Rodolfo Domenico pizzinga

 

 

O Poeta

 

 

 

 

 

Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-mestre dos Templários, e combater, sempre em toda a parte, os seus três assassinos — a ignorância, o fanatismo e a tirania. * *


Fernando Pessoa


 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

presente trabalho objetiva estudar o que se poderia denominar de o lado oculto de Fernando Pessoa, que não deve ser esquecido ou desprezado se se desejar apreciar em profundidade o pensamento que seu espírito faminto devassou. Desde o início de sua vida intelectual, inclinou-se Pessoa a especular sobre os segredos e os enigmas do além, vasculhando do Espiritismo à Teosofia, procurando desvendar os mistérios insondáveis do ocultismo e da KaBaLa, insondáveis e de difícil acesso para um não-iniciado convicto e declarado(?!), como ele sempre fez questão de anunciar. Terá sido mesmo assim?

 

Em tudo isso, sua meta não foi outra senão, nos meandros das doutrinas esotéricas, encontrar a mensagem sublime do Deus do seu Coração e a explicação para a Vida — e para a sua vida — como ser vivente deste Plano integrado na sociedade. Apesar de não-iniciado, acabou por (re)conhecer a Iniciação. E, com ela, o sofrimento e a alegria — sofrimento pela descoberta da própria ignorância; alegria pelo novo saber adquirido ou recordado — que o processo iniciático oferece ao buscador.

 

 

 

 

PARA TENTAR COMPREENDER
FERNANDO PESSOA

 

 


Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) é considerado ... a mais importante personalidade das tendências pós-simbolistas portuguesas[1], tendo acabado por se tornar um dos mais imitados poetas contemporâneos. Imitado naquilo que dele seus imitadores presumem saber, mas que nunca pôde, pode ou poderá ser sabido meramente pela leitura! Biógrafos despreparados e historiadores mal informados têm questionado a respeito da sinceridade, pluralidade ou unidade de sua vasta obra, em função dos diversos heterônimos que utilizou, fingindo(?!) indivíduos dele independentes, aparentando cada um possuir características alheias à sua vontade, quer na substância, quer nos meios expressivos, e com biografias particulares criadas pelo Autor. Entre tantos, sobressaem Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, e constituem uma parte da estrutura psíquica da personalidade pessoana.

 

Saraiva e Lopes[2] procuram explicar que ... cada heterônimo corresponde a um ciclo de atitudes como que experimentais, e tentam ensinar:

O heterônimo Alberto Caeiro reage em verso prosaicamente livre contra o transcendentalismo saudosista, mostrando que 'o único sentido oculto das coisas/É elas não terem sentido oculto nenhum', e contra o farisaísmo, então concorrentemente jacobino e devoto, da poesia compassiva sentimental. O heterônimo Ricardo Reis exprime contra as concepções ocamente abstractas de sobrevivência postmortem ou de progresso humano ... O heterônimo Álvaro de Campos ... prega nas odes em verso livre entusiástico, ... a sabedoria ‘futurista’ da sem-razão, da energia bruta, da vida jogada por aposta. (sic).

 

Quanto às incursões de Pessoa no campo do ocultismo, os mesmos historiadores entendem que o poeta-filóShOPho (de ShOPhIa) representa uma simulação sincera (que absolutamente não concordo) como forma de negação do Positivismo e de outras filosofias autodenominadas progressistas e científicas. Concluem: ... a metafísica, o absoluto transcendente aos homens, em Pessoa, parece quase sempre algo de residual que só se desprende das suas poesias (e ensaios) pelo fato de elas ficarem imprecisas quanto a qualquer perspectiva ou projeto histórico humano.[3]

 

Representam o sentido do mistério em Pessoa (com isto concordo, ainda que o mistério possa e deva ser conhecido) como uma sombra projetada pela luz pensante, ou seja: ... o sentido do mistério é, em Pessoa, quase inteiramente movediço, dialético, alternando, se não coexistindo, com a própria lucidez; é a sombra inevitável projetada pela própria luz pensante.[4]

 

Em Pessoa, o mundo interior não é mais nem menos oculto do que o exterior, uma vez que se constitui de resíduos inebriantes dos pensamentos, da palavra, e da ação. A verdade é sempre inacabada, mutável, ultrapassável. Pessoa tinha consciência de que a verdade não pode ser percebida em sua integralidade, ou seja, é sempre relativa. Em sua obra, o centro é o ideal (intuído, mas movente e mutável); não é o real. A Atualidade não é a realidade da existência. Misticamente, como acabei de afirmar, isto equivale à compreensão de que todas as verdades são relativas, e de que o Plano Objetivo é ilusório. Coelho compara Fernando Pessoa a Nicolau Copérnico (1473-1543), e faz a seguinte digressão sobre a Estética na obra do escritor:

 

