Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Plotino

Plotino

 

 

 

 

o mesmo modo que a Alma de cada animal é una... do mesmo modo que a Alma sensitiva é igualmente una nos seres que sentem, e do mesmo modo que a Alma vegetativa está íntegra em cada parte dos vegetais, assim a minha Alma e a tua formam somente uma, e a Alma Universal, presente em todos os seres, é una, porque não está dividida à semelhança do corpo, mas que, onde quer que esteja é a mesma.

 

A Alma é o 'Lógos'; e o ato da Inteligência, como ela mesma, é o 'Lógos' e o ato do Uno.

 

Plotino (Las Enneadas, vol. II, p. 358.)


 

 

 

 

Objetivo do Trabalho

 

 

 

Este trabalho está divido em três partes: 1ª) Breve Biografia e Resumo do Pensamento Plotiniano; 2ª) Alguns Pensamentos de Plotino; e 3ª) Considerações Finais. Nele, pretendi apresentar as idéias principais de Plotino e, antes de concluir o texto, garimpei aqui e ali alguns excertos das Enéadas.

 

Plotino foi um Iniciado. Sendo assim, no que concerne aos excertos, é necessário que sejam lidos devagar e com muita atenção, pois alguns são difíceis de ser compreendidos em uma primeira leitura. Seja como for, ainda que os fragmentos que compõem este texto tenham uma certa lógica seqüencial, o melhor é sempre ler o autor em sua obra original. Fontes secundárias como este trabalho, no máximo, podem funcionar apenas como possível referência ou como um catalisador para pesquisas ulteriores.

 

 

 

Breve Biografia e
Resumo do Pensamento Plotiniano

 

 

 

Entre os séculos II e III, Amônio de Sacas (175 – 242) — que, como Pitágoras (Samos, 571 a. C. ou 570 a. C. – Metaponto, 497 a. C. ou 496 a. C.), nunca escreveu nada e manteve secretas suas opiniões — fundou em Alexandria uma escola neoplatônica, tendo, ao lado de Herennius, os dois Origênes, Cassius e Longinus, Plotino (204 ou 205–270) como um de seus discípulos. O pensamento filosófico de Amônio de Sacas pode ser apenas compreendido, basicamente, através dos escritos de Plotino. Depois de ter ouvido a primeira preleção de seu futuro mestre, Plotino ficou em sua companhia e bebeu de sua fonte por nada menos do que onze anos.

 

Mas foi só em 254 – após ensinar em Roma por nove anos – que Plotino começou a escrever as Enéadas (ennea em grego significa nove), conjunto de cinqüenta e quatro tratados, que Porfírio (232 – 304), seu discípulo dileto, dividiu metafisicamente em seis grupos de nove, ou seja, 54 = 6 (número da perfeição) x 9 (número da totalidade). Do texto Legado Filosófico Helênico-Romano, de Evaldo Pauli, recolhi: O agrupamento das partes obedece a uma ordem sistemática ascendente, de acordo com a mística plotiniana: a primeira parte, se refere ao homem e à Moral; a segunda e terceira, ao mundo sensível e à Providência; a quarta, à Alma; a quinta, à Inteligência; e a sexta, ao Uno e ao Bem. Esta disposição, entretanto, é de ordem geral, porque, na verdade, a exposição de Plotino é dispersiva, tratando de todas as questões, sem atender a uma ordem sistemática e escolar, como fariam depois os escolarcas [do grego, skholárkhés] neoplatônicos, particularmente Proclus (412-487). Seja como for, o conteúdo das Enéadas é um caminho para a Sabedoria e uma condução em direção ao Bem Absoluto.

 

As considerações filosóficas plotinianas (uma reelaboração do idealismo de Platão, com notável influência das concepções cosmogônicas de Aristóteles) tinham um princípio cardeal: ensinar a seus discípulos – e à Humanidade – a se libertar das ilusões e dos prazeres terrenos, para poderem contemplar e se unir extaticamente a Deus. O próprio Porfírio foi um escritor incansável, mas a maioria de suas obras se perdeu. Anna Maria Moog Rodrigues, no trabalho Diálogo de Sampaio Bruno com Amorim Vianna: a Relação da Razão com a Fé assevera que a filosofia plotiniana realizou a última grande síntese do pensamento da Antigüidade, ao mesmo tempo em que proporcionou a primeira síntese do misticismo oriental com elementos do platonismo já trabalhados pelas escolas aristotélicas do período helenista. Com isto em mente, a articulista reconhece ter sido Plotino o inspirador de todas as filosofias ocidentais que o sucederam, as quais tenham tomado por fundamento de suas metafísicas específicas a Unidade de todo o Ser.

