A Bela, Belíssima, Pagu

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Texto

 

 

 

Este texto é uma pequena coleção de frases e pensamentos da escritora, poetisa, musa do Modernismo e jornalista brasileira famosa por sua participação no Partido Comunista Brasileiro Patrícia Rehder Galvão (9 de junho de 1910 – 12 de dezembro de 1962), conhecida pelo pseudônimo de Pagu. Sobre a bela, belíssima, Pagu, escreveu Graciela Zabotto: Elogiou Fernando Pessoa... Ela não queria o estrelato. Ser musa de muitos. Desejava, talvez, apenas uns poucos capazes de ler, de compreender e, quem sabe, de absorver o que escrevia, seus pensamentos em papel… Que tantos olhos lessem o que ninguém foi capaz de compreender através de seu olhar, algumas vezes esperançosos, outras relembrando um futuro que jamais virou presente, um futuro que ficou no passado. Pretérito imperfeito? Ou futuro mais que perfeito?

 

 

 

Breve Biografia de Pagu

 

 

 

Mulher de inúmeros matizes, libertária por excelência. De Joana D'Arc a Rosa de Luxemburgo, uma combinação dos mais puros e profundos sentimentos de liberdade. Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, fez de sua vida um campo de batalha contra a intolerância, os desmandos e os grilhões impostos por senhores de uma sociedade retrógrada e, nos mais diversos aspectos, injusta. Mais do que isto, ela se fez mulher. Um espírito batalhador que foi capaz de ir muito além dos limites impostos por seu corpo físico. Bem adiante de sua época, ela inovou e revolucionou costumes. De Pagu, pensou e disse o escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro Oswald de Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 – São Paulo, 22 de outubro de 1954): Pagu é o mais autêntico símbolo feminino da ousadia e inconformismo artístico e cultural de seu tempo.

 

Nos últimos anos de vida, apesar de trabalhar incansavelmente pela cultura, começa a beber de forma compulsiva. Suas roupas ficam surradas, escuras e fora de moda. Seus cabelos viviam despenteados, seu olhar era angustiado, cansado, vago... Nada, nada, nada. Nada mais do que nada. Abrir meu abraço aos amigos de sempre. Poetas compareceram, alguns escritores, gente de teatro, birutas no aeroporto. E nada. Foi seu último texto, datado em 23 de setembro de 1962, antes de viajar para Paris. Precisava ser operada; o câncer a perseguia. Sem sucesso, volta para o Brasil. Três meses depois, seu coração parou; ele não mora mais aqui, seguiu outra trilha onde possa encontrar seres que a entendam e a ajudem encontrar o sentido da Liberdade.

 

Em A Tribuna, 16/12/1962, Geraldo Ferraz escreveu: Patrícia Galvão morreu neste dia de primavera, nesta quarta-feira, às 16 horas. Morreu aqui em Santos, a Cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a irmã e a mãe que a acompanhavam naquele momento, e, felizmente, em poucos minutos, apenas sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que pedia ainda liberdade: — ‘desabotoa-me esta gola'.

 

Enfim, Pagu – que inspirou e influenciou opiniões de artistas e movimentos de mulheres e de trabalhadores em defesa da liberdade política e de expressão no Brasil durante a primeira metade do século XX – entrou para a história como um a mulher corajosa, forte, libertária, destemida, revolucionária, inteligente e sensual.

 

 

 

Frases e Pensamentos

 

 

 

 

 

Carta de uma Militante
Crítica de Pagu ao Stalinismo
(fevereiro 1939)

 

 

Este texto de Pagu, além de noticiar o rompimento com o stalinismo, é também o anúncio de sua aproximação com o trotskismo, idéias do revolucionário russo Lev Davidovitch Bronstein, dito Trotski (1879 – 1940), que, entre outras recomendações, preconizava a revolução permanente, em oposição à teoria stalinista de socialismo em um só país.

