa. Preste atenção: Se eu fosse casada com um pulgo
e tivesse filhos, nossos filhos seriam pulgos ou pulgas, não seriam
dinossauros ou dinossauras; se o Senhor fosse casado com uma dinossaura
e tivesse filhos, os filhos dos Senhores seriam dinossauros ou dinossauras,
não seriam pulgos ou pulgas. Agora, veja só: se nos casássemos
e tivéssemos filhos, nossos filhos seriam o quê? Dinossauros,
dinossauras, pulgos, pulgas, dinossulgas ou pulgossauros? E assim, dininho
querido, as coisas são como são. E até, muitas vezes,
contrariam nossos interesses mais caros e nossas melhores e mais dignas
intenções. Podemos mudar algumas delas, mas não todas.
Devemos tentar, lutar sempre; mas, por exemplo, se o peixe sair da água,
ele morrerá. Se o Senhor, que é eminentemente terrestre e
herbívoro, se meter no mar, poderá morrer afogado. Nós
somos diferentes. Nosso amor é impossível. Eu também
sinto uma coisinha pelo Senhor, meio atávica, sanguínea, reconheço,
mas não dá. Compreendeu?
—
Não. Nem quero compreender.
Mas vou acabar me conformando — murmurou o bitelo Sauroposeidon
aos prantos, aos singultos e aos protelus.
—
Só queria dizer ao Senhor
mais uma coisa — falou Pulex com a voz mais carinhosa
que conseguiu. Tentar mudar a ordem natural das coisas – para
fins pessoais ou egoísticos – é um equívoco.
E, no fritar dos ovos, acaba não dando certo. Saurozinho: quem assim
age, quem acredita nessas coisas hipotéticas e privilegiadoras, quem
crê em encantamentos, quem se submete aos caprichos desses enganadores
que dizem que fazem maravilhas, quem visa apenas seus interesses, mesmo
que eles sejam apenas interessículos, compensará duramente
esse desentendimento. Compreendeu? E essa estória abstrusa que lhe
contaram, de que Santa Tettigonia viridissima, descendente da família
dos tetigoniídeos, reclusa e abençoada por Júpiter,
faz milagres, é papo furadérrimo. Nem se ela fosse abençoada
por Ártemis e se chamasse Santa Theogonia! Acreditar em milagre,
dinozinho querido, é o tributo que alguns bichos ignorantes pagam
por desconhecer o funcionamento das Leis básicas do Universo. Pelo
menos, daquelas referentes à essa matéria, que, em primeiro
lugar, são Leis absolutamente óbvias e racionais. Agora, pense
bem: há tantas dinossauras maravilhosas por aí... Meta uma
beca bonita, tome um banho de cheiro, escove bem os dentes, passe um perfume
francês, e vá à luta. Eu não poderei ser o seu
par. Sou só uma pulguinha. Muito pequenininha. O pior é que
eu ia acabar querendo chuchar o seu sangue.
—
Ok — respondeu o
dinossauro, agora já mais calmo. O meu sangue está à
sua disposição; pode chupá-lo o quanto quiser. Seja
como tiver que ser, seja como tiver que não ser, ou seja como Chronos
quiser que tenha que ser. Eu aceitarei e me conformarei, mas hei de amá-la
eternamente. Isso a Senhora não pode me proibir. Jamais amarei outra
pulga. Pode ser pulga-do-homem, pulga-do-rato, pulga-do-cão, pulga-da-areia,
pulga-d'água, pulga-da-macieira, pulga-da-neve, pulga-d'anta, pulga-da-terra,
pulga-de-bicho, pulga-de-galinha, pulga-do-campo, pulga-do-fumo, pulga-do-mar,
pulga-do-porco ou pulga-do-raio-que-o-parta... A Senhora, para sempre, será
a pulga da minha vida – a pulguinha-do-coração-do-Sauroposeidon-protelus.
Oh!, vida ingrata! Oh!, Pux... Pulex que não será minha!
—
Como eu poderia proibir o Senhor
de me amar? Eu jamais irei abichorná-lo por causa disso. Seria uma
perversidade da minha parte. Mas, um dia, o Senhor haverá de compreender,
e celebrará sua 'abhicheka' por um verdadeiro, lindo e glorioso motivo.
Esse seu abichorno haverá de passar. Isto é tão certo
quanto o fato incontestável de todos os pontos de um círculo
estarem à mesma distância de seu centro. O tempo é o
melhor conselheiro — encorajou a pulga dando um superpulo para
beijar o rosto do dino. Teve vontade de dar uma chuchada naquela 'dinocara
bochechudaura', mas se controlou. Afinal, Sauroposeidon já
estava sangrando muito, e ela nem sequer estava com fome.
Três
anos e meio depois...
O
anos se passaram. Pulex não viu mais Sauroposeidon
e não teve mais notícias dele. Também não se
casou. De fracasso amoroso em fracasso amoroso, de cansaço em cansaço,
discrente de tudo, com dignidade, acabou desistindo de constituir família.
Alquebrada, morava, sozinha, em uma quitinete alugada em uma cabeça-de-porco.
Também com toda dignidade.
Em
uma tarde fria e chuvosa de inverno, três anos e meio depois,
Echidnophaga gallinacea, uma amiga de Pulex do tempo do 'pulgonato'
de freiras, foi lhe fazer uma visitinha. Mal entrou, sem quase poder entrar
na quitinete, foi logo dizendo: — Sabe quem eu vi anteontem, Pulex?
Todo serelepe e aparentando estar uns dez anos mais moço? Sauroposeidon.
Estava pendurado em uma dinoussaura maior do que ele. E, pelo tamanho da
barriga dela, parecia que estava com uma gravidez já bem avançada.
Esses dinos não perdem tempo mesmo.
Pulex,
sem denotar exteriormente qualquer emoção, não disse
uma palavra. Estava arrasada, mas não demonstraria isso para aquela
coscuvilheira. Apenas uma imperceptível lágrima rolou pela
sua face.
Antes
de morrer, seu último pensamento foi: será que seu querido
Sauroposeidon teria tido um bom motivo, um motivo nobre e esplendoroso,
para celebrar sua 'abhicheka'? Ela jamais tivera.
Páginas
da Internet consultadas:
http://clientes.netvisao.pt/servadm/adivinhas.htm
http://www.fleamarketmobile.com/navi.htm
http://www.geologicresources.com/
friendly_dinosaur.html
Música
de fundo:
Ninguém
me Ama (Antonio Maria & Fernando Lobo)
Intérprete : Nora Ney
Fonte:
http://www.paixaoeromance.com/50decada/
ninguemmeama52/hninguem_me_ama.htm