 

Talvez se possa acrescentar que muitos princípios plotinianos encontraram guarida e estão inseridos nos ensinamentos de fraternidades místicas hoje abertas e disponíveis para pesquisa e afiliação. Deve ser acrescentado que Plotino foi um Iniciado, tendo sido, posteriormente, autorizado a ampliar os ensinamentos que recebeu e, dos quais, era depositário. A síntese de seu pensamento (que se resume a uma incognoscibilidade transcendente e metafísica do Uno, origem de tudo o que existe, por meio de emanações sucessivas), como se afirmou, está gravada nas Enéadas, obra publicada por Porfírio trinta anos após a morte de Plotino em uma edição completa e muito bem estruturada, ainda que dispersiva e sem atender a uma ordem sistemática e escolar.

 

A Filosofia Plotiniana concebeu, preliminar e analogamente, um Uno Inefável, razão de ser de toda a Unidade e Causa Primária da existência do conjunto e do múltiplo, portanto potência de todas as coisas. Este Uno não está numericamente ligado nem à aritmética nem à geometria e, por isso, deve ser interpretado como Uno–em–si. Há, entretanto, os números ligados ao mundo do sensível e aos tipos terrenos. Segundo Plotino, nas Enéadas, livro quarto, as coisas que chegaram à existência e que subsistem foram previamente compreendidas em número.1 Este conceito bebe no pensamento pitagórico.

 

 

Tetractys (Unidade IAO) Pitagórica
(4 = 4 + 3 + 2 + 1 = 10 = 1)

 

 

O Uno–em–si, ou simplesmente Uno, está acima da própria criação, sendo Causa de tudo. Ele é como quis ser, Causa de Si mesmo, portanto, transcendente a Si mesmo. Em KaBaLa, há o entendimento de que Um está acima de Três... Concordando com Parmênides de Eléia (cerca de 530 a. C. – 460 a. C.), admitiu Plotino: Com razão disse, pois, Parmênides, que o Ser é Uno, que é imutável, não porque não haja outra coisa que não possa modificá–Lo, mas porque é o Ser. Só o Ser, efetivamente, possui existência por si mesmo.2

 

Plotino propôs diversas imagens representativas para a procedência das coisas do Uno, sendo a mais significativa a derivação do todo criado por irradiação sucessiva de um Primeiro Centro para um segundo, a partir dos quais se propaga um terceiro círculo concêntrico: Luz da LLuz. Neste processo gerador, nada empobrece o Uno nem O condiciona, dada a sua perene e perpétua permanência. A processão das coisas do Uno não se constitui em mera necessidade, pois se trata, no entender plotiniano, de absoluta liberdade. A interpretação deste mecanismo, oferecido por Reale e Antisere, é: ... Deus não cria livremente o outro de Si, mas se autocria livremente a Si mesmo; trata-se de um ’Si’ que se autocria livremente como potência infinita, que necessariamente se expande, produzindo o outro de Si.3

 

Do Uno deriva Nous (Espírito que pode ser entendido como Mente); de Nous deriva a Alma. Voltando–se para sua origem e através dela, a Alma vê e pode retornar ao Nous, já que Dele, em verdade, nunca esteve desvinculada ou separada. Este entendimento, em verdade, sempre foi o das Escolas de Mistério, desde a mais remota Antigüidade. Nesse sentido, pode–se, ainda, informar que as fraternidades iniciáticas contemporâneas sustentam esses mesmos ensinamentos, sentidos já em meados da Terceira Raça-Raiz da atual Ronda – Lemúria. Assim, Nous é uma imagem do Uno, conformando–se à Unidade sem intermediação; e a Alma é uma imagem de Nous, conformando–se ao Espírito como seu original. Logo se percebe que a verdadeira essência reside no mundo inteligível.4

 

A natureza e a finalidade da Alma, segundo Plotino, é dar vida a todas as outras coisas, ordenando–as, dirigindo–as e comandando–as, entretanto, permanecendo, ela mesma realidade incorpórea. A título de ilustração, a Ordem Rosacruz – AMORC entende que há uma distinção entre Alma e Personalidade–Alma. Todas as Personalidades–Almas, em verdade, nunca estiveram, estão ou estarão desvinculadas da Consciência Cósmica ou da Alma Universal. Os ensinamentos da Tradicional Ordem Martinista (TOM), que teve seu estabelecimento ancorado nas ensinanças de Louis–Claude de Saint–Martin (1743 – 1803), refletem e examinam esta especulação místico-metafísica da mesma forma. Observa–se que a Tradição Primordial e desde sempre idêntica a si mesma (presente nas duas Ordens referidas e em outras Fraternidades autênticas) tem um entendimento dessemelhante daquele apresentado pelas principais religiões conhecidas, pelo menos no que é veiculado exotericamente.

