Rodolfo
Domenico Pizzinga
Zé
Boquinha
Papa-santos:
— Por
que, ó Zé Boquinha,
falas
tanto palavrão?
Zé
Boquinha: —
mas, sempre falo com o Coração.
Papa-santos:
— Mas,
quando é uma nução,
usas
outros vocábulos!
Zé
Boquinha: — Ora,
como enfatizarei desaprovação
para
denunciar perversos conciliábulos?
Papa-santos:
— Entendo.
Mas há pessoas
que
podem ficar chocadas.
Zé
Boquinha: — Prefiro
turpilóquios às loas;
sou
direto, sem charadas.
Zé
Boquinha: — Quem
tem boca não vai à Roma,
e
quem não tem cão não caça com gato;
aquele que tem boca, se quiser, vaia Roma,
e
quem não tem cão poderá caçar como o gato.
Zé
Boquinha: —
Ora, ninguém
é escarrado ou cuspido,
e
a batatinha, ao nascer, não esparrama pelo chão;
em mármore (de Carrara) algo pode ser esculpido,
e
a
batatinha, quando nasce, espalha rama pelo chão.
Zé
Boquinha: — E,
quando alguém dá uma topada,
não
adianta resmuninhar: 'ai meu dedão'.
Merda é a desopressão mais apropriada;
a
dor passa na
hora, e – juro! – não é superstição.
Zé
Boquinha: — Muitos
só falam com os cus;
poucos,
na verdade, com seus Corações.
Mas,
apesar de serem surdos-mudos os seus cus,
de
vez em vez, matam silentes e sem usar calões.
Zé
Boquinha: — O
'palavrão' está
na cabeça
da
mente porca; não no ato de se expressar.
Por
que haverei de usar um quebra-cabeça?
Para
o filho-da-puta ficar a boiar?
Zé
Boquinha: — Pode
não ser, mas dizem que caralho1
era
uma cesta no alto dos mastros das caravelas.
Mas,
desde pequetitinhos, todos sabemos que o caralho
vai
ficando satisfeito com boas apalpadelas!
Zé
Boquinha: — Veja:
puto, em Portugal,
é rebento,
e
bicha é uma fileira de pessoas.
No
Brasil, puto é devasso, sacana, nojento;
e
bicha pode ser meretriz ou 'aquelas pessoas'.
Zé
Boquinha: — Mas,
meretriz ou 'aquelas pessoas'
são
– desde sempre e para sempre –
nossos irmãos.
Bolas!
Não há meretrizes nem 'aquelas pessoas';
no
Cósmico, só há um, não dois Corações!
Zé
Boquinha: —
Ora, não há palavrões nem palavrinhas.
Os
outros? Negros? Brancos? Vermelhos? Amarelos?
Não
há. Mas só entenderemos isto lendo
nas entrelinhas...
Quando
nos desfizermos de todos os pregos e martelos.
Zé
Boquinha: —
Precisamos acabar com essa coisa
de
julgar, condenar e dar as sentenças.
Porra!
Será que só no forno funerário
ou sob a loisa
haveremos
de perceber que [não] há diferenças?2
Papa-santos:
— Zé
Boquinha,
tu não me convenceste,
mas,
sinceramente, respeito teu ponto de vista.
Imagina
só, ó
Zé Boquinha,
se, no que-pau-é-este,
os
putos, desbocados, começarem a
recitar a lista?
Zé
Boquinha: — Enquanto
só leres nas linhas,
continuarás
mais por fora do que cabelo de coco.
Tu só entenderás se leres nas entrelinhas;
do
contrário, continuarás fodido, mal pago e oco!
Zé
Boquinha: — Enfim,
tudo não passa de convenção.
Podemos
ficar abichornados ou acoroçoados,
acreditar
na
proteção de Deus ou ter medo do dragão...
Tudo
depende da compreensão dos nossos Quadrados.