COMENTÁRIOS (INCERTOS!)
DE EXCERTOS PESSOANOS
Começa-se por justificar o
título escolhido acima para se dar prosseguimento ao estudo da obra
pessoana no campo do oculto. Mas... Qual o tempo necessário para
se ter segurança na abordagem deste tema? Cinqüenta e sete anos
serão suficientes? Acredita-se que nem uma nem mil vidas dariam conta
de tudo. Assim, as restrições impostas pela complexidade do
tema, as limitações do pesquisador e a inexistência
de uma explícita manifestação metafísico-místico-iniciática
no pensamento de Fernando Pessoa produzem a fermentação propícia
para se chegar a lugar nenhum. Aliada a tudo isso, há a própria
confissão do poeta-filósofo: não pertenço
a ordem iniciática nenhuma[11], condição
impeditiva, presume-se, de acesso aos documentos originais de qualquer fraternidade
ou ordem esotérica, secreta, espiritual ou mística (se existirem
tais documentos!). Se negou, teve seus motivos. Se não era formalmente
iniciado em uma ordem autêntica, não importa. Importa o homem:
importa mais a obra. Importa muito mais o que hoje dela se extrai. Por isso,
o título deste item: Comentários (Incertos!) de Excertos Pessoanos.
Não quer dizer, com isso, que não se teve o cuidado de tentar
levantar o véu da obscuridade, nem de procurar encontrar o fio condutor
de uma parte da vida e do pensamento de Pessoa. Mas, desde já, adverte-se:
a pesquisa está incompleta, e merece, por quem é apaixonado
pelo assunto, penetrar mais fundo no tema, que, além de inesgotável,
oferece múltiplas abordagens. Acresce a tudo isso que o que podem
ter sido as verdades (relativas) para Pessoa podem não ser obrigatoriamente
as verdades (relativas) do pesquisador. E, ainda que coincidam aqui e ali,
provavelmente, não farão jus às fontes que o Poeta
utilizou e, ainda, contraditoriamente, por não serem originais(?!),
podem não ser fidedignas. Meras especulações. Tudo
é mistério na vida deste Português. Mas, todos podem
escrever tudo a respeito de tudo: a Ordem Cósmica não será
jamais alterada. É com esse pensamento, cheio de sinceridade, que
se abre o portal para o mundo oculto de Fernando Pessoa. Pelo menos, procurar-se-á
ser digno de suas intenções, intenções que foram
de um Português Puro. Eu acredito nisso. Seus delitros não
contam nada.
EQUILÍBRIO
DOS POVOS
Ao escrever sobre a Idealidade
Judaica e a Desintegração Cristã, prefácio
ao livro de poemas Alma Errante, de Eliezer Kamanezky (Lisboa,
1932), Pessoa oferece, preliminarmente, uma explicação interessante
a respeito do equilíbrio da vida psíquica dos povos. Isso
ocorre, segundo o Poeta, ... pela coexistência automática
de qualidades opostas[12]. Se em uma fase um povo é
bestial e materialista, em outra tenderá para o misticismo. A vida
é como um pêndulo de um relógio; se oscila em um sentido,
requer oscilação semelhante no sentido inverso. O(s) próprio(s)
Universo(s) funciona(m) meio que desta maneira. Assim, as qualidades opostas
participam da mesma oscilação, o que impõe ao materialismo
o misticismo para se lhe contrapor. Exemplifica o nosso Pensador, recordando:
A Idade Média, bárbara e ansiosa, era intensa e brutal
na sua vida de matéria e sentidos, e era intensa e brutal na vida
do seu misticismo maníaco. O povo [inglês] foi sempre
claramente ativo e prático; é, contudo, o povo que deu ao
mundo a poesia lírica mais etérea e sutil[13].
Entendeu
Pessoa que, apesar desses elementos opostos aparecerem algumas vezes em
um único indivíduo, trata-se de uma exceção,
pois é na raça (etnia) ou na nação que se verifica
o equilíbrio. O Poeta, smj, não emitiu uma opinião
definitiva e explícita a respeito do caminho que a Humanidade seguirá
ou alcançará. Mas, pelos exemplos oferecidos, e ao se voltar
bem mais no tempo, pode-se facilmente aduzir que o período de oscilação
tende a diminuir (para depois tornar a aumentar), e que a Humanidade propende
para a harmonia, não estática, mas dinâmica, entretanto
sem as diferenças abismais referidas por Pessoa. Tudo é cíclico.
