Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

 

O Cristo é Vida e Caminho;

os dolosos exigem pedágio.1

O Cristo é a LLuz do Ninho;

os charlatães cobram ágio.2

 

 

Mas, ai dos que se locupletam

da candura dos religiosos;

malditos os que se aproveitam

da singelez dos piedosos.

 

 

É certo que a Dona Morte,

someday, fará sua (re)visitação.

Qual será a diluição da aquaforte3

que purgará nosso Coração?4

 

 

Não há magia nem há ritual

que livre o ente de retribuir.

Não há qualquer ferramental

que impeça o ser de ir e vir.5

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Impulso Para Renascer
Encerra o Descanso
Entre Duas Vidas

 


O longo estágio de bem-aventurança que ocorre entre uma vida e outra é chamado de Devachan ou Local Divino. É o Devachan que faz com que haja, em média, algo entre 1000 e 4000 anos entre duas encarnações da mesma alma espiritual.

 

Mas por que o Devachan não se eterniza? O que é que faz surgir, no final do Devachan, um impulso por nascer de novo? Qual é o conjunto de causas e efeitos que provoca a reencarnação do Eu Superior de alguém? E de que maneira são determinadas as condições em que a alma renascerá?


Estas questões são abordadas na monumental Carta 68 dos dois volumes Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett (Ed. Teosófica). O texto menciona os cinco tipos de skandhas ou registros cármicos que levam os códigos da energia vital de uma encarnação para a outra.

 

Para entender como funcionam os skandhas, podemos usar um exemplo da tecnologia moderna. Quando duas pessoas falam ao telefone, a voz do indivíduo A é codificada, ou melhor, desmaterializada e transformada em códigos eletrônicos (equivalentes a skandhas). Na recepção, o telefone do indivíduo B saberá decodificar e rematerializar tais registros abstratos de som. Portanto, ao telefone, cada som passa por uma desmaterialização (ou morte) e uma rematerialização (ou renascimento) quase instantâneos. Em um aparelho de telefax ou de telégrafo, ocorre a mesma coisa. A mensagem renasce em outro corpo físico, isto é, em outro papel e em outra tinta. Na Internet, o processo é similar. A mensagem mandada desde um computador renasce graças ao corpo físico do monitor do computador usado para recepção e leitura ou graças à impressora e à tinta que permitirão colocar a mensagem em uma folha de papel. As palavras deste parágrafo que está sendo lido agora, por exemplo, não viajaram até o leitor enquanto palavras. Elas foram eletronicamente desmaterializadas, ou seja, transmitidas em forma de códigos e rematerializadas graças aos computadores e monitores usados pelos que lêem o boletim O Teosofista.

 

O que ocorre na transição entre duas vidas humanas é, de certo modo, semelhante. As informações cármicas (ou skandhas) dos padrões energéticos são desmaterializadas, depois processadas, purificadas, transmitidas para novos contextos por um processo de afinidade cármica e, finalmente, reencarnam ou se rematerializam, graças à matéria física e astral dos novos locais.

 

O processo de concepção de um feto humano inicia o processo de materialização da [personalidade–]alma que está pronta para renascer. É claro que uma criança não é mera cópia da vida anterior. Ela é um renascimento em novo contexto da mesma essência interior presente na vida prévia, e vem purificada pela longa bênção [experiência]do Devachan.

 

Diz o Mestre, na fundamental Carta 68:


Se você perguntar a um monge budista erudito o que é Carma, ele dirá a você que Carma é o que um cristão poderia chamar de Providência (apenas em um certo sentido) e um maometano Kismet, destino (de novo, em certo sentido). Dirá que é esta doutrina fundamental que ensina que, assim que qualquer ser sensível morre, seja homem, deva ou animal, um novo ser surge, e ele reaparece em outro nascimento, no mesmo ou em outro planeta, sob condições criadas por ele mesmo. Ou, em outras palavras: que o Carma é o poder orientador, e Trishna (em páli, Tanha) é a sede ou desejo de vida sensível, a próxima força ou energia, a resultante da ação humana (ou animal) que, a partir dos velhos Skandhas, produz o novo grupo que forma o novo ser e controla a natureza do próprio nascimento. Ou, para torná-lo ainda mais claro, o novo ser é recompensado e punido [educado] pelos atos meritórios e maus atos do ser velho. O Carma representa um Livro de Registros no qual todos os atos do homem – bons, maus ou indiferentes são cuidadosamente anotados para seu débito e crédito, por ele mesmo, digamos, ou mais precisamente pelas próprias ações dele. Lá, onde a ficção poética cristã criou e vê um Anjo Registrador Guardião, a lógica budista, severa e realista, mostra sua real presença, percebendo a necessidade de que cada causa tenha seu efeito. Os oponentes do Budismo têm dado grande destaque à alegada injustiça de que o autor escape e a vítima inocente seja forçada a sofrer, já que o autor dos atos e quem sofre são seres diferentes. O fato é que, embora, em certo sentido, eles possam ser considerados diferentes, em outro sentido eles são idênticos. O 'ser velho' é o progenitor – pai e mãe ao mesmo tempo – do 'novo ser'. É o anterior que cria e dá forma a este último, na realidade; sendo assim muito mais do que qualquer pai carnal. E uma vez que você tenha dominado bem o significado dos Skandhas você verá o que quero dizer.

