A POLÍTICA – ARISTÓTELES

 

 

 

Aristóteles

Aristóteles

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Introdução e Objetivo

 

 

 

2010. Eleições presidenciais no Brasil. Não há momento mais propício para se dar uma rápida espiada, mas nem tanto, no que particularmente pensava Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) sobre a política, o Estado, o Governo e o cidadão, pensamento que difere de forma inconciliável com os ensinamentos de Platão (de quem Aristóteles foi aluno) e de Sócrates, que falou nos Diálogos platônicos. Aristóteles chega ao limite de escrever nesta obra que todas as palavras que neste livro (A República) Platão atribui a Sócrates são cheias de superfluidades pomposas e de novidades problemáticas, cuja apologia, talvez, fosse difícil de ser feita. Tenha a santa paciência, Senhor Aristóteles; eu não posso concordar com este exagero!

 

Seja como for, é a isto que este despretensioso e incompleto estudo fragmentário se propõe: apresentar uma breve coleção de excertos da obra A Política, de Aristóteles, ligeira e didaticamente editados, em alguns poucos casos, mas sem qualquer alteração de seu conteúdo original, para que pudessem concertadamente caber neste modelo de estudo. Acredito que vocês acharão que o texto ficou legal e maneirinho, ainda que, como eu, possam discordar de algumas postulações aristotélicas que selecionei para compor este estudo. Mas, mesmo discordando, devemos dialeticamente refletir sobre elas. Agora, algumas animações têm um sonzinho incluído, mas escondido; para ouvi-lo, por favor, aponte o mouse para todas elas e deixe-o apontado.

 

O texto é fácil, por isto não o comentarei. Todavia, para evitar comentá-lo, não incluirei no estudo propriamente dito certos absurdos e preconceitos aristodelirantes, dos quais discordo inteiramente, como, por exemplo, os que foram resumidos neste abecedário, que eu, sinceramente, gostaria de não tê-lo feito. Teve a coragem de escrever Aristóteles: a) uma família completamente organizada é composta de escravos e de pessoas livres; b) o escravo é uma propriedade instrumental animada, como uma espécie de agente preposto a todos os outros meios; c) o senhor não é senão o proprietário de seu escravo, mas não lhe pertence; o escravo, pelo contrário, não somente é destinado ao uso do senhor, como também dele é parte; d) o homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza; e) mais vale comandar homens do que animais; f) o uso dos escravos e dos animais é mais ou menos o mesmo, e tiram-se deles os mesmos serviços para as necessidades da vida; g) os indivíduos inferiores devem ser submissos; h) há homens feitos para a liberdade e outros feitos para a servidão, os quais, tanto por justiça quanto por interesse, convém que sirvam; i) a própria força é uma espécie de mérito; j) o governo doméstico é uma espécie de monarquia: toda casa deve ser governada por uma só pessoa; k) em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea, e a espécie humana não é exceção; l) somente entre os bárbaros a mulher e o escravo estão no mesmo nível (ainda que Aristóteles, curiosamente, considerasse um despotismo marital o poder do marido sobre a mulher); m) a Natureza fez nascer os animais domesticados para o serviço e para a alimentação; os animais selvagens, pelo menos a maior parte, para a alimentação e para diversas utilidades, tais como o vestuário e os outros objetos que se tiram deles; n) usa-se a guerra contra os homens que, tendo nascido para obedecer, se recusam a fazê-lo; o) o pai de família governa sua mulher como cidadã e seus filhos como súditos; p) o macho está acima da fêmea; e o mais velho, quando atinge o termo de seu crescimento, está acima do mais jovem; q) qualquer que seja a idade da mulher, o homem deve conservar sua superioridade; r) se exigirmos dos escravos que tenham virtudes, eles não diferirão das pessoas livres; s) o escravo não deve, de modo algum, deliberar; a mulher tem direito a isto, mas pouco; e a criança, menos ainda; t) a temperança, a força e a justiça não devem ser, como pensava Sócrates, as mesmas em um homem e em uma mulher; a força de um homem consiste em se impor; a força de uma mulher está em vencer a dificuldade de obedecer; u) um modesto silêncio é a honra da mulher (Górgias, apud Aristóteles), ao passo que o silêncio não fica bem no homem; v) ao escravo cabe não faltar aos seus deveres nem por má conduta nem por covardia; w) os estrangeiros e os escravos não são 'cidadãos', mas, sim, 'habitantes'; x) mesmo a mulher, do mesmo modo que o escravo, pode possuir boas qualidades, embora a mulher seja um ente relativamente inferior e o escravo um ser totalmente vil (esta aristotelice aparece na sua Arte Poética); y) alguns seres, quando nascem, estão destinados a obedecer; outros a mandar; e z) a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras. Isto é apenas um pequeno rol de absurdos que mostra bem o caráter preconceituoso de Aristóteles, que entre outras aversões, implicou até com os artesãos do seu tempo: Antigamente, entre alguns povos, o artesão e o operário estavam no mesmo pé que o escravo e o estrangeiro. Ainda acontece o mesmo atualmente em muitos lugares; mas jamais um Estado bem constituído fará de um artesão um cidadão. Caso isto ocorra, pelo menos não devemos esperar dele o civismo: esta virtude não se encontra em toda parte; ela supõe um homem não apenas livre, mas cuja existência não o faça precisar se dedicar aos trabalhos servis. Ora, que diferença há entre os artesãos ou outros mercenários e os escravos, a não ser que estes pertencem a um particular e aqueles ao público? Por pouco que prestemos atenção a ela, esta verdade se manifestará; o desenvolvimento só pode torná-la mais evidente. Eu só tenho uma palavra para tudo isto: incompreensão! Mas, nem tudo é preconceito e aversão em Aristóteles, pelo contrário; se fosse, eu não perderia meu tempo em estudá-lo (ainda que, de longe e sem comparação possível, eu prefira Platão e o pensamento de Sócrates por ele difundido em seus Diálogos).

