Os
homens nunca fazem o mal tão completamente e tão alegremente
como quando o fazem por convicção religiosa.
A
maior fraqueza do homem é poder tão pouco por aqueles que
ama.
Que
difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper
esse entendimento pela maneira de propor! Se dizemos acho isto belo, acho
obscuro ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação
para este juízo, ou a irritamos levando-a ao juízo contrário.
Mais vale nada dizer, e, então, o outro julga segundo o que é
ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras
circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá
tiverem posto. Mas, pelo menos, nós não pusemos nada; a não
ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo
o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a lhe
atribuir, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão
do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão
difícil é não deslocar um entendimento da sua base
natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!
Corremos
alegres para o precipício quando pomos pela frente algo que nos impeça
de o ver.
É
uma doença natural no homem acreditar que possui a verdade.
A
Natureza tem perfeições que mostram que é a imagem
de Deus, e defeitos que mostram que é apenas a imagem.
A
Natureza detesta o vazio.
É
mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que suportar o pensamento
da morte sem morrer.
Não
nos sustentamos na virtude pela nossa própria força, mas pelo
contrapeso de dois vícios opostos, como ficamos de pé em dois
ventos contrários; tirai um desses vícios e cairemos no outro.
Estamos
cheios de coisas que nos lançam para fora. O nosso instinto nos faz
sentir que é preciso procurar a nossa felicidade fora de nós.
As nossas paixões nos levam para fora, mesmo quando os objetos não
se oferecessem para as excitar. Os objetos de fora nos tentam por si próprios
e nos chamam, ainda quando não pensamos neles. E assim, mesmo que
os filósofos digam «recolhei-vos em vós mesmos, aí
encontrareis o vosso bem», não se acredita neles; e aqueles
que acreditam são os mais vazios e os mais tolos.
Eloqüência
positiva é aquele que persuade com doçura, não com
violência, ou seja, como um rei, não como um tirano.
O
ego é odioso.
E
o inferno e o céu há somente a vida, que é a coisa
mais frágil do mundo.
Quando
se quer levar a virtude até seus extremos, de um lado e de outro,
surgem vícios que nela se insinuam insensivelmente, em suas rotas
insensíveis, do lado pequeno do infinito; e multidões de vícios
se apresentam do lado grande do infinito, de modo que a gente se perde nos
vícios e não vê mais a virtude. Cai-se na armadilha
da própria perfeição.
Pessoas
comuns não vêem diferenças entre os homens.
As
paixões, quando mandam em nós, são vícios.
Todas
as ocupações dos homens tendem à posse de alguma coisa;
e eles não têm nem título para a possuir justamente
nem força para a possuir com segurança.
Não
podendo fazer que se fosse obrigado a obedecer à justiça,
fizeram que fosse justo obedecer à força.
Poucas
amizades subsistiriam se cada um soubesse aquilo que o amigo diz de si nas
suas costas.
Há
duas espécies de homens: os justos que se julgam pecadores e os pecadores
que se crêem justos.
Se
sonhássemos todas as noites a mesma coisa, ela nos afetaria tanto
como os objetos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro
de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio
que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites,
durante doze horas, que era um artista. Se sonhássemos todas as noites
que somos perseguidos por inimigos, e agitados por estes fantasmas penosos,
e se passássemos todos os dias em diversas ocupações,
como quando se faz uma viagem, sofreríamos quase tanto como se isto
fosse verdadeiro, e apreender-se-ia o dormir como se apreende o despertar
quando se teme entrar em semelhantes desgraças realmente. E, com
efeito, isto faria pouco mais ou menos o mesmo mal do que a realidade. Mas,
porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica,
o que se vê neles afeta bem menos que o que se vê acordado,
por causa da continuidade, que não é, contudo, tão
contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente,
a não ser raramente, como quando se viaja.E, então, se diz:
«parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho um pouco
menos inconstante.
A
verdadeira moral zomba da moral.
