A PREOCUPAÇÃO DO CHELA

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Ceilão, antiga Taprobana, hoje República Democrática Socialista do Sri Lanka: primavera do princípio século passado. Um chela e seu Mestre faziam uma Viagem Iniciática pelo interior do país insular asiático. O Mestre, observando seu chela, comentou:

 

Não sei; estou achando você meio preocupado.

 

O chela respondeu: — É Mestre, estou mesmo.

 

Mas, preocupado? Por quê? Com o quê?

 

O chela se sentiu um pouco invadido, ficou meio envergonhado, mas, relutante, disse: — 'Mâyâ'. Eu me esforço, mas, não consigo ficar livre dela. Não passa um dia que eu não me sinta envolvido por pensamentos esdrúxulos e pecaminosos, que não sei de onde vêm, mas, tenho certeza de que não são meus. E estes pensamentos provocam desejos, cobiças e paixões que me atormentam e me enchem de vergonha. Eu não sei mais o que fazer.

 

O Mestre ficou condoído pela preocupação do seu chela, pensou alguns segundos e perguntou: — Você está vendo aquela árvore?

 

 

 

Sim — respondeu o chela.

 

E qual é a cor das folhas?

 

Verde — respondeu o chela.

 

Todas as folhas?

 

Sim; todas.

 

O Mestre fez uma pausa, e comentou: — Pois é. São verdes, mas, duas coisas devem ser observadas. Na realidade, a cor verde não é a mesma para todas as folhas, e cada um, digamos assim, vê cores verdes ligeiramente diferentes. Não há duas pessoas que enxerguem rigorosamente a mesma cor, como não há duas pessoas que ouçam exatamente o mesmo som. Não há, enfim, duas pessoas que tenham sensações exatamente iguais, sejam elas visuais, olfativas, táteis, gustativas, auditivas, de fome, de sede, de alegria, de opressão, de liberdade ou quaisquer outras. E essas diferenças percepcionais dependem de diversos fatores, e são elas que nos fazem diferentes e provocam em nós reações psicológicas e emocionais diferentes. E há, ainda, as diferenças culturais. Da ignorância à Illuminação há uma eternidade de distância. Da prisão à liberdade há uma eternidade de ciclos a serem vividos e experienciados. Mas, não temos a eternidade para apreender as coisas; há um limite para tudo.

 

Desculpe, Mestre. Mas qual a relação disto com 'mâyâ', com os meus pensamentos agonientos e com a minha preocupação? — argüiu o chela.

 

O Mestre deu uma sonora gargalhada, e prosseguiu: — Veja bem, o que para uns é uma montanha, para outros é um grão de areia. O que para uns é ouro, para especialistas é ouro besouro – uma liga de cobre e zinco que imita o ouro. O que para uns, talvez, seja verde-abacate, para outros poderá ser verde-bexiga ou verde-garrafa. Uns sentem frio, outros estão termicamente confortáveis. Uns são religiosos fervorosos, outros reputam inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela Metafísica ou pelas religiões. Há quem não suporte música clássica e canto gregoriano. E por aí vai. Isto vale para tudo na vida, por uma única razão: somos diferentes. E por que somos diferentes? Porque, basicamente, nossas experiências anteriores foram diferentes, o que nos faz, hoje, ter experiências pessoais, parcial ou totalmente, diferentes, e ir, depois da morte, para planos vibratórios distintos, e deles, depois, voltar a encarnar. Com isto, não estou querendo dizer que existam tantos planos vibratórios quanto as pessoas encarnadas na Terra. Na verdade, nem sei exatamente quantos planos vibratórios ou dimensões existem no Universo global, e isto, realmente, não interessa. O que interessa, e interessa muito, é estarmos conscientes das nossas limitações, seja de que natureza forem. Por isto, por causa destas limitações, é que, particularmente no âmbito do noviciado, uns chelas têm mais facilidade em lidar com aquilo que costumeiramente é chamado de tentação, e outros têm menos. Você é jovem, e eu sei que a vida de um chela não é fácil. Mas, lembre-se de Paulo, o Apóstolo, também conhecido como Mestre Hilarion – o Chohan do Quinto Raioque disse: 'Todos os dias, irmãos, morro...' Ir morrendo a cada dia é ir suportando – e vencendo os pensamentos esdrúxulos e pecaminosos que provocam desejos, cobiças e paixões. Disciplinar a mente é um trabalho constante, diário e leva anos. Às vezes, encarnações!

 

Mas, saber isto não alivia as minhas preocupações. Eu não quero decepcioná-lo. — ponderou o chela.

 

O Mestre observou atentamente o seu chela, e disse: — Você não tem que acrescentar esta preocupação às que já tem. Não tem que se inquietar se vai me decepcionar ou se vai me contentar. Eu não importo nada; para você, quanto a isto, só quem importa é você. Agora ouça: neste Caminho prestigioso que escolhemos, 'mâyâ' nos atormentará sempre. Aliás, é impossível nos livrarmos dela. Ou você acha que eu também não estou sujeito à ela, à quedas eventuais, a temores variados, à múltiplas dúvidas, à diversas angústias e a diferentes tormentos espirituais?

 

Está?