 

Estava equivocado Aristóteles: a primeira das qualidades humanas não é a coragem nem qualquer outra, mas, sim, irrefragavelmente, a Liberdade Prima Prædicamenta – pois, sem Liberdade pensamos ser sem Ser, admitimos viver sem Viver e realmente morremos sem Morrer. Como sentenciou Richard (Gaivota) Bach, a única e verdadeira lei é aquela que nos conduz à liberdade. Mas, isto só poderá ser compreendido Iniciaticamente porque a simples razão é insuficiente!

 

Mas, seja como for, idiossincrasias estagiritas à parte, a obra aristotélica A Política oferece diversos pontos para reflexão, e os fragmentos que selecionei, certamente, de uma forma ou de outra, contribuirão para que todos nós possamos nos dedicar a fazer uma escolha sensata e honesta em quem votar em outubro para presidente da república. Se depois não der certo, fazer o quê? Pelo menos, honestamente, nós nos esforçamos para escolher o melhor postulante à suprema magistratura da Nação. Melhor do que isto só morango com chocolate e, depois, água frappé. Mas há quem prefira briochinho com meleca!

 

 

 

 

 

 

Fragmentos de A Política

 

 

 

Todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem.

 

Não podemos conhecer melhor as coisas compostas do que decompondo-as e analisando-as até seus mais simples elementos.

 

 

 

 

A família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas que comem, como diz Carondas, o mesmo pão, e se esquentam, como diz Epimênides de Creta, com o mesmo fogo.

 

A sociedade, que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas para conservar a existência, mas, também, para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da Natureza, como todas as outras que são seus elementos.

 

A natureza de cada coisa é precisamente seu fim.

 

Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da Natureza, e é também o mais perfeito Estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está em a Natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem, segundo Homero: 'Um ser sem lar, sem família e sem leis.' Aquele que fosse assim por natureza só respiraria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como uma ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros. Assim, o homem é um animal cívico...

 

O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todos subordinados ao corpo inteiro, todos distintos por seus poderes e suas funções, e todos inúteis quando desarticulados, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como se fossem mãos e pés de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode se bastar a si mesmo.

 

O que convém ao todo convém também à parte; o que convém à alma convém igualmente ao corpo.

 

Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos.

 

Não há nada mais intolerável do que a injustiça armada. Por si mesmas, as armas e a força são indiferentes ao bem e ao mal: é o princípio motor que qualifica seu uso. Servir-se delas sem nenhum direito e unicamente para saciar paixões rapaces ou lúbricas é atrocidade e perfídia. Seu uso só é lícito para que se faça a justiça. O discernimento e o respeito ao Direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos.

 

 

 

 

O homem, segundo a Natureza, é aquele que é bem constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma, é certamente por erro e contra a Natureza.

 

A Natureza nada fez de imperfeito nem de inútil.