Em
matéria de amor, o silêncio vale mais do que a fala.
É
o Coração que sente Deus e não a razão. Eis
o que é a fé: Deus sensível ao Coração.
O
Coração tem razões que a razão desconhece.
Um
homem que se põe à janela para ver quem passa, se eu passar,
poderei dizer que ele se pôs lá para me ver? Não, pois
ele não pensa em mim em particular. Mas, aquele que ama alguém
por causa da sua beleza, ama-o? Não; porque a varíola, que
matará a beleza sem matar a pessoa, fará com que ele deixe
de a amar. E se me adiam pelo meu juízo, pela minha memória,
amam-me, a mim? Não; porque eu posso perder estas qualidades sem
me perder a mim mesmo. Onde está, pois, este eu, se não está
nem no corpo nem na alma? E como amar o corpo ou a alma, senão por
estas qualidades que não são o que faz o eu, visto que podem
perecer? Pois, amar-se-á a substância da alma de uma pessoa
abstratamente e as qualidades que lá estiverem? Isto não pode
ser e seria injusto. Logo, não se ama nunca a pessoa, mas somente
as qualidades. Portanto, que não se riam mais daqueles que se fazem
honrar pelos cargos e ofícios, pois não se ama ninguém
senão pelas qualidades aparentes.
Quanto
mais conheço as pessoas, mais gosto do meu cão.
Todos
os homens buscam a felicidade. E não há exceção.
Independentemente dos diversos meios que empregam, o fim é o mesmo.
O que leva um homem a se lançar à guerra e outros a evitá-la
é o mesmo desejo, embora revestido de visões diferentes.
Dois
excessos: excluir a razão; não admitir nada além da
razão.
É
justo que o que é justo seja seguido e é necessário
que o que é mais forte seja seguido. A justiça sem a força
é impotente; a força sem a justiça é tirânica.
A justiça sem a força é contestada, porque há
sempre maus; a força sem a justiça é acusada. É
preciso, portanto, pôr em conjunto a justiça e a força,
e, por isto, fazer com que o que é justo seja forte, e o que é
forte seja justo. A justiça está sujeita à disputa;
a força é muito reconhecível e sem disputa. Assim,
não se pode dar a força à justiça, porque a
força contradisse a justiça e disse que era injusta, e disse
que era ela que era justa. E assim, não podendo fazer com que o que
é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo.
É
indispensável nos conhecermos a nós próprios; mesmo
se isto não bastasse para encontrarmos a verdade, seria útil,
ao menos, para regularmos a vida, e nada há de mais justo.
Nem
a contradição é sinal de falsidade nem a falta de contradição
é sinal de verdade.
O
homem é apenas um caniço, o mais fraco da Natureza; mas é
um caniço pensante. Não é preciso que o Universo inteiro
se arme para o aniquilar: um vapor ou uma gota de água bastam para
o matar. Mas, se o Universo o aniquilasse, o homem seria ainda mais nobre
do que o que o mata, porque sabe que morre, e a superioridade que o Universo
tem sobre ele. O universo não sabe nada disso. Toda a nossa dignidade
consiste, portanto, no pensamento. É daí que deveremos nos
elevar, e não do espaço e do tempo, que não poderíamos
preencher. Esforcemo-nos, pois, por pensar bem: eis o princípio da
moral.
O
último esforço da razão é reconhecer que existe
uma infinidade de coisas que a ultrapassam.
A
própria moda e os países determinam aquilo a que se chama
beleza.
Os
olhos são os intérpretes do Coração, mas só
os interessados entendem esta linguagem.
Pluralidade
que não se reduz à unidade é confusão; unidade
que não depende de pluralidade é tirania.
Se
o nariz de Cleópatra tivesse sido mais pequeno, toda a face da Terra
teria mudado.
As
alegrias passageiras encobrem os males eternos que elas próprias
causam.
Tudo
o que é incompreensível nem por isto deixa de existir.
O
pensamento é a grandeza do homem.