 

É o grupo de Skandhas que forma e constitui a individualidade física e mental que nós chamamos de homem (ou qualquer ser). Este grupo consiste (no ensinamento esotérico) de cinco Skandhas, isto é: Rupa, as propriedades ou atributos materiais; Vedana, sensações; Sanna, idéias abstratas; Samkara, tendências tanto físicas quanto mentais; e Vinnana, poderes mentais, uma ampliação do quarto, significando as predisposições mentais, físicas e morais. Nós acrescentamos a eles dois outros, cujos nomes e naturezas você pode aprender mais adiante. No momento é suficiente fazer com que saiba que eles estão conectados com e são produtores de Sakkayaditthi, a 'heresia ou ilusão da individualidade' e de Attavada, 'a doutrina do Eu', sendo que ambos (no caso do quinto princípio, a alma) levam à maya da heresia e da crença na eficácia de vãos rituais e cerimônias, em orações e em intercessão. (Grifo meu).

 

Bem, retorno à questão da identidade entre o velho homem e o novo 'Ego'. Devo lembrar, mais uma vez, de que até mesmo a ciência aceitou o fato antigo, muito antigo, ensinado pelo nosso Senhor, isto é, que um homem de qualquer idade, embora seja o mesmo do ponto de vista da sensibilidade, fisicamente não é o mesmo que era alguns anos antes (nós dizemos sete anos, e estamos preparados para defender e provar esta afirmativa). Na linguagem budista, os Skandhas dele mudaram. Ao mesmo tempo eles estão sempre e incessantemente trabalhando na preparação do molde abstrato – a 'particularização' do futuro novo ser. Bem, então, se é justo que um homem de 40 anos tenha satisfação ou sofra devido às ações do homem de 20 anos, também é igualmente justo que o ser de um novo nascimento, que é essencialmente idêntico ao do nascimento anterior, sinta as conseqüências daquele Eu ou daquela personalidade geradora. As leis ocidentais, que punem o filho inocente de um pai culpado ao privá-lo de seu pai, de seus direitos e propriedades, a sociedade civilizada, que rotula com a infâmia a filha inocente de uma mãe imoral e criminosa, a Igreja Cristã e suas escrituras, que ensinam que 'o Senhor Deus castiga pelos pecados dos pais até a terceira e a quarta geração', não é tudo isto muito mais injusto e cruel do que qualquer coisa feita pelo Carma? Em vez de punir o inocente junto com o culpado, o Carma vinga e recompensa [educa] o inocente – o que nenhum dos três poderes ocidentais acima mencionados pensou alguma vez em fazer.


[Trecho reproduzido das páginas 310 a 312, volume I, Carta 68, de Cartas dos Mahatmas, Editora Teosófica, Brasília.]

 

Fonte:

http://www.motivacao.org/blog/1059

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Pagamos pedágio porque queremos. Se não quisermos, não pagaremos.

2. Pagamos ágio porque queremos. Se não quisermos, não pagaremos.

3. Aquaforte (ou água-forte) é a designação primitiva, usada até o século XVII, porém ainda corrente, para o ácido atualmente denominado de nítrico (HNO3), quando diluído em água. Por ser usado em um dos processos da calcografia (arte e técnica de gravar em oco no cobre ou em outro metal), em que a imagem obtida na impressão é fixada sobre uma chapa metálica após a corrosão dos traços do artista, pelo ácido nítrico, passou a designar, além do processo, a matriz usada para a impressão da gravura e a própria gravura, já concluída. O processo se dá a partir do revestimento da chapa – que pode ser de ferro, cobre, latão ou zinco – com um verniz de proteção, seguido da incisão do desenho que se deseja obter, com estilete ou outra ferramenta de ponta metálica. Desta forma, o desenho aparece onde o verniz foi retirado, sem arranhar o metal, permitindo a ação do ácido, que forma os sulcos em que a tinta será colocada. O tempo do mergulho no ácido pode definir tonalidades diferentes e o processo pode ser repetido inúmeras vezes. O método da aquaforte pode ser combinado com outros processos de gravura, em particular a ponta-seca, mas difere de todos os outros por ser o único em que a gravação é feita totalmente pela ação do ácido.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81gua-forte

