Os
sofistas se compunham de grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade
realizando aparições públicas para atrair estudantes,
de quem cobravam taxas para lhes oferecer educação. O foco
central de seus ensinamentos se concentrava no logos ou discurso,
convergindo para estratégias de argumentação, de tal
sorte que, além de ministrarem aulas de oratória e cultura
geral para os cidadãos gregos, interferiam em acirrados debates filosóficos,
religiosos e políticos da época. Os mestres sofistas alegavam
que podiam melhorar seus discípulos, ou, em outras palavras, que
a virtude seria passível de ser ensinada. Protágoras de Abdera
(480 a.C. – 410 a.C.), Górgias de Leontini (c. 485 a.C. –
c. 380 a.C.), e Isócrates de Atenas (436 a.C. – 338 a.C.) estão
entre os primeiros sofistas conhecidos. Protágoras foi o primeiro
sofista a aceitar pagamento pelos seus ensinamentos.
Diversos
sofistas questionaram a então sabedoria recebida pelos deuses e a
supremacia da cultura grega (uma idéia absoluta na época).
Argumentavam, por exemplo, que as práticas culturais existiam em
função de convenções, e que a moralidade ou
imoralidade de um ato não poderia ser julgada fora do contexto cultural
em que aquele ocorreu. Tal posição questionadora os levou
a ser perseguidos, inclusive, por aqueles que se diziam amar a sabedoria:
os filósofos gregos.
A
conhecida frase o
homem é a medida de todas as coisas surgiu dos ensinamentos
sofistas. Uma das mais famosas doutrinas sofísticas é a teoria
do contra-argumento. Eles ensinavam que todo e qualquer argumento poderia
ser refutado por outro argumento, e que a efetividade de um dado argumento
residiria na verossimilhança (aparência de verdadeiro, mas
não necessariamente verdadeiro) perante uma dada platéia.
Os
Sofistas foram considerados os primeiros advogados do mundo, ao cobrar de
seus clientes para efetuar suas defesas, dada sua alta capacidade de argumentação.
Eram também considerados por muitos os guardiões da Democracia
na Antigüidade, na medida em aceitavam a relatividade da verdade. Hoje,
a aceitação do ponto de vista alheio é a pedra fundamental
da Democracia moderna.
Originalmente,
Sofística era o termo dado às técnicas ensinadas por
um grupo altamente respeitado de professores retóricos na Grécia
Antiga. O uso moderno da palavra, sugestionando um argumento inválido
composto de raciocínio especioso, não é necessariamente
o representante das convicções dos sofistas originais, a não
ser daqueles que geralmente ensinaram retórica. Os sofistas só
são conhecidos hoje pelas escritas de seus oponentes (mais especificamente,
Platão e Aristóteles), o que dificulta formular uma visão
completa das convicções dos sofistas.
Os
sofistas foram os primeiros a romper com a busca pré-socrática
por uma unidade originária (a physis)
iniciada com Tales de Mileto e finalizada em Demócrito de Abdera
(que embora tenha falecido pouco tempo depois de Sócrates, tem seu
pensamento inserido dentro da Filosofia Pré-socrática).
A
principal doutrina sofística consiste em uma visão relativa
do mundo (o que os contrapõe a Sócrates que, sem negar a existência
de coisas relativas, buscava verdades universais e necessárias).
A principal doutrina sofística pode ser expressa pela máxima
de Protágoras: O
homem é a medida de todas as coisas; das coisas que são, enquanto
são, e das coisas que não são, enquanto não
são.
Tal
máxima expressa o sentido de que não é o ser humano
quem tem de se moldar a padrões externos a si, que sejam impostos
por qualquer coisa que não seja o próprio ser humano; mas,
sim, o próprio ser humano deve se plasmar segundo a sua liberdade.
Outro
sofista famoso foi Górgias, que afirmava que o 'ser' não existia.
Segundo Górgias, mesmo admitindo que o 'ser' exista, é impossível
captá-lo. Mesmo que isto fosse possível, não seria
possível enunciá-lo de modo verdadeiro e, portanto, seria
sempre impossível qualquer conhecimento sobre o 'ser'.