 

 

Procedência das Coisas do Uno
(Segundo Plotino)

 

 

Assim, no seio da Consciência Universal, há uma hierarquia de personalidades–Alma, isto no que concerne à Sabedoria desenvolvida e à manifestação da própria Consciência Cósmica em cada personalidade–Alma. Plotino, dando expressão ao seu entendimento sobre essa hierarquia, permite que se possa esquematizá–la da forma abaixo:

 

 

UNO
Nous
Alma Suprema
Alma do Todo
Almas Particulares

Hierarquia das Almas
(Segundo Plotino)

 

 

Da figura anterior (Hierarquia das Almas), depreende–se que, na doutrina plotiniana, todas as Almas derivam da Alma Universal (ou Suprema), sendo, entretanto, Dela distintas, mas Dela, também, inseparáveis, todas, em essência, constituindo–se em uma coisa só. Ampliando estas lucubrações, nas Enéadas, livro segundo, Plotino deixou escrito: Do mesmo modo que a Alma de cada animal é una... do mesmo modo que a Alma sensitiva é igualmente una nos seres que sentem, e do mesmo modo que a Alma vegetativa está íntegra em cada parte dos vegetais, assim a minha Alma e a tua formam somente uma, e a Alma Universal, presente em todos os seres, é una, porque não está dividida à semelhança do corpo, mas que, onde quer que esteja [e o que quer que seja], é a mesma.5

 

Assim, Plotino entendeu que se a Alma dos seres humanos (a minha e a tua) procedem da Alma Universal, e essa Alma sendo Una, todas as Almas serão essencialmente unas e estarão interligadas em comunicação recíproca, ainda que esta intercomunicação, na maioria das vezes, seja inconsciente e involuntária. Isto equivale a dizer que Tudo é Um e que somos todos Um. O que varia é a percepção individual consciente do Uno. Este é o verdadeiro e irreduzível entendimento de Fraternidade Universal. Todavia, lamentavelmente, ainda que educativamente, a tão desejada Fraternidade Universal, nesta Dimensão, em seu Summum Bonum estrito, é (quase!) uma idealidade utópica, porque a fragmentação e a multiplicidade não podem compreender a Unidade, enquanto se manifestarem fragmentadas e múltiplas. Então, devemos desistir? Não; jamais. Ora; Lege; Labora!

 

O surgimento da matéria, segundo Plotino, deriva da exaustão e do enfraquecimento progressivos da própria potência do Uno. E como há, segundo Plotino, minimização freqüencial do próprio Uno no Plano Material, a matéria é um mal, não porque se oponha ao Uno–em–si, mas por, neste Plano, ser praticamente quase imperceptível a Sua presença. Nesse processo de afastamento do Uno (e apesar de a Alma individualizada estar enfraquecida, porque se volta mais para si do que para Nous) é ela quem cria, dá forma e se esforça para retornar para a Luz. É um processo permanente de criação e de luta pela redenção da matéria criada e pela sua própria (igualização), porque a redenção da Alma está, segundo Plotino, implicitamente atrelada à redenção da matéria por ela gerada.

 

Já a Alma do homem, afirmou Plotino, é preexistente no estado de Alma pura, mas deve, ainda que temerariamente, descer aos corpos para concretizar as potencialidades de Nous. Nesse sentido, o homem é fundamentalmente uma Alma, e seu destino cósmico a Reconjugação com o Uno, o que é possível e desejável ainda neste Plano. Isto é plausível, no entendimento de Plotino, através de um processo sucessivo de purificações, cujo estágio final é o da Imersão no Uno pelo Silêncio Metafísico Interno da Contemplação. Para Plotino, nessa imersão há o Êxtase, que é um estado de Hiperconsciência da Alma. Observa–se aqui nítida aproximação entre os pensamentos pitagórico, platônico e plotiniano. O estado contemplativo plotiniano é o mesmo entendido e anunciado por Pitágoras e por Arístocles (428/27 – 347 a. C.), conhecido como Platão (Plátos), apelido que fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou, ainda, à sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas.

