PLUTARCO
Plutarco
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Objetivo
do Estudo
Este
estudo pretendeu colecionar alguns pensamentos
e conselhos de Plutarco. Todavia, como ensina Voltaire Schilling, lê-lo
não foi hábito recomendado pelos padres da Igreja, na medida
em que no seu extenso rol não constavam homens santos, mas heróis
pagãos. Pensando nisto, me perguntei: e daí? Essa
coisa démodé
de Index Librorvm
Prohibithorvm (lista bolorenta
de publicações proibidas pela Igreja Católica)
já era, apesar de nunca dever ter sido.
Santo, pagão, nem uma coisa
nem a outra, nem
a outra coisa nem a uma, o que isto pode interessar
para a desenvolução do pensamento humano? Ora bolas, se presta,
presta; se não presta, não presta. Logo, se for um Santo Agostinho,
um Santo Tomás, um São Bento, tudo bem. Se for um Platão,
se for um Paramahansa Yogananda, se for um Honoré de Balzac,
tudo
bem. Então, se for Plutarco, o autor escolhido para este estudo,
acho que tudo bem também.
Santo?
Pagão? Se isto valesse alguma coisinha, no inferno e no limbo
há mais pagão-santo do que santo de verdade no paraíso!
É só dar uma espiada em La Divina Commedia de Dante
Alighieri (Florença, 29 de maio de 1265 – Ravena, 13 ou 14
de setembro de 1321) –
il sommo Poeta. Eu, que
de jeito algum vou para o paraíso, mas, também, de
jeito nenhum perdi a esperança – não
no paraíso, claro! – adoro a idéia de, depois,
encontrar lá todo esse pessoal paganíssimo e heroíssimo
que nunca se preocupou com santidade hipotética e com dobração
de joelho
subalterna em sinal de reverência. Arre! Mas, lá...
Onde?
Eu
vou encerrar este item citando Plutarco e fazendo uma pergunta. A citação:
O
mais assustador na superstição é sua capacidade de
conduzir-nos às trevas, causando turbulências e cegueiras na
razão do homem, sucumbindo-o nas situações em que a
razão se faz mais necessária.
A pergunta: Esta reflexão é de quem foi um santo, um pagão
ou um pagão-santo?
Breve
Biografia de Plutarco
Plutarco
Plutarco
de Queroneia (45 - 125 ?) foi um filósofo platônico pitagorizante
e prosador grego do período greco-romano. Estudou na Academia de
Atenas (fundada por Platão). Mais moralista do que filósofo
e historiador, foi um dos últimos grandes representantes do helenismo
durante a segunda sofística, quando esta já se aproximava
do seu fim, e um dos grandes da literatura helênica de todos os tempos.
Viajou
pela Ásia e pelo Egito, viveu algum tempo em Roma e foi sacerdote
de Apolo em Delfos, em 95. O seu enorme prestígio valeu-lhe deter
direitos de cidadão em Delfos, Atenas e mesmo em Roma (Mestrius
Plutarchus). Também viajou por muitas cidades da Grécia,
esteve em Alexandria e morou em Roma (75 – 95), onde ensinou Filosofia
durante o reinado de Imperador Domiciano.
A
sua Ética está baseada na convicção de que para
se alcançar a felicidade e a paz é preciso controlar os impulsos
das paixões. Escreveu sobre Platão, sobre os estóicos
e os epicuristas, e estudou a inteligência dos animais comparando-a
à dos humanos. É dele um pequeno e denso ensaio no qual expõe
a habilidade no uso da astúcia com Ética – Como
Tirar Proveito do Inimigo.
Segundo
a tradição, Plutarco escreveu mais de 200 livros e dezenas
de outros escritos sobre os mais variados tópicos, designados genericamente
por Obras Morais (Moralia),
sobre Filosofia, Religião, Moral, Crítica Literária
e Pedagogia, mas chegaram até nós apenas cerca de 50 biografias
de gregos (entre elas a Vida de Licurgo) e de romanos ilustres,
em que ambas são comparadas, conhecidas como as Vidas Paralelas.