De entropia em entropia (2ª Lei da Termodinâmica — em qualquer
processo espontâneo aumenta a desordem: dS = dQ/T) tudo caminha assintoticamente
para a Neguentropia, estado em que a dupla polaridade encontra-se em permanente
equilíbrio. No Plano Terra prevalece a ilusão do desequilíbrio.
Mas, a desorganização lentamente é vencida pela organização
em um Plano Superior. Contudo, é preciso, como disse Goethe, peregrinar
em direção a Mais LLuz, Mehr Licht! Oro
permanentemente por isso.
O
que se pode inferir, preliminarmente, dessa tentativa de compreensão,
é que, apesar de não-iniciado, como ele próprio declarou,
possuía um particular conhecimento hermético, obtido através
das vastas leituras a que se entregou, de que em a Natureza, segundo os
ocultistas, tudo possui caráter dual, e que as contradições
que se observam nas manifestações exteriores são produtos
de uma acomodação progressiva do próprio Universo,
no momento em expansão (mânvântâra). Tal
dualidade permite que se compreenda, por exemplo, que o mal e o bem não
existem (e existem!) como mal ou como bem, mas sim como manifestações
de um único tronco comum. As ilusões do Plano Terra! Menor
harmonia, mal(?!); maior harmonia, bem(?!). Esta dualidade, Pessoa percebeu
intuitivamente, quando, didaticamente, utilizou o pêndulo para tentar
explicar a oscilação da vida. Em uma extremidade o mal, a
dor, a desarmonia (entropia); em outra, o bem, a paz, a harmonia (neguentropia).
Mas, é preciso estar alerta, pois a autêntica neguentropia
jamais poderá ser alcançada neste Plano, e, nem mesmo, poderá
ser definitiva. Poderemos, isto sim, realizar uma imagem desta condição.
Apenas isso.
MUNDOS
SUPERIORES
E CAMINHO PARA O OCULTO
Creio na existência
de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências
de diversos graus de espiritualidade...[14] Este é
um trecho de uma carta escrita em 13 de janeiro de 1935, ano da Grande Iniciação
do Poeta. Nesta carta, Pessoa confessa-se um crente. Crê em Deus como
Ente Supremo Criador do Universo, mas não acredita na comunicação
direta com esse mesmo Deus. Mas declara crer, segundo a harmonia espiritual
de cada um — a que Pessoa denominou afinação espiritual
— na possibilidade de comunicação... com seres cada
vez mais altos[15]. Por isto, após pesquisas intermináveis,
afirmou nessa correspondência que manteve com o destinatário
(A. C. M.) que acreditava em três caminhos para o oculto: o CAMINHO
MÁGICO, o CAMINHO MÍSTICO e o CAMINHO ALQUÍMICO.
O
CAMINHO MÁGICO, onde inclui as práticas espíritas no
nível da bruxaria, é, para Pessoa, uma via extremamente perigosa.
O CAMINHO MÍSTICO é para o Poeta... incerto e lento[16],
mas não oferece perigos. O CAMINHO ALQUÍMICO é, no
entender de Pessoa, o CAMINHO. Sobre ele diz: [É] o mais difícil
e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação
da própria personalidade que a ‘prepara’, sem grandes
riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm[17].
Neste
particular, é preciso examinar com cautela as definições
alcançadas por Pessoa, quanto às três vias por ele indicadas.
Por isso, discorda-se por ter o Poeta desvinculado a VIA MÍSTICA
da VIA ALQUÍMICA, que caminham paralelamente, ou seja, são
uma só. Alquimia, bem entendido, transcendental.
Preliminarmente,
precisa-se determinar o que se pretende com o termo oculto. Oculto será
o secreto? Será a Magia (branca ou negra)? Poderá incluir
a Teurgia? Ou oculta e sagrada deverá ser a busca do Deus interior,
o Deus de cada Coração, o Mestre que podemos e devemos construir?
