Paulo Reglus Neves Freire

Paulo Reglus Neves Freire

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Poderemos argumentar o que quisermos, mas sem educação e sem cultura o ente jamais se libertará ou mesmo poderá almejar ser livre. Só compreendendo – e compreendendo, tanto quanto possível, intestina e veridicamente as coisas – poderemos fazer opções melhores e efetivas. Por isto, ofereço para reflexão este despretensioso estudo, que apesar de nada encerrar de original – no que concerne a uma colaboração ou participação minha, claro – é um representativo resumo dos pensamentos de Paulo Reglus Neves Freire, que, além de ter pensado muito e de ter tentado compreender as coisas a vida inteira, entre outras peculiaridades freireanas, era (pelo menos, eu acho) muito parecido com o auto-intitulado ex-Duque de Itararé, pois ele próprio se auto-rebaixou, como prova de modéstia, a Barão de Itararé1. Com todo respeito. Pelos dois. Mas, modéstia mesmo era se o Apporelly se autominimizasse a Baronete (que vale menos do que barão) da Pedra que o Rio Cavou – que é o que significa Itararé em tupi-guarani.

 

 

 

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921 em Recife, Pernambuco. Aprendeu a ler e a escrever com os pais, à sombra das árvores do quintal da casa em que nasceu. Tinha oito anos quando a família teve que se mudar para Jaboatão, a 18 km de Recife. Aos 13 anos perdeu o pai e seus estudos tiveram que ser adiados. Entrou no ginásio com 16 anos. Aos 20 conseguiu uma vaga na Faculdade de Direito do Recife.

 

O estudo da linguagem do povo foi um dos pontos de partida da elaboração pedagógica de Paulo Freire, para o que também foi muito significativo o seu envolvimento com o Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife. Foi um dos fundadores do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife e seu primeiro diretor. Através desse trabalho, elaborou os primeiros estudos de um novo método de alfabetização, que expôs em 1958. As primeiras experiências do Método Paulo Freire começaram na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1962, onde 300 trabalhadores foram alfabetizados em 45 dias. No ano seguinte, foi convidado pelo Presidente João Goulart para repensar a alfabetização de adultos em âmbito nacional. O golpe militar interrompeu os trabalhos e reprimiu toda a mobilização popular.

 

Paulo Freire foi preso, acusado de comunista. Foram 16 anos de exílio, dolorosos, mas também muito produtivos: uma estada de cinco anos no Chile como consultor da Unesco no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária; uma mudança para Genebra, na Suíça em 1970, para trabalhar como consultor do Conselho Mundial de Igrejas, onde desenvolveu programas de alfabetização para a Tanzânia e a Guiné-Bissau, e ajudou em campanhas no Peru e na Nicarágua; em 1980, voltou definitivamente ao País, passando a ser professor da PUC-SP e da Universidade de Campinas (UNICAMP).

 

Uma das experiências significativas de Paulo Freire foi ter trabalhado como Secretário da Educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão Luiza Erundina (PT), entre 1989 e 1991. Paulo Freire morreu no dia 2 de maio de 1997, aos 76 anos de idade, em plena atividade de educador e de pensador.

 

 

 


Pensamentos Freireanos

 

 

 

 

 

Carta Aos Professores

 

 

Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra

 

Nenhum tema mais adequado para constituir-se em objeto desta primeira carta a quem ousa ensinar do que a significação crítica desse ato, assim como a significação igualmente crítica de aprender. É que não existe ensinar sem aprender, e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos.

 

O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas antes pelo ensinante. Mas, agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua curiosidade – razão porque seu corpo consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua criatividade – o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a ensinar, mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado.

 

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.

 

Partamos da experiência de aprender, de conhecer, por parte de quem se prepara para a tarefa docente, que envolve necessariamente estudar. Obviamente, minha intenção não é escrever prescrições que devam ser rigorosamente seguidas, o que significaria uma chocante contradição com tudo o que falei até agora. Pelo contrário, o que me interessa aqui, de acordo com o espírito mesmo deste livro, é desafiar seus leitores e leitoras em torno de certos pontos ou aspectos, insistindo em que há sempre algo diferente a fazer na nossa cotidianidade educativa, quer dela participemos como aprendizes, e portanto ensinantes, ou como ensinantes e, por isso, aprendizes também.