 

O homem quer acumular sem fim e sem medida. (Sólon, apud Aristóteles).

 

Não foi a Natureza que produziu o comércio, que consiste em comprar para revender mais caro. A troca é um expediente necessário para proporcionar a cada um a satisfação de suas necessidades. Entretanto, a troca não era necessária na sociedade primitiva das famílias, onde tudo era comum. Tornou-se necessária apenas nas grandes sociedades e após a separação das propriedades... E foi esse comércio que fez com que se imaginasse e se criasse o expediente da moeda.

 

 

 

 

 

O dinheiro é somente uma ficção; o seu valor é o que a lei lhe dá... Todos, e principalmente os comerciantes, amam o dinheiro, não julgam ter o suficiente e sempre acumulam. De um ao outro, é apenas um passo.

 

Alguns acham que é preciso não somente conservar o que se tem, mas, também, multiplicar o dinheiro ao infinito. O princípio desta disposição de espírito é que eles só pensam em viver e não em 'bem viver' – paixão que não tem limites e não refreia de modo algum a escolha dos meios... O que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais, e, com isso, desvia a moeda de sua destinação primitiva? A moeda foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para se aumentar a si mesmo; assim, em grego, lhe demos o nome de 'tokos', que significa progenitura, porque as coisas geradas se parecem com as que as geraram. Ora, neste caso, é a moeda que torna a trazer moeda – gênero de ganho totalmente contrário à Natureza.

 

 

 

 

O que constitui propriamente o cidadão – sua qualidade verdadeiramente característica – é o direito de voto nas Assembléias e de participação no exercício do poder público em sua pátria. E é, sobretudo, na Democracia que um cidadão é encontrado. Portanto, a definição de cidadão é suscetível de maior ou menor extensão, conforme o gênero do governo. Enfim, é cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e na deliberação.

 

Vemos pessoas que alcançam a magistratura por meios ilegais, e não deixamos, porém, de chamá-los de magistrados, ainda que sejam magistrados ilegítimos.

 

As obras da virtude são impraticáveis para quem quer que leve uma vida mecânica e mercenária.

 

Se, por um lado, é impossível que o Estado seja composto inteiramente de homens perfeitos, por outro, é preciso que cada um execute o melhor possível suas funções.

 

Só se aprende começando por obedecer. Não é possível bem comandar se antes não se tiver obedecido. Ora, estes são dois gêneros diferentes de mérito, e é preciso que um bom cidadão adquira ambos: saiba obedecer e esteja em condições de comandar... O mérito especial do que comanda é a prudência.

 

A vida é uma espécie de dever para aqueles a quem a Natureza a deu e, quando não é excessivamente cumulada de misérias, é um motivo suficiente para permanecer em sociedade. Ela conserva ainda os encantos e a doçura mesmo nos estados de sofrimento, e quantos males não suportamos para prolongá-la! E não é apenas para 'vivermos juntos', mas, sim, para 'bem vivermos juntos' que se fez o Estado.

 

A verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude. Sem isso, não será mais do que uma liga ou uma associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão uma simples convenção de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos... O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão meios para isto, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de honra e de virtude.

 

Não é pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes; mas, sim, é pelos talentos e pelas virtudes que se adquirem e conservam os bens exteriores, quer se faça consistir a felicidade no prazer, na virtude ou em ambos, os que têm inteligência e costumes excelentes os alcançam mais facilmente... Os bens exteriores são apenas instrumentos úteis, conformes a seu fim, mas semelhantes a qualquer outro instrumento, cujo excesso, necessariamente, é nocivo ou, pelo menos, inútil a quem os manipula. Os bens da alma, pelo contrário, não são apenas honestos, mas também úteis, e quanto mais excederem a medida comum, mais terão utilidade.

 

Deus é feliz não por algum bem exterior; mas por Si mesmo e por Seus atributos essenciais.

 

A felicidade é muito diferente da boa fortuna. Vêm-nos da fortuna os bens exteriores; mas ninguém é justo ou prudente graças a ela nem por seu meio.

 

É impossível que um Estado seja feliz se dele a honestidade for banida. Não há nada de bom a esperar dele, nem tampouco de um particular, sem a virtude e a prudência; a coragem, a justiça e a prudência têm no Estado o mesmo caráter e a mesma influência que nos particulares. Enfim, a melhor existência para cada um em particular e para todos os Estados é a virtude.