 

Companheiros!

 


Este documento vai com o meu apoio absoluto aos camaradas revolucionários pela posição que tomaram frente à burocracia internacional que tem travado a marcha do movimento revolucionário e traído o proletariado da URSS e as conquistas da Revolução soviética. A minha posição foi tomada depois de uma análise meticulosa, longa e objetiva, que se iniciou com a primeira dúvida produzida na minha passagem pela URSS. É a minha convicção revolucionária que me coloca ao lado dos companheiros na luta contra a burocracia, por um Partido verdadeiramente revolucionário e pela Revolução Proletária Internacional. Autorizo a publicação mesmo com meu nome legal, total ou em parte.

 

A Burocracia Soviética na URSS

 

Os sintomas da formação de uma burocracia soviética, depois da tomada do poder por Hitler, só se tem agravado, e hoje não é mais possível ignorar-se ou ficar-se indiferente ante os crimes e, o que é pior, os erros da casta governamental soviética. A sua existência pode ser constatada não só praticamente mas também teoricamente, procurando-se as causas das sucessivas derrotas que tem sofrido o proletariado nestes últimos dez anos em que as crises do Capitalismo têm se mostrado mais graves. Só esse fenômeno faz pensar que simultaneamente entrou em crise a direção do proletariado. Um rápido exame da política seguida pelas organizações operárias evidencia o caráter oportunista e capitalista desta política. A que se deve isto? A erros teóricos e práticos a que está sujeita qualquer organização revolucionária? Evidentemente não. Os erros dos Partidos revolucionários são eminentemente descontínuos. As verdadeiras causas primeiras desta política, hoje internacional, devem ser buscadas na necessidade sentida pela burocracia soviética de se manter no usufruto das conquistas da Revolução, na impossibilidade de conciliar os interesses do proletariado internacional com os daqueles que se proclamam seus chefes.

A burocracia soviética saiu do Partido Comunista Russo, isto porque na fase imediatamente pós-revolucionária todo o poder político e administrativo encontra-se nas mãos do Partido. Nesta fase, toda obra revolucionária é criar condições para a descentralização cada vez maior. É enfim cumprir a palavra de Lenin: 'Tornar o Governo desnecessário é a maior tarefa deste Governo'. Na Rússia, contudo, esta tarefa teve que ser relegada a um segundo plano. Isto porque circunstâncias diversas, tais como a existência de Estados burgueses nas suas fronteiras e a situação pré-revolucionária em grande número de países da Europa, fizeram com que o Partido não pudesse considerar a Revolução de Outubro como uma vitória definitiva, mas, apenas, como uma etapa vitoriosa na luta revolucionária do proletariado. O Partido viu, e viu justo, que as conquistas da Revolução só poderiam ser mantidas com o desenvolvimento da revolução internacional. Esta é a primeira verdade necessária para a compreensão da gênese da burocracia termidoriana.1 A Revolução Russa não podia ser tida como um fim. E não o foi de fato. O seu desenvolvimento natural e dialético seria o prosseguimento da revolução proletária no campo internacional. Em vez disso, sacrificou-se a revolução internacional – como é sacrificada ainda hoje. Conseqüentemente, sacrifica-se a Revolução Russa. E como esta ação fosse contrária a tudo que o é Marxismo, só podia gerar o absolutismo burocrático, os privilégios excessivos dos dirigentes, o conservantismo nacional. Como se pode comportar esta casta, constituída na sua quase totalidade de 'arrivées', diante das conquistas da Revolução Proletária? A Revolução foi feita tendo por fim o estabelecimento de uma sociedade sem classes, sem privilegiados, portanto, sem deserdados. Uma sociedade concebida nestes moldes não teria necessidade de uma burocracia profissional para exercer uma coerção estatal, por isso mesmo que as funções seriam exercidas pelos próprios cidadãos. As condições a que aludimos fizeram com que a estrutura atual do Estado Soviético seja o oposto deste ideal. Ora, nós sabemos que não há Governo que possa se exercer sem uma ideologia real ou fictícia. E a burocracia viu-se obrigada a se apoiar, pelo menos ficticiamente, na ideologia comunista revolucionária. Conseguiu isto, mascarando e dissimulando seus privilégios com a mentira, justificando com fórmulas comunistas relações e fatos que nada têm realmente com o Comunismo.