Enfim,
como pondera Voltaire Schilling, se
Platão advogou que o melhor regime político era o regido pelo
filo-basileus – o rei-filósofo –
que graças
ao seu conhecimento e sabedoria revelava-se como o mais adequado dos governantes,
nada em estranhar-se que para o seu discípulo Plutarco a diligência
da história era impulsionada pelos indivíduos excepcionais,
cuja função, entre outras tantas, era a de servir como arquétipos
aos demais cidadãos para que seguissem as normas da boa conduta moral.
Então, convido você
para, comigo, refletir um pouquinho sobre os pensamentos
e conselhos de Plutarco.
Pensamentos
e Conselhos de Plutarco
Que
luta pela existência ou que terrível loucura vos levou a sujar
vossas mãos com sangue – vós, repito, que sois nutridos
por todas as benesses e todos os confortos da vida? Por que ultrajais a
face da boa Terra, como se ela não fosse capaz de vos nutrir e satisfazer?
A
avareza é um tirano bem cruel. Manda juntar e proíbe o uso
daquilo que se junta; visita o desejo e interdiz o gozo.
Quando
estamos febris, tudo quanto provamos nos parece amargo e desagradável,
mas, ao vermos outrem saborear as mesmas iguarias sem fazer cara feia, não
mais culpamos a comida ou a bebida: culpamo-nos a nós mesmos e ao
nosso destempero. De modo similar, desistimos de incriminar as circunstâncias
e de com elas nos preocupar quando vemos outrem aceitando as mesmas circunstâncias
plácida e alegremente. Quando as coisas não correm na medida
dos nossos desejos, muito contribuirá para o nosso contentamento
pensarmos nas coisas agradáveis e encantadoras que nos pertencem;
na mistura, o melhor eclipsa o pior. Quando os nossos olhos são ofuscados
pela claridade excessiva, nós os acalmamos olhando para a verde relva
e para as flores; todavia, mantemos a mente absorta com o que é penoso
e a forçamos a remoer sem trégua os vexames, desviando-a violentamente
de pensamentos mais reconfortantes.
É
preciso viver, não apenas existir.
Arquimedes
era, por vezes, levado à força para se banhar ou passar óleo
no corpo. Ele costumava traçar figuras geométricas nas cinzas
do fogo e diagramas no óleo de seu corpo, estando em um estado de
preocupação total e de possessão divina, no sentido
mais verdadeiro, por seu amor e deleite pela ciência.
O
ser humano não pode deixar de cometer erros; é com os erros
que os homens de bom senso aprendem a sabedoria para o futuro.
Os
homens comprazem-se com o brando som dos instrumentos musicais e com o canto
dos pássaros; comprazem-se com o espetáculo dos animais a
brincar e a se divertirem, mas ficam aborrecidos se estes rosnam, bramem
ou ficam irados. Mas quando vêem que as suas próprias vidas
são carrancudas, taciturnas, opressas e perturbadas por paixões
intérminas e altamente nocivas, por preocupações e
aborrecimentos, não encontram trégua nem alívio para
si próprios; como o poderiam? Não apenas isto, mas quando
os outros os incitam a encontrá-los, não dão atenção
nenhuma ao argumento cuja aceitação os capacitaria a tolerar
o presente sem recriminação, a recordar o passado com gratidão
e a enfrentar o futuro sem apreensão nem receio, mas com gaia e luminosa
esperança.
A
mente é um fogo a ser aceso, não um vaso a preencher.
As
esplêndidas fortunas – como os ventos impetuosos –
provocam grandes naufrágios.
Das
ocorrências indesejadas, falando de maneira genérica, algumas
acarretam naturalmente dor e vexação, mas, na maior parte
dos casos, é falsa a noção que nos habituou a nos enfadarmos
com elas. Como específico contra este tipo de ocorrência, é
conveniente ter à mão um dito de Menandro1:
«Nada te aconteceu de fato enquanto não te importares muito
com o ocorrido». Isto quer dizer que não há motivo para
o teu corpo e a tua alma se mostrarem afetados se, por exemplo, o teu pai
é de baixa extração, a tua mulher cometeu adultério,
tu mesmo te viste privado de alguma coroa honorífica ou privilégio
especial, pois nada disso te impede de prosperar de corpo ou alma. Para
a primeira categoria – doenças, privações, a
morte de amigos ou filhos – que parece acarretar naturalmente dor
e vexação, esta linha de Eurípedes2
deve estar à mão: «Ai! Por que ai? É o quinhão
da mortalidade que nos coube». Nenhum outro argumento lógico
pode romper de forma tão efetiva a espiral descendente das nossas
emoções, do que a reflexão de que somente através
da compulsão comum da Natureza, um dos elementos da sua constituição
física, é que o homem se torna vulnerável à
fortuna; nos seus aspectos principais e essenciais, permanece seguro.