 

 

 

 

Os que colocam a felicidade do homem nas riquezas só consideram felizes os Estados ricos. Os que a colocam no despotismo e na força pretendem que a suprema felicidade do Estado é dominar vários outros. Os que não vêem outra felicidade para o homem que não a virtude chamam feliz apenas o Estado em que a virtude é honrada.

 

O melhor Governo é aquele no qual cada um encontre a melhor maneira de viver feliz... E assim, não existe Estado feliz por si mesmo senão o que se constitui sobre as bases da honestidade.

 

Considerando que a felicidade consista em ação, não é exato elevar a inação acima da vida ativa, e as ações dos homens justos e moderados devem ter sempre fins honestos... Sem qualquer dúvida, a fonte da felicidade é a mesma para os Estados e para os particulares.

 

O legislador deve cuidar, principalmente, de formar pessoas honestas, procurar saber por quais exercícios tornará honestos os cidadãos e, sobretudo, conhecer bem qual é o ponto capital da vida feliz.

 

O menos bom está sempre subordinado ao melhor por sua destinação.

 

Todas as nossas ações se dividem em ações necessárias, ações úteis ou ações honestas. Devemos estabelecer entre elas a mesma ordem que entre as partes de nossa alma e seus atos, ou seja: subordinar a guerra à paz, o trabalho ao repouso e o necessário ou útil ao honesto. Um legislador deve levar tudo isto em consideração ao escrever suas leis. Deve, portanto, respeitar a distinção das partes da alma e de seus atos; deve ter especialmente em vista o que há de melhor, assim como o fim que deseja alcançar; deve conservar a mesma ordem na divisão da vida e das ações; deve dispor tudo de tal maneira que se possa tratar dos negócios e guerrear, mas que se prefira sempre o repouso aos negócios, a paz à guerra, e as coisas honestas às coisas úteis e até às necessárias. É de acordo com este plano que se deve dirigir a educação das crianças e a disciplina de todas as idades que dela precisam.

 

Um legislador deve imprimir profundamente no espírito de seu povo que o que é bom para cada um em particular o é também para o Estado... Sendo o fim o mesmo tanto para a vida pública quanto para a vida privada, a perfeição dos Estados não pode ser definida de modo diferente da dos particulares.

 

É preciso coragem e constância para os negócios, filosofia para o lazer, temperança e justiça em ambos os tempos. Na paz e no repouso, é comum que a prosperidade nos torne indolentes. Portanto, os que parecem felizes e que gozam de tudo o que pode contribuir para a felicidade – semelhantes aos habitantes das Ilhas Afortunadas de que falam os poetas – precisam mais do que os outros de justiça e de temperança. Quanto mais opulência e lazer tiverem, mais precisarão de filosofia, de moderação e de justiça, e o Estado que quiser ser feliz e florescente deve inculcar estas virtudes o máximo possível. Se há algo de ignóbil em não saber gozar das riquezas, há bem mais ainda em fazer mau uso delas, quando só se tem isso para fazer. É revoltante que homens, aliás, dignos de estima nos trabalhos e nos perigos da guerra, se comportem como escravos no descanso e na paz.

 

Quanto mais os costumes são bons, mais o Governo também o é.

 

Todo cidadão deve se convencer ou ser convencido de que ninguém é de si mesmo, mas que todos pertencem ao Estado, que cada um é parte, e que, portanto, o Governo de cada parte deve naturalmente ter como modelo o Governo do todo.

 

 

 

 

A música é o princípio de todos os encantos da vida.

 

O Governo é o exercício do poder supremo do Estado. Este poder só pode estar ou nas mãos de um só, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou a maioria não buscam, uns ou outros, senão a felicidade geral, o Governo é necessariamente justo. Mas, se ele visa o interesse particular do príncipe ou dos outros chefes, há um desvio. O interesse deve ser comum a todos; se não o for, não são mais cidadãos.

 

O pior dos governos é a Tirania, pois o tirano comanda em seu próprio interesse e não no de seus súditos, não raro melhores do que ele. Geralmente, homens livres não podem suportar de boa vontade tal aviltamento.