Estas
visões contrastantes com a de Sócrates (que foram adotadas
também por Platão e Aristóteles, bem como sua luta
anti-sofista) somada ao fato de serem estrangeiros – o que lhes conferia
um menor grau de credibilidade entre os atenienses – contribuiu para
que seu pensamento fosse subvalorizado até tempos recentes.
A
moral Sofística não era concebida pelos sofistas não
como lei racional do agir humano, isto é, como a lei que potencia
profundamente a natureza humana, mas como um empecilho. Desta maneira, os
sofistas estabeleceram uma oposição especial entre Natureza
e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como fruto arbitrário,
interessado, mortificador, uma pura convenção, e entendendo
por Natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana
sensível, animal, instintiva. E tentavam criticar a vaidade desta
lei, na verdade tão mutável conforme os tempos e os lugares,
bem como a sua utilidade comumente celebrada: não é verdade
– diziam – que a submissão à lei torne os homens
felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm freqüentemente
conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência
ensina que para triunfar no mundo, não é mister justiça
e retidão, mas prudência e habilidade.
Então
a realização da Humanidade perfeita, segundo o ideal dos sofistas,
não está na ação ética e ascética,
no domínio de si mesmo, na justiça para com os outros, mas
no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer
e no domínio violento dos homens. Este domínio violento é
necessário para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens
serem limitados e ambicionados por outros homens. É esta, aliás,
a única forma de vida social possível em um mundo em que estão
em jogo unicamente forças brutas, materiais. Seria, portanto, um
prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os fracos, pois a verdadeira
justiça, conforme a natureza material exige que o forte, o poderoso,
oprima o fraco em seu proveito.
Quanto
ao direito e à religião, a posição da sofística
é extremista também, naturalmente, como na Gnosiologia e na
Moral. A sofística move uma justa crítica, contra o Direito
Positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em
nome do Direito Natural. Mas este Direito Natural – bem como a Moral
Natural – segundo os sofistas, não é o direito fundado
sobre a natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva,
passional. Então, o Direito Natural é o direito do mais poderoso,
pois em uma sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas,
a força e a violência podem ser o único elemento organizador,
o único sistema jurídico admissível.
Isto
resumidamente visto, hoje, estudaremos, sob a forma de fragmentos editados,
O Sofista, de Platão, obra que demonstra que a Sofística
tinha como objetivo o desenvolvimento do poder de argumentação,
o aprendizado da habilidade retórica e o conhecimento de doutrinas
divergentes. É
sofista, disse Platão, aquele
que, em sua disputa, se compromete ao afirmar coisas contraditórias,
e com suas palavras engana de maneira maravilhosa seus ouvintes.
Já Aristóteles disse: Sofista
é aquele que tira dinheiro da ciência que parece ser e não
é.
O
Sofista: Fragmentos
Os
deuses acompanham os cultores da justiça. [Homero,
apud Platão].
Divino
é o qualificativo que costumo dar aos Filósofos.
Luta
é tudo o que é feito a descoberto; caça é tudo
o que é feito às esconsas. E a caça (arte venatória)
pode ser dividida em duas: de um lado, a caça de objetos sem vida,
e, do outro, a dos seres animados – a caça animal.
O
pescador de anzol é, em certo sentido, parente do sofista, pois ambos
trilham a mesma estrada – a da arte aquisitiva.
Os
discursos do foro, das assembléias populares e a arte da conversação
podem ser globalmente em uma só classe – a arte da persuasão,
sendo que esta arte comporta dois gêneros: uma é particular;
a outra, pública.
A arte baseada no simples fito de
agradar e que só usa o prazer como isca, sem nada mais exigir para
sua subsistência, acho que todos nós concordaríamos
em qualificá-la como aduladora ou simplesmente como arte recreativa.
A
arte
que promete ensinar
a virtude por meio da conversação e que se faz pagar em espécie
merecerá, como gênero à parte, a denominação
de Sofística.