 

Não gostaria, assim, sequer, de dar a impressão de estar deixando absolutamente clara a questão do estudar, do ler, do observar, do reconhecer as relações entre os objetos para conhecê-los. Estarei tentando clarear alguns dos pontos que merecem nossa atenção na compreensão crítica desses processos.

 

Comecemos por estudar, que envolvendo o ensinar do ensinante, envolve também de um lado, a aprendizagem anterior e concomitante de quem ensina, e a aprendizagem do aprendiz que se prepara para ensinar amanhã ou refaz seu saber para melhor ensinar hoje ou, de outro lado, aprendizagem de quem, criança ainda, se acha nos começos de sua escolarização.

 

Enquanto preparação do sujeito para aprender, estudar é, em primeiro lugar, um quefazer crítico, criador, recriador, não importa que eu nele me engaje através da leitura de um texto que trate ou discuta um certo conteúdo que me foi proposto pela escola ou se o realizo partindo de uma reflexão crítica sobre um certo acontecimentos social ou natural e que, como necessidade da própria reflexão, me conduz à leitura de textos que minha curiosidade e minha experiência intelectual me sugerem ou que me são sugeridos por outros.

 

Assim, em nível de uma posição crítica, a que não dicotomiza o saber do senso comum do outro saber, mais sistemático, de maior exatidão, mas busca uma síntese dos contrários, o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e, assim, de ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto.

 

Se, na verdade, estou estudando e estou lendo seriamente, não posso ultrapassar uma página se não consegui com relativa clareza, ganhar sua significação. Minha saída não está em memorizar porções de períodos lendo mecanicamente duas, três, quatro vezes pedaços do texto fechando os olhos e tentando repeti-las como se sua fixação puramente maquinal me desse o conhecimento de que preciso.

 

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da curiosidade, a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler é procurar buscar criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos fundamentais, a importância do ensino correto da leitura e da escrita. É que ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão e da comunicação.

 

E a experiência da compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes de associar, jamais dicotomizar, os conceitos emergentes da experiência escolar aos que resultam do mundo da cotidianidade. Um exercício crítico sempre exigido pela leitura e necessariamente pela escuta é o de como nos darmos facilmente à passagem da experiência sensorial, que caracteriza a cotidianidade, à generalização que se opera na linguagem escolar e desta ao concreto tangível. Uma das formas de realizarmos este exercício consiste na prática que me venho referindo como 'leitura da leitura anterior do mundo', entendendo-se aqui como 'leitura do mundo' a 'leitura' que precede a leitura da palavra, e que perseguindo igualmente a compreensão do objeto se faz no domínio da cotidianidade. A leitura da palavra, fazendo-se também em busca da compreensão do texto e, portanto, dos objetos nele referidos, nos remete agora à leitura anterior do mundo. O que me parece fundamental deixar claro é que a leitura do mundo que é feita a partir da experiência sensorial não basta. Mas, por outro lado, não pode ser desprezada como inferior pela leitura feita a partir do mundo abstrato dos conceitos que vai da generalização ao tangível.

 

Certa vez, uma alfabetizanda nordestina discutia, em seu círculo de cultura, uma codificação que representava um homem que, trabalhando o barro, criava com as mãos, um jarro. Discutia-se, através da 'leitura' de uma série de codificações que, no fundo, são representações da realidade concreta, o que é cultura. O conceito de cultura já havia sido apreendido pelo grupo através do esforço da compreensão que caracteriza a leitura do mundo e/ou da palavra. Na sua experiência anterior, cuja memória ela guardava no seu corpo, sua compreensão do processo em que o homem, trabalhando o barro, criava o jarro, compreensão gestada sensorialmente, lhe dizia que fazer o jarro era uma forma de trabalho com que, concretamente, se sustentava. Assim como o jarro era apenas o objeto, produto do trabalho que, vendido, viabilizava sua vida e a de sua família.

 

Agora, ultrapassando a experiência sensorial, indo mais além dela, dava um passo fundamental: alcançava a capacidade de generalizar que caracteriza a 'experiência escolar'. Criar o jarro como o trabalho transformador sobre o barro não era apenas a forma de sobreviver, mas também de fazer cultura, de fazer arte. Foi por isso que, relendo sua leitura anterior do mundo e dos quefazeres no mundo, aquela alfabetizanda nordestina disse segura e orgulhosa: — Faço cultura. Faço isto.