 

Não há Democracia em uma nação na qual poucos homens livres comandam um maior número de pessoas que não o são. A Democracia se divide ela própria em várias espécies, a saber: 1ª) a primeira espécie é aquela em que os poderes se distribuem segundo as posses até certa mediocridade, de modo que são admitidos todos aqueles que chegam a este ponto, com exceção dos que ficam abaixo e dos que se arruinaram. Quando os lavradores e outras pessoas de fortuna medíocre são admitidos, o Governo prossegue de acordo com a lei; por um lado, trabalhando, eles têm de que viver, mas por outro não têm condições de permanecer sem fazer nada. De modo que, uma vez feita a Constituição, só se reúnem para negócios urgentes e indispensáveis. O acesso é aberto a todos, assim que adquiram a renda prescrita pelas leis. Se alguém fosse excluído, seria a oligarquia; de resto, se não se tem nenhuma renda, é quase impossível ter o lazer suficiente para se ocupar da coisa pública. Esta admissibilidade de todos os proprietários é a primeira espécie de Democracia; 2ª) a segunda espécie reconhece-se pelo direito de voto nas eleições que se realizam na Assembléia; todos são admitidos, se seu nascimento for digno, mas somente são elegíveis os que têm meios de viver sem trabalhar. As leis são respeitadas nesta Democracia porque os cargos só proporcionam honra, e não lucro; 3ª) a terceira espécie é a que admite no Governo todos os que são livres, mas, não oferecendo nenhum atrativo à cupidez, não sofre a concorrência perigosa de um número excessivo de pretendentes, de modo que a lei é necessariamente respeitada; 4ª) a quarta é aquela que se introduziu em último lugar nas cidades que se tornaram maiores e mais opulentas do que eram nos primeiros tempos. Esta espécie de Democracia exibe a igualdade absoluta, isto é, a lei coloca os pobres no mesmo nível que os ricos, e pretende que uns não tenham mais direito ao Governo do que os outros, mas que a condição destes e daqueles seja semelhante.

 

A Constituição é a ordem ou distribuição dos poderes que existem em um Estado, isto é, a maneira como eles são divididos, a sede da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil. Assim sendo, só se deveria introduzir uma Constituição nova na medida em que os povos, após um exame ponderado de seus meios e de sua situação, puderem e quiserem recebê-la de comum acordo. Corrigir a Constituição que existe não é menos incômodo do que instituir outras, assim como é tão difícil perder quanto contrair hábitos. Um homem de Estado deve, acima de tudo, saber remediar os vícios do Governo.

 

A paixão transforma todos os homens em irracionais. A lei não tem paixões.

 

Aqueles que só buscam a justiça procuram um mediador entre dois adversários. Ora, este mediador é a lei.

 

Em muitas coisas, a multidão julga melhor do que um particular, qualquer que seja ele.

 

O bem é o fim de toda ciência ou arte; o maior bem é o fim da política, que supera todos os outros. O bem político é a justiça, da qual é inseparável o interesse comum, e muitos concordam em considerar a justiça como uma espécie de igualdade. Se há, dizem os filósofos, algo de justo entre os homens, é a igualdade de tratamento entre pessoas iguais.

 

A igualdade parece ser a base do Direito, e o é efetivamente, mas unicamente para os iguais e não para todos. A desigualdade também o é, mas apenas para os desiguais. Ora uns e outros põem de lado esta restrição e se iludem, já que é sobre eles próprios que sentenciam; pois, de maneira bastante ordinária, os homens são maus juízes a seu próprio respeito. A igualdade da qual resulta a justiça ocorre nas pessoas e nas coisas. Concorda-se facilmente sobre a igualdade das coisas. Sobre a das pessoas, erguem-se protestos, porque mais uma vez os homens se tornam cegos sobre si mesmos e tendo, de uma e de outra parte, razão até certo ponto, querem dar a seu direito uma extensão ilimitada... Em matéria de igualdade e de justiça, não é fácil encontrar a verdade exata; é bem mais fácil consultar a sorte do que persuadir os que podem ser os mais fortes. Os fracos não pedem mais do que igualdade e justiça, mas os mais fortes pouco se importam com isso.

 

Tenho as maiores razões para duvidar de que o Estado possa ser feliz sem uma boa disciplina e sem virtude. Portanto, é preciso que os iguais num ponto evitem pretender a igualdade em tudo, e, reciprocamente, que as pessoas superiores em algum gênero não pretendam a superioridade absoluta. Todo Estado em que os espíritos estão infectados com um ou outro destes dois erros é necessariamente vicioso. Cada tese tem para si certa aparência de justiça, mas não um direito puro e simples... A probidade, principalmente, é uma virtude social que traz consigo todas as outras.