 

 

 

 

 

 

 

 

Enéadas
(Alguns Pensamentos de Plotino)

 

 

 

Esforço-me para reunir o que há de divino em mim ao que há de Divino no Universo.

 

O que é conhecido pelos sentidos não é senão uma imagem ou espécie da coisa e o sentido não atinge a coisa em si mesma; ela fica fora dele.

 

A Alma só é bela pela Inteligência, e as outras coisas, tanto nas ações como nas intenções, só são belas pela Alma que lhes dá a forma da Beleza... Beleza, primeira toda bela, não tem nenhuma parte em que sua Beleza esteja falha.

 

Tudo, para existir, implica em uma composição que se decompõe naturalmente nos elementos de que se compõe; mas a Alma é de natureza una, simples, e existe atualmente no fato da vida. Por isto, não perecerá.

 

A prova é a transformação dos elementos uns nos outros; a corrupção do elemento que se transforma não é uma descrição completa. Uma substância não pode perecer e se aniquilar, e, inversamente, o elemento engendrado não pode passar do modo absoluto à existência. Toda transformação se opera de uma forma a uma outra; mas ela deixa subsistir um sujeito que recebe a nova forma e perde a antiga.

 

Nas sensações não há verdade, mas somente opinião; é por ser receptiva, que ela é opinião.

 

Os objetos da sensação parecem se revestir de um testemunho sobre si mesmos com a maior evidência. Contudo, nos deixam duvidar se eles têm uma existência aparente que estaria não na realidade mas nas afecções dos sentidos; e ele tem necessidade, como critério, da Inteligência e da reflexão.

 

Poderia a Inteligência – a real e verdadeira Inteligência – enganar-se e possuir juízos falsos? Não, absolutamente. Como seria ela ainda Inteligência, se lhe faltasse Inteligência? É preciso, pois, que ela saiba sempre e não esqueça jamais; seu conhecimento não comporta conjectura, ambigüidade e informação, por assim dizer. Ela não usa demonstração.

 

Deus é despido de qualquer formalidade. Como principalmente a essência da unidade é a produtora de todas as coisas, não é Deus nenhuma destas. Portanto, nem é uma realidade determinada, nem nada de qualificativo ou quantitativo, nem espírito, nem Alma. Nem é móvel nem está em repouso; não está no espaço nem no tempo. Mas é uniforme como tal, ou antes, é sem forma, porque é anterior à toda forma, anterior ao movimento e ao repouso, que se atém ao ser e o multiplica.

 

A aspiração do homem não deveria se limitar a não ser culpado, mas, sim, a ser Deus.

 

Quando ela [a Alma] não nada pensa, ela nada enuncia; não tem a impressão de modo. Mas, quando pensa na matéria, recebe em si mesma a impressão daquilo que é sem forma. Tão bem como quando ela pensa em objetos que têm uma forma ou uma grandeza, ela os concebe como composição, como coisas coloridas ou providas de outras qualidades, e, então, pensa o todo, pensa também em seus componentes. Então um, o pensamento ou a sensação dos atributos, se apresenta claramente, enquanto que o outro, o conhecimento do sujeito sem a forma, permanece obscuro, porque não é uma forma. O que ela percebe no conjunto composto com os atributos pode dissociar e separar dos atributos; depois, este resíduo da análise, ela o pensa obscuramente porque ele é obscuro; entenebrada por estas trevas, a Alma pensa sem pensar verdadeiramente.

 

Mas embora o retorno se processe por um esforço, ele se faz com base ontológica, porque a Alma se liga a Deus pelo interior do processo emanativo, através da Inteligência. Por natureza, a Alma ama a Deus, a quem ela quer se unir, como uma virgem ama um pai honesto.

 

Em que consiste a purificação, visto que a Alma não sofreu nenhuma mancha? Que quer dizer separar a Alma do corpo? A purificação consiste em isolar a Alma, a não deixá-la se unir a outras coisas; que ela não as olhe; que ela não tenha opiniões estranhas à sua natureza, como as opiniões que se chamam paixões; que não olhe seus fantasmas que produzem as paixões.