Tudo
é grande na alma grande.
O
homem está sempre disposto a negar tudo aquilo que não compreende.
Ninguém
é tão ignorante que não tenha algo a ensinar; e ninguém
é tão sábio que não tenha algo a aprender.
Benefícios
demais irritam: queremos ter com que ressarcir as nossas dívidas.
A
meditação é um luxo, ao passo que a ação
é necessária.
Sobrecarregam-se
os homens desde a infância com o cuidado da sua honra, do seu bem,
dos seus amigos, e ainda com o bem e a honra dos seus amigos. Fatigam-se
de afazeres, de aprendizagem de línguas e exercícios, e faz-se-lhes
sentir que não poderão ser felizes sem que a sua saúde,
a sua honra, a sua fortuna e a dos seus amigos estejam em bom estado, e
que uma só coisa que faltasse os tornaria desgraçados. Assim
dão-se-lhes cargos e negócios que os fazem se afadigar desde
o amanhecer. Aí está, direis, uma estranha maneira de os tornar
felizes! Que poderia se fazer de melhor para os tornar desgraçados?
Como! O que se poderia fazer? Bastaria apenas lhes tirar todos estes cuidados;
pois, então, ver-se-iam a si mesmos, pensariam no que são,
donde vêm e para onde vão; e assim não os podem ocupar
demais nem desviá-los. E é por isto que, depois de lhes terem
preparado tantos afazeres, se têm algum tempo de descanso, os aconselham
a empregá-lo a se divertir, a jogar e a se ocupar sempre inteiramente.
Como o coração do homem é oco e cheio de imundície!
O
cosmos pode ser infinitamente maior do que o homem, mas um único
ato de amor vale mais do que toda a massa do Universo.
O
que mais me admira ver é como ninguém se admira com a sua
fraqueza. Age-se de maneira séria, e cada um segue a sua condição,
não porque é bom segui-la, mas porque é moda, como
se cada um soubesse de maneira certa onde é que está a razão
e a justiça. Encontramo-nos enganados constantemente; e, por uma
humildade divertida, julgamos que é por nossa culpa, e não
da arte que nos gabamos sempre de ter. Mas é bom que haja tantas
pessoas assim no mundo, que não sejam pirrônicas, para glória
do Pirronismo, para mostrar que o homem é bem capaz das mais extravagantes
opiniões, visto que é capaz de crer que não está
nesta fraqueza natural e inevitável, e crer que está, pelo
contrário, na sabedoria natural. Nada fortifica mais o Pirronismo
do que o fato de haver quem não seja nada pirrônico: se todos
o fossem, eles não teriam razão.
A
consciência é o melhor livro de moral que temos; e é,
certamente, o que mais devemos consultar.
Todas
as aflições humanas decorrem da incapacidade de nos sentarmos
sozinhos e em silêncio em um aposento.
Um
verdadeiro amigo é uma coisa tão vantajosa, mesmo para os
maiores senhores, para dizer bem deles e os defender mesmo na sua ausência,
que devem fazer tudo para os ter. Mas que escolham bem; pois, se fizerem
todos os seus esforços por estúpidos, isto lhes será
inútil, por muito bem que digam deles; e mesmo não dirão
bem se se sentirem mais fracos, pois não terão autoridade;
e assim dirão também mal por companhia.
Todas
as máximas já foram escritas. Resta apenas pô-las em
prática.
A
última coisa que se nos depara ao fazermos uma obra é saber
aquilo que se deve pôr em primeiro lugar.
Se
o homem fosse feliz, sê-lo-ia tanto mais quanto menos divertido, como
os Santos e Deus. Sim; mas não sendo feliz pode se animar pelo divertimento?
Não; porque vem de outro sítio e de fora. E assim, é
dependente, e, portanto, sujeito a ser perturbado por mil acidentes que
tornam as aflições inevitáveis. A única coisa
que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e, contudo,
é a maior das nossas misérias. Porque é isto que nos
impede principalmente de pensar em nós, e que nos faz perder insensivelmente.