 

O direito baseado nas riquezas ou na nobreza é mais do que duvidoso. Não há nenhuma causa justa para dar a alguns o direito de mandar e para impor a outros a obrigação de obedecer. O povo retorquirá àqueles que querem, sob pretexto de superioridade quanto ao mérito ou à opulência, pôr-se à frente do Estado, que a multidão, como é bem possível, reúne em seu seio, senão cada um em particular, pelo menos todos juntos, mais mérito e maior riqueza.

 

O cidadão é aquele que participa da alternância entre governar e ser governado. É cidadão aquele que pode governar e que quer ser governado durante toda a sua vida em conformidade com a virtude.

 

Um jantar em que todos levam sua contribuição é bem melhor e mais fraterno do que aquele cujas despesas são pagas por um só.

 

O público julga melhor do que ninguém sobre música ou poesia. Uns criticam um trecho; os demais um outro; e todos captam o forte e o fraco do conjunto da obra.

 

 

 

 

Bem eleger é próprio dos que sabem; por exemplo, dos geômetras em matéria de geometria e dos pilotos em matéria de pilotagem. Pois se a competência se achar nos simples particulares, pelo menos estes não julgam melhor do que as pessoas instruídas. Parece, pois, que não se deveria deixar ao vulgo nem a eleição nem a censura dos magistrados.

 

Não há nada mais importante do que a eleição e o exercício da magistratura! Em geral é preciso que, acima de tudo, quando a lei tiver sido livremente aceita, seja ela sempre a dominar. Só se deve entregar algum poder aos que governam, monarcas ou outros, naqueles casos particulares que podem acontecer e que não sejam fáceis de colocar em uma expressão universal.

 

Um dos apanágios da liberdade é que todos alternadamente mandem e obedeçam. Desta diferença entre perpetuidade e alternância dependem a disciplina e a instituição. Mas, se houvesse uma raça de homens que superasse tanto os outros quanto imaginamos que os deuses e os heróis o fazem; se esta superioridade se manifestasse primeiramente pelo porte e pela boa aparência, depois pelas qualidades da alma, e fosse indubitável para os inferiores, o melhor, sem contestação, seria que seu Governo fosse perpétuo, e que as pessoas se submetessem a ele de uma vez por todas. Mas como, de ordinário, os reis não apresentam superioridade tão acentuada sobre seus súditos, é preciso que todos os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente, e isto por várias razões. Primeiro, é essencial para a igualdade que só haja uma mesma condição entre semelhantes; depois, é difícil que um Governo dure muito se for constituído contra o princípio da eqüidade. Aos descontentes se soma a gente do campo, sempre ávida de novidades, e qualquer que seja o número dos altos funcionários, não pode ser grande o bastante para que eles sejam os mais fortes. Não há dúvida, porém, de que deva haver uma diferença entre os governantes e os governados. Cabe ao legislador decidir como ela será e como serão repartidos os poderes.

 

A alternância do mando e da obediência é o primeiro atributo da liberdade.

 

 

 

Máximas Democráticas

 

 

1ª) Todos têm direito de escolher dentre todos os seus magistrados;

2ª) Todos têm poder sobre cada um, e cada qual deve alternadamente governar os outros;

3ª) Todos os magistrados, sem exceção, devem ser sorteados ou pelo menos aqueles cujo cargo não requer nem luzes nem experiência;

4ª) A este respeito, não se deve ter nenhuma consideração para com a fortuna ou, então, a menor das quais deve bastar;

5ª) A mesma magistratura não deve ser conferida mais de uma vez à mesma pessoa ou, pelo menos, que isto aconteça raramente e para pouquíssimos cargos, a não ser os militares;

6ª) Todos os cargos devem ser de curta duração ou, pelo menos, aqueles onde esta breve duração for conveniente;

7ª) Todos devem passar pela judicatura, de qualquer classe que sejam, e ter poder para julgar sobre todos os casos em qualquer matéria, mesmo as causas da mais alta importância para o Estado, tais como as contas, a censura dos magistrados, a reforma do Governo, assim como as convenções particulares;

8ª) A Assembléia Geral é senhora de tudo e os magistrados de nada; ou que, pelo menos, a Assembléia Geral seja a única a decidir sobre os grandes interesses, e não caibam aos magistrados senão os negócios de pouca importância;

9ª) Os membros do senado não devem ser indistintamente assalariados, pois os salários arruínam o poder da magistratura;