A Estética terá como centro não já o real mas o ideal. Por isso, há tantos universos quantos os sistemas de universos resultantes das diversas construções mentais. O erro é igual à verdade; tudo se justifica pelo fato de ser. Qualquer coisa é pensada, logo existe, pois não poderia ser pensada se não existisse, ainda que apenas mentalmente, mas, de qualquer modo, existindo. A contradição está no cerne tanto do real, como do irreal. [Haverá irreal?] A afirmação e a negação, o ser e o nada, o real e o irreal, o objetivo e o subjetivo, a verdade e o erro, a certeza e a incerteza, a ilusão e a desilusão, a alegria e a dor, a esperança e o desespero, a virtude e o vício, o determinismo e a liberdade, coexistem, sucedem-se, fundem-se, como que num movimento dialético de tese, antítese e síntese, conforme a exigência do momento e do lugar.[5]

 

Acreditando que todas as filosofias contêm uma parcela de verdade (da Verdade), Pessoa declara-se cristão gnóstico e ... inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas[6], mas manifestando-se ... fiel ... à tradição secreta em IsraelKaBaLa] e com a essência oculta da Maçonaria[7], todavia, insistindo em dizer não pertencer a qualquer ordem iniciática. Isto justifica, ou pelo menos explica, porque na obra pessoana, aparentemente, não há uma unificação metafísica de suas idéias filosóficas, mas, ao contrário, parece existir um ecletismo que não se preocupa com a verdade. Com as verdades acreditadas pelos homens. As causas originantes, provavelmente, segundo Coelho, só poderão ser explicadas por uma conjugação de vários estudos – psicológico, estético, literário, sociológico, filosófico e religioso. Mas, propõe alguns pontos para ponderação que não podem ser esquecidos ou omitidos na análise dessa questão:


A profundidade e a sagacidade de uma inteligência ávida de tudo saber, sem uma força interior que lhe desse coesão, pela sua histerianeurastenia [não compreendo esta afirmação]; a legião de correntes literárias feitas; o autodidatismo; a consideração da Filosofia e de outras ciências como virtuais [e são virtuais]; o ambiente positivista, criticista, cepticista em que vivia, programado socialmente num republicanismo desenfreado de orientações instáveis e indefinidas; a grandeza misteriosa do Homem e do Universo que ultrapassa infinitamente as capacidades do intelecto humano, e, portanto susceptível de várias interpretações [várias interpretações porque não há LLuz nas interpretações]; a falta de um Ser Uno e Amigo que fosse polarizador da sua vida e obra, de que o distraiu [distraiu?] o tão vago e diáfano ‘unknown’ do ocultismo.[8] (sic). [Unknown para os que are ignorant of...]

 

Por tudo isso, tenho que admitir, a obra pessoana é extremamente inacessível ao grande público, justificando, inclusive, a multiplicidade de teses levantadas pelos seus biógrafos e comentadores. Mas, a diligência de Fernando Pessoa mereceu de Coelho[9] a aplicação do verso de Terêncio: Homo sum; humani nihil a me alienum puto. (Sou homem; nada do que é humano me é alheio). Talvez se pudesse dizer, com possibilidade mínima de errar, que o mais nobre, o mais sagrado em seus sentimentos, seja sua tentativa de humanizar o homem, preocupando-se constantemente em influenciá-lo na linha da civilização e da reflexão. E, na idealização/realização de sua missão sacral, acaba por conscientemente sacrificar a si e a Ophélia – menina amada que conhecera em um dos escritórios da Félix Valadas & Freitas – pois o amor carnal não podia obstaculizá-lo nem impedi-lo em sua criação de transmissor e de gênio.[10] Se foi uma decisão difícil, a resposta morreu com ele. Mas, deve ter sido dificílima! Pelo menos, nos primeiros tempos. A foto, reproduzida abaixo, mostra o Poeta no Abel Pereira da Fonseca em 1929. Segundo António Quadros, esta foi a fotografia que Pessoa mandou à Ophélia com a dedicatória em Flagrante Delitro, e que deu azo ao reinício do namoro. Mas, depois de idas e vindas, Pessoa terminou seu tempo–ciclo sozinho. Não poderia ser diferente! A segunda foto mostra Ophélia na época do namoro com Pessoa.

 

 

Fernando Pessoa
Ophélia Queiroz
O Poeta
Ophélia Queiroz


 

 

 

 

COMENTÁRIOS (INCERTOS!)
DE EXCERTOS PESSOANOS

 

 


Começa-se por justificar o título escolhido acima para se dar prosseguimento ao estudo da obra pessoana no campo do oculto. Mas... Qual o tempo necessário para se ter segurança na abordagem deste tema? Cinqüenta e sete anos serão suficientes? Acredita-se que nem uma nem mil vidas dariam conta de tudo. Assim, as restrições impostas pela complexidade do tema, as limitações do pesquisador e a inexistência de uma explícita manifestação metafísico-místico-iniciática no pensamento de Fernando Pessoa produzem a fermentação propícia para se chegar a lugar nenhum. Aliada a tudo isso, há a própria confissão do poeta-filósofo: não pertenço a ordem iniciática nenhuma[11], condição impeditiva, presume-se, de acesso aos documentos originais de qualquer fraternidade ou ordem esotérica, secreta, espiritual ou mística (se existirem tais documentos!). Se negou, teve seus motivos. Se não era formalmente iniciado em uma ordem autêntica, não importa. Importa o homem: importa mais a obra. Importa muito mais o que hoje dela se extrai. Por isso, o título deste item: Comentários (Incertos!) de Excertos Pessoanos. Não quer dizer, com isso, que não se teve o cuidado de tentar levantar o véu da obscuridade, nem de procurar encontrar o fio condutor de uma parte da vida e do pensamento de Pessoa. Mas, desde já, adverte-se: a pesquisa está incompleta, e merece, por quem é apaixonado pelo assunto, penetrar mais fundo no tema, que, além de inesgotável, oferece múltiplas abordagens. Acresce a tudo isso que o que podem ter sido as verdades (relativas) para Pessoa podem não ser obrigatoriamente as verdades (relativas) do pesquisador. E, ainda que coincidam aqui e ali, provavelmente, não farão jus às fontes que o Poeta utilizou e, ainda, contraditoriamente, por não serem originais(?!), podem não ser fidedignas. Meras especulações. Tudo é mistério na vida deste Português. Mas, todos podem escrever tudo a respeito de tudo: a Ordem Cósmica não será jamais alterada. É com esse pensamento, cheio de sinceridade, que se abre o portal para o mundo oculto de Fernando Pessoa. Pelo menos, procurar-se-á ser digno de suas intenções, intenções que foram de um Português Puro. Eu acredito nisso. Seus delitros não contam nada.