 

Se há um segundo termo depois do Uno… de que maneira procede dele? É uma irradiação Sua, Dele, que permanece imóvel, como a resplandecente luz que circunda ao Sol e nasce Dele, ainda que o Sol sempre se mantenha imóvel. Todos os seres, além disso, enquanto existem, produzem a seu ao redor necessariamente, por sua própria essência, uma realidade que tende ao exterior e depende de seu poder; esta realidade é como uma imagem dos seres que a produzem; assim o fogo faz nascer de si o calor, e a neve não retém todo seu frio. A melhor prova disto são os objetos aromáticos… parte deles uma emanação, verdadeira realidade da que participa de tudo quanto os rodeia.

 

Na verdade, quanto mais a Beleza se estende indo em direção à matéria, tanto mais sem vigor é em relação àquela que permanece no Uno [Unidade originária].

 

Assim também Fídias [que criava segundo as formas] produziu Zeus, sem referência a nada de sensível, mas colhendo [do intelecto] como seria se Zeus quisesse aparecer a nós visivelmente.

 

A Inteligência, colocando um véu sobre os outros objetos e se recolhendo em sua intimidade, não vê nenhum objeto. Ela contempla então uma Luz, que não está em outra coisa, mas que lhe apareceu subitamente só, pura, e existindo em si mesma. [In Corde loquitur nostro Vox Dei. Em nosso Coração fala a Voz de Deus.]

 

E certamente, na verdade, há mais Beleza quando tu vês a Sabedoria [o Saber (Phrónesis) da Alma] em alguém e ficas admirado não olhando para o rosto — este poderia ser na verdade feio — mas deixando de lado todo o aspecto exterior, tu segues a sua Beleza interior.

 

Então, existe também em a Natureza um princípio racional [lógos] modelo da Beleza corpórea; mas o princípio [Intelecto] que está na Alma é mais belo do que o que está em a Natureza, e deste provém o princípio racional que está em a Natureza. Certamente, o princípio que está na Alma nobre é muito fúlgido e já supera em Beleza. De fato, adornando a Alma e fornecendo Luz, proveniente de uma Luz Maior que é primeiramente Beleza, estando este [princípio] na Alma, a faz deduzir qual é o princípio antes dele que não nasce nem é outro, mas que está em si mesmo. Por isto, não é nem mesmo um princípio racional, mas o criador do primeiro princípio racional da Beleza, que está na matéria da Alma.

 

Cada coisa tem todas as coisas nela mesma e, por outro lado, vê todas as coisas no outro, de modo que todas as coisas estão em toda parte e tudo é tudo e cada coisa é tudo6, e o esplendor é infinito.

 

Imaginai-vos uma fonte que não tem origem. Entrega toda a sua água aos rios, não se esgota por isso e se mantém em seu mesmo nível. Os rios que dela partem confundem suas águas antes de tomar cada um seu curso particular.

 

Todas coisas, na medida que lhes é possível, imitam o Princípio em eternidade e em bondade.

 

Pensar é mover-se para o Bem e desejá-Lo; o desejo [do Bem] engendra a Inteligência.

 

Alguém poderia ver a grandeza e a potência da sapiência pelo fato de ela ter nela mesma os seres e os ter produzido e de todas as coisas derivarem dela. Ela mesma é os seres, eles nasceram com ela, e ambos são uma única coisa, e o ser lá é sapiência.

 

Uma sapiência [o mundo inteligível] cria todas as coisas que são geradas, seja as coisas produzidas pela arte seja as coisas naturais, e a sapiência governa a criação por toda parte.

 

A sapiência verdadeira é o Ser e o verdadeiro Ser é a sapiência. E também o Ser adquire valor da sapiência e enquanto adquire valor da sapiência é o verdadeiro Ser. [O Ser inteligível].

 

Ainda que todas as coisas sejam mantidas pelas formas do princípio ao fim, primeiramente, a matéria é mantida pelas formas dos elementos e, em seguida, se acrescentam outras formas sobre as formas e depois, ainda outras. Por isto é até mesmo difícil encontrar a matéria escondida sob muitas formas. Pois que também esta [matéria] é uma forma última. Tudo é Forma e todas as coisas são formas, já que o modelo era Forma. Além disso, o Universo inteligível criava sem ruído porque isto que cria é tudo, seja ser, seja forma. Por esta razão, a criação é também sem fadiga. E a criação era do todo, porque o criador é todas as coisas.