10ª) No entanto, se as faculdades do povo assim o permitirem, um direito de presença deve ser concedido aos que assistirem à Assembléia do Senado, e que sejam pagos os tribunais e os magistrados ou, pelo menos, os membros principais;

11ª) Caracterizando-se a oligarquia pela nobreza, pela riqueza e pelo saber de seus membros, a Democracia lhe é totalmente oposta, distinguindo-se pelo baixo nascimento, pela pobreza e pela vulgaridade das profissões;

12ª) Não se deve tolerar nenhuma magistratura perpétua. Portanto, se sobrar alguma magistratura do antigo regime, suas atribuições serão reduzidas e, de eletiva, passará a depender de sorteio. Eis o espírito de todas as Democracias.

 

 

 

O princípio sobre o qual as Democracias unanimemente se baseiam é o direito que retiram da igualdade numérica. Quanto mais longe se levar esta igualdade, mais a Democracia será pronunciada. Pobres e ricos colocados em pé de igualdade, outorga do poder a todos, para que um após outro o exerçam, sem exclusões nem disparidade: assim são entendidas a igualdade e a liberdade.

 

A melhor Constituição e o melhor regime para a maioria dos Estados, assim como para a maior parte dos particulares, não se medem nem por virtudes acima do alcance do vulgo, nem pelo saber que se adquire apenas com talentos naturais e com o auxílio da fortuna, nem por uma forma de Governo qualquer; mas, sim, sempre, por um gênero de vida que todos possam alcançar e pelo Governo que o maior número de Estados esteja disposto a receber.

 

A vida feliz consiste no livre exercício da virtude, e a virtude na mediania; segue-se, necessariamente daí, que a melhor vida deve ser a vida média, encerrada nos limites de uma abastança [provimento satisfatório ou suficiente] que todos possam conseguir.

 

Em todos os lugares, é a desigualdade que ocasiona as sedições, quer porque não se respeite nenhuma proporção entre desiguais, quer porque se estabeleçam muitas diferenças entre iguais. A própria monarquia é uma desigualdade chocante quando se estabelece entre iguais e para sempre. Para aqueles que buscam a igualdade por toda parte, ela é uma fonte eterna de subversões.

 

Há dois tipos de igualdade: uma em número; outra, em mérito. Em número, quando se encontra dos dois lados uma mesma multidão ou grandeza; em mérito, quando há proporção, quer aritmética, como entre três, dois e um, quer geométrica, como entre quatro, dois e um. Em uma, existe a mesma diferença; na outra, a mesma proporção, pois dois é metade de quatro, assim como um é metade de dois... É impolítico fundar a Constituição de um Estado meramente sobre uma ou outra igualdade. A experiência o prova; nenhum Estado organizado assim é duradouro. É fatal que, partindo de um erro capital e de um princípio vicioso, se chegue a más conseqüências; portanto, só se deve empregar a igualdade aritmética em algumas partes, e nas demais usar a igualdade geométrica.

 

 

 

 

Uns, por serem iguais sob certos aspectos, imaginam ser inteiramente iguais; outros, por serem desiguais em algo, se consideram superiores em tudo e dignos de todas as preferências. Foi destas duas pretensões opostas que, principalmente, nasceram a Democracia e a Oligarquia, ainda que a Democracia seja mais segura e menos sujeita a sedições do que a Oligarquia. O fato é que a nobreza e o mérito se encontram em poucas gentes; a maioria das pessoas não as tem. Não se encontrarão em parte alguma cem homens nobres e cem pessoas de mérito; mas em toda parte os pobres pululam. Seja como for, o Governo Republicano, tirado da classe média, aproxima-se mais da Democracia do que da Oligarquia. Assim, o Governo Republicano é o mais seguro e o mais estável de todos os Governos.

 

O mal está na origem. O mal já mal está feito pela metade em tudo o que começa mal. O menor erro cometido no início repercute em tudo que se segue.

 

Todos os que – quer na condição privada, quer na magistratura, quer em família, quer na tribo ou em qualquer outra associação que possa haver – proporcionaram ao Estado algum acréscimo de potência, sempre ocasionaram certa perturbação, seja começada por invejosos, seja por terem eles próprios, envaidecidos com o sucesso, desdenhado permanecer nos limites da igualdade.