O abismo entre a palavra e a realidade é cada vez mais profundo, daí ser necessário rever a cada ano não apenas as fórmulas mais sagradas, mas até os próprios princípios. Deste modo, a burocracia bonapartista não só se apossa das conquistas da Revolução, mas a falseia, despindo-a dos seus caracteres mais essenciais sob a alegação de que constituem 'erros da esquerda'. À maior dissonância ela revela o seu caráter policial, perseguindo, 'depurando' sob o rótulo de trotskismo. Do Estado Soviético, do Estado Operário, fez um estado totalitário. A própria efervescência das idéias e das relações sociais, que são o fenômeno natural que segue qualquer grande transformação social tornou-se-lhe perigosa. Ela teme a discussão porque teme a crítica, e teme a crítica porque teme a massa. O seu verdadeiro medo é ver perdidos os seus privilégios, daí o não permitir nenhuma discussão, daí as prisões, daí as deportações, daí os fuzilamentos. Teme a crítica, e por este temor mesmo ela só pode perceber os fenômenos através dos 'bureaux' e não através das discussões, que são o único índice preciso. Os 'bureaux' são um aparelho de coerção, não um aparelho de ação. A burocracia pode produzir burocratas e lacaios servis, nunca revolucionários. Ela terá que ser necessariamente vacilante e pouco segura na sua ação. Ao primeiro embate histórico toda sua inconsistência interior manifestar-se-á.

 

A Burocracia no Exterior

 

A Internacional Comunista (IC) sofreu, como não podia deixar de sofrer, grandes modificações, quer na sua ação política, quer na sua organização, desde que a Revolução foi vitoriosa em um país. Esta ação, que naturalmente devia se tornar mais decisiva e mais eficaz, dada a existência de um ponto de apoio material – um Estado operário tornou-se negativa, senão criminosa. A origem deste fato está na própria burocracia soviética. A Internacional tornou-se, de organização revolucionária do proletariado, um apêndice da burocracia termidoriana, um órgão para manter os privilégios. Os métodos da Internacional são um esboço grotesco dos métodos da burocracia bonapartista, as suas organizações, instrumentos servis, a sua imprensa, o eco da imprensa soviética. Se a história tivesse permitido que a Revolução Russa seguisse o seu desenvolvimento natural, a IC seria o instrumento da extroversão da Revolução de Outubro, seria o meio de dragar para o proletariado internacional as energias obtidas com a tomada do poder. Em vez disso, a União Soviética toma a posição de introversão, procura captar todas as forças do proletariado para a defesa da URSS (isto é, a defesa da burocracia), relegando para um plano inferior a Revolução Internacional. Realmente, a burocracia stalinista age no sentido de que a União Soviética tome, juridicamente, no quadro das relações internacionais, todas as características de um estado burguês. Acordos econômicos e militares com países capitalistas fizeram com que a URSS perdesse definitivamente a sua liberdade de ação no exterior. O que foi a IC em tudo isto? Ela foi o instrumento junto às massas trabalhadoras da política de 'escoras internacionais' empreendida pela estupidez burocrática, na ânsia de se garantir. Ela serviu para fabricar, nos países de maior influência da URSS, a atmosfera de calma interior, necessária à preparação bélica, desenvolvendo em escala internacional a política de frentes populares com a burguesia. Castrou as massas operárias, impregnando o ar de um espírito reformista e anti-revolucionário, confundindo capciosamente a defesa da casta governamental com a defesa da União Soviética. A URSS só seria realmente defendida por uma ação efetivamente revolucionária do proletariado internacional; mas a burocracia dirigente só pode se defender à custa de conchavos e de alianças internacionais. Mais: a burocracia é naturalmente oportunista, daí os ziguezagues que caracterizaram a sua política externa e, portanto, aquela da IC. Nestes ziguezagues, em que tudo o que era bolchevismo foi perdido, a IC freou o proletariado, traiu-o, até amarrá-lo ao imperialismo, lançando-lhe a esperança em uma messiânica guerra futura. Como pode, porém, a IC chegar a tal ponto de degenerescência, sem possuir um aparelho estatal para reprimir as divergências, revolucionárias naturalmente, que haveriam de surgir no seu seio? É claro que a IC não conseguiria chegar à decrepitude atual senão fugindo lentamente daquilo que, de Lenin para cá, denominou-se bolchevismo.