 


 

 

 

Pensar no amanhã é fazer profecia, mas o profeta não é um velho de barbas longas e brancas, de olhos abertos e vivos, de cajado na mão, pouco preocupado com suas vestes, discursando palavras alucinadas. Pelo contrário, o profeta é o que, fundado no que vive, no que vê, no que escuta, no que percebe (...) fala, quase adivinhando, na verdade, intuindo, do que pode ocorrer nesta ou naquela dimensão da experiência histórico-social.

 

Não há vida sem correção, sem retificação.

 

Não é a conscientização que pode levar o povo a fanatismos destrutivos. Pelo contrário; a conscientização – que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito – evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.

 

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

 

Mudar é difícil, mas é possível.

 

 

 

 

Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo; os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.

 

Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso; eu amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.

 

A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo... Lutando pela restauração de sua Humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira.

 

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito – e somente enquanto sujeito – que o homem pode realmente conhecer.

 

Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos.

 

A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode se dar fora da procura, fora da boniteza e da alegria.

 

Um dos grandes pecados da escola é desconsiderar tudo com que a criança chega a ela. A escola decreta que antes dela não há nada.

 

Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e de denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanha pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina.

 

O ser alienado não procura um mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta ter nascido no seu. Tem vergonha da sua realidade.

 

A humildade exprime uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém.2

 

Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la, e o seu trabalho pode criar um mundo próprio, seu Eu e as suas circunstâncias.

 

O homem, como um ser histórico, inserido em um permanente movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber.

 

Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso, aprendemos sempre.

 

Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo.

 

A escola será cada vez melhor, na medida em que cada ser se comportar como colega, como amigo, como irmão.

 

Importante na escola não é só estudar, é também criar laços de amizade e convivência.

 

Criar o que não existe ainda deve ser a pretensão de todo sujeito que está vivo.

 

A tarefa mais importante de uma pessoa que vem ao mundo é criar algo.

 

O mundo não é; o mundo está sendo.

 

O que me surpreende na aplicação de uma educação realmente libertadora é o medo da liberdade.

 

Ninguém nasce feito, ninguém nasce marcado para ser isso ou aquilo. Pelo contrário, nos tornamos isso ou aquilo. Somos programados, mas, para aprender. A nossa inteligência se inventa e se promove no exercício social de nosso corpo consciente. Se constrói. Não é um dado que, em nós, seja um 'a priori' da nossa história individual e social.

 

Em um país como o Brasil, manter a esperança viva é, em si, um ato revolucionário.

 

Eu fiquei com Marx na mundanidade; mas com Cristo na procura da transcendentalidade.

 

Em Marx eu encontrei uma certa fundamentação objetiva pra continuar camarada de Cristo.

 

Nos anos 60 fui considerado um inimigo de Deus e da Pátria, um bandido terrível. Hoje, diriam que eu sou apenas um saudosista das esquerdas.

 

Descobri que o analfabetismo era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade organizada impunha às classes populares.

 

O que o Capitalismo tem de bom é apenas a moldura democrática. Um dos maiores erros históricos das esquerdas que se fanatizaram foi antagonizar o Socialismo e a Democracia.

 

A liberdade – que é uma conquista, e não uma doação – exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão.

 

Meu sonho de sociedade ultrapassa os limites do sonhar que aí estão.

 

Transformar a experiência educativa em puro treinamento humano é mesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.

 

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento; sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado.

 

Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes.

 

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo, se não é possível mudar o mundo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar de práticas com ela coerentes.

 

O autoritarismo é uma das características centrais da educação no Brasil, do primeiro grau à universidade.

 

Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isto nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que estes profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. A data é um convite para que todos – pais, alunos e sociedade – repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem 'águias' e não apenas 'galinhas'. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

 

Os negros no Brasil nascem proibidos de ser inteligentes.

 

Geralmente, as terríveis conseqüências dos pensamentos negativos são percebidas muito tarde.

 

Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.

 

Devemos compreender, de modo dialético, a relação entre a educação sistemática e a mudança social, a transformação política da sociedade. Os problemas da escola estão profundamente enraizados nas condições globais da sociedade.

 

A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo.