 

Porque há um princípio7, todas estas coisas seguem imediatamente [sem que exista raciocínio ou projeto] e deste modo; e com razão se diz não buscar causas de um princípio, sobretudo de um tal princípio perfeito que coincide com o fim; mas, este que é princípio e fim é, ao mesmo tempo, o todo e sem nenhuma falta.

 

Este Universo – permanecendo cada uma das partes isto que é, sem se misturar – é todas as coisas juntas em uma... Este Universo é... potência universal que vai ao infinito, potente ao infinito.

 

o único Deus é todos.

 

Tanto o Ser é desejável porque é o mesmo que o Belo, quanto o Belo é amável porque é o Ser.

 

Esta falsa essência [ousía] daqui tem necessidade de um simulacro de belo adquirido do exterior, seja para aparecer bela, seja, em geral, para ser bela, e é bela tanto quanto participa da Beleza que é segundo a Forma e, recebendo-a, quanto mais a recebe, mais é perfeita. De fato, a essência é ainda mais Essência na medida em que é Bela.

 

Por isto também 'Zeus', ainda que seja mais velho do que os outros deuses, que Ele mesmo guia, primeiro avança em direção à contemplação deste Universo, e o seguem os outros deuses, os demônios e as Almas que são capazes de ver estas coisas. E o mundo inteligível aparece a eles de um lugar invisível e, elevando-se no alto sobre eles, ilumina tudo e os enche de esplendor, e cega, como se fosse o Sol, aqueles que estão embaixo [os que estão mais próximos da matéria], e estes se voltam não sendo capazes de vê-Lo. Na verdade, alguns suportam a sua Luz e olham; outros ficam turbados, quanto mais longe Dele estão. Mas aqueles que são capazes de ver, quando olham, todos voltam o olhar para Ele...

 

De fato, a Beleza Ilumina todas as coisas e sacia aqueles que estão lá, ao ponto que também esses se tornam belos, como muitas vezes os homens subindo sobre lugares elevados, no momento em que a Terra de lá adquire uma cor dourada, são inundados por aquela cor tornando-se semelhantes à Terra sobre a qual caminham. Mas lá a cor que floresce é Beleza, ou ainda, tudo é cor e Beleza em profundidade. Pois o Belo não é alguma coisa de diverso, como se fosse um simples florescimento em superfície.

 

Mas aqueles que não vêem o Todo crêem somente na impressão externa. Ao contrário, àqueles que estão, por assim dizer, totalmente embriagados e saciados de néctar – já que a Beleza penetrou toda a Alma – é consentido que sejam não apenas espectadores, porque não existe mais uma coisa externa e uma outra, aquela que olha, por sua vez também externa; mas isto que vê com a vista aguda possui em si mesmo isto que é visto [Unidade]. Todavia, mesmo possuindo isto que é visto, muitas vezes ignora que o possui, e olha como se o objeto fosse exterior, já que olha como se isto fosse uma coisa visível e porque quer vê-lo como tal. Tudo isto que alguém olha como se fosse visível, olha do exterior. Mas, agora, é preciso transferir o objeto visível em si mesmo e olhar para ele como se fosse uma Unidade e vê-lo como si mesmo, como se alguém possuído por um Deus – inspirado por Febo ou por uma Musa – gerasse em si mesmo a visão de Deus, se tivesse a força de olhar um Deus em si mesmo. (Grifo meu). [Ora, o que isto quer dizer? Simplesmente, que não ascensionamos para dentro porque não queremos, ou melhor, porque ainda não podemos, pois, ainda não temos a Força necessária para olhar um Deus em nós mesmos – in Corde. E assim, preferimos continuar a aceitar os deuses egregóricos que nos são apresentados e nos são impostos pelos outros. Por isto, ensina Plotino: No ato de se voltar para o seu Deus, há este ganho: no início, o homem se percebe a si mesmo até o momento em que é diverso do Deus; mas, correndo para o seu próprio interior tem tudo, e, deixando para trás a percepção, por medo de ser diverso Dele, torna-se uno com o Ser de lá. Há liberdade-Beleza maior do que esta? Continua Plotino: É necessário que, de agora em diante, se abandone ao seu íntimo, e que se torne, ao invés de um sujeito que vê, objeto de visão de um Outro que olha, resplandecendo com aqueles pensamentos que chegam dali. De tal forma que, o sujeito que vê e o Outro que olha são Um.]