Sem isto, estaríamos no tédio, e este tédio nos levaria
a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento nos
distrai e nos faz chegar insensivelmente à morte.
Temos
em nós uma parte de sombra; carregamos a fera conosco.
O
prazer dos grandes homens consiste em tornar os outros mais felizes.
A
natureza do amor-próprio e deste eu humano é de só
se amar a si e de só se considerar a si. Mas que há de fazer?
Não saberia impedir que este objeto que ama esteja cheio de defeitos
e de misérias: quer ser grande e se vê pequeno; quer ser feliz
e se vê miserável; quer ser perfeito e se vê cheio de
imperfeições; quer ser objeto do amor e da estima dos homens
e vê que os seus defeitos só merecem a sua aversão e
o seu desprezo. Este embaraço em que se encontra produz nele a mais
injusta e a mais criminosa paixão que é possível imaginar,
porque concebe um ódio mortal contra esta verdade que o repreende,
e que o convence dos seus defeitos. Ele desejaria aniquilá-la, e
não a podendo destruir em si mesma, destrói-a, tanto quanto
pode, no seu conhecimento e no dos outros, isto é, põe todos
os cuidados em encobrir os seus defeitos, aos outros e a si mesmo, e não
suporta que lhos façam ver, nem que lhos vejam. É,
sem dúvida, um mal-estar cheio de defeitos; mas é ainda um
mal muito maior estar cheio e não os querer reconhecer, visto que
é acrescentar-lhe ainda o de uma ilusão voluntária.
Não queremos que os outros nos enganem; não achamos justo
que queiram ser mais estimados por nós do que o que merecem. Não
é, portanto, justo também que os enganemos e queiramos que
nos estimem mais do que merecemos. Assim, quando só descobrem imperfeições
e vícios que nós, com efeito, temos, é visível
que não nos prejudicam, visto que não são eles a causa
destas imperfeições, e que nos fazem um benefício,
por nos ajudarem a nos libertar de um mal, que é a ignorância
das imperfeições. Não devemos nos zangar porque as
conheçam, e porque nos menosprezem: sendo justo que nos conheçam
pelo que somos, e que nos desprezem se somos desprezíveis. Eis os
sentimentos que nasceriam de um Coração cheio de retidão
e de justiça. Que devemos, portanto, dizer do nosso, quando nele
encontrarmos uma disposição completamente contrária?
Pois não será verdade que odiamos a verdade e aqueles que
nô-la dizem, e que gostamos que se enganem com vantagem para nós,
e que queremos ser estimados por eles por sermos diferentes daquilo que,
com efeito, somos?
A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o que fazemos
é nos enganar e nos iludir mutuamente. Ninguém fala de nós
na nossa presença como na nossa ausência. A união que
existe entre os homens é fundada sobre este mútuo embuste;
e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o seu amigo diz
dele quando não está presente, ainda que ele fale então
sinceramente e sem paixão. O homem é apenas disfarce, engano
e hipocrisia em si mesmo e para com os outros. Não quer que lhe digam
a verdade e evita dizê-la aos outros; e todas estas disposições
tão afastadas da justiça e da razão têm uma raiz
natural no seu Coração.
Quando
descobrimos um estilo natural ficamos espantados e satisfeitos, pois esperávamos
um autor e encontramos um ser humano.
Somos
tão presunçosos que desejaríamos ser conhecidos em
todo o mundo, e tão vaidosos que a estima de cinco ou seis pessoas
que nos rodeiam nos alegra e nos satisfaz.
Deus
fez o homem à sua semelhança, e o homem em retribuição,
fez Deus à sua imagem.
Nunca
nos detemos no momento presente. Antecipamos o futuro que nos tarda, como
para lhe apressar o curso, ou evocamos o passado que nos foge, como para
o deter. Tão imprudentes, que andamos errando nos tempos que não
são nossos, e não pensamos no único que nos pertence.