No
comércio, há uma parte em que se vende e compra e que serve
para uso e alimento do corpo, e outra para uso da alma.
A Sofística é a parte
da aquisição, da troca, do comércio, do tráfico,
do negócio de mercadorias da alma relativo aos discursos, aos conhecimentos
e à virtude política. Sofística,
então, é a parte da arte aquisitiva que se exerce por troca,
e consiste na revenda a varejo ou na venda de seus próprios produtos,
de qualquer forma, uma vez que este comércio diz respeito ao gênero
de conhecimentos.
A
parte da luta que consiste no entrechoque de discursos pode ser denominada
de controvérsia.
Quando
o debate consta de digressões a respeito do justo e do injusto recebe
o qualificativo de forense ou judicial; porém, quando é realizado
entre particulares e cortado em pedacinhos, por meio de perguntas e respostas,
temos o costume de lhe dar o nome de contenda. A contenda que é feita
com arte, acerca do justo e do injusto e de outros assuntos gerais, é
habitualmente denominada de Erística.
A disputa levada a cabo como simples
jogo verbal e com negligência dos interesses próprios, em estilo
nada agradável para a maioria dos ouvintes, na minha maneira de pensar
só merece o de verbosidade. Já a disputa
que junta dinheiro com discussões particulares pode
ser denominada de Sofística.
É do gênero lucrativo,
da arte Erística, da arte de disputas, das controvérsias,
da arte do combate, da arte da luta e do ganho que o sofista provém.
Nem
tudo se pode pegar só com uma das mãos.1
Purificação
é a arte que retém o melhor e rejeita o pior.
Admito que haja duas espécies
de purificação, sendo diferente da do corpo a que se exerce
sobre a alma.
O método
argumentativo não dá maior nem menor importância à
purificação por meio da esponja do que à obtida com
poções medicamentosas, jamais perguntando se os benefícios
de uma são mais ou menos relevantes do que os da outra. Para alcançar
o conhecimento é que ela se esforça por observar as afinidades
ou dissemelhanças entre as artes, honrando a todas igualmente, e,
quando chega a compará-las, não conclui que uma seja mais
ridícula do que a outra. Não considera, ainda, mais importante
quem ilustra a arte da caça com o exemplo do estratego do que com
o do matador de pulgas, porém mais pretensioso. Do mesmo modo, agora,
no que concerne com o nome para designar o conjunto das forças purificadoras
dos corpos, quer sejam animados quer não sejam, não se preocupa
no mínimo de saber que nome é de aparência mais distinta.
Limitar-se-á a separar a purificação da alma, deixando
em um único feixe as outras purificações, sem indagar
do objeto sobre que se exercem. Seu intento exclusivo consiste nisto, precisamente:
separar das demais purificações a que tem por objetivo a alma,
se é que compreendemos o seu fim.
A
maldade na alma é algo diferente da virtude. Logo, a purificação
consiste em jogar fora a parte ruim e conservar tudo o mais. Sendo assim,
todo meio que encontrarmos de expungir a alma de maldade, se lhe dermos
o nome de purificação, teremos falado com acerto.
Na
alma, há duas espécies de maldade. Uma está na alma
como a doença está no corpo; a outra como a fealdade.
A
discórdia é a dissolução de elementos aparentados
pela ação de algum dissídio intercorrente.
Na
alma dos indivíduos malévolos estão sempre em conflito
opiniões e desejos, coragem e prazeres, razão e tristezas
e tudo o mais da mesma natureza em constante oposição.
A
maldade é, ao mesmo tempo, uma doença e discórdia da
alma.
Errar
nada mais é do que se desviar do seu caminho a alma, quando intenta
alcançar a verdade, sem passar ao lado dela o entendimento.
Alma
do ignorante
—› fealdade + assimetria.
Na
alma, a covardia, a intemperança e a injustiça devem ser conjuntamente
consideradas como uma doença, e as manifestações da
ignorância, tão variadas quanto freqüentes, como deformidades.