 

 

 

 

EQUILÍBRIO DOS POVOS

 

 


Ao escrever sobre a Idealidade Judaica e a Desintegração Cristã, prefácio ao livro de poemas Alma Errante, de Eliezer Kamanezky (Lisboa, 1932), Pessoa oferece, preliminarmente, uma explicação interessante a respeito do equilíbrio da vida psíquica dos povos. Isso ocorre, segundo o Poeta, ... pela coexistência automática de qualidades opostas[12]. Se em uma fase um povo é bestial e materialista, em outra tenderá para o misticismo. A vida é como um pêndulo de um relógio; se oscila em um sentido, requer oscilação semelhante no sentido inverso. O(s) próprio(s) Universo(s) funciona(m) meio que desta maneira. Assim, as qualidades opostas participam da mesma oscilação, o que impõe ao materialismo o misticismo para se lhe contrapor. Exemplifica o nosso Pensador, recordando: A Idade Média, bárbara e ansiosa, era intensa e brutal na sua vida de matéria e sentidos, e era intensa e brutal na vida do seu misticismo maníaco. O povo [inglês] foi sempre claramente ativo e prático; é, contudo, o povo que deu ao mundo a poesia lírica mais etérea e sutil[13].

 

Entendeu Pessoa que, apesar desses elementos opostos aparecerem algumas vezes em um único indivíduo, trata-se de uma exceção, pois é na raça (etnia) ou na nação que se verifica o equilíbrio. O Poeta, smj, não emitiu uma opinião definitiva e explícita a respeito do caminho que a Humanidade seguirá ou alcançará. Mas, pelos exemplos oferecidos, e ao se voltar bem mais no tempo, pode-se facilmente aduzir que o período de oscilação tende a diminuir (para depois tornar a aumentar), e que a Humanidade propende para a harmonia, não estática, mas dinâmica, entretanto sem as diferenças abismais referidas por Pessoa. Tudo é cíclico. De entropia em entropia (2ª Lei da Termodinâmica — em qualquer processo espontâneo aumenta a desordem: dS = dQ/T) tudo caminha assintoticamente para a Neguentropia, estado em que a dupla polaridade encontra-se em permanente equilíbrio. No Plano Terra prevalece a ilusão do desequilíbrio. Mas, a desorganização lentamente é vencida pela organização em um Plano Superior. Contudo, é preciso, como disse Goethe, peregrinar em direção a Mais LLuz, Mehr Licht! Oro permanentemente por isso.

 

O que se pode inferir, preliminarmente, dessa tentativa de compreensão, é que, apesar de não-iniciado, como ele próprio declarou, possuía um particular conhecimento hermético, obtido através das vastas leituras a que se entregou, de que em a Natureza, segundo os ocultistas, tudo possui caráter dual, e que as contradições que se observam nas manifestações exteriores são produtos de uma acomodação progressiva do próprio Universo, no momento em expansão (mânvântâra). Tal dualidade permite que se compreenda, por exemplo, que o mal e o bem não existem (e existem!) como mal ou como bem, mas sim como manifestações de um único tronco comum. As ilusões do Plano Terra! Menor harmonia, mal(?!); maior harmonia, bem(?!). Esta dualidade, Pessoa percebeu intuitivamente, quando, didaticamente, utilizou o pêndulo para tentar explicar a oscilação da vida. Em uma extremidade o mal, a dor, a desarmonia (entropia); em outra, o bem, a paz, a harmonia (neguentropia). Mas, é preciso estar alerta, pois a autêntica neguentropia jamais poderá ser alcançada neste Plano, e, nem mesmo, poderá ser definitiva. Poderemos, isto sim, realizar uma imagem desta condição. Apenas isso.