 

Como é possível alguém estar no Belo sem vê-lo? Por outro lado, vendo o Belo como outro, não está ainda no Belo, mas, depois de se ter tornado Belo, está, deste modo, absolutamente no Belo... Pois, quando também nós mesmos somos belos, o somos pelo nosso próprio ser. Ao contrário, somos feios quando passamos a uma outra natureza. E, assim, somos belos quando conhecemos a nós mesmos, mas feios quando ignoramos a nós mesmos.

 

Só quando a Inteligência se encontra consigo, no sentido mais verdadeiro do termo, quando se acha em si mesma, aí, só aí, ela n'Ele se encontra, no Deus supremo.

 

Quando pronunciar o Nome de Deus ou quando n'Ele pensar, faça abstração de tudo, abandone todo o resto. Basta uma palavra: Ele. Nada acrescente. E pergunte se só Ele mesmo ficou neste pensamento.

 

Se fosse possível para a Inteligência não se fixar em algo, ela nunca deixaria de estar diante do Primeiro Princípio, ou, de se fazer Uma com Ele.

 

Quanto maior for o número de mediações maior a será a dualidade. O Espírito e o Uno se fundem em Um e nada os separa.

 

A visão que enche os olhos de Luz, não nos faz ver algo exterior, mas a própria Luz que é, em si mesma, idêntica ao objeto da visão... Só existe uma única iluminação que gera a subsistência do Espírito nela... Portanto, obter a visão do Infinito é obra própria de quem quer obter tal visão.

 

O que nos instrui [para o Bem], são as analogias, as negações, o conhecimento dos seres... e sua gradação ascendente; mas o que nos conduz até o Bem são nossas purificações, nossas virtudes, nossa ordem interior.

 

Se alguém experimentou o Uno compreenderá o que digo: a Alma vive outra Vida quando se aproxima Dele, quando está junto a Ele e quando Dele participa, de tal modo que sabe ter presente o verdadeiro dom da Vida. E já nada necessita, senão que há de renunciar a todo o resto e se manter só Nele e se fazer Una com Ele, suprimindo toda adição, de tal maneira que consiga sair de tudo e se ver livre de tudo que possa atá-la às outras coisas, para se voltar ao seu próprio ser, e não ter em si parte alguma que não se una com o Divino. Então, é possível ver o Uno e se ver a si mesma, se é que realmente se pode ver o Uno, mas iluminada, plena de Luz inteligível, ou melhor, como se a Alma mesmo fosse uma Luz pura, imponderável, leve; como se ela estivesse convertida em Deus, suspensa... Todavia, chegará um momento em que a contemplação será contínua, nua, sem nenhum obstáculo corporal que a impeça.

 

O que importa é a natureza do Bem, pois assim convém a nosso raciocínio. Dele, diremos que é a realidade da qual tudo depende e a que aspiram também todos os seres, pois é seu princípio e aquilo que precisamente lhes falta. O Bem, por sua vez, não tem necessidade de nada, basta-se a si mesmo e não depende de nenhum outro ser; ao contrário, é medida e limite de todas as coisas e Ele proporciona, por si mesmo, a Inteligência, o Ser, a Alma e a Vida, incluindo a atividade intelectual que lhe é própria... O mesmo Bem está acima do Belo e das coisas que têm a primazia na região do inteligível, pois nesta é soberano o Bem Supremo.

 

Últimas palavras: Procurai sempre conjugar o divino que há em vós com o divino que há no Universo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Considerações Finais

 

 


Plotino ensinou que na radiação do Uno (Primeiríssima Unidade, desde sempre e para sempre una), cada esfera de criação permanece em si mesma, e o que dela se irradia pertence a um grau inferior. Contudo, na verdade, evidentemente, não há separação ou interrupção entre os diversos graus da criação pensada por Plotino. Tudo, segundo o autor estudado, está interligado a tudo, e todas as coisas criadas estão ligadas ao Uno (Primeiríssimo Um). E neste Plano, segundo a doutrina plotiniana, o ser humano é a suprema criação autoconsciente derivada do Uno–em–si (Primeiríssimo Um), com capacidade absoluta e irrestrita (dependendo, todavia, só dela) de a Ele agostiniana e conscientemente se [re]ligar, já que é potencialmente uma criação divina.