 

'Mâyâ' sempre estará presente na caminhada de todos nós. É verdade que, com o tempo, ela vai sendo diluída, vai mitigando, mas, não poderá ser eliminada jamais. 'Mâyâ' sempre será relativa à nossa menor ou maior compreensão da Grande Lei da Unidade Cósmica. Logo, nossa escravização à ela depende só de nós. Como você sabe, é 'mâyâ' que provoca e alimenta o 'samsara', o fluxo incessante de renascimentos através dos mundos. Daí a importância do triângulo de ouro beneditino: 'Pax, Ora et Labora.'

 

Então, o que eu devo fazer? Como devo proceder? — perguntou o chela.

 

A primeira regra — disse o Mestre é jamais desistir. Quem desiste, em um certo sentido, perde uma vida, e fica para trás. Por outro lado, por incrível que possa parecer, 'mâyâ' é nossa amiga, porque nos dá a oportunidade de separar o minério da ganga, o belo do feiúme, a virtude da desvirtude. Então, como já lhe disse, só conquistaremos a Illuminação se vencermos as tentações, as cobiças, os desejos e as paixões. Mas, como não há dia sem noite e verão sem inverno, não há também sucesso sem esforço. 'Mâyâ' e os impulsos ou estímulos inferiores são os nossos testadores. Vencendo as provas do Caminho, seremos diplomados.

 

Continuo sem saber o que fazer? — admitiu o chela.

 

É simples — estimulou o Mestre. Não se sinta ofendido com os seus pensamentos nem se insurja contra eles. Deixe que venham; deixe que dancem em sua mente. Não tente enxotá-los; dialogue com eles. Se eles tentarem convencê-lo de que em um triângulo retângulo, a área do quadrado, cujo lado é a hipotenusa, não é igual à soma das áreas dos quadrados, cujos lados são os catetos, não se amofine; você sabe perfeitamente bem que Pitágoras não era maluco e que isto está errado. Pense bem: seus pensamentos diabólicos não podem obrigá-lo a agir contra a sua vontade. Sua vontade é e sempre será soberana. E lembre-se: seu Corpo Astral não tem poder absoluto sobre o seu Eu Interior. E, ainda que mágica ou psiquicamente você imploda seus pensamentos diabólicos, eles voltarão diversamente coloridos e vestidos com outras roupas. E voltarão como uma bênção, porque ninguém jamais poderá ser Illuminado, se não for tentado. Ninguém jamais poderá Ascensionar se não passar pela Noite Negra da Alma e sobrepujá-la. Todos os Hierofantes que você conhece, sem exceção, foram tentados milhares de vezes, e só alcançaram a Mestria porque dialogaram com seus demônios e os venceram. E tudo o que os Hierofantes puderam fazer, outros homens podem igualmente. Seja como for, ainda que não haja dia sem noite e verão sem inverno, no Universo só há dia e primavera permanente, mesmo que ele se manifeste em 'mânvântâras' e 'prâlâyas' multifacetados e com dissímeis durações. Esta é a essência da sua perene unidade. As noites e os invernos estão em nós, porque, por insciência, os partejamos e a eles damos curso. Disto, a conclusão é: não devemos nos preocupar tanto com os nossos 'pecados'; eles são produto da nossa ignorância. Logo, efetivamente, não existem como tais, porque, esclarecida a ignorância, os 'pecados' somem. Aliás, 'pecado', céu, inferno, prêmio e punição são coisas que o Universo não conhece. E, como bem disse Damodar K. Mavalankar, é por isto que o Ocultismo não atribui nenhum lugar ou localidade desagradáveis para aqueles que não aceitam as suas doutrinas. O fato é que o Universo não se alterará se agirmos desta ou daquela maneira. Uma gota de tinta vermelha não muda a cor da água do oceano. Agora, ouça este poeminha:

 

Em meio a Noites insones,

fui remoendo e lamentando.

Em meio a dilúvios e ciclones,

fui rechovendo e trovejando.

 

Todavia, não desisti: lutei

contra o não e contra o ou.

E, um certo Dia, conquistei

a regalia de dizer: Eu-sou.

 

Hoje, já 'Nirmânâkâya',

retornei pela Humanidade.

Vim impulsionar o 'nyaya',

para a compreensibilidade.

 

Asserções serão contestáveis,

se não puderem ser validadas.

se estiverem mal consolidadas.

 

É isto que vim controverter:

a superstição esmagadora.

E vim objetar e contradizer

a 'ex cathedra' abauladora.

 

Enfim, só pela Transrazão

será Illuminada a Estrada.

E isto só virá pela Iniciação,

pois, abaixo Dela é o nada.

 

O chela não disse uma palavra. Mas, a última frase do poema ficou martelando em sua cabeça: Abaixo da Iniciação é o nada. E seguiram a Viagem Iniciática para poderem participar da Sagrada Cerimônia que estava programada para dali a três dias.

 

 

 

 

 

 

Música de fundo:

Não Existe Pecado ao Sul do Equador
Composição: Chico Buarque & Ruy Guerra
Interpretação: Ney Matogrosso

Fonte:

http://mp3lover.eu/ney/ney-matogrosso-
nao-existe-pecado-ao-sul-do-equador-mp3

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Regra_de_S%C3%A3o_Bento

http://www.grandefraternidadebranca.com.br/chela.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Samsara

http://fin6.com/2013/08/green-tree-2014/

http://www.customjersey.com/

http://www.animationlibrary.com/sc/78/Devils/

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Areaspitagoras01.svg

 

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