Nesta carta, Pessoa não explica. Mas se se admitir que o oculto,
para Pessoa, seja a busca de um estado elevado de consciência —
um estado em que a afinação espiritual, à
qual se referiu, permita uma acuidade da consciência — faltou
incluir entre os caminhos do oculto a via religiosa ou devocional. Nada
indica que deva ser excluída, desde que praticada misticamente. Há
mesmo uma Igreja Secreta e Universal... à qual fez referência
Karl Von Eckartshausen (1752-1803), cujo TRÍPLICE SUMO SACERDOTE
foi e continua sendo o CRISTO CÓSMICO. Não como ente individualizado,
como equivocadamente se possa presumir.
Por
outro lado, conforme já se aludiu acima, a VIA MÍSTICA é
fundamentalmente Alquímica. Misticismo e Alquimia são uma
só e única coisa. A meta do Iniciado (e por não ter
sido um Iniciado, repetindo suas próprias palavras, Pessoa, talvez,
não tenha compreendido o exato sentido da coisa, ou entendeu e permaneceu
silente, o que parece ser mais provável) é a Transmutação
Interior. O Iniciado deseja transmutar todo o seu ser em puro Ouro, para
ser digno de se (re)encontrar e de se (re)conciliar com o D’US de
sua compreensão, como o D’US do seu Coração.
Este é o CAMINHO MÍSTICO-ALQUÍMICO da construção
do Mestre Interior Perpétuo. Nisso se constitui, basicamente, o trabalho
do Iniciado, qualquer que seja a fraternidade à qual pertença,
pois todas perseguem uma única meta: a Regeneração
do Homem para a Vida Consciente. Assim operam (e operaram) as Fraternidades
conhecidas de Pessoa: a Maçonaria, a Teosofia, a Ordem do Templo,
a Ordem Martinista e a Ordem Rosacruz.
Finalmente,
cabe acrescentar que o resultado obtido pela dedicação ao
trabalho iniciático inclui a minimização das disparidades
advindas das qualidades opostas nos indivíduos e nas nações
às quais aludiu Pessoa. Não se podem pôr de lado, por
isso, os resultados que se observam do trabalho coordenado levado a cabo
pelas diversas religiões. Salienta-se, inclusive, que qualquer pensamento
de preponderância, sinônimo de intolerância, não
é próprio ou digno de um verdadeiro Iniciado. Essa explicação
foi necessária pelo fato de Pessoa ter omitido o CAMINHO RELIGIOSO
como opção de desenvolvimento interior. Agora, se pensou em
certas barbaridades cometidas por determinadas confrarias... Aí é
outro caso. Não há quem possa discordar. Criador, milagre,
salvação, danação eterna, privilégios
hipotéticos, guerras e matanças em nome de deus etc. não
aceitamos, nem Pessoa, nem eu, nem nenhum Iniciado.
Por
último, fazendo-se justiça a Pessoa, deve-se admitir que não
é necessário pertencer a ordem iniciática alguma, nem
a qualquer religião estabelecida, para se manter um razoável
nível de comunicação com seres cada vez mais altos,
como propôs o Filósofo. Ele próprio foi um exemplo disso,
assunto que se desenvolverá nas Considerações Finais
desta monografia. Todavia, esta comunicação com seres
cada vez mais altos não acontecerá simplesmente pela
vontade individual. Antes, muito deverá ser elaborado e trabalhado
pelo próprio postulante. Antes, irredutivelmente, uma Transmutação
Alquímica Transcendental deverá ocorrer no interior do próprio
estudante. Antes... Durante... Depois...
ESPIRITISMO E TEOSOFIA
Uma das maiores crises existenciais
pelas quais passou Fernando Pessoa foi quando tomou conhecimento da existência
da Doutrina Teosófica, materializada para a Humanidade por Helena
Petrovna Blavatsky (1831 - 1891). Há muito sentira coisas semelhantes
ao ler um livro inglês sob o título Ritos e os Mistérios
dos Rosa-Cruzes. Eis o relato de Pessoa sobre as sensações
que a Teosofia lhe causou: A Teosofia apavora-me pelo seu mistério
e pelas suas grandezas ocultistas, repugna-me pelo seu humanitarismo e ‘apostolismo’...