 

Para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma ‘chaga’ nem é uma ‘erva daninha’ a ser erradicada, mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta.

 

 

 

 

A Democracia não pretende criar santos, mas fazer justiça.

 

Eu já tinha dito que o ideal é que as transformações radicais da sociedade – que trabalham no sentido da superação da violência – fossem feitas sem violência. Diante do problema da violência e da Democracia, eu hoje continuo pensando que a Democracia não significa o desaparecimento absoluto do direito de violência de quem está sendo proibido de sobreviver. O esforço de sobreviver, às vezes, ultrapassa o diálogo. Para quem está proibido de sobreviver, às vezes, a única porta é a da briga mesmo. Então, eu concluiria lhe dizendo: eu faço tudo para que o gasto humano seja menor, como político e como educador. Entendo, porém, o gasto maior. Se você me perguntar: ‘entre os dois, para onde você marcha?’ Eu marcho para a diminuição do gasto humano, das vidas, por exemplo; mas entendo que elas também possam ser gastas, na medida em que você pretenda manter a vida. O próprio esforço de preservação da vida leva à perda de algumas vidas, às vezes, o que é doloroso.

 

De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi, sobretudo, que a paz é fundamental, indispensável, mas que a paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz, que em lugar de desvelar o mundo das injustiças o torna opaco e tenta miopizar as suas vítimas.

 

A paz se cria e se constrói na construção incessante da justiça social.

 

Eu não aceito que a ética do mercado, que é profundamente malvada, perversa, a ética da venda, do lucro, seja a que satisfaz ao ser humano.

 

É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.

 

A educação já foi tida como mágica, podia tudo, e como negativa, nada podia. Chegamos à humildade: ela não é a chave da transformação da sociedade.

 

Na verdade, o domínio sobre os signos lingüísticos escritos, mesmo pela criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede – a da 'leitura do mundo'.

 

O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro como sujeito de seu amor. Não se trata de se apropriar do outro.

 

Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.

 

Eu estou absolutamente feliz por estar vivo ainda e ter acompanhado essa marcha, que como outras marchas históricas, revelam o ímpeto da vontade amorosa de mudar o mundo, essa marcha dos chamados sem-terra. Eu morreria feliz se visse o Brasil cheio, em seu tempo histórico, de marchas; marcha dos que não têm escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não podem, marcha dos que se recusam a uma obediência servil, marcha dos que se rebelam, marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser, a marcha pela decência, a marcha pela superação da sem-vergonhice que se democratizou terrivelmente neste País... As marchas são andarilhagens históricas pelo mundo...

 

É preciso brigar para que se tenha um mínimo de transformação...

 

Eu acredito em Deus e agradeço muito a Deus por estar vivo e poder ver e saber que os sem-terra marcham contra uma vontade reacionária histórica implantada neste País.

 

Eu recuso qualquer posição fatalista diante da história e diante dos fatos... Nenhuma realidade é assim mesma... Toda realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção nela...

 

Não é possível refazer este País, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade mudará.

 

A sectarização, porque é mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada.

 

 

 

 

A Título de Epílogo

 

 

 

Um advogado e uma professora pegavam um barco todos os dias para atravessar um pequeno lago e chegar ao seu local de trabalho. Durante as conversas da travessia, o advogado sempre se mostrava superior. Já cansada de ser menosprezada, a professora também começou a fazer o mesmo. Em uma dessas conversas mais inflamadas, o advogado pergunta ao barqueiro:

— O senhor entende alguma coisa de leis?

— Não senhor, não entendo nada.

— Então o senhor perdeu metade de sua vida — ponderou o advogado.

A professora pergunta ao barqueiro:

— O senhor sabe ler e escrever?

— Não senhora, nunca fui à escola.

— Então o senhor perdeu metade da sua vida — comentou a professora.

Nisso, passa uma lancha veloz perto deles, e a onda formada vira o barco.

— Vocês sabem nadar? — pergunta rapidamente o barqueiro.

— Não, eu não! — responde o advogado, já bebendo água.

— Eu também não — responde a professora que se debatia na água.

— Então vocês perderam uma vida inteira!

