Habitus
é um sistema subjetivo de estruturas interiorizadas, esquemas
de percepção, de concepção e de ação
que são comuns a todos os membros do mesmo grupo ou da mesma
classe. É um sistema das disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes,
constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de
práticas e das ideologias características de um grupo
de agentes.
A
escola é um espaço de reprodução de
estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração
para outra. É nela que o legado econômico da família
se transforma em capital cultural.
Não
há Democracia efetiva sem um verdadeiro poder crítico.
A
ordem social se confunde com a ordem do mundo.
Conformar-se
com a ordem social é primordialmente respeitar os ritmos,
acompanhar a medida, não andar fora do tempo. Pertencer ao
grupo significa ter o mesmo momento do dia e do ano, o mesmo comportamento
de todos os outros membros do grupo.
A
ordem social é, antes de tudo, um ritmo, um tempo.
Princípio
de uma autonomia real em relação às determinações
imediatas da situação, o habitus não é,
por isto, uma espécie de essência a-histórica,
cuja existência seria o seu desenvolvimento, enfim, destino
definido uma vez por todas. Os ajustamentos que são incessantemente
impostos pelas necessidades de adaptação às
situações novas e imprevistas podem determinar transformações
duráveis do habitus, mas, dentro de certos limites: entre
outras razões porque o habitus define a percepção
da situação que o determina.
A
correspondência que se observa entre os espaços das
posições sociais e o espaço dos estilos de
vida resulta do fato de que condições semelhantes
produzem habitus substituíveis, que engendram, por sua vez,
segundo a sua lógica específica, práticas infinitamente
diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular, mas, sempre
encerradas nos limites inerentes às condições
objetivas das quais elas são produto e às quais elas
estão objetivamente adaptadas. O estilo de vida é
um conjunto unitário de preferências distintivas que
exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços
simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou hexis
corporal1,
a mesma intenção expressiva, princípio da unidade
de estilo que se entrega diretamente à intuição
e que a análise destrói ao recortá-lo em universos
separados.
Capital
social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que
estão ligados à posse de uma rede durável de
relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento
e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação
a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são
dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas
pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas, também
são unidos por ligações permanentes e úteis.
Os
seres aparentes diretamente visíveis – quer se tratem
de indivíduos quer de grupos –
existem e subsistem na e pela diferença, isto
é, enquanto ocupam posições relativas em um
espaço de relações, que, ainda que invisível
e sempre difícil de expressar empiricamente, são a
realidade ('ens realissimum', como dizia a Escolástica) e
o princípio real dos comportamentos dos indivíduos
e dos grupos.
As
práticas que o habitus produz (enquanto princípio
gerador de estratégias que permitem fazer face a situações
imprevisíveis, e que, sem cessar, são renovadas) são
determinadas pela antecipação implícita de
suas conseqüências, isto é, pelas condições
de seu princípio de produção, de modo que elas
tendem a reproduzir as estruturas objetivas das quais elas são,
em última análise, o produto.
O
melhor exemplo de disposição é, sem dúvida,
o sentido do jogo. O jogador, tendo interiorizado profundamente
as regularidades de um jogo, faz o que faz no momento em que é
preciso fazê-lo, sem ter a necessidade de colocar explicitamente
como finalidade o que deve fazer.
O
gosto
é uma escolha forçada pelas condições
da existência. O gosto é o operador prático
da transmutação das coisas em sinais distintos e distintivos,
das distribuições contínuas em oposições
descontínuas. O
gosto faz com que as diferenças
inscritas na ordem física dos corpos tenham acesso à
ordem simbólica das distinções significantes.
Habitus
é uma estrutura que organiza as práticas e a percepção
dessas práticas, portanto serve como forma de classificar
indivíduos.
Os
bens de luxo são os mais predispostos a exprimir diferenças
sociais, pois, neles, as relações de distinção
estão inscritas mais objetivamente.
Há
duas formas de ostentação da liberdade: acréscimo
de exigências e acréscimo de novas regras de consumo.
Uma
competência de consumo só tem valor quando existir
um mercado para ela.2
A
diferença maior entre um campo e um jogo é que o campo
é um jogo no qual as regras do jogo estão elas próprias
em jogo.