 

 

 

 

 

MUNDOS SUPERIORES
E CAMINHO PARA O OCULTO

 

 

 


Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade...[14] Este é um trecho de uma carta escrita em 13 de janeiro de 1935, ano da Grande Iniciação do Poeta. Nesta carta, Pessoa confessa-se um crente. Crê em Deus como Ente Supremo Criador do Universo, mas não acredita na comunicação direta com esse mesmo Deus. Mas declara crer, segundo a harmonia espiritual de cada um — a que Pessoa denominou afinação espiritual — na possibilidade de comunicação... com seres cada vez mais altos[15]. Por isto, após pesquisas intermináveis, afirmou nessa correspondência que manteve com o destinatário (A. C. M.) que acreditava em três caminhos para o oculto: o CAMINHO MÁGICO, o CAMINHO MÍSTICO e o CAMINHO ALQUÍMICO.

 

O CAMINHO MÁGICO, onde inclui as práticas espíritas no nível da bruxaria, é, para Pessoa, uma via extremamente perigosa. O CAMINHO MÍSTICO é para o Poeta... incerto e lento[16], mas não oferece perigos. O CAMINHO ALQUÍMICO é, no entender de Pessoa, o CAMINHO. Sobre ele diz: [É] o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a ‘prepara’, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm[17].

 

Neste particular, é preciso examinar com cautela as definições alcançadas por Pessoa, quanto às três vias por ele indicadas. Por isso, discorda-se por ter o Poeta desvinculado a VIA MÍSTICA da VIA ALQUÍMICA, que caminham paralelamente, ou seja, são uma só. Alquimia, bem entendido, transcendental.

 

Preliminarmente, precisa-se determinar o que se pretende com o termo oculto. Oculto será o secreto? Será a Magia (branca ou negra)? Poderá incluir a Teurgia? Ou oculta e sagrada deverá ser a busca do Deus interior, o Deus de cada Coração, o Mestre que podemos e devemos construir? Nesta carta, Pessoa não explica. Mas se se admitir que o oculto, para Pessoa, seja a busca de um estado elevado de consciência — um estado em que a afinação espiritual, à qual se referiu, permita uma acuidade da consciência — faltou incluir entre os caminhos do oculto a via religiosa ou devocional. Nada indica que deva ser excluída, desde que praticada misticamente. Há mesmo uma Igreja Secreta e Universal... à qual fez referência Karl Von Eckartshausen (1752-1803), cujo TRÍPLICE SUMO SACERDOTE foi e continua sendo o CRISTO CÓSMICO. Não como ente individualizado, como equivocadamente se possa presumir.

 

Por outro lado, conforme já se aludiu acima, a VIA MÍSTICA é fundamentalmente Alquímica. Misticismo e Alquimia são uma só e única coisa. A meta do Iniciado (e por não ter sido um Iniciado, repetindo suas próprias palavras, Pessoa, talvez, não tenha compreendido o exato sentido da coisa, ou entendeu e permaneceu silente, o que parece ser mais provável) é a Transmutação Interior. O Iniciado deseja transmutar todo o seu ser em puro Ouro, para ser digno de se (re)encontrar e de se (re)conciliar com o D’US de sua compreensão, como o D’US do seu Coração. Este é o CAMINHO MÍSTICO-ALQUÍMICO da construção do Mestre Interior Perpétuo. Nisso se constitui, basicamente, o trabalho do Iniciado, qualquer que seja a fraternidade à qual pertença, pois todas perseguem uma única meta: a Regeneração do Homem para a Vida Consciente. Assim operam (e operaram) as Fraternidades conhecidas de Pessoa: a Maçonaria, a Teosofia, a Ordem do Templo, a Ordem Martinista e a Ordem Rosacruz.

 

Finalmente, cabe acrescentar que o resultado obtido pela dedicação ao trabalho iniciático inclui a minimização das disparidades advindas das qualidades opostas nos indivíduos e nas nações às quais aludiu Pessoa. Não se podem pôr de lado, por isso, os resultados que se observam do trabalho coordenado levado a cabo pelas diversas religiões. Salienta-se, inclusive, que qualquer pensamento de preponderância, sinônimo de intolerância, não é próprio ou digno de um verdadeiro Iniciado. Essa explicação foi necessária pelo fato de Pessoa ter omitido o CAMINHO RELIGIOSO como opção de desenvolvimento interior. Agora, se pensou em certas barbaridades cometidas por determinadas confrarias... Aí é outro caso. Não há quem possa discordar. Criador, milagre, salvação, danação eterna, privilégios hipotéticos, guerras e matanças em nome de deus etc. não aceitamos, nem Pessoa, nem eu, nem nenhum Iniciado.

 

Por último, fazendo-se justiça a Pessoa, deve-se admitir que não é necessário pertencer a ordem iniciática alguma, nem a qualquer religião estabelecida, para se manter um razoável nível de comunicação com seres cada vez mais altos, como propôs o Filósofo. Ele próprio foi um exemplo disso, assunto que se desenvolverá nas Considerações Finais desta monografia. Todavia, esta comunicação com seres cada vez mais altos não acontecerá simplesmente pela vontade individual. Antes, muito deverá ser elaborado e trabalhado pelo próprio postulante. Antes, irredutivelmente, uma Transmutação Alquímica Transcendental deverá ocorrer no interior do próprio estudante. Antes... Durante... Depois...