 

 

 

 

 

 

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Nota:

1. Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (Rio Grande, 29 de janeiro de 1895 – Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1971), também conhecido por Apporelly e pelo falso título de nobreza de Barão de Itararé, foi um jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro. Aparício Torelly depois de, como ele próprio dizia, fundar e afundar vários jornais no Rio Grande do Sul, chegou à Capital Federal, então a Cidade do Rio de Janeiro, em 1925. No mesmo ano, foi trabalhar em O Globo, de Irineu Marinho. Com a morte de Irineu, Apporelly foi convidado por Mário Rodrigues (pai de Nelson Rodrigues) a ser colaborador do jornal A Manhã. Ainda em 1925, no mês de dezembro, Aparício Torelly estreava na primeira página com seus sonetos de humor que, geralmente, tinham como tema um político da época. Sua coluna humorística fez sucesso, e também na primeira página, em 1926, começou a escrever a coluna A Manhã tem mais…. Neste mesmo ano, criou o semanário que viria a se tornar o maior e mais popular jornal de humor da história do Brasil. Bem ao seu estilo de paródias, o novo jornal da Capital Federal tinha o nome de A Manha, e usava a mesma tipologia do jornal em que Apparício trabalhava, sem o til, fazendo toda diferença que era reforçada com a frase ladeando o título: Quem não chora, não mama. Para estréia tão libertadora, Apporelly não perdeu a data de 13 de maio de 1926. Em 2006, portanto, comemoram-se 80 anos de fundação de A Manha. O personagem Barão de Itararé nasceu nas páginas de A Manhã, em 1930. Durante a Revolução, a Batalha de Itararé foi vastamente propagada pela imprensa. Apporelly não ficou de fora desta tendência. Esta Batalha ocorreria entre as tropas fiéis a Washington Luís e as da Aliança Liberal que, sob o comando de Getúlio Vargas, vinham do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro para tomar o poder. A Cidade de Itararé (que em tupi-guarani significa pedra que o rio cavou) fica na divisa de São Paulo com o Paraná, mas antes que houvesse a batalha mais sangrenta da América do Sul, fizeram acordos. Uma junta governativa assumiria o poder no Rio de Janeiro e não aconteceu nenhum conflito. O Barão de Itararé comentaria este fato mais tarde da seguinte maneira: Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da Prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… E eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve. Na verdade, em outubro de 1930, Aparício se autodeclarara Duque nas páginas de A Manhã: O Brasil é muito grande para tão poucos duques. Nós temos o quê por aqui? O Duque Amorim, que é o duque dançarino, que dança muito bem mas não briga, e o Duque de Caxias que briga muito bem, mas não dança. E agora eu, que brigo e danço conforme a música. Mas como ele próprio anunciara semanas depois, como prova de modéstia, passei a Barão.

2. Quem pensar direitinho verá que isto não é bem assim! Eu acredito que haja, sim, Seres realmente Superiores (com as letras S e S maiúsculas) em Sabedoria, em Bondade, em Misericórdia, em Fraternidade et cetera; mas estes Seres Superiores são os mais humildes entre os mais humildes. Ou será que, por exemplo, Akhnaton, Kut Hu Mi, Buddha e Jesus seriam iguais a A. H., Slobodan Miloševic, Theodore Robert Bundy e Charles Milles Manson? Tenha a santa paciência! Formamos todos, sem exceção, a Unicidade Cósmica, sim; mas não somos iguais.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://cartunistasolda.blogspot.com/
2008/09/grandes-assinaturas_28.html

http://andretoso.wordpress.com/
2008/09/16/veja-x-paulo-freire/

http://www.ricosabor.com.br/67qc.html

http://www.amoreamor.com/frases
-do-autor--paulo-freire--2974.html

http://www.pitangui.uepg.br/nep/
biblioteca/ep.ana.FREIRE.pdf

http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos
/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdf

http://www.youtube.com/watch?v=Ul90heSRYfE

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci
_arttext&pid=S0103-40142001000200013

http://www.projetomemoria.art.br/
PauloFreire/index.jsp

http://www.projetomemoria.art.br/
PauloFreire/pensamento/06_pensamento_frases.html

http://www.pensador.info/autor/Paulo_Freire/

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Bar%C3%A3o_de_Itarar%C3%A9

http://pt.wikiquote.org/wiki/Paulo_Freire

 

Fundo musical:

Pagodeando (Noca da Portela e Sereno)

Fonte:

http://www.beakauffmann.com/
mpb_p/pagodeando.html