4. O meu Coração e o seu Coração haverão de ser depurados. Para os que admitem a existência de Deus, se de fato existe um Deus, Ele nunca escolheu, não escolhe e jamais poderá vir a ecolher, dentre os homens, aqueles que haverão de ser salvos. É necessário considerar: não há salvação, não há privilégio. Há, sim, retribuição educativa, que começa, exatamente, com o tipo de morte que o ser-no-mundo haverá de experimentar. Poderá ser um beijo, poderá ser uma sensação de enforcamento; poderá ser sob a forma de um acidente, poderá ser como o apagar de uma vela. Ninguém escapará de educativamente retribuir todo o bem e todo o mal que tiver praticado. Só a compreensão liberta! Mas, do enforcamento ao beijo...

Parêntesis:

A Vivo, Operadora de telefonia celular brasileira pertencente aos grupos Portugal Telecom e Telefônica, arbitrariamente, passou a me cobrar uns pacotes de serviços que não pedi. Então, ontem, 29 de maio de 2009, fui à uma de suas lojas, no Shopping Rio Sul, para tentar resolver o abuso. Como sou filho de portuguesa com italiano e neto de portugueses, de italianos e de espanhóis, o sangue, às vezes, ferve, e acabei me destemperando, e, emputecidérrimo(m + n), armei o maior barraco (da pior qualidade) na tal loja. Bem, ainda que minha indignação com a baita sacanagem da Vivo não tenha, em nenhum momento, mobilizado meu Coração para o rancor retardante e muito menos para o ódio esquerdizante, o barraco foi exagerado e desproporcional. Estou contando isto porque a injustiça e a safadeza contra pessoas que se julgam justas e honestas não autorizam uma desproporcionalidade como a que representei – pioríssima do que a de um Leontopithecus chrysomelas em casa de louças. Uma vergonha para sem-vergonha algum botar defeito! Se isto acontecer com você, procure, se puder, fazer como eu: sempre que – por dependência de uma certa genética (molecular + espiritual) – eu perco as estribeiras, logo que posso, geralmente no mesmo dia, dissolvo mentalmente o insultuoso e ofensivo comportamento exercitado. Ainda bem que minha virulência verbal está substantivamente amainando, pois, no passado, injustiça contra o que quer que fosse ou contra quem quer que fosse, se eu não resolvesse com argumentos, resolvia, geralmente, na porrada. Depois, me arrependia amargamente e passava mal uma semana. Finalmente, devo dizer que também acrescentei este pequeno parêntesis para que alguns dos meus leitores, em função do que escrevo – ainda que eu acredite em tudo que escrevo e que procure viver diariamente tudo que escrevo – não imaginem, por bondade ou por boa vontade, que eu seja uma espécie de santo iluminado ou algo que o valha. Não sou; estou a zilhões de quilômetros de ser um santo iluminado. Estou a zilhões de quilômetros, por exemplo, de Sâr Hieronymus, que, no final de Segunda Grande Guerra, foi preso sob a acusação infamante de ter sido um colaboracionista; ainda que abatido e prostrado, segurou a barra com dignidade e agüentou todas as acusações e humilhações em silêncio. O que aconteceu é que ficou provado que tudo foi uma grande armação dos Irmãos da Sombras, e Sâr Hieronymus foi absolvido. Sou um neófito Rosacruz cheio de defeitos, mas consciente, sim, de todos eles. Esta é a única vantagem – não a de ser Rosacruz, mas de estar consciente de meus defeitos – que terei, em relação a alguns (ou muitos), ao visitar o Devachan. Naquele Plano Vibratório pretendo morar muito pouco tempo, pois, salvo melhor juízo, ficar mastigando e remastigando sonhos e pesadelos no Devachan é, em certo sentido, uma forma egoísta de perder tempo. Quero Aprender o mais rapidamente que for possível para poder Servir o mais efetivamente que for exeqüível. Em texto anterior, expliquei o porquê desta convicção e de como é factível passar o menor tempo possível no Devachan. Resumidamente, é assim: (re)visitar e transmutar, aqui e agora, constante e diariamente, cobiças, desejos, paixões e ambigüidades. Este é o caminho. Dá trabalho, mas este é o único caminho. Per actum caritatis; ad æternum! Por ato de amor; eternamente.

5. Ir e vir    apre(e)nder e retribuir.

 

 

Do enforcamento ao beijo...
Da desproporcionalidade à compreensibilidade...

 

 

 

Fundo musical:

Pange Lingua (Tantum Ergo Sacramentum)

Fonte:

Schola Cantorum do Pontifício Col. Intern. dos Beneditinos de S. Anselmo em Roma P. Notker Wolf, OSB