O ódio é uma tendência
a aproveitar todas as ocasiões para prejudicar aos demais.
Apontar
um defeito é fácil; mas fazer melhor pode ser difícil.
Uma alegria tumultuosa anuncia uma
felicidade medíocre e breve.
As
dores grandes duram pouco. Aquelas que duram de fato não são
grandes.
A
maior parte das pessoas deixa-se irritar e exasperar pelos atos de negligência,
não apenas de parentes e amigos como, inclusive, dos inimigos. Os
ralhos, a irascibilidade, a inveja, a malevolência e o ciúme
maligno são próprios, tão-somente, das pessoas infectadas
por tais pestilências, que afligem e oprimem gente insensata; brigas
de vizinhos, apatia de amigos, mau procedimento de funcionários no
desempenho das suas obrigações são instâncias
disto. Coloca-te em lugar de destaque na lista das pessoas que abominam
semelhante conduta; como os doutores em Sófocles3,
que «bile amarga com remédio amargo purgam», exibes indignação
e exasperação para fazer parelha com as suas paixões
e destemperos. Isto é ilógico. O negócio confiado à
tua administração é realizado, em boa parte, não
por pessoas de caráter reto e direito, como instrumentos apropriados
à execução de um trabalho, mas por ferramentas tortas
e defraudadas. Não imagines que seja de tua responsabilidade corrigi-las,
ou que tal seja fácil de fazer. Mas se as usares de conformidade
com o que são, do mesmo modo por que os médicos usam boticões
ou pinças cirúrgicas, revestindo-te da calma e da moderação
exigidas pela situação, o prazer que experimentarás
com a tua sábia conduta será maior do que o teu vexame pela
crueza e depravação dos outros. Considerarás
que estão apenas a agir de acordo com a sua natureza, como cães
que latem, e não mais quererás concentrar uma massa de vexação
em um espírito impotente e mesquinho, à semelhança
da borra que se vai acumulando em uma pia rasa e vazia, e que te pode infectar
com os pesares alheios. Certos filósofos chegam mesmo a censurar
a piedade dispensada aos infortunados, argumentando que ajudar o próximo
é caridade, mas partilhar da sua aflição e a ela se
render não o é.
O
amor ensina-nos todas as virtudes.
O tempo é o mais sábio
dos conselheiros.
Ter
tempo é possuir o bem mais precioso para quem aspira a grandes coisas.
O ser humano pode ter muitos amigos,
mas amigos autênticos são poucos.
A perseverança é mais
eficaz do que a violência, e muitas coisas que, quando reunidas, são
invencíveis, cedem a quem as enfrenta um pouco de cada vez.
Nunca um amante, por eloqüente
que seja, crê ter dito o bastante no interesse do seu amor.
A
pintura deve ser uma poesia muda e a poesia uma pintura que fale.
Os
espertos aprendem mais com os erros dos outros.
A
alma mais forte e mais bem constituída é aquela
que os sucessos não orgulham e que não se abate com os revezes.
Catão4
dizia que a alma de um homem apaixonado vivia num corpo estranho.