E tão vãos, que pensamos naqueles que não são
nada, e deixamos escapar sem reflexão o único que subsiste.
É que o presente, em geral, fere-nos. Nós o escondemos da
nossa vista porque nos aflige; e se nos é agradável, lamentamos
vê-lo fugir. Tentamos segurá-lo pelo futuro, e pensamos em
dispor as coisas que não estão na nossa mão, para um
tempo que não temos garantia alguma de chegar. Examine cada um os
seus pensamentos, e há de os encontrar todos ocupados no passado
ou no futuro. Quase não pensamos no presente; e, se pensamos, é
apenas para à luz dele dispormos o futuro. Nunca o presente é
o nosso fim: o passado e o presente são meios, o fim é o futuro.
Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver; e, preparando-nos sempre para
ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.
De
que serve ao homem conquistar o mundo inteiro, se perder a alma?
O
amor não tem idade; está sempre a nascer.
Aquele
que sem autoridade mata um criminoso se torna tão criminoso como
este.
Normalmente,
convencem-nos com mais facilidade as razões que nós próprios
encontramos do que as que vieram do espírito dos outros.
A
coisa mais importante de toda a vida é a escolha do ofício:
o acaso prepara-a. O costume faz os pedreiros, os soldados, os empalhadores.
«É um excelente empalhado», diz-se. E, falando dos soldados
se diz: «eles são loucos». E outros pelo contrário:
«não há nada maior do que a guerra; o resto dos homens
são uns covardes». À força de ouvir louvar na
infância estes ofícios e desprezar todos os outros, escolhe-se,
pois, naturalmente, ama-se a virtude, e detesta-se a loucura; estas palavras
emocionam-nos: só se peca na aplicação. É tão
grande a força do costume que, daqueles que a Natureza fez apenas
homens, se fazem todas as condições dos homens, pois há
regiões onde são todos pedreiros, em outras todos soldados
etc. Certamente que a Natureza não é tão uniforme.
É, portanto, o costume que faz isto, porque constrange a Natureza.
Mas, algumas vezes, a Natureza supera o costume e conserva o homem no seu
instinto, apesar do costume, bom ou mau.
Porque
será que um coxo não nos irrita, e um espírito coxo
nos irrita? Porque um coxo reconhece que andamos direito, enquanto um espírito
coxo diz que somos nós que coxeamos; se assim não fosse, teríamos
pena e não raiva. Epicteto pergunta com muito mais força:
«Porque é que não nos zangamos se se diz que nos dói
a cabeça, e nos zangamos se se diz que raciocinamos mal ou que escolhemos
mal?». O que origina isto é o estarmos certos de que não
nos dói a cabeça e de que não somos coxos; mas não
estamos assim tão seguros de que escolhemos a verdade. De maneira
que, não estando certos senão porque o vemos com os nossos
olhos, quando outro vê com os seus olhos o contrário, pomo-nos
em suspenso e espantamo-nos, e ainda mais quando mil outros se riem da nossa
escolha; pois é preciso preferir as nossas luzes às de tantos
outros, o que é temerário e difícil. Nunca há
esta contradição no que concerne a um coxo.
Quando
se é demasiado jovem, não se julga bem; demasiado velho, o
mesmo. Se não se pensa nisto o suficiente, se se pensa demais, teimamos,
e encasquetamo-nos. Se se considera a própria obra logo depois de
se ter feito, está-se ainda muito preso a ela, se muito tempo depois,
não se entra mais nela. Assim são os quadros vistos de longe
demais e de perto demais. Há apenas um ponto indivisível que
é o verdadeiro lugar: os outros estão demasiado perto, demasiado
longe, demasiado alto, demasiado baixo. A perspectiva marca-o na arte da
pintura. Mas na verdade e na moral, quem o marcará?