essenciais; atrai-me por se parecer tanto com um ‘paganismo transcendental’
(é este o nome que eu dou ao modo de pensar a que havia chegado);
repugna-me por se parecer tanto com o Cristianismo [talvez, tenha querido
se referir ao Catolicismo], que não admito. É o horror
e a atração do abismo realizados no além-alma. Um pavor
metafísico![18]
Mas,
possivelmente, o mais acertado em Pessoa, o que está mais conforme
à tradição esotérica, aparece nos inconvenientes
enumerados pelo sensitivo (a esta altura já estou convicto de que
Pessoa era um sensitivo extraordinário) das denominadas comunicações
com os espíritos ou comunicações espirituais. Entretanto,
o Poeta condena as comunicações espíritas supracitadas
— como a própria Teosofia o faz e qualquer ordem iniciática
autêntica, quando tais comunicações são implementadas
pelas formas e com as finalidades que são geralmente e publicamente
conhecidas — não baseado na intolerância, mas no conhecimento
hermético e científico que adquiriu, provavelmente, ao traduzir
livros de teosofistas famosos como C. W. Leadbeater, Anie Besant e outros.
Sobre os inconvenientes das comunicações espíritas,
divide-os em duas categorias: para as entidades que fazem a comunicação
e para aqueles que servem de canal para a mensagem e circunstantes. Escreveu
Pessoa:
Não se veja aqui qualquer
incoerência nas declarações acima com sua convicção
na possibilidade de comunicação... com seres cada vez
mais altos, conforme se aludiu anteriormente. Tudo perfeitamente coerente.
Explicando: O que Pessoa advertiu — e está rigorosamente de
acordo com a tradição iniciática — é para
o perigo de, no campo do esoterismo, tocar-se piano de ouvido. Há,
em realidade, es(x)oterismo e ESOTERISMO. Aqueles que, com intenções
nobres ou não, se entregam a práticas de comunicação
com os que já ultrapassaram este Plano estão a correr os riscos
enumerados pelo Poeta. Aliás, todos os grandes ocultistas advertiram
para esses perigos. Mesmo aqueles que se entregaram às práticas
teúrgicas, delas acabaram se afastando. Materializações,
por exemplo, podem ser sedutoras (para os incautos), mas são arriscadíssimas!
Outros riscos, de maior gravidade, podem ser adicionados, podendo, em casos
extremos, provocar transição prematura (morte súbita).
Quanto ao espírito que se comunica, ainda se considerando as condições
em tela, a experiência pode ser dolorosa e detrimental à sua
própria situação no plano em que se encontra. Na verdade,
reduzir esse tema a uma única possibilidade é o erro mais
comum. Por isso, a advertência de Pessoa é irreparável.
Os que passaram pela transição (quando é o caso, pois,
na maioria das vezes, acontece um outro tipo de fenômeno) devem seguir
seus caminhos. Os vivos devem cuidar dos vivos. Melhor, cuidar de seu próprio
aprimoramento espiritual, que se faz, inquestionavelmente, obrigatoriamente
e impostergavelmente aqui nesse Plano de Manifestação. Em
outras palavras: no Plano Terra. No Plano da Concretização.
Por
outro lado, sobrevém a questão das comunicações
desejáveis, positivas, educativas e, por assim dizer, verdadeiramente
MÍSTICAS e ESOTÉRICAS. Para estas, é preciso uma longa
preparação e/ou um estado de espiritualidade tal, nos quais
sejam evitados os inconvenientes a que aludiu Pessoa. A bem da verdade,
as entidades ascensionadas dos Planos Superiores não andam se comunicando
à bangu. É verdade e verdadeiro que o MESTRE só se
apresentará e se comunicará se e quando o postulante estiver
preparado e pronto. Antes, nunca. Esta decisão não cabe ao
estudante. Isto pode demorar encarnações... Mas, mais correto
— o CORRETO — é a construção permanente
deste Mestre Interior, que, se for edificado em conformidade com a LLUZ
ETERNA, não será jamais devorado. Como afirma, com conhecimento
pleno deste assunto, Meu Irmão Vicente Velado, FRC e Abade da Ordo
Svmmvm Bonvm,
a construção do Mestre Interior é processo sagrado,
lento, gradual e sistemático, que exige do construtor não
só perseverança infinita, como certeza absoluta e inabalável
de saber exatamente o que está fazendo e com que finalidade. É
um processo alquímico-transpositor sob controle e que exige nada
mais nada menos que o domínio da vida. Na verdade, quando o estudante
está pronto ele constrói o Mestre... Para ler e meditar
sobre uma coletânea de textos (Ensaios no Portal da Nova Era) do Autor
mencionado visite o Website:
http://www.maat-order.org/
ensanera/indice.htm
A
vida virtuosa, a alimentação higienista, a meditação
permanente, os exercícios espirituais são alguns poucos pré-requisitos
para se cruzar o umbral da VERDADEIRA INICIAÇÃO, que pode
se dar no seio de uma ordem iniciática autêntica ou não.