Afligir-se
com o que se perdeu e não se rejubilar com o que foi salvo são
necedades; só uma criança faria berreiro e atiraria
fora o restante dos seus brinquedos se um lhe fosse tomado. Assim procedemos
nós, quando a fortuna nos é adversa num particular: tomamos
o resto improfícuo com choro e lamentações. —
O que nós possuímos? O que
não possuímos? —
pode-se perguntar. Este
homem, uma reputação; estoutro, uma família; aquele,
uma esposa; aqueloutro, um amigo. No seu leito de morte, Antipater de Tarso5
fez um inventário das boas coisas que lhe haviam sucedido na vida
e nele incluiu, mesmo, uma viagem feliz, que fizera de Cilícia a
Atenas. As coisas simples não devem ser negligenciadas, mas levadas
em conta. Devemo-nos sentir gratos por estarmos vivos, bem e por nos ser
dado ver o Sol; por não haver guerra nem revolução;
por a terra e o mar estarem ao dispor de quem deseje plantar ou velejar;
por nos ser consentido escolher entre falar e agir ou ficar quietos, em
paz, gozando do nosso repouso. A
presença destas bençãos aumentará ainda mais
o nosso contentamento se imaginarmos como seria se não estivessem
presentes; se nos lembrarmos o quanto suspira o enfermo pela saúde,
os homens em guerra pela paz, o forasteiro em uma cidade por amigos e prestígio,
e o quão penosa pode ser a perda de tudo isso. Assim procedendo,
não prezaremos tais bençãos somente depois de havê-las
perdido, depreciando-as quando estamos seguros da sua posse. O fato de não
termos algo não lhe aumenta o valor. É errôneo adquirir
coisas na crença de que são boas; viver em constante temor
de perdê-las, na suposição de que sejam boas; e, todavia,
quando as possuímos, negligenciá-las e desprezá-las
como de ínfimo valor. Pelo contrário, devemos usá-las
com prazer e satisfação, de modo a podermos suportar-lhes
facilmente a perda, se tal acontecer. A maioria dos homens, observa Arcesilau6,
sente-se obrigada a examinar minuciosamente os poemas, os quadros e as estátuas
dos outros, admirando cada parte com a mente e com os olhos; negligenciam,
entretanto, admirar as suas próprias vidas, que podem ter muitos
pormenores dignos de agradável contemplação. Vivem
sempre a olhar para a reputação e a fortuna dos outros homens,
assim como os adúlteros olham para as mulheres alheias, esquecendo-se
de olhar para si mesmos e para as suas próprias qualidades.
O
adultério é a curiosidade do amor e dos prazeres ilícitos.
O maior e o mais velho amor é
o amor pela Vida.
Platão7
comparava a vida a um jogo de dados, no qual devêssemos fazer um lance
vantajoso e, depois, bom uso dos pontos obtidos, quaisquer que fossem. O
primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio;
mas de receber de maneira apropriada o que a sorte8
nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos
nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal – isto
nos incumbe, se formos sensatos. Os homens que defrontam a vida sem habilidade
ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar
nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os.
São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios,
numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade. Teodoro9,
chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão
direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros freqüentemente
dão mostras da sua inépcia oferecendo à fortuna uma
recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro.
Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho,
planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes
obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas
situações.
Preferia
ser o primeiro nesta aldeia a ser o segundo em Roma.
A natureza recusa o vazio.
Um
sério obstáculo ao contentamento é a nossa falência
em moderar a ambição, como um navegante riza as suas velas
de acordo com a energia disponível. As nossas expectativas são
exageradas, e, quando não alcançamos o esperado, culpamos
a fortuna e o destino, em vez de culpar a nossa própria insensatez.
Não é a má sorte que impede alguém de flechar
com arado ou caçar coelhos com boi; não é uma deidade
maligna que nos obsta a que peguemos veados ou ursos com vara de pescar;
tentar o impossível é estupidez e tolice. O culpado é
o egotismo, que impele os homens a ansiarem pela primazia e pela vitória
em todos os campos, e a nutrirem o irreprimível desejo de se apoderar
de todas as coisas. Eles não apenas reivindicam o direito de serem,
a um tempo, ricos, amigos de reis e de governantes de uma cidade, como se
sentem frustrados se não possuem cães de raça, cavalos
de puro-sangue, codornizes e galos de escol.
Crês
que para ter direito de censurar basta ser homem de espírito, falar
com voz forte e tom categórico? Não, é preciso estar
resguardado de toda acusação e de toda censura. O homem que
se intromete em censurar outrem, dizendo tudo o que lhe agrada, se expõe
a ouvir coisas que lhe desagradam.
Se
nos atribuem defeitos que não temos, devemos procurar a causa dessa
calúnia, e aplicar-nos, a poder de vigilância e de apreensão,
em não cometer, sem sabermos, uma falta semelhante ou análoga
àquela que nos censuram.