 

 

 

 


ESPIRITISMO E TEOSOFIA

 

 

 


Uma das maiores crises existenciais pelas quais passou Fernando Pessoa foi quando tomou conhecimento da existência da Doutrina Teosófica, materializada para a Humanidade por Helena Petrovna Blavatsky (1831 - 1891). Há muito sentira coisas semelhantes ao ler um livro inglês sob o título Ritos e os Mistérios dos Rosa-Cruzes. Eis o relato de Pessoa sobre as sensações que a Teosofia lhe causou: A Teosofia apavora-me pelo seu mistério e pelas suas grandezas ocultistas, repugna-me pelo seu humanitarismo e ‘apostolismo’... essenciais; atrai-me por se parecer tanto com um ‘paganismo transcendental’ (é este o nome que eu dou ao modo de pensar a que havia chegado); repugna-me por se parecer tanto com o Cristianismo [talvez, tenha querido se referir ao Catolicismo], que não admito. É o horror e a atração do abismo realizados no além-alma. Um pavor metafísico![18]

 

Mas, possivelmente, o mais acertado em Pessoa, o que está mais conforme à tradição esotérica, aparece nos inconvenientes enumerados pelo sensitivo (a esta altura já estou convicto de que Pessoa era um sensitivo extraordinário) das denominadas comunicações com os espíritos ou comunicações espirituais. Entretanto, o Poeta condena as comunicações espíritas supracitadas — como a própria Teosofia o faz e qualquer ordem iniciática autêntica, quando tais comunicações são implementadas pelas formas e com as finalidades que são geralmente e publicamente conhecidas — não baseado na intolerância, mas no conhecimento hermético e científico que adquiriu, provavelmente, ao traduzir livros de teosofistas famosos como C. W. Leadbeater, Anie Besant e outros. Sobre os inconvenientes das comunicações espíritas, divide-os em duas categorias: para as entidades que fazem a comunicação e para aqueles que servem de canal para a mensagem e circunstantes. Escreveu Pessoa:


Para as entidades que comunicam: intensificação das suas paixões e desejos inferiores pelo fato de voltarem a sua atenção para a vida terrestre, atraso na sua evolução espiritual, e muitas vezes o doloroso despertar de lindos sonhos em que a entidade está mergulhada. Para o médium e circunstantes: diminuição da vitalidade, desorganização orgânica, perturbações no funcionamento do sistema nervoso cardiovascular, nas funções psíquicas e finalmente a loucura.[19]

 


Não se veja aqui qualquer incoerência nas declarações acima com sua convicção na possibilidade de comunicação... com seres cada vez mais altos, conforme se aludiu anteriormente. Tudo perfeitamente coerente. Explicando: O que Pessoa advertiu — e está rigorosamente de acordo com a tradição iniciática — é para o perigo de, no campo do esoterismo, tocar-se piano de ouvido. Há, em realidade, es(x)oterismo e ESOTERISMO. Aqueles que, com intenções nobres ou não, se entregam a práticas de comunicação com os que já ultrapassaram este Plano estão a correr os riscos enumerados pelo Poeta. Aliás, todos os grandes ocultistas advertiram para esses perigos. Mesmo aqueles que se entregaram às práticas teúrgicas, delas acabaram se afastando. Materializações, por exemplo, podem ser sedutoras (para os incautos), mas são arriscadíssimas! Outros riscos, de maior gravidade, podem ser adicionados, podendo, em casos extremos, provocar transição prematura (morte súbita). Quanto ao espírito que se comunica, ainda se considerando as condições em tela, a experiência pode ser dolorosa e detrimental à sua própria situação no plano em que se encontra. Na verdade, reduzir esse tema a uma única possibilidade é o erro mais comum. Por isso, a advertência de Pessoa é irreparável. Os que passaram pela transição (quando é o caso, pois, na maioria das vezes, acontece um outro tipo de fenômeno) devem seguir seus caminhos. Os vivos devem cuidar dos vivos. Melhor, cuidar de seu próprio aprimoramento espiritual, que se faz, inquestionavelmente, obrigatoriamente e impostergavelmente aqui nesse Plano de Manifestação. Em outras palavras: no Plano Terra. No Plano da Concretização.

 

Por outro lado, sobrevém a questão das comunicações desejáveis, positivas, educativas e, por assim dizer, verdadeiramente MÍSTICAS e ESOTÉRICAS. Para estas, é preciso uma longa preparação e/ou um estado de espiritualidade tal, nos quais sejam evitados os inconvenientes a que aludiu Pessoa. A bem da verdade, as entidades ascensionadas dos Planos Superiores não andam se comunicando à bangu. É verdade e verdadeiro que o MESTRE só se apresentará e se comunicará se e quando o postulante estiver preparado e pronto. Antes, nunca. Esta decisão não cabe ao estudante. Isto pode demorar encarnações... Mas, mais correto — o CORRETO — é a construção permanente deste Mestre Interior, que, se for edificado em conformidade com a LLUZ ETERNA, não será jamais devorado. Como afirma, com conhecimento pleno deste assunto, Meu Irmão Vicente Velado, FRC e Abade da Ordo Svmmvm Bonvm, a construção do Mestre Interior é processo sagrado, lento, gradual e sistemático, que exige do construtor não só perseverança infinita, como certeza absoluta e inabalável de saber exatamente o que está fazendo e com que finalidade. É um processo alquímico-transpositor sob controle e que exige nada mais nada menos que o domínio da vida. Na verdade, quando o estudante está pronto ele constrói o Mestre... Para ler e meditar sobre uma coletânea de textos (Ensaios no Portal da Nova Era) do Autor mencionado visite o Website:

http://www.maat-order.org/
ensanera/indice.htm

 