Todo
campo tem seus dominantes e seus dominados, seus conservadores e
sua vanguarda, suas lutas subversivas e seus mecanismos de reprodução.
A
determinado volume de capital herdado corresponde um feixe de trajetórias
praticamente equiprováveis que levam a posições
praticamente equivalentes – trata-se do campo dos possíveis
oferecido objetivamente a determinado agente; e a passagem de uma
trajetória para outra depende, muitas vezes, de acontecimentos
coletivos (guerras, crises etc.) ou individuais (encontros, ligações
amorosas, privilégios etc.) descritos, comumente, como acasos
(felizes ou infelizes), apesar de dependerem, por sua vez, estatisticamente,
da posição e das disposições de aqueles
que vivenciam tais eventos.
Há
uma dialética que se estabelece no decorrer de uma vida,
entre as disposições e as posições,
entre as aspirações e as realizações.
A
confirmação mais indiscutível do sentido imediato
das compatibilidades e das incompatibilidades sociais é,
sem dúvida, a endogamia de classe ou, até mesmo, de
fração de classe. A estrutura dos circuitos de trocas
matrimoniais tende a reproduzir a estrutura do espaço social.
A
adaptação a uma posição dominada implica
uma forma de aceitação da dominação.3
A
força do pré-construído está em que,
achando-se inscrito ao mesmo tempo nas coisas e nos cérebros,
se apresenta com as aparências da evidência, que passa
despercebida porque é perfeitamente natural.
A
televisão tem um monopólio de fato sobre o que acontece
na cabeça de uma parte significativa da população
e o que ela pensa.
O
papel da Sociologia, a partir de todas as ciências, é
revelar o que está oculto.
Se
as mulheres, submetidas a um trabalho de socialização
que tende a diminuí-las, a negá-las, fazem a aprendizagem
das virtudes negativas da abnegação, da resignação
e do silêncio, os homens também estão prisioneiros
e, sem se aperceberem, vítimas, da representação
dominante. Tal como as disposições à submissão,
as que levam a reivindicar e a exercer a dominação
não estão inscritas em a Natureza e têm que
ser construídas ao longo de todo um trabalho de socialização,
isto é, de diferenciação ativa em relação
ao sexo oposto. Ser homem, no sentido de vir, implica o dever-ser,
uma virtus, que se impõe sob a forma do “evidente por
si mesma”, sem discussão.
As
pressões econômicas fazem da televisão um formidável
instrumento de manutenção da ordem simbólica.
A
televisão tem uma espécie de monopólio de fato
sobre a formação das cabeças de uma parcela
muito importante da população. Ao insistir nas variedades,
preenchendo esse tempo raro com o vazio, com (quase) nada, afastam-se
as informações pertinentes que
o cidadão deveria possuir,
para exercer seus direitos democráticos.
A
violência simbólica é uma violência que
se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também,
com freqüência, dos que a exercem, na medida em que uns
e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la.
Disposições
incessantemente reforçadas pela própria temporalidade
da prática jornalística que, obrigando a viver e a
pensar no dia-a-dia e a valorizar uma informação em
função de sua atualidade (é o ‘viciado
em atualidades’ dos jornais televisivos), favorece uma espécie
de amnésia permanente, que é o avesso negativo da
exaltação da novidade e também uma propensão
a julgar os produtores e os produtos segundo a oposição
entre o 'novo' e o 'ultrapassado'.
A
concorrência, longe de ser automaticamente geradora de originalidade
e de diversidade, tende, muitas vezes, a favorecer a uniformidade
da oferta.
O
Estado foi a maior criação político-social
do ser humano, aperfeiçoada gradualmente ao longo de milênios
e, em seguida, modificada aos poucos, conforme as mutáveis
instâncias demográficas, militares, econômicas,
geográficas e culturais.
Mundo
Social =
Campo +
Habitus
+
Capital.
Meios
de Comunicação = Dominados pela lógica do comércio
e produtores lixo cultural em larga escala.
O
poder simbólico, na maioria das sociedades, é distinto
do poder político ou econômico, estando concentrado
nas mãos das mesmas pessoas que detêm o controle dos
grandes grupos de comunicação, e que controlam o conjunto
dos instrumentos de produção e de difusão dos
bens culturais.