Sócrates dizia que não
era ateniense nem grego, mas um cidadão do mundo.
A
variedade das nossas emoções torna claro que cada homem guarda
dentro de si os celeiros do contentamento e do descontentamento: os jarros
das coisas boas e más não estão depositados «na
soleira de Zeus», mas na alma. O néscio negligencia e desdenha
as coisas boas que lá estão porque a sua imaginação
acha-se sempre voltada para o futuro; o sensato, porém, torna os
fatos pregressos vividamente presentes com recordá-los. O presente
oferece-se ao toque da nossa mão apenas por um instante e logo nos
ilude os sentidos; os tolos julgam que ele não é mais nosso,
que não mais nos pertence. Há a pintura de um cordoeiro no
inferno, com um asno a engolir toda a corda feita por ele, à medida
que ele a entretece; assim é a multidão acometida e dominada
pelo esquecimento insensato e ingrato, que apaga cada ato, cada sucesso,
cada experiência aprazível de bem-estar, de camaradagem e de
deleite. O
esquecimento não consente à vida se desenvolver unitariamente,
o passado entretecido com o presente, mas separa o ontem do hoje, como se
fossem de diferente substância, e o hoje do amanhã, como se
não fossem o mesmo; transforma toda a ocorrência em não-ocorrência.
A lógica do sofista – que nega o princípio do desenvolvimento
fundado em que o estar-se em fluxo constante transformaria cada um de nós
num outro homem – faz lembrar os que não retêm nem acalentam
o passado na memória, mas permitem que ele se esvaia, tornando-se,
dessarte, vazios e empobrecidos, dia por dia, e dependentes do amanhã,
como se tudo quanto ocorreu ontem e anteontem não tivesse ocorrido
ou fosse destituído de importância para eles.
A
sensatez, pelo que respeita aos bens da fortuna, explica-se de quatro modos:
em adquiri-los, em considerá-los, em aumentá-los e deles usar
convenientemente.
Os
filhos, para se tornarem grandes homens, têm mais necessidade de que
seus pais os guiem bem no aprender a ler do que no aprender a andar.
Atenta,
homem, que na educação do teu filho uma repreensão
intempestiva é tão prejudicial quanto o elogio imerecido.
A
decisão será melhor quando tiveres enchido a barriga.
Um
exame das disposições do bajulador com respeito às
nossas relações de amizade será um meio infalível
de reconhecer o que o separa do amigo. Aos olhos deste último, com
efeito, nada é mais doce que partilhar com muitas pessoas os sentimentos
de uma benevolência recíproca; além disso, ele não
trabalha sem cessar para que tenhamos muitos amigos e sejamos estimados
por todos que nos conhecem? Persuadido de que entre amigos tudo é
comum, julga que nada deve ser tão comum como os próprios
amigos. Mas o falso amigo, o amigo bastardo e pérfido – que
só pode ocultar o agravo que faz à amizade alterando-a como
se faria com a falsa moeda – pratica contra seus semelhantes a inveja
que lhe é natural, e procura ultrapassá-lo em pilhérias
e tagarelice.
Ignorar
a vida dos homens cuja fama subiu à imortalidade é continuar
todos os dias da existência terrena em estado de infância.
A
glória, como a luz, é mais útil aos que lhe sentem
os efeitos, do que aos que dela são revestidos.
Se
o teu filho te vê como herói, não te transformes em
tirano aos olhos dele.
Há
maridos que são tão injustos que exigem de suas esposas uma
fidelidade que eles violam. Parecem aqueles generais que, sem enfrentar
o inimigo, impõem a seus soldados que sustentem honradamente as suas
posições.
Não é uma maravilha
que, através do tempo infinito, inclinando-se a fortuna ora para
um lado ora para o outro, os acontecimentos voltem a se repetir muitas vezes
nas mesmas circunstâncias? ... e se os elementos ocorridos estão
limitados a um fixo, é necessário também que, muitas
vezes, os mesmos efeitos sejam produzidos pelos mesmos meios.