É
perigoso mostrar ao homem até que ponto se assemelha aos animais
sem lhe mostrar a sua grandeza. Também é perigoso mostrar-lhe
muito a grandeza sem a baixeza. É ainda mais perigoso deixá-lo
ignorar uma e outra. Mas é muito vantajoso representar-lhe as duas.
O homem não é anjo nem besta, e por desgraça quem quer
ser anjo acaba por ser besta. Se se exalta, humilho-o; se ele se humilha,
exalto-o: e o contradigo sempre, até que ele compreenda que é
um monstro incompreensível. Condeno igualmente os que tomam o partido
de louvar o homem, e os que tomam de o condenar, e os que tomam o de se
divertir. E não posso aprovar senão aqueles que buscam gemendo.
Jamais
vivemos, mas esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é
inevitável que jamais o sejamos.
As
palavras organizadas de maneira diversa produzem um sentido diverso, e os
sentidos organizados de maneira diversa produzem efeitos diferentes.
A
eloqüência é uma pintura do pensamento.
Que
grande quimera é o homem! Que confuso caos! Que misto de contradições!
Juiz de todas as coisas, e não mais do que um mísero verme!
Grande guardador e depositário da verdade e, contudo, um mero acervo
de incertezas! Glória e escândalo do Universo!
Não
nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio
ser: queremos viver na idéia dos outros uma vida imaginária,
e, para isto, nos esforçamos por manter as aparências. Trabalhamos
incessantemente para embelezar e conservar o nosso ser imaginário,
e descuramos o ser verdadeiro. E se temos ou a tranqüilidade, ou a
generosidade, ou a felicidade, apressamo-nos a apregoá-las, a fim
de atribuir estas virtudes ao nosso outro ser, e se fosse preciso estaríamos
prontos a nos despojar delas para as juntar ao outro; de bom grado seríamos
covardes para adquirirmos a reputação de valentes. Grande
sinal do nada que somos não nos contentarmos de uma coisa sem a outra,
e trocarmos muitas vezes uma pela outra! Pois quem não morresse para
conservar a sua honra seria infame.
A
grandeza do homem está em ele se reconhecer como miserável.
Uma árvore não se dá conta da sua miséria.
O
silêncio é o maior dos martírios; nunca os santos se
calaram.
Deixemos
um rei sozinho, sem nenhuma satisfação dos sentidos, sem nenhuma
preocupação do espírito, sem companhia, a pensar apenas
em si mesmo, e se constatará que um rei sem divertimentos é
um homem muito desgraçado.
Nada
há de bom nesta vida, salvo a esperança de uma outra vida.
Quando
considero a duração mínima da minha vida, absorvida
pela eternidade precedente e pela eternidade seguinte, o espaço diminuto
que ocupo, e mesmo o que vejo, abismado na infinita imensidade dos espaços
que ignoro e que me ignoram, assusto-me e assombro-me de me ver aqui e não
lá. Quem me pôs aqui? Por ordem de quem me foram destinados
este lugar e este espaço?
A
razão, por mais que grite, não pode negar que a imaginação
estabeleceu no homem uma segunda natureza.
Uma
indiferença pacífica é a mais sábia das virtudes.
Quando,
às vezes, me ponho a considerar as diversas agitações
dos homens, e os perigos e trabalhos a que eles se expõem, na corte,
na guerra, de onde nascem tantas querelas, paixões, cometimentos
ousados e muitas vezes nocivos etc., descubro que toda a miséria
dos homens vem de uma só coisa: não saberem permanecer em
repouso em um quarto. Um homem que tenha o bastante para viver, se fosse
capaz de ficar em sua casa com prazer não sairia para ir viajar por
mar ou pôr cerco a uma praça-forte. Ninguém compraria
tão caro um posto no exército, se não achasse insuportável
se deixar estar quieto na cidade. E quem procura a convivência e a
diversão dos jogos é porque é incapaz de ficar, em
casa, com prazer. Mas, quando pensei melhor, depois de ter encontrado a
causa de todos os nossos males, quis descobrir a razão desta, e achei
que há uma bem efetiva, que consiste na natural infelicidade da nossa
condição frágil e mortal, e tão miserável
que nada nos pode consolar quando nela pensamos a fundo.