A vida virtuosa, a alimentação higienista, a meditação permanente, os exercícios espirituais são alguns poucos pré-requisitos para se cruzar o umbral da VERDADEIRA INICIAÇÃO, que pode se dar no seio de uma ordem iniciática autêntica ou não. Tradicionalmente, as ordens iniciáticas é que estão em poder dos conhecimentos esotéricos, ocultos e místicos, e se constituem na melhor possibilidade para trilhar A SENDA DA INICIAÇÃO sem desdobramentos desagradáveis, espúrios e detrimentais. Uma dessas Fraternidades é a Ordem Rosacruz — AMORC. Nada impede, entretanto, repete-se, que o conhecimento possa vir espontaneamente. Ou pelo menos fragmentos dele. Foi, possivelmente, o que aconteceu com Fernando Pessoa. Ou será que houve uma VIA...? Tudo é mistério na vida deste Grande Poeta.

 

 

 

 

FERNANDO PESSOA, MÉDIUM!

 

 

 


Em carta de 24 de abril de 1916, Pessoa escreve ao destinatário: Aí por fins de março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas seções semi-espíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática [psicografia].[20]

 

Provavelmente, tais sessões realizaram-se antes de o Poeta ter traduzido os livros de Teosofia dos autores mencionados. Mas, o fato é que a primeira comunicação de Pessoa foi com seu tio Manoel Gaudêncio da Cunha[21]. Na carta, afirma que às vezes psicografava voluntariamente, às vezes obrigado. Recebia respostas com números e havia geralmente uma tendência para desenhar. Não são desenhos de coisas, mas de sinais cabalísticos, maçônicos, símbolos do ocultismo e coisas assim que me perturbam um pouco.[22]

 

Sua mediunidade, segundo suas próprias palavras, não se encerra aqui. Escreve que sentiu uma profunda depressão vinda do exterior quando, em Paris, Mario de Sá-Carneiro atravessava a grande crise mental que o levaria ao suicídio. Abaixo está reproduzido o retrato do Poeta Sá Carneiro.

 

 

Mario de Sá-Carneiro

 

 

Acho que não será considerado inconveniente desviar brevemente do tema, para transcrever o poema Lítio de um ser humano, uma irmã, que sofre de Transtorno Bipolar (TB). Esta é uma doença insidiosa que, ao lado da Agorafobia, pode, lamentavelmente, levar o doente ao suicídio. Muitas vezes, o paciente não percebe de imediato que é portador desta terrível enfermidade. Portanto, é absolutamente necessário que familiares e amigos estejam bem informados e saibam reconhecer alguns dos sintomas do TB, para poderem encaminhar o paciente a um tratamento adequado. Grandes homens da história e das artes sofriam de TB, como, por exemplo, Edgar Allan Poe, Van Gogh, Schuman e Churchill. Contudo, o TB não deve ser confundido com as alterações de humor motivadas pelas inevitáveis dificuldades episódicas que ocorrem com todos nós, pois estas são momentâneas e tendem a desaparecer quando tais dificuldades são compreendidas e/ou solucionadas.

A autora do poema-lamento abaixo é a portuguesa Andreia Casimiro.

 

Bem e Mal,
Inconstância do meu ser!
Por que não me consigo controlar?
Onde paira esse saber?
Lítio, vem me controlar.


*


A ânsia de viver e o desejo de morrer,
Rir e chorar sem motivos pró fazer!

 

 

Voltando ao nosso Poeta (teria Pessoa também sofrido de TB?), eis as experiências singulares que descreveu:


... estou desenvolvendo qualidades... de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam 'visão astral', e também a chamada 'visão etérica'. Há momentos, por exemplo, ... em que vejo a 'aura magnética' de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-se das mãos. Cheguei, num momento feliz de visão etérica, a ver, na Brasileira do Rossio, de manhã, as 'costelas de um indivíduo através do fato e da pele'. Isto é que é a visão etérica no seu pleno grau. [23]

 


Fernando Pessoa declarou que, quanto à visão astral, esta não era tão perfeita. Quando fechava os olhos à noite, via números, sucessão de quadros simbólicos, figuras estranhas, sinais etc. Manifestava, outrossim, o fenômeno da levitação. Afirmou o Poeta: O meu braço direito, ... começa a ser-me levantado no ar sem eu querer. Outras vezes sou feito cair para um lado [como] se estivesse magnetizado etc.[24]

 

Por fim, Pessoa acabou revelando o mais contundente, o que se poderia considerar o mais aclarador de sua sensibilidade e do seu desenvolvimento psíquico (sofrendo ou não de TB), no desabrochar dos seus 28 anos: Há mais curiosidade do que susto, ainda que haja às vezes coisas que metem um certo respeito, como quando, várias vezes, olhando para o espelho, a minha cara desaparece e me surge um fácies de homem de barbas, ou um outro qualquer (são quatro ao todo, os que assim me aparecem).[25]

 

Personalidades secundárias? Talvez, uma possibilidade! Quem sabe uma explicação para seus heterônimos. Mas... Pessoalmente, eu prefiro o Mas...