Não
é nas ações mais ruidosas onde se manifesta a virtude
ou o vício, senão que, muitas vezes, em num fato qualquer
do momento, uma observação espirituosa ou uma ninharia qualquer
serve mais para esclarecer um caráter do que em batalhas nas quais
morrer milhares de homens, numerosos exércitos e cidades postas a
sitio.
Beneficiar
o ingrato é o mesmo que perfumar um morto.
O tempo das armas não é
o das leis.
A
alma não é um copo que é preciso encher, mas um lar
que é preciso aquecer.
Para
saber falar é preciso saber escutar.
A
reputação é como o fogo: uma vez aceso, conserva-se
bem; mas se apaga, é difícil acendê-lo.
Se
é por lisonjas, artifícios, corrupções ou traições
que nossos inimigos parecem ter conquistado, na corte dos príncipes
e no governo, poder ilegítimo e escandaloso, não nos afligiremos
com seu crédito; e será antes uma satisfação
para nós comparar sua conduta com a nossa própria independência,
e uma vida pura, isenta de censuras.
Pudéssemos
nós levar aquilo que pertence à espécie do mito ('muthôdes')
a se submeter à razão ('logos') para ser depurado e adquirir
o aspecto de história ('historía'). Mas, quando o 'mitoso'
desdenhar audaciosamente a credibilidade e não admitir nenhum acordo
com a verossimilhança, pediremos aos ouvintes ('akroataí')
que se mostrem indulgentes e acolham, com paciência, essas 'velhas
histórias' ('arkhaiología').
Platão,
não vendo vantagem em ser um bom comandante sem haver soldados prudentes
e concordes, postula que a obediência às leis é a virtude
dos iguais. Para o reinado sobre eles é necessário ter uma
natureza nobre que precisa ser nutrida pela Filosofia. Também é
imperativo que essa natureza nobre, após o aprendizado da Filosofia,
seja mesclada, sobretudo, com a suavidade, a filantropia, o ímpeto
e a energia. Pois como demonstram os muitos exemplos de sofrimentos, narrados
somente depois da morte de Nero, que foram testemunhados por inúmeros
romanos, estes nas palavras de Platão encontram sua explicação.
Com isso, Nero tornou-se um modelo de como é terrível alimentar
os impulsos sem a educação, pois, sem ela, esses impulsos
apenas resultam em ações irracionais e descabidas motivadas
pelo comandante militar.
Do
mesmo modo que um sopro ou que um som refletido por um corpo sólido
e polido, assim também as emanações da beleza, entrando
pelos olhos, através dos quais – como é do seu natural
– atingem a alma, voltam ao belo e aí abrem as asas e, molhando-as,
a torna capaz de produzir novas asas, embebendo também de amor a
alma do amado. Ele ama, mas sem saber o quê. Nem sabe, nem pode dizer
o que aconteceu consigo: assim como um contaminado de oftalmia não
conhece a causa da doença, assim também o amado, no espelho
do amante, viu-se a si mesmo sem se dar por isso. Quando o amado está
presente termina a dor do amante, e o mesmo sucede com este na presença
daquele. Quando o outro está longe, o amante sente tristeza, da mesma
forma que esta desperta no amado, porque ele abriga o reflexo do amor –
acreditando, contudo, que se trata de amizade, e não de amor.
Quando
na própria Roma, com seu discurso, Cícero10
demonstrou o perigo de Catilina, e por isso aclamado ditador e plenipotenciário
contra Catilina11
e seus companheiros, empregou as palavras proféticas de Platão:
"O fim dos males das cidades somente será possível quando
o grande poder e o pensamento prudente com a justiça caminharem sem
a necessidade de um acaso benéfico."
O
que comumente ocorre com alguém que conhece por inteiro os preceitos
da Filosofia... é que se porta de acordo com princípios construtores
do caráter e da virtude.
O
mais assustador na superstição é sua capacidade de
conduzir-nos às trevas, causando turbulências e cegueiras na
razão do homem, sucumbindo-o nas situações em que a
razão se faz mais necessária.
O contato com os grandes homens do
passado infunde em nossa própria natureza suas altas virtudes.
Faltam
muitos!
Um
Poeminha Final
Homens
do passado...
Homens do agora...
Homens do devenir...
Do
seu hoje-quadrado,
faça
desde já a hora.
Por
que tanto ir e vir?