Bolchevismo é o método marxista de ação revolucionária. A IC nega-o objetivamente quando se lança nos braços dos países democráticos, em vez de explorar tecnicamente os recursos de que pode dispor o proletariado na sua luta, recursos que, pela profundeza dos fenômenos históricos de que emanam, excluem naturalmente a política de recuos sistemáticos, de conchavos ou de uniões. Toda ação objetiva da IC, hoje, visa atenuar os antagonismos de classe e colocar o proletariado, pelo menos teoricamente, como o aproveitador fugaz dos choques interburgueses. Daí ligá-lo a determinados grupos da burguesia, tirar-lhe a independência política e até orgânica. O que tem isto de comum com o marxismo-leninismo, que faz toda sua ação objetiva se basear na oposição de classe a classe, forçando, ao mesmo tempo, teoricamente, os meios do proletariado atingir o poder e praticamente o modo de exercê-lo? Para que esta ação se faça de modo conciso e justo e é necessário que o Partido viva subjetivamente, apoiado em dois princípios: unidade de ação e democracia mais ampla. E compreende-se: as organizações revolucionárias são do proletariado. A linha política será tanto mais justa quanto maior for a consciência que estas organizações tenham das suas próprias forças, e quanto maior for o conhecimento que tenham da realidade. E a realidade, a situação objetiva, não pode ser sentida por 'bureaux'; ela só é percebida pela própria massa. Daí ser imprescindível para que uma organização revolucionária continue como tal que as sua iniciativas políticas partam da base, ao menos no seu esboço. Daí remonta aos quadros dirigentes, onde terá uma forma mais precisa, voltando então à massa, que adota as realizações práticas. Mas não é formal este processo de mecânica organizatória bolchevique. Aí está a história do Partido Russo até a Revolução. Esta democracia interna permite que a massa só aja com uma certa consciência da ação, daí a firmeza, a unidade. A IC viu-se diante de um dilema: ou se burocratizar ou agir contra os interesses da casta governamental soviética. E assim empreendeu e realizou a obra completa da burocratização de suas seções. Paulatinamente, foi se centralizando o poder político, os dirigentes se habituando a ver a massa de longe, através de hipóteses; as discussões foram tomando um caráter cada vez mais secundário diante das ordens cada vez mais ditatoriais da direção. Hoje, a obra está terminada. Ela pode ser contemplada em toda a sua extensão: o servilismo ou o meio dos militantes de base, as dissonância cada vez mais raras e cada vez mais violentamente abafadas, a imensa importância dos 'bureaux' em relação à base, a putrefação ideológica. Hoje, a burocracia da Internacional impera absoluta, mas a própria organização burocrática fará com que, ao primeiro grande embate histórico, as sua seções se desagreguem e apareçam cisões nos seus seios.