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


 

 


Fernando Pessoa, homem triste e invulgar segundo os padrões acreditados pela Humanidade, foi daqueles que, não tendo pertencido a ordem ou fraternidade iniciática alguma (segundo seu próprio depoimento) e tendo manifestado enfaticamente oposição a todas as Igrejas organizadas, principalmente à de Roma, conheceu a Iniciação. Disto não tenho qualquer dúvida. Ele mesmo declarou que sabia que suas faculdades psíquicas estavam sendo desenvolvidas e acordadas para um propósito definido por intermédio de um Mestre desconhecido.[26] E sentiu exatamente o que sentem todos aqueles que, em um grau mais ou menos intenso, com maior ou menor amplitude, passaram por esse processo: ... misteriosa sensação de isolamento e abandono que enche de amargura até ao fundo da alma.[27] É a noite em manifestação. A noite negra, a noite tenebrosa, a noite obscura da alma. Santo António (de Lisboa) dissertou primorosamente sobre a NOITE NEGRA, dividindo-a em CONTICÍNIO, MEIA-NOITE e AURORA. Esta NOITE é a dor da crucificação interior, mas que atesta a certeza de que... não há morte.[28]

 

É a amargura da solidão, mas que ensina... que ele mesmo era/a princesa que dormia.[29]

 

É a tristeza pelos descaminhos próprios e de toda a Humanidade, mas que ilumina tranqüilizando:


Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.
[30]

 

É o choro espasmódico do ser fragmentado e mutilado pela necessidade da existência, mas que compreende:

 

Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha Alma!
[31]

 

É a vontade de desistir, de voltar atrás, quando, então, dentro do peito a Voz Silente fala:... Todo o passo é uma cruz.[32] Tudo é verdade e caminho.[33]

 

É quando tudo se afigura desmoronar, parecendo não haver mais qualquer expectativa; a noite caliginosa açoita o homem por inteiro, e os primeiros raios da Aurora trazem um alento de PAZ, de ESPERANÇA e de LUZ. O vazio começa a ser preenchido pela ESPERANÇA e pela PAZ PROFUNDA, e Fernando Pessoa realiza: E súbito encontro Deus.[34]

 

Apesar de, em certa fase de sua vida, ter acreditado que... o monoteísmo é uma religião em decadência e que ... a religião chamada pagã é a mais natural de todas...[35], Fernando Pessoa acabou por encontrar fora dos portais das ordens iniciáticas (terá sido assim mesmo?) o fio da meada para um CAMINHO SUPERIOR. A confirmação está nas próprias experiências por ele narradas. A prova está, de forma mais inquestionável, na revelação espelhar de personalidades (secundárias), ou... Para os Iniciados, configuram-se como experiências inalienáveis do ser em evolução, manifestadas poeticamente no Pensador Português, ao longo de sua vida, provavelmente, nos diversos heterônimos por ele trazidos à luz, para todos, em sua pungente obra. Isto é uma hipótese. A outra... Ele não quis falar. Eu também não devo.

 

Por tudo que foi examinado e que ficou demostrado, não se acredita que Pessoa tenha engendrado qualquer simulação em sua obra, como sugerem Saraiva e Lopes, ou como pensam os distraídos. O homem foi um sensitivo que, por desígnios que ele preferiu ocultar, foi entronizado no ÁTRIO DO TEMPLO INTERIOR E NO PRÓPRIO TEMPLO. Eu não digo 'tudo', porque nem tudo se pode dizer[36]. Palavras de um sábio, que sabe que quem sabe deve calar; fala aquele que nada sabe. Pessoa falou o que podia. Calou no que devia. E eu acabei escrevendo demais. Ou de menos? Emoção...

 

Mas, para Quem quere passar além do Bojador, como deixou escrito Pessoa em Mar Português, Tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,/Mas nelle é que espelhou o céu. (sic).

 

 

 

 

 

UM FATO POUCO CONHECIDO

 

 

 



Não sei se cometerei uma inconfidência no que vou relatar. Acho que não. Mas a inteligência amiga que me passou a informação (pediu-me sigilo na época, pois, se o episódio fosse tornado público, temia que pudesse provocar uma comoção em Portugal) é INCONTESTAVELMENTE CONFIÁVEL, e esteve presente no momento do ocorrido. Não revelarei seu nome, apesar de já ter passado pela transição. Acredito que, agora, não ocorrerão desatinos. Os tempos são outros. Ao ser aberto o caixão mortuário do Poeta, no qüinquagésimo aniversário de sua morte, o corpo estava intacto, incorruptível e inalterável. Parecia que Fernando estava dormindo. Este é o relato. Não acho que deva fazer comentários sobre o mesmo. Talvez, um dia, eu escreva um artigo sobre este tema. Lembro, apenas, por exemplo, que Santa Bernadete e São Vicente de Paulo, até hoje, têm seus corpos físicos nas mesmas condições: incorruptíveis. E eles faleceram (esse verbo é mesmo horrível) há muito mais tempo do que Pessoa. Há, entretanto, outros episódios inexplicáveis que ocorreram após a morte do Grande Poeta Português. As pessoas que os presenciaram ficaram estarrecidas e não encontraram qualquer explicação plausível e/ou racional para os fatos que testemunharam. De qualquer forma, era como se Pessoa estivesse a repetir:

NÃO HÁ MORTE...