Tradicionalmente, as ordens iniciáticas é que estão
em poder dos conhecimentos esotéricos, ocultos e místicos,
e se constituem na melhor possibilidade para trilhar A SENDA DA INICIAÇÃO
sem desdobramentos desagradáveis, espúrios e detrimentais.
Uma dessas Fraternidades é a Ordem
Rosacruz — AMORC.
Nada impede, entretanto, repete-se, que o conhecimento possa vir espontaneamente.
Ou pelo menos fragmentos dele. Foi, possivelmente, o que aconteceu com Fernando
Pessoa. Ou será que houve uma VIA...? Tudo é mistério
na vida deste Grande Poeta.
FERNANDO
PESSOA, MÉDIUM!
Em carta de 24 de abril de 1916,
Pessoa escreve ao destinatário: Aí por fins de março
(se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que
(como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas seções
semi-espíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita
automática [psicografia].[20]
Provavelmente,
tais sessões realizaram-se antes de o Poeta ter traduzido os livros
de Teosofia dos autores mencionados. Mas, o fato é que a primeira
comunicação de Pessoa foi com seu tio Manoel Gaudêncio
da Cunha[21]. Na
carta, afirma que às vezes psicografava voluntariamente, às
vezes obrigado. Recebia respostas com números e havia geralmente
uma tendência para desenhar. Não são desenhos de
coisas, mas de sinais cabalísticos, maçônicos, símbolos
do ocultismo e coisas assim que me perturbam um pouco.[22]
Sua
mediunidade, segundo suas próprias palavras, não se encerra
aqui. Escreve que sentiu uma profunda depressão vinda do exterior
quando, em Paris, Mario de Sá-Carneiro atravessava a grande crise
mental que o levaria ao suicídio. Abaixo está reproduzido
o retrato do Poeta Sá Carneiro.
|
Acho
que não será considerado inconveniente desviar brevemente
do tema, para transcrever o poema Lítio de um ser humano,
uma irmã, que sofre de Transtorno Bipolar (TB). Esta é uma
doença insidiosa que, ao lado da Agorafobia, pode, lamentavelmente,
levar o doente ao suicídio. Muitas vezes, o paciente não percebe
de imediato que é portador desta terrível enfermidade. Portanto,
é absolutamente necessário que familiares e amigos estejam
bem informados e saibam reconhecer alguns dos sintomas do TB, para poderem
encaminhar o paciente a um tratamento adequado. Grandes homens da história
e das artes sofriam de TB, como, por exemplo, Edgar Allan Poe, Van Gogh,
Schuman e Churchill. Contudo, o TB não deve ser confundido com as
alterações de humor motivadas pelas inevitáveis dificuldades
episódicas que ocorrem com todos nós, pois estas são
momentâneas e tendem a desaparecer quando tais dificuldades são
compreendidas e/ou solucionadas.
A
autora do poema-lamento abaixo é a portuguesa Andreia Casimiro.
Bem
e Mal,
Inconstância do meu
ser!
Por que não me consigo
controlar?
Onde paira esse saber?
Lítio, vem me controlar.
*
A ânsia de viver
e o desejo de morrer,
Rir e chorar sem motivos pró
fazer!
Voltando
ao nosso Poeta (teria Pessoa também sofrido de TB?), eis as experiências
singulares que descreveu:
Fernando Pessoa declarou que, quanto
à visão astral, esta não era tão perfeita. Quando
fechava os olhos à noite, via números, sucessão de
quadros simbólicos, figuras estranhas, sinais etc. Manifestava, outrossim,
o fenômeno da levitação. Afirmou o Poeta: O meu
braço direito, ... começa a ser-me levantado no ar sem eu
querer. Outras vezes sou feito cair para um lado [como] se estivesse
magnetizado etc.[24]
Por
fim, Pessoa acabou revelando o mais contundente, o que se poderia considerar
o mais aclarador de sua sensibilidade e do seu desenvolvimento psíquico
(sofrendo ou não de TB), no desabrochar dos seus 28 anos: Há
mais curiosidade do que susto, ainda que haja às vezes coisas que
metem um certo respeito, como quando, várias vezes, olhando para
o espelho, a minha cara desaparece e me surge um fácies de homem
de barbas, ou um outro qualquer (são quatro ao todo, os que assim
me aparecem).[25]
Personalidades
secundárias? Talvez, uma possibilidade! Quem sabe uma explicação
para seus heterônimos. Mas... Pessoalmente, eu prefiro o Mas...