Seria errôneo e artificial julgar que tais cisões sejam apenas fenômenos de desagregação. Elas são também, e em grande parte, função das traições de classe, da própria composição dos partidos. E não nos esqueçamos que 'se as diferenças de pontos de vista no seio do Partido coincidir com diferenças de classe nenhuma força nos afastará da cisão' (Lenin, 'Testamento'). À medida que nos aproximamos do epílogo das crises mais ou menos continuadas do Capitalismo, vamos sentindo a necessidade de abandonar aqueles que traíram o proletariado na China, na França, na Alemanha, na Espanha, sob pena de sermos cúmplices de uma catástrofe histórica. A burocracia perdendo terreno, acuada pela massa operária, será cada vez mais violenta na sua ação compressora. Isto é um caráter que lhe é específico. Não esqueçamos as palavras de Stalin, palavras típicas de um golpe bonapartista: 'Estes quadros só serão destituídos pela guerra civil' (Pleno do CC de agosto de 27).

Os elementos conscientes e capazes saberão o caminho a seguir. Saberão encarar a burocracia como um acidente funesto, mas incapaz de deter a marcha da história.

Saudações revolucionárias!

Pagu

 

 

 

 

 

Quando eu morrer, não quero que chorem a minha morte; deixarei meu corpo pra vocês.

 

Caracterização da literatura moderna: Primeiramente, uma invenção da linguagem. A norma descritiva do escritor considerado de vanguarda é uma pesquisa no sentido de dar intensidade, de estabelecer surpresa, de qualificar em profundidade os episódios e as figuras, as relações e as coisas. A originalidade, portanto, mas uma originalidade que não seja feita de originalidade apenas – uma originalidade orgânica, funcionando, muitas vezes, em consonância rítmica e fonética mesmo, com as coisas narradas...

 

Os pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente, porque lhe faltavam pedaços de dedos. Tremia de frio, mas não chorava com seus olhos enormes. Todas as conquistas da revolução paravam naquela mãozinha trêmula estendida para mim, para a comunista que queria, antes de tudo, a salvação de todas as crianças da Terra. Então a revolução se fez para isto? Para que continuem a humilhação e a miséria das crianças?

 

Na nebulosa da infância, a sensitiva já procurava bondade e beleza. Mas a bondade e a beleza são conceitos do homem. E a menina não encontrava a verdade e a beleza por onde procurava. Talvez porque já caminhasse fora dos conceitos humanos.

 

Escritor de vanguarda: Só é escritor de vanguarda quem tem idéias de vanguarda. No vasto mundo das idéias sobre o conhecimento do homem que o século XX trouxe, uma das primeiras noções incorporada foi a noção de velocidade... No mundo físico, a grande contribuição a todas as artes do século XX, inclusive à literatura, foi a idéia da velocidade, que implica na simultaneidade das coisas... A Psicologia e a Psicanálise incidiram sobre a literatura e lhe deram elementos novos de poesia e de expressão, de conhecimento das ações e das reações, libertando o homem de muitos preconceitos, causas falsas, noções errôneas, acerca dos atos...

 

A pedagogia não encontrou ainda melhor veículo para a cultura humana. Cinema, rádio, televisão, história em quadrinhos, didaticamente utilizadas, nunca passarão de auxiliares da cultura. Pois todos eles produzem 'apenas' o que a letra estabelece entre o momento da criação e a tarefa realizada do escritor e do poeta. Escritores e poetas são, pois, os decisivos intermediários da produção literária, em livros – não são 'substituídos' por locutores de rádio, por atores de cinema ou de televisão. É, portanto, ao livro que nos reportamos.

 

É preciso ter livros, ler livros, procurar livros, trocar livros, emprestar livros... A tarefa essencial de uma cidade que cultua a inteligência, de uma cidade que aspira a uma posição, é a de manter e cultivar o gosto pela literatura.