Onde
há insolência, injustiça e covardia, não é
a correção, dentre todas as artes, a mais de acordo com a
justiça?
Para
a ignorância em geral, poder-se-ia indicar uma arte mais adequada
do que a da instrução?
Há
uma espécie grande e por demais nociva de ignorância, que,
sozinha, vale por todas as outras reunidas: é a tolice de se imaginar
conhecer o que não se conhece.
Há
os que opinam que toda ignorância é involuntária.
A
alma não pode colher vantagem alguma dos ensinamentos ministrados
enquanto não for submetida à crítica rigorosa e à
refutação. Ela precisa ser livrada das falsas opiniões
que servem de obstáculo ao conhecimento e, assim purificada, acabará
persuadida de que só sabe o que realmente sabe, nada mais do que
isto.2
A
refutação é a maior e mais eficiente purificação,
sendo forçoso concluir que o indivíduo que se eximir a este
processo é impuro no mais alto grau, e ignorante e deformado naquilo
em que deveria se mostrar mais atilado e mais belo, caso queira alcançar
a verdadeira felicidade.
Quem
é precavido emprega cautela nas comparações; é
gênero escorregadio. Todavia, não suscitaremos conflitos por
pequena diferença de palavras, se sempre os mantivermos sob vigilância
severa.
Na
arte da educação, a refutação das vãs
ostentações de sabedoria nada mais é do que a Sofística
de nobre nascimento.
Não
é fácil fugir de tudo.
Sofista
= atleta
nos certames da palavra; habilidoso na arte das disputas
+
ensina
aos outros a arte de disputar +
cobra por seus serviços +
mercantiliza conhecimentos para a alma +
fraciona estes conhecimentos +
fabrica conhecimentos que ele próprio vende +
purifica as opiniões que na alma servem de obstáculo
para o conhecimento.
Sempre que um indivíduo, versado
em diferentes conhecimentos, é designado profissionalmente pelo nome
de uma única arte não nos proporciona uma imagem sadia. Por
isto, o sofista é designado por muitos nomes, não apenas por
um.
Os
sofistas, quando discutem problemas gerais da geração e do
ser, são tão fortes na arte de se contradizer, como são
capazes de transmitir aos outros esta mesma habilidade.
Achas
possível que alguém seja capaz de discutir todos os assuntos?
Achas
possível que alguém
conheça tudo?
Na
verdade, o sofista é possuidor de um conhecimento aparente sobre
todos os assuntos; não do verdadeiro conhecimento.
Quando
alguém presume saber tudo e se julga capaz de tudo ensinar em pouquíssimo
tempo, como não acreditar que seja brincadeira?
O
fato é que, com a idade e o passar do tempo, geralmente, pois não
é sempre que acontece, as pessoas, quando entram em contato mais
íntimo com a realidade e a experiência, tangenciam a verdade
das coisas, e modificam as opiniões então admitidas, de forma
que o que antes era grande lhes parece pequeno, o que era fácil,
difícil, vindo a se desmoronar em contato com a realidade todas as
antigas fantasias.
Os
sofistas pertencem à classe dos ilusionistas, como simples imitadores
que são das realidades.
É
impossível escapar dos que sabem tratar com igual proficiência
o geral e o particular.
O
simulacro apenas parece ser sem realmente ser.
'Nunca
chegarás a entender que o Não-ser possa ser. A alma se conserva
afastada de tais reflexões.'
(Parmênides de Eléia, apud Platão).
Não
podemos atribuir o Não-ser a nenhum ser, e também não
podemos relacioná-lo com coisa alguma [o
que contraria a tese de Parmênides
acima enunciada, que admite que o
Não-ser existe, e que o ser, por sua vez, de algum modo não
existe]. E assim, quando alguém
se dispõe a enunciar o Não-ser não fala, seja a ele
atribuindo pluralidade, seja
a ele atribuindo unidade, por
ser ele inconcebível, indizível, impronunciável e indefinível.
[Mas... Continue a ler os
fragmentos.]
Formar
opinião falsa é pensar o contrário do que realmente
existe.