A
razão manda em nós muito mais imperiosamente do que um senhor.
É que, desobedecendo a um, somos infelizes; desobedecendo a outro,
somos tolos.
Agrada-nos
repousar em sociedade com os nossos semelhantes. Mas, miseráveis
como nós, impotentes como nós, eles não nos ajudarão;
morreremos sozinhos.
Não
há nada de justo ou de injusto que não mude de qualidade ao
mudar de clima.
Uma
vez que não podemos ser universais e saber tudo quanto se pode saber
acerca de tudo, é preciso se saber um pouco de tudo, pois é
muito melhor se saber alguma coisa de tudo do que se saber tudo apenas de
uma coisa.
É
falso que sejamos dignos de que os outros nos amem. E é injusto que
o queiramos.
Posso
nunca ter sido (...), por conseguinte, não sou um ser necessário.
O
que é o homem em a Natureza? Um nada em comparação
com o infinito, um tudo em face do nada, um intermediário entre o
nada e o tudo.
A
maior baixeza do homem é a busca da glória, mas é também
o mais seguro sinal da sua excelência; pois, por mais bens que possua
na Terra, por melhor saúde e comodidades que tenha, não está
satisfeito, se não for estimado pelos outros homens. Dá tal
valor à razão do homem que, por mais regalias que tenha no
mundo, se não estiver favoravelmente colocado na opinião dos
homens, não estará contente. É este o mais belo lugar
do mundo; nada pode desviá-lo deste desejo, e é a qualidade
mais indelével do Coração do homem.
Troçar
da Filosofia é, na verdade, filosofar.
Não
sendo possível se fazer com que aquilo que é justo seja forte,
se deve fazer com que o que é forte seja justo.
A
imaginação tem todos os poderes: ela faz a beleza, a justiça,
e a felicidade – que são os maiores poderes do mundo.
Triângulo
de Pascal1
A
verdadeira moral não se preocupa com a moral: isto quer dizer que
a moral do juízo não se importa com a moral do espírito
– que não tem regras.
Tudo
o que sei é que devo morrer em breve. Mas, o que mais ignoro é
esta mesma morte, que não saberei evitar.
A
opinião é a rainha do mundo.
Quando a paixão nos domina
esquecemos o dever.
A nossa natureza consiste em movimento;
o repouso completo é a morte.2
Condição
humana: inconstância, tédio, inquietação.
O amor é cego; a amizade fecha
os olhos.
Os homens se guiam mais pelo capricho
do que pela razão.
O
que pode a virtude de um homem não deve se medir nos momentos de
esforço, mas na vida de todos os dias. Não admiro o excesso
de uma virtude, como a coragem, se ela não vier, ao mesmo tempo,
acompanhada do excesso da virtude oposta, como em Epaminondas,3
que tinha a extrema coragem e a extrema benignidade. Pois, de outro modo,
não é subir; é cair. A grandeza não consiste
em estar em um extremo, mas em tocar os dois ao mesmo tempo, e em preencher
todo o espaço intermédio. Mas, talvez, ela seja apenas um
súbito movimento de alma de um extremo ao outro, e, talvez, nunca
esteja em mais do que um ponto, como o tição de fogo. Mas,
isto indica a agilidade da alma, ou, pelo menos, a sua extensão.
O
povo julga bem as coisas porque está na ignorância natural,
que é o verdadeiro lugar do homem. A ciência tem duas extremidades
que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual
se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela
a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens
podem saber, acham que nada sabem e voltam a se encontrar nesta mesma ignorância
da qual tinham partido; mas é uma ignorância sábia que
se conhece. Os do meio, que saíram desta ignorância natural
e não puderam chegar à outra, têm umas pinceladas desta
ciência suficiente, e se armam em entendidos. Estes perturbam o mundo
e julgam mal de tudo. O povo e os verdadeiramente sábios compõem
a ordem do mundo; estes desprezam-na e são desprezados.