______
Notas:
1. Menandro
(em grego, Ménandros, c. 342 a.C. – 291 a.C.) foi o principal
autor da Comédia Nova, última fase da evolução
dramática ateniense, que exerceu profunda influência sobre
os romanos Plauto e Terêncio. Nasceu em Atenas em uma família
abastada, recebeu educação bem cuidada e acredita-se que tenha
sido pupilo de Teofrasto.
2. Eurípedes
(c. 485 a.C. – 406 a.C.) foi um poeta trágico grego. Eurípedes
foi o último dos três grandes autores trágicos da Atenas
clássica (os outros dois foram Ésquilo e Sófocles).
3. Sófocles
(496 a.C. – 406 a.C.) foi um dramaturgo grego e um dos mais importantes
escritores de tragédia ao lado de Ésquilo e Eurípedes.
Suas peças retratam personagens nobres e da realeza.
4. Marcus
Porcius Cato (Tusculum 234 a.C. – 149 a.C.), também conhecido
como Catão, o Velho ou o Censor, foi um político romano. Foi
cônsul de Roma em 195 a.C., e censor em 184 a.C. Segundo Plutarco,
Catão era conhecido como Priscus; porém, adotou posteriormente
o cognome de Catão, que indica uma sabedoria prática unida
a uma sagacidade política natural e combinada com a experiência
de manejar assuntos civis e administrativos. Um conselho de Catão:
Ainda
que possas vencer, cede de vez em quando ao amigo. Freqüentemente as
doces amizades são conservadas pela gentileza.
5. Antipater
de Tarso (século III a.C.) foi um filósofo estóico
e é considerado o pai do advérbio. Por causa de sua eloqüência
era muito difícil conversar com ele.
6. Arcesilau
(315 – 240 a.C.) foi um filósofo grego representante do Ceticismo
contra o Dogmatismo dos estóicos. Refutou a certeza dada pelo conhecimento
e admitiu o razoável como critério de verdade. Fundou a Nova
Academia.
7. Platão
de Atenas (428/27 – 347 a.C.) foi um filósofo grego discípulo
de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles.
Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles; Platão
era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica
física, tal como o porte atlético ou os ombros largos ou,
ainda, à sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes
temas.
8. Na
verdade, não existe nem sorte nem azar. Ou fazemos a coisa acontecer
ou não fazemos. Mas, com tudo, sejam vitórias, sejam derrotas,
aprendemos e nos preparamos para, no futuro, fazermos o que não conseguimos
fazer agora. No final, tudo é bom.
9. Teodoro,
o Ateu, (séc. IV a.C) proclamou que Deus não existia. Afirmou
que o fim do homem não é o prazer, mas a felicidade; e que
a felicidade consiste na sabedoria. A sabedoria e a justiça são
bens; são males a estultícia e a injustiça. O prazer
e a dor nem são bens nem são males, mas são, por si,
indiferentes do todo. Considerava a amizade inútil quer para os tolos
quer para os sábios; uns não a sabem usar, os outros não
têm necessidade dela porque se bastam a si próprios. Teodoro
afirmava que a pátria do sábio é o mundo, e negava
não só a existência dos deuses populares, mas, também,
da divindade em geral; daqui o seu cognome de Ateu.
10.
Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), foi um filósofo,
orador, escritor, advogado e político romano. Cícero foi eleito
Cônsul no ano 63 a.C. Neste cargo, destruiu uma conspiração
para derrubar a República, liderada por Lúcio Sérgio
Catilina. O Senado deu a Cícero o direito de usar o Senatus Consultum
de Re Publica Defendenda (uma declaração de lei marcial),
e ele fez Catilina deixar a cidade com quatro discursos (as famosas Catilinárias),
que até hoje são exemplos estupendos do seu estilo retórico.
Ficou famosa a frase de Cícero arremessada contra Catilina: Qvosque
tandem abvtere, Catilina, patientia nostra? Até quando,
Catilina, abusarás de nossa paciência?
11.
Lúcio Sérgio Catilina (109 a.C. – 62 a.C.) foi um político
romano.
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autor/Plutarco/
Fundo
musical:
Este
Seu Olhar (Tom Jobim)
Fonte:
http://www.geocities.com/
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