NÃO HÁ MORTE...

NÃO HÁ MORTE...

 

 

 

 

 

ALGUNS POEMAS
DE FERNANDO PESSOA

 

 

 

 

EROS E PSIQUE


 

... E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. (Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal)

 

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

 

 

 

O DESEJADO

 

 

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o SANTO GRAL!
(sic).

 

 

 

AS ILHAS AFORTUNADAS

 

 

 

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos falla,
Mas que, se escutarmos, cala.
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ella nos diz a esperança.
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter logar.
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e ha só o mar.
(sic).

 

 

 

O ENCOBERTO

 

 

 

Que symbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que symbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.


Que symbolo final
Mostra o Sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
(sic).

 

 

 

INICIAÇÃO

 

 

 

Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
.............................................

O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda Caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

.............................................

A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ’stás morto, entre ciprestes.
......................................................

NEÓFITO, NÃO HÁ MORTE.

 

 

 

 

 

 

Referências bibliográficas:

* Trabalho publicado na Revista Presença Filosófica, volume XII, números 1 a 4, Jan/Dez de 1986, revisado, atualizado e ampliado em 2004.

* * PESSOA, Fernando. Hyram, filosofia religiosa e ciências ocultas. Notas e posfácio de Petrus. 1933, p. 107.

1. SARAIVA, Antônio José e LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 12ª ed. Porto: Tipografia Bloco Gráfico Ltda, 1982, p. 1046.

2. Op. cit., p. 1046 e 1047.

3. Op. cit., p. 1051.

4. Id.

5. COELHO, Antônio de Pina. Fernando Pessoa: textos filosóficos. Lisboa: Edições Ática Ltda., 1968, p. X.

6. PESSOA, Fernando. Defesa da Maçonaria. Lisboa: Centro Editorial Português, 1933, p. 39.

7. Id.

8. COELHO, Op. Cit., pp. XIII e XIV.

9. Ibidem, p. XIV.

10. Id.

11. PESSOA, Fernando. Defesa..., 1933, p. 39.

12. PESSOA, Fernando. Hyram,... 1932, p. 12.

13. Ibidem, p. 13.

14. Ibidem, 1935, p. 95.

15. Id.

16. Ibidem, p. 96.

17. Id.

18. Ibidem, 1915, p. 98.

19. Ibidem, s. d., p. 99.

20. Ibidem, 1916, p. 101.

21. Id.

22. Ibidem, p. 102.

23. Ibidem, p. 104.

24. Ibidem, p. 105.

25. Id.

26. Ibidem, p. 106.

27. Id.

28. PESSOA, Fernando. Iniciação. Lisboa: Editorial Ática, 1942. (Obras Completas de Fernando Pessoa, Poesias). V. 1, p. 236.

29. PESSOA, Fernando. Eros e Pisque. Lisboa: Editorial Ática, 1942. (Obras Completas de Fernando Pessoa, Poesias). V. 1, p. 241.

30. PESSOA, Fernando. No túmulo de Chistian Rosencreutz. Lisboa: Editorial Ática, 1942. (Obras Completas de Fernando Pessoa, Poesias). V. 1, p. 254.

31. PESSOA, Fernando. Gladio. Orpheu, Lisboa, (3): 35, set., 1984, p.35.

32. PESSOA, Fernando. Hyram, ...,1933, p. 127.

33. Ibidem, 1932, p. 126.

34. PESSOA, Fernando. O eu profundo e os outros eus: seleção poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 79.

35. Apud QUADROS, Antônio. Fernando Pessoa: Obra poética e em prosa. Introduções, organização, bibliografia e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa. Poesia. Lello & Irmão-Editores, Porto: 1986, V.1, p. 63.

36. PESSOA, Fernando. Hyram, ..., 1916, p. 106.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.admd.pt/
http://www.lsi.usp.br
http://people.pwf.cam.ac.uk
http://pwp.netcabo.pt/0150669101/
Mensagem/Encoberto/Odesejado.htm
http://www.vidaslusofonas.pt/
http://www.mauney.com/
bungalow/blooming/2003/apr30/rosa-x-richardii.jpg
http://www.pendulum.org
http://planeta.terra.com.br/
saude/alppsicologa/bipolar01.gif
http://www.mentesdelua.hpg.ig.com.br/
http://ardeoazul.blogs.sapo.pt/
arquivo/249221.html
http://www.starnews2001.com.br/
egypt/esfinge.html
http://www.svmmvmbonvm.org/
http://www.svmmvmbonvm.org/
maatportal.htm
http://www.amorc.org/
http://www.svmmvmbonvm.org/
latinoportal.htm
http://svmmvmbonvm.org/jehosu/
http://axsm.blogspot.com/
2008/01/perdas-e-ganhos.html

 

Música de fundo:

Foi Deus
Compositor: Alberto Janes
Intérprete: Amália Rodrigues

Fonte:

http://amalia.no.sapo.pt/Fados.htm