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Fernando Pessoa, homem triste e invulgar
segundo os padrões acreditados pela Humanidade, foi daqueles que,
não tendo pertencido a ordem ou fraternidade iniciática alguma
(segundo seu próprio depoimento) e tendo manifestado enfaticamente
oposição a todas as Igrejas organizadas, principalmente à
de Roma, conheceu a Iniciação. Disto não tenho qualquer
dúvida. Ele mesmo declarou que sabia que suas faculdades psíquicas
estavam sendo desenvolvidas e acordadas para um propósito definido
por intermédio de um Mestre desconhecido.[26]
E sentiu exatamente o que sentem todos aqueles que, em um grau mais ou menos
intenso, com maior ou menor amplitude, passaram por esse processo: ... misteriosa
sensação de isolamento e abandono que enche de amargura até
ao fundo da alma.[27] É a noite em manifestação.
A noite negra, a noite tenebrosa, a noite obscura da alma. Santo António
(de Lisboa) dissertou primorosamente sobre a NOITE NEGRA, dividindo-a em
CONTICÍNIO, MEIA-NOITE e AURORA. Esta NOITE é a dor
da crucificação interior, mas que atesta a certeza de que...
não há morte.[28]
É
a amargura da solidão, mas que ensina... que ele mesmo era/a
princesa que dormia.[29]
É
a tristeza pelos descaminhos próprios e de toda a Humanidade, mas
que ilumina tranqüilizando:
Calmo na falsa morte
a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.[30]
É o choro espasmódico
do ser fragmentado e mutilado pela necessidade da existência, mas
que compreende:
Cheio
de Deus, não temo o que virá,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha Alma![31]
É
a vontade de desistir, de voltar atrás, quando, então, dentro
do peito a Voz Silente fala:... Todo o passo é uma cruz.[32]
Tudo é verdade e caminho.[33]
É
quando tudo se afigura desmoronar, parecendo não haver mais qualquer
expectativa; a noite caliginosa açoita o homem por inteiro, e os
primeiros raios da Aurora trazem um alento de PAZ, de ESPERANÇA e
de LUZ. O vazio começa a ser preenchido pela ESPERANÇA e pela
PAZ PROFUNDA, e Fernando Pessoa realiza: E súbito encontro Deus.[34]
Apesar
de, em certa fase de sua vida, ter acreditado que... o monoteísmo
é uma religião em decadência e que ... a religião
chamada pagã é a mais natural de todas...[35],
Fernando Pessoa acabou por encontrar fora dos portais das ordens iniciáticas
(terá sido assim mesmo?) o fio da meada para um CAMINHO SUPERIOR.
A confirmação está nas próprias experiências
por ele narradas. A prova está, de forma mais inquestionável,
na revelação espelhar de personalidades (secundárias),
ou... Para os Iniciados, configuram-se como experiências inalienáveis
do ser em evolução, manifestadas poeticamente no Pensador
Português, ao longo de sua vida, provavelmente, nos diversos heterônimos
por ele trazidos à luz, para todos, em sua pungente obra. Isto é
uma hipótese. A outra... Ele não quis falar. Eu também
não devo.
Por
tudo que foi examinado e que ficou demostrado, não se acredita que
Pessoa tenha engendrado qualquer simulação em sua obra, como
sugerem Saraiva e Lopes, ou como pensam os distraídos. O homem foi
um sensitivo que, por desígnios que ele preferiu ocultar, foi entronizado
no ÁTRIO DO TEMPLO INTERIOR E NO PRÓPRIO TEMPLO. Eu não
digo 'tudo', porque nem tudo se pode dizer[36]. Palavras
de um sábio, que sabe que quem sabe deve calar; fala aquele que nada
sabe. Pessoa falou o que podia. Calou no que devia. E eu acabei escrevendo
demais. Ou de menos? Emoção...