 

Esotericamente, não posso deixar de rapidamente comentar, mutatis mutandis, isto equivale ao entendimento de que Deus Homo est, isto significando que o Mestre-Deus de cada um (de nós) está in Corde, adormecido em potência, dependendo tão-só de cada qual se dispor a acordá-Lo, para, quem sabe, um dia, Nele mergulhar e passar a ser seu próprio Deus, e independer definitivamente de deuses egregóricos alheios, que são criados e evaporam tal qual nuvens passageiras arrastadas pelo vento. Haveremos de aprender e de conceber que cada um de nós é uma estrela individual com curso próprio e com vontade própria. Mas, para complicar um pouquinho, essa mesma individualidade é como que uma espécie de ilusão sensória que precisa ser vencida, pois, só assim nos tornaremos, efetivamente, unos com todos no seio do Uno–em–si indigitado por Plotino (que primariamente está em nós). Melhor, então, seria dizer e entender: estrela individual com órbita própria temporária e com vontade própria temporária. O Caminho é: da descendente e educativa individualidade para a ascendente e sempiterna Unidade. Quando caímos, acontece o quê? Continuamos tombados ou nos levantamos? Muito mais do que panteístico, este conceito-entendimento é profundamente Místico-iniciático. Por isto, os Treze são Um, a Ordem Rosa+Cruz Eterna, Verdadeira e Invisível é Uma e não há duas Grandes Lojas Brancas. Tudo é misticamente Um.

 

Em suma, o retorno ao Uno (já que a individualidade é uma ilusão) é um processo que, segundo Plotino, deve acontecer em três estágios: PURIFICAÇÃO, DIALÉTICA E ÊXTASE. Por isso, concordo com Antônio Henrique Campolina Martins, que ao concluir seu trabalho intitulado A Unidade em Plotino, consolidou: E assim, podemos afirmar concluindo, com Plotino, que o real nunca é o somatório de elementos de uma existência separada, múltipla; mas é essencialmente polaridade de termos que se sustentam, ou seja, Unidade, no sentido mais absoluto do termo. Não se pode deixar de aqui observar que, sob este aspecto, o Budismo Esotérico (não–religioso) contempla esse mesmo ideário. Com Plotino, desta forma, completa–se o desenho do Triângulo–3P da Filosofia Antiga: Pitágoras, Platão e Plotino.

 

Ao partir para a Grande Jornada, aos sessenta e cinco anos, em 270 d. C., as últimas palavras do Grande Iniciado neoplatônico ao médico Eustóquio foram: Procurai sempre conjugar o divino que há em vós com o divino que há no Universo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Notas e referências bibliográficas:

1. Op. cit., p. 7.
2. Las Enneadas, Plotino, vol. IV, p. 37.
3. História da Filosofia, Giovanni Reale e Dario Antiseri, vol. I, p. 343.
4. Las Enneadas, Plotino, vol. II, p. 175.
5. Op. cit., vol. II, p. 358.
6. Ou seja, no inteligível os deuses são, ao mesmo tempo, espetáculo e espectadores, pois o conhecimento do outro é sempre conhecimento de si. (Nota explicativa de Luciana Gabriela E. C. Soares).
7. Isto é, porque existe a realidade de lá como princípio. (Nota explicativa de Luciana Gabriela E. C. Soares).

 

Bibliografia:

LOGOS (Enciclopédia Luso-brasileira de Filosofia). Volume IV. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1992.

MORA, José Ferrater. Diccionario de Filosofía. Volume III. 7ª reimpressão. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

PLOTINO. Las enneadas (precedidas de la vida de Plotino por su discipulo Porfirio). Versión castellana de J. M. Q. Vol. I a IV. Madrid: Imp. De L. Rubio, 1930, 1165 p.

REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da filosofia./Il pensiero occidentale dalle origini adoggi. Trad. São Paulo: Paulinas, v.1, 1990, 693 p.

______. Meditação sobre o horizonte metafísico. In: Presença Filosófica, Rio de Janeiro, 3 (2 e 3): 11–19, abr./ set., 1981.

______. Perspectiva Ontológica de ser – dever ser. In: Presença Filosófica, Rio de Janeiro, 10 (1 e 2): 193–8, jan./jun., 1984.

 

Páginas da Internet e Websites consultados:

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simetriadelespacio/home-0.htm


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http://www.mundodosfilosofos.com.br/
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http://soldedomingo.blogspot.com/
2007_04_01_archive.html

 

Música de fundo:

Nuvem Passageira (Hermes de Aquino)

Fonte:

http://www.romantichome.net/