 

Você não enxerga? Não vê os automóveis dos que não trabalham e a nossa miséria? Elas têm uma hora para o lanche. Madame saiu de automóvel com o gigolô. Madame corre de novo acompanhando a freguesa que salta para um automóvel com um rapaz de bigodinho. As filas de automóveis se misturam, engrossam, lavando a promessa das meninas pobres, ceias de ventarolas e rolos catados. Não olhe praquele sujeito da baratinha!

 

É importante que se mantenha o hábito da leitura, de 'educar' literalmente, estabelecendo no leitor juízos avaliadores daquilo que está lendo ou daquilo que queira ler.

 

A libertação do homem é o primeiro objetivo de toda a literatura que se considere de vanguarda.

 

Soldados, não atirem contra seus irmãos!

 

Malandros! É por isso que o trabalho não rende! Sua vagabunda! Bruna desperta. A moça abaixa a cabeça revoltada. É preciso calar a boca... Acabam de me despedir da fábrica, sem uma explicação, sem um motivo. Porque me recusei a ir ao quarto do chefe.

 

Eu tinha consciência, sim, de que estava me prostituindo, e parecia-me que não era obrigada a isso. Uma palavra só e tudo terminaria ali. Mas eu me deixava levar sem coragem para reagir. Qualquer coisa me imobilizava e sentia que me deixava arrastar pela impotência. Gritava mentalmente contra minha inutilidade e minha falta de resistência. Ridicularizei intimamente o que queria fazer passar por fatalidade. Eu me deixava arrastar estupidamente e continuei.

 

Trabalho como atividade escravista... Inexistência, na época, de direitos trabalhistas e segurança no emprego... Liberdade do capitalista em manipular como quiser seus empregados:

— Que é isso? – exclama a costureira empurrando-a com o corpo para o interior da oficina.

Você pensa que vou desgostar 'mademoiselle' por causa de umas preguiçosas! Hoje haverá serão até uma hora.

Eu não posso, madame, ficar de noite! Mamãe está doente. Eu preciso dar o remédio para ela!

Você fica! Sua mãe não morre por esperar umas horas.

Mas eu preciso!

Absolutamente. Se você for é de uma vez.

Uma delas vai linguarar [sic] para madame. A costureira chama a mulata. Todas se alvoroçam. É uma festa pras meninas. Ninguém sente a desgraça da colega. A costura até se atrasa.

Abortar? Matar o meu filhinho?

A cabeça em reboliço. As narinas se acendem.

Sua safadona! Então, vá se raspando. No meu 'atelier' há meninas. Não posso misturá-las com vagabundas.

 

Nós não temos tempo de conhecer os nossos filhos!

— Nós não podemos conhecer os nossos filhos! Saímos de casa às seis horas da manhã. Eles estão dormindo. Chegamos às dez horas. Eles estão dormindo. Não temos férias! Não temos descanso dominical!

 

As espadas dos cavalarianos gargalham nas costas e nas cabeças dos trabalhadores irados. Eles só têm os braços algemados para se defender. Os grevistas se amassam nas patas dos cavalos. Recuam. Tiros, chanfalhos, gases venenosos, patas de cavalo. A multidão torna-se consciente, no atropelo e no sangue.

 

Tenha até pesadelos, se necessário for. Mas sonhe.

 

 

 

 

Se eu ainda tivesse unhas, enterraria meus dedos nesse espaço em branco que ainda resta.

 

Esclarecendo sua preferência pelo teatro experimental, afirmou: Preferimos a vanguarda porque ela visa corrigir os vícios e os hábitos de se assistir teatro normal, teatro repetido, teatro que deixa espectador e atores indiferentes. Preferimos aqueles momentos capazes de sacudir o sono do mundo, como lembrava, certa vez, o velho mestre Sigmund Freud. Pois que o mundo dorme.

 

É uma necessidade conversar com os poetas. E se os poetas morrerem, provocarei os mortos, as flores do mal que estão na minha estante.