Mas,
para Quem quere passar além do Bojador, como deixou escrito
Pessoa em Mar Português, Tem que passar além da
dor./Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,/Mas nelle é que espelhou
o céu. (sic).
UM FATO POUCO CONHECIDO
Não sei se cometerei uma inconfidência
no que vou relatar. Acho que não. Mas a inteligência amiga
que me passou a informação (pediu-me sigilo na época,
pois, se o episódio fosse tornado público, temia que pudesse
provocar uma comoção em Portugal) é INCONTESTAVELMENTE
CONFIÁVEL, e esteve presente no momento do ocorrido. Não revelarei
seu nome, apesar de já ter passado pela transição.
Acredito que, agora, não ocorrerão desatinos. Os tempos são
outros. Ao ser aberto o caixão mortuário do Poeta, no qüinquagésimo
aniversário de sua morte, o corpo estava intacto, incorruptível
e inalterável. Parecia que Fernando estava dormindo. Este é
o relato. Não acho que deva fazer comentários sobre o mesmo.
Talvez, um dia, eu escreva um artigo sobre este tema. Lembro, apenas, por
exemplo, que Santa Bernadete e São Vicente de Paulo, até hoje,
têm seus corpos físicos nas mesmas condições:
incorruptíveis. E eles faleceram (esse verbo é mesmo horrível)
há muito mais tempo do que Pessoa. Há, entretanto, outros
episódios inexplicáveis que ocorreram após a morte
do Grande Poeta Português. As pessoas que os presenciaram ficaram
estarrecidas e não encontraram qualquer explicação
plausível e/ou racional para os fatos que testemunharam. De qualquer
forma, era como se Pessoa estivesse a repetir:
NÃO
HÁ MORTE...
NÃO
HÁ MORTE...
NÃO
HÁ MORTE...
ALGUNS
POEMAS
DE FERNANDO PESSOA
EROS
E PSIQUE
...
E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram
dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de
Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. (Do Ritual
do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal)
Conta
a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele
tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A
Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe
o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas
cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E,
se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E,
inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
O
DESEJADO
Onde
quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Vem,
Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova.
Mestre
da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o SANTO GRAL!
(sic).
AS
ILHAS AFORTUNADAS
Que
voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos falla,
Mas que, se escutarmos, cala.
Por ter havido escutar.
E
só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ella nos diz a esperança.
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São
ilhas afortunadas,
São terras sem ter logar.
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e ha só o mar.
(sic).
O
ENCOBERTO
Que
symbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que
symbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Que symbolo final
Mostra o Sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto. (sic).
INICIAÇÃO
Não
dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
.............................................
O
corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem
a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas
na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então
Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por
fim, na funda Caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
.............................................
A
sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ’stás morto, entre ciprestes.
......................................................
NEÓFITO,
NÃO HÁ MORTE.
Referências
bibliográficas:
* Trabalho
publicado na Revista Presença Filosófica, volume XII, números
1 a 4, Jan/Dez de 1986, revisado, atualizado e ampliado em 2004.
* *
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1.
SARAIVA, Antônio José e LOPES, Oscar. História da
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2.
Op. cit., p. 1046 e 1047.
3.
Op. cit., p. 1051.
4.
Id.
5.
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6.
PESSOA, Fernando. Defesa da Maçonaria. Lisboa: Centro Editorial
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7.
Id.
8.
COELHO, Op. Cit., pp. XIII e XIV.
9.
Ibidem, p. XIV.
10.
Id.
11.
PESSOA, Fernando. Defesa..., 1933, p. 39.
12.
PESSOA, Fernando. Hyram,... 1932, p. 12.
13.
Ibidem, p. 13.
14.
Ibidem, 1935, p. 95.
15.
Id.
16.
Ibidem, p. 96.
17.
Id.
18.
Ibidem, 1915, p. 98.
19.
Ibidem, s. d., p. 99.
20.
Ibidem, 1916, p. 101.
21.
Id.
22.
Ibidem, p. 102.
23.
Ibidem, p. 104.
24.
Ibidem, p. 105.
25.
Id.
26.
Ibidem, p. 106.
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Id.
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2008/01/perdas-e-ganhos.html
Música
de fundo:
Foi
Deus
Compositor: Alberto Janes
Intérprete: Amália Rodrigues
Fonte:
http://amalia.no.sapo.pt/Fados.htm