Não
se pode trabalhar num esgoto sem cheirar a esgoto.
Cegueira
também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado
a esperança.
Se
não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos,
façamos tudo para não viver inteiramente como animais.
Sem
futuro, o presente não serve para nada; é como se não
existisse. Pode ser que a Humanidade venha a conseguir viver sem olhos,
mas, então, deixará de ser Humanidade.
...
é o que as palavras simples têm de simpático:
não sabem enganar.
As
religiões, todas elas, por mais voltas que lhes dermos, não
têm outra justificação para existir que não
seja a morte. Precisam dela como do pão para a boca.
A
propósito, não resistiremos a recordar que a morte,
por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito
menos do que o homem.
O
tempo, ainda que os relógios queiram nos convencer do contrário,
não é o mesmo para toda gente.
É
necessário sair da ilha para ver a ilha; não nos vemos
se não nos saímos de nós.
Da
literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito
estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego,
tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático,
como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável
por natureza até à consumação dos séculos,
esse não se discute.
Nossa
maior tragédia é não saber o que fazer com a
vida.
Por
causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado
tudo, principalmente o mais horrendo e cruel.
Não
sou um ateu total. Todos os dias tento encontrar um sinal de Deus,
mas infelizmente não o encontro.
Há
uma pergunta que me parece dever ser formulada, e para a qual não
creio que haja resposta: que motivo teria Deus para fazer o Universo?
Só para que num planeta pequeníssimo de uma galáxia
pudesse ter nascido um animal determinado que iria ter um processo
evolutivo que chegou a isto?
Perguntou-se
a José Saramago:
— Como podem homens sem Deus serem bons?
Sua resposta foi:
— Como podem homens com Deus serem tão maus?
José
Saramago (16 de novembro de 1922 - )