Observação:
Pierre
Félix Bourdieu (Denguin, França, 1º de agosto
de 1930 – Paris, França, 23 de janeiro de 2002) foi
um sociólogo francês. De
origem campesina, filósofo de formação, foi
docente na École de Sociologie du Collège de France.
Desenvolveu, ao longo de sua vida, diversos trabalhos abordando
a questão da dominação, e é um dos autores
mais lidos, em todo o mundo, nos campos da Antropologia e da Sociologia,
cuja contribuição alcança as mais variadas
áreas do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas
como educação, cultura, literatura, arte, mídia,
lingüística e política. Também escreveu
muito sobre a Sociologia da Sociologia. A sociedade cabila, na Argélia,
foi o palco de suas primeiras pesquisas. Seu primeiro livro, Sociologia
da Argélia (1958), discute a organização
social da sociedade cabila, e em particular, como o sistema colonial
interferiu na sociedade cabila, em suas estruturas e desculturação.
Dirigiu, por muitos anos, a revista Actes de la Recherche en
Sciences Sociales e presidiu o CISIA (Comitê Internacional
de Apoio aos Intelectuais Argelinos), sempre se posicionado claramente
contra o Liberalismo e a globalização. O
mundo social, para Bourdieu, deve ser compreendido à luz
de três conceitos fundamentais: campo, habitus e
Capital. Foi consagrado como Doutor Honoris Hausa das Universidades
Livre de Berlim (1989), Johann-Wolfgang-Goethe de Frankfurt (1996)
e de Atenas (1996).
______
Notas:
1. A
hexis corporal é uma maneira prática de experimentar
e de exprimir o sentido que se tem do próprio valor social.
A relação mantida com o mundo social e o nosso lugar
atribuído a esse mundo nunca são declarados tão
bem quanto através do espaço e do tempo... pela maneira,
segura ou agressiva, desenvolta ou inconsciente, de se apropriar
deste tempo.
2. Um exemplo
disto é o caso dos toxicodependentes, que, geralmente, não
sabem ou não dão a menor pelota, mas, ao comprarem
uma trouxinha de maconha ou um papelote de cocaína estão,
no mínimo, fomentando a violência e o tráfico
de armas. Neste caso, o carma é duplo, triplo, quádruplo...
O carma não deriva apenas das conseqüências, mas,
também da conseqüencialidade das conseqüências.
Precisamos ter em conta que um ato prejudicial (ou proveitoso) qualquer
não afeta apenas uma pessoa (ou uma situação/condição
estabelecida), mas, várias. Isto é denominado de efeito
dominó, efeito em cascata ou efeito em cadeia. É por
isto que as retribuições, às vezes, demoram
milênios para serem integralmente compensadas. E vai doendo!
E vai sangrando! Por outro lado, é por isto também
que sou francamente favorável à descriminalização
das drogas (que já está acontecendo em diversas partes
do mundo). Todas elas, leves ou pesadas. E isto nada tem a ver com
levantar bandeiras revolucionárias e/ou libertárias;
é uma obviedade salutífera que só não
enxerga quem não quer. Medidas repressivas e autoritárias
(ou totalitárias), para o que quer que seja, não adiantam,
nunca adiantaram e jamais adiantarão bulhufas. Mutatis
mutandis, isto vale para o dito terrorismo também.
Na verdade, vale para tudo. A incompreensão não será
jamais mitigada, resolvida ou sanada na porrada – que só
produz traumas psicológicos. Além disto, a porrada
é a mãe da indignação, da insubmissão
e da retaliação. Enfim, por exemplo, combater o Estado
Islâmico com canhões, bombas e veículos aéreos
não-tripulados (VANT) ou veículos aéreos remotamente
pilotados (VARP), mais conhecidos como drones, não porá
fim à insurgência islâmica. Acaba-se com um grupo
aqui, e, a toda a pressa, nasce outro ali. Como sói acontecer.
Efeito
Dominó, Efeito em Cascata ou Efeito em Cadeia
3.
Isto é claro. Quem não topa ser colonizado não
é colonizado de jeito nenhum. A coisa toda é como
disse o escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta,
jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português
José de Sousa Saramago (Golegã, Azinhaga, 16 de novembro
de 1922 – Tías, Lanzarote, 18 de junho de 2010): Aprendi
a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer
é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização
do outro.