 

O escritor da aventura não teme a aprovação ou a renovação dos leitores. É-lhe indiferente que haja ou não, da parte dos críticos, uma compreensão suficiente. O que lhe importa é abrir novos caminhos à arte, é enriquecer a literatura com germens que venham a fecundar a literatura dos próximos cem anos.

 

De degrau em degrau, desci a escada das degradações porque o Partido precisava de quem não tivesse um escrúpulo, de quem não tivesse personalidade, de quem não discutisse. De quem apenas aceitasse. Reduziram-me ao trapo que partiu um dia para longe, para o Pacífico, para o Japão e para a China, pois o Partido se cansara de fazer de mim gato e sapato. Não podia mais me empregar em nada: estava ‘pintada’ demais... Em 1935, procurei uma revolução que o Partido preparava e não achei revolução nenhuma. Nos pontos, nas esquinas, nenhuma voz, nenhum gesto. Apenas o fiasco. Mais uma vez, o fiasco... E todos nós para a cadeia... Outros se mataram. Outros foram mortos. Também passei por esta prova. Também tentaram me esganar em muito boas condições. Agora, saio de um túnel. Tenho várias cicatrizes, mas estou viva.

 

O apito da chaminé gigante, libertando uma Humanidade inteira, que se escoa para as ruas da miséria.

 

O grito possante da chaminé envolve o bairro. Os retardatários voam, beirando a parede da fábrica, granulada, longa, coroada de bicos. Resfolegam como cães cansados, para não perder o dia. Uma chinelinha vermelha é largada sem contraforte na sarjeta. Um pé descalço se fere nos cacos de uma garrafa de leite. Uma garota parda vai pulando e chorando alcançar a porta negra. O último pontapé na bola de meia.

 

Lembro minha submissão absoluta. Não ao homem. Ao amor.

 

Escrevo o retrocesso constatado no dia de hoje. Não consigo viver a vida artificial dos últimos dias em que me dissolvia na vida coletiva da prisão. Onde é que eu ia buscar o entusiasmo senil pelo lúmpen2, quando a própria lama hoje me decepciona?

 

Nada, nada, nada,
Nada mais do que nada,
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas.
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava.
Um cão rosnava na minha estrada.
Abri meu abraço aos amigos de sempre;
Poetas compareceram,
Alguns escritores,
Gente de teatro.
Birutas no aeroporto...
E nada!

 

Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre.

 

 

 

 

O homem nascido no Brasil, em Cuba, na China ou na Rússia não tem necessidade alguma de nenhum 'pai dos pobres', de 'paizinho', quer se chamem Getúlio Vargas ou José Stálin. Que as massas atirassem fora a 'humildade', pois era sobre esta que se estendia 'a asa negra' dos diversos 'pais' que a si mesmo se nomearam, como se os povos fossem formados de órfãos e de bastardos...

 

A satisfação intelectual não me basta; a ação, sim, esta me faz falta!

 

A liberdade e a prisão... Ter um barco que percorra... Distâncias incríveis... Saber remendar um sapato... Encontrar um amor... Amor de verdade... Ser vento, fogo ou carvão... Tudo, tudo, tudo... Menos esta ratoeira.

 

 

 

 

 

Presa vinte e três vezes como inimiga número um da ditadura de Getúlio Vargas, Pagu se justificava: — Tenho muita força, mas onde irei empregar essa força? É preciso gritar, gritar até cair morta.

 

De um País tão rico e importante, fizeram um país de sobremesas. Açúcar, café, bananas. Que pelo menos nos sobrem as bananas!

 

Homem que me ouves: sai da tua prisão! Rompe os grilhões que, mais do que te escravizam, te cretinizam. Enfrenta os imbecis camuflados de 'duce', esses 'führeres' de todos minutos, esses improvisados condutores de supersticiosas 'cadeias da felicidade', vendedores de bananas – quer se chamem Plínio Salgado, Luís Carlos Prestes, Adhemares, Borges, Caio & Cia., turbas de prestidigitadores!