É falsa a proposição
que afirma a existência do Não-ser ou a não-existência
do ser.3
O
Ser só pode ser um, não dois. E assim, ainda
que o Todo seja mais do que um, o par é um. Só existe o Uno.
O
nome é simplesmente nome de nome, nada mais. Desta forma, o Uno,
como unidade do um, não será senão a unidade do nome.
O verdadeiro Uno, na sua mais rigorosa acepção, terá
de ser absolutamente indivisível.
Tudo o que adquire existência
só o faz como um todo, de forma que não se pode aceitar como
reais nem a existência nem a geração, ainda que ambas
sejam distintas, se não incluirmos o Uno ou o Todo entre os seres.
O
que tem certa quantidade, qualquer que ela seja, será necessariamente
o todo desta quantidade.
O
que importa não são as pessoas, mas apenas a verdade.4
É
pela presença e pela posse da justiça5
que uma alma se torna justa, e pelo contrário que se torna o oposto
disto.
A alma é a sede da justiça,
da sabedoria e das demais virtudes.
A
maioria das pessoas não admite que, em absoluto, exista o que não
possam esmigalhar entre os dedos.
Tudo
o que possui uma determinada faculdade, seja de atuar de algum modo sobre
outra coisa, seja de sofrer a influência, embora mínima, do
mais insignificante agente, ainda que fosse uma única vez, é
um ser real. Minha definição para explicar os seres é
que não passam de capacidade ou de força.
Só
participamos da geração por intermédio do corpo, como
é com a alma, por meio do pensamento, que nos comunicamos com o Ser
Verdadeiro, o qual é sempre o mesmo e imutável, ao passo que
a geração varia.
Se
conhecer é algo ativo, necessariamente o conhecido terá de
sofrer a ação do conhecedor.
Se
tudo fosse imóvel, ninguém poderia saber nada de nada.
Sem
estabilidade [sistema
e ordem],
não poderá existir o idêntico a si mesmo. Logo, o conhecimento,
o pensamento e a inteligência não podem ser suprimidos.
Sempre
que, em alguma coisa, temos a presunção de haver atingido
o ponto mais elevado da proficiência, atingimos, realmente, o ponto
mais elevado da nossa ignorância.
Por
coerência com sua própria natureza, o Ser não está
nem em repouso nem em movimento. Na verdade, o Ser se revela como alheio
a estes dois estados.
Algumas
coisas desejam se comunicar e outras se recusam a isto, comportando-se todas
mais ou menos como as letras: umas não combinam em absoluto entre
elas; outras ficam em perfeita consonância. As vogais, principalmente,
se distinguem das demais letras por servirem de vínculo para as outras,
de forma que, sem vogal, não é possível haver combinação
entre as letras.
O conhecimento
dialético permite dividir por gêneros e não tomar a
idéia de um pela do outro; e também o inverso: a idéia
deste pela idéia daquele.
Quem
for capaz de distinguir uma idéia única em uma multidão
de idéias independentes ou um sem-número de idéias
diferentes entre si, porém, abrangidas por outra mais ampla, e, de
novo, uma idéia apenas que se estende por muitas outras e todas elas
ligadas à uma unidade, e, também, muitas inteiramente isoladas
ou separadas, detém a arte de distinguir os gêneros, conforme
a capacidade de se combinarem ou de não combinarem. Entretanto, isto
só é próprio de quem sabe Filosofar com Pureza e com
Justiça.
O sofista não se inclui no
número dos que sabem, mas no dos que imitam.
A
alma da maioria dos homens carece de olhos capazes de se fixar nas Coisas
Divinas.
Os
mais importantes gêneros são o Ser, o Repouso e o Movimento,
sendo que os dois últimos absolutamente não se misturam. Porém,
o Ser se mistura com ambos, pois, de uma forma ou de outra, ambos são.
Cada um deles, então, é diferente dos outros dois, todavia,
igual a si mesmo. Mas, se, neste momento, acrescentarmos o Outro e o Mesmo,
serão dois gêneros diferentes daqueles três, embora sempre
e fatalmente misturados com eles, o que nos leva a considerar como cinco
os gêneros existentes, pois o Repouso e e Movimento não são
nem o Outro nem o Mesmo.