 

A principal causa das mudanças é, nos estados democráticos, o atrevimento dos demagogos. Caluniam os ricos, uns após os outros, e os obrigam a fazer coalizões, pois o temor diante do perigo comum tem o efeito de reconciliar os maiores inimigos. Em seguida, amotinam publicamente o povo contra a coalizão, como se vê quase em toda parte.

 

Para bajular o povo, ora os ricos são apertados – quer submetendo os bens de uns a leis agrárias e a novas partilhas, quer empregando as rendas dos outros no pagamento dos magistrados, quer, ainda, cumulando-os de impostos extorsionários – ora são caluniados para se ter ocasião de acusá-los e de confiscá-los.

 

Em um Estado bem constituído, deve-se observar cuidadosamente para que nada seja praticado contra as leis e os costumes, e, sobretudo, prestar atenção, desde o começo, aos abusos, por pequenos que sejam. A corrupção introduz-se imperceptivelmente; é como as pequenas despesas repetidas que consomem o patrimônio de uma família. Só se sente o mal quando está consumado. Como os males não acontecem de uma vez, seus progressos escapam ao entendimento e se parecem àquele sofisma que do fato de cada parte ser pequena infere que o todo seja pequeno. Ora, se é indubitável que o total seja composto de coisas pequenas;é falso que ele próprio seja pequeno. O ponto capital, portanto, é deter o mal desde o começo.

 

 

 

 

Todos os regimes políticos têm os seus demagogos. Mas não é tão fácil maquinar uma intriga quando se tem pouco tempo para permanecer em um determinado cargo, quanto quando nele se demora por muito tempo. A longa duração em um dado cargo, precisamente, é o que gera a tirania, tanto nas Oligarquias quanto nas Democracias. Umas e outras acabam se tornando presas dos inescrupulosos e dos poderosos. Nestas, os demagogos; naquelas, os magistrados mais elevados. Enfim, todos, se puderem, acabam por confiscar o poder, quando lhes concedem tempo.

 

Isto é um fato irretorquível: geralmente, os homens facilmente se corrompem pela prosperidade, pois nem todos são capazes de suportá-la. Portanto, trata-se de uma regra geral para todo Governo, democrático, oligárquico, monárquico ou outro não valorizar demais quem quer que seja e não distribuir nenhuma honra excessiva, mesmo que breve. Se se acumulam muitos cargos em uma só pessoa, tais cargos devem lhe ser retirados aos poucos, e não todos de uma vez. Sobretudo, é conveniente estabelecer, através das leis, que ninguém possa adquirir poder, crédito ou riqueza desmedida não comprovada.

 

Deve-se inspirar a todos, e, sobretudo, aos cidadãos, um afeto pelo Governo tão grande quanto possível, para, ao menos, se evitar que considerem os governantes como inimigos.

 

A miséria é a fonte de todos os males na Democracia... O melhor emprego das rendas públicas, quando a sua percepção está terminada, é auxiliar amplamente os pobres, para colocá-los em condições de comprar um pedaço de terra, de adquirir os instrumentos para a lavoura ou de abrir um pequeno comércio.

 

Um nariz que se afaste da linha reta – que tenda para o aquilino ou que seja arrebitado – ainda poderá agradar. Mas, se ele se alongar ou se encurtar demais, primeiro sairá da justa medida; e, por fim, cairá tanto no excesso quanto na falta. E assim, como poderá ser considerado um bom nariz?

 

 

 

 

Para que a unidade social seja vantajosa, é preciso que os membros unidos difiram em espécie. O que conserva o Estado é a reciprocidade dos serviços. Esta reciprocidade deve existir entre pessoas livres e iguais. Nem todos podem comandar ao mesmo tempo, mas cada qual por sua vez, por ano ou alguma outra divisão e ordem de tempo. Desta maneira, todos participam da autoridade.

 

Quando se pretende que um Estado dure por muito tempo, é preciso interessar todas as suas partes na sua conservação e fazer com que a desejem.

 

A pedra de toque de uma boa Constituição é a perseverança voluntária e livre do povo na ordem estabelecida, sem que jamais tenha ocorrido nem alguma sedição notável de sua parte nem opressão da parte dos que com ela governam.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fundo musical:

Kardia

Fonte:

http://www.fortunecity.com/
meltingpot/lamar/153/midi-gre.htm

 

Páginas da Internet consultadas:

http://turmasetimoano.blogspot.com/
2009/06/aula-de-artes-15-proporcao.html

http://mainmusik.ning.com/

http://alunodedireito.wordpress.com/