 

Tenho várias cicatrizes, mas estou viva. Abram a janela. Desabotoem minha blusa. Eu quero respirar.

 

Sou a única atriz.
É difícil para uma mulher
interpretar uma peça toda.
A peça é a minha vida,
meu ato solo.

 

 

 

CANAL
(publicado na Tribuna, Santos, SP, em 1960)

 

Nada mais sou que um canal.
Seria verde se fosse o caso,
Mas estão mortas todas as esperanças.
Sou um canal.
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras,
As suas nebulosidades,
As suas algas,
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas.
Mas, por favor,
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras.
Isso não.
Gosto de bandeiras alastradas ao vento,
Bandeiras de navio.
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos.
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste.
Há garotos nos bares,
Há, não sei mais o quê há.
Digamos que seja a Lua Nova,
Que seja esta plantinha voacejando
[sic] na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram,
Lembranças de todas as coisas ocorridas.
Há coisas no ar...
Digamos que seja a Lua Nova
Iluminando o canal.
Seria verde se fosse o caso,
Mas estão mortas todas as esperanças.
Sou um canal.

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu não posso deixar de dizer:

 

 

 

Pessoas há que apensam;

outras há que se dispensam.

Pagu – a militante garrida –

foi lhana por toda uma vida.

 

 

Pagu – pelejas e embates;

Pagu – mil e nove quilates.

Pagu – submissão absoluta

 

 

O que foi inferno, hoje, é céu.

Foi mutado o desprezivo labéu.

Pagu – a voar pelo Universo

já não se aflige com o reverso.

 

 

 

 

 

 

 

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Nota:

1. O vocábulo termidoriano se refere aos acontecimentos de 9 de termidor do segundo ano da Revolução Francesa, que determinaram a queda e a execução de Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (6 de maio de 1758, Arras – 28 de julho de 1794, Paris) e de seus principais partidários e colaboradores.

2. Por definição, lúmpen é a pessoa que pertence ao lumpemproletariado. No vocabulário marxista, lumpemproletariado designa a camada flutuante do proletariado, destituída de recursos econômicos, e especialmente caracterizada pela ausência de consciência de classe, e, portanto, representa a seção degradada e desprezível do proletariado.

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://blogdomrx.blogspot.com/
2009/08/pilula-da-felicidade.html

http://spaceshalom.blogspot.com/
2009_01_31_archive.html

http://vimu.blogdrive.com/

http://pagupatricia.blogspot.com/search/label/
Pensamentos%20de%20Patr%C3%ADcia

http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1260

http://lanic.utexas.edu/project/
etext/llilas/ilassa/2008/higa.pdf

http://cruapalavra.blogspot.com/2009/
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http://www.jornalaldrava.com.br/pag_afemil.htm

http://www.novomilenio.inf.br/
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http://www.dan.ufv.br/evento/artigos/
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http://members.fortunecity.com/rvca1/textos.htm

http://centroculturalzennbell.blogspot.com/
2010/01/pagu-frases.html

http://www.ileel.ufu.br/sepel/artigos/artigo_8.pdf

http://gracielazabotto.wordpress.com/2009/
08/22/uma-jornalista-chamada-patricia-galvao/

http://www.metodista.br/poscom/cientifico/
publicacoes/discentes/art/artigo-0037/

http://vodpod.com/watch/291122-entrevista
-com-diretora-do-instituto-patrcia-galvo

http://www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm

http://www.lunaeamigos.com.br/
cultura/mulherespatriciagalvao.htm

http://www.ler-qi.org/spip.php?article998

http://pt.wikiquote.org/wiki/
Patr%C3%ADcia_Galv%C3%A3o

 

Música de fundo:

Pagu
Composição: Rita Lee & Zélia Duncan
Intérprete: Maria Rita

Fonte:

http://www.docevenenomidivoices.com.br/
nacionaisMN.htm