Entre
os seres, alguns são considerados em si mesmos e outros sempre em
suas relações recíprocas.
Não
pode haver Outro a não ser em relação com outra coisa.
O conhecimento é uno; porém,
são separadas as partes relacionadas com determinados objetos e recebem
denominações específicas. Daí haver tanta variedade
de artes e de conhecimentos.
Um
pouco mais acima, Platão escreveu: Quando
alguém se dispõe a enunciar o Não-ser não fala,
seja a ele atribuindo pluralidade, seja
a ele atribuindo unidade, por
ser ele inconcebível, indizível, impronunciável e indefinível.
Agora, escreveu Platão:
o Não-ser em nada será inferior aos outros gêneros,
com relação ao Ser, sendo lícito afirmar sem vacilações,
que o Não-ser possui incontestavelmente natureza própria,
e assim como o grande é grande e o belo, belo, e também o
não-grande, não grande, e o não-belo, não belo.
Do mesmo modo, podemos dizer que o Não-ser tanto era como é
Não-ser, tendo, pois, de ser contado como uma idéia no conjunto
dos seres. Portanto, os gêneros se misturam uns com os outros e o
Ser e o Outro penetram em todos e se interpenetram reciprocamente, e o Outro,
por participar do Ser, existe pelo próprio fato desta participação,
sem ser aquilo de que ele participa, porém Outro, e por ser Outro
que não o Ser, é mais do que evidente que terá de ser
Não-ser. Por sua vez, o Ser, por participar do Outro, torna-se um
gênero diferente dos outros gêneros, e por ser diferente de
todos, não será nem cada um em particular nem todos eles em
conjunto, mas apenas ele mesmo. A esse modo, não é possível
absolutamente contestar que há milhares e milhares de coisas que
o Ser não é, e que os Outros, por sua vez, ou isoladamente
considerados ou em conjunto, de muitas maneiras são, como de muitas
maneiras também não são.
A
tentativa de separar tudo de tudo é prova de grosseria e de absoluto
alheamento das Musas e da Filosofia. O mais radical processo para acabar
com qualquer espécie de discurso é isolar cada coisa do seu
conjunto, pois o discurso só nos surge pronto pelo entrelaçamento
recíproco das partes.
Nada
há de mais importante do que a Filosofia.6
Sempre
se pode avançar, ainda que seja um pouquinho de cada vez. Quem desanima
em coisas simples, ante a escassez de resultados satisfatórios, como
haverá de se comportar em conjunturas mais sérias, em que
não venha a assinalar nenhum avanço ou mesmo seja obrigado
a recuar? Como diz o provérbio, um tipo assim nunca tomará
cidade alguma.
A
sentença, desde que se forma, por força terá de se
referir a alguma coisa; sentença de nada é que não
é possível haver.
Pensamento (diálogo interior
da alma consigo mesma que se processa em silêncio), opinião
(afirmação e negação) e imaginação
(opinião que se forma em alguém, não por ela mesma,
mas por intermédio alguma sensação): todos estes gêneros
ocorrem em nossa alma como verdadeiros e como falsos.
Capacidade
criadora é tudo o que for causa de vir a existir o que não
existia. A arte criadora consta de duas partes: uma é Divina; a outra,
humana. Todas as coisas que atribuímos à Natureza são
produto de uma Arte Divina, e as que os homens compõem por meio daquelas
o são de uma arte humana, e, de acordo com esta explicação,
há duas espécies de arte criadora: a humana e a Divina.
Conclusão:
A espécie imitativa e suscitadora de contradições da
parte dissimuladora da arte baseada na opinião, pertencente ao gênero
imaginário que se prende à arte ilusória da produção
de imagens, criação humana, não-divina e desse malabarismo
ilusório com palavras. Quem afirmar que é de semelhante sangue
e desta estirpe que provém o verdadeiro sofista, só dirá,
como parece, a pura verdade.