Só
o combate nos apraz, não a vitória. Gostamos de ver os combates
de animais, não o vencedor a se encarniçar sobre o vencido.
O que desejamos ver, senão o fim da vitória? E logo que ela
é alcançada, ficamos saciados. Assim no jogo, assim na busca
da verdade. Gostamos de ver, nas disputas, a luta de opiniões; mas
não de contemplar a verdade encontrada. Para a saudarmos gostosamente
temos de vê-la nascer da disputa. Do mesmo modo, nas paixões,
o que dá prazer é assistir ao combate de duas forças
contrárias; mas quando uma delas domina, tudo se reduz à brutalidade.
Nunca buscamos as coisas, mas, sim, a busca das coisas.
Ao
ver a cegueira e a miséria do homem, ao contemplar todo o Universo
mudo e o homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido neste recanto
do Universo, sem saber quem o depôs ali, o que aí veio fazer,
o que será dele ao morrer, incapaz de qualquer conhecimento, sinto-me
aterrorizado como um homem que tivessem levado adormecido para uma ilha
deserta e aterrorizante e que despertasse sem saber onde está e sem
condições de sair dali.
A
primeira coisa que se oferece ao homem ao se contemplar a si próprio
é o seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que
lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e a fixá-la
dentro dos seus justos limites, precisa de a comparar a tudo o que se encontra
acima ou abaixo dela. Que não se atenha, pois, a olhar para os objetos
que o cercam, simplesmente, mas a contemplar a natureza inteira na sua alta
e plena majestosidade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele
como uma lâmpada eterna para iluminar o Universo, e que a Terra lhe
apareça como um ponto na órbita ampla deste astro, e se maravilhe
de ver que esta amplitude não passa de um ponto insignificante na
rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista
aí se detém, que a nossa imaginação não
pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber do que a Natureza
de revelar. Todo este mundo visível é apenas um traço
perceptível na amplidão da Natureza, que nem sequer nos é
dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções
e as projetemos além de espaços imagináveis, concebemos
tão-somente átomos em comparação com a realidade
das coisas. Esta
é uma esfera cujo centro se encontra em toda parte e cuja circunferência
não se acha em nenhuma. E o fato de a nossa imaginação
se perder neste pensamento constitui, em suma, a maior manifestação
da onipotência de Deus. Que o homem, voltado para si próprio,
considere o que ele é diante do que existe; que se encare como um
ser extraviado neste pequeno setor da Natureza, e que da pequena cela onde
se acha preso, do universo, aprenda a avaliar no seu valor exato a Terra,
os reinos, as cidades e ele próprio. O que é um homem diante
do infinito? Afinal o que é o homem dentro da Natureza? Nada, em
relação ao infinito; tudo, em relação ao nada;
um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz
de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio
permanecem ocultos em um segredo impenetrável, e é-lhe igualmente
impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve. O
que poderá fazer, portanto, senão perceber alguma aparência
das coisas em um eterno desespero e não poder conhecer nem seu princípio
nem seu fim? Todas as coisas saíram do nada
e são levadas para o infinito.4
O que haverá além destes assombrosos limites? O Autor das
maravilhas o sabe; ninguém mais. Por não haver meditado sobre
estes infinitos, puseram-se os homens temerariamente a investigar a Natureza,
como se tivessem alguma proporção com ela. E é estranho
que tenham querido compreender os princípios das coisas, e assim
chegar ao conhecimento do todo através de uma presunção
tão infinita quanto o seu objeto. Não há dúvida
de que é impossível conceber tal desígnio sem presunção
ou sem a capacidade infinita da Natureza. (Grifo
meu).
A
razão age com lentidão, e com tantas vistas, sobre tantos
princípios, os quais é mister estejam sempre presentes, que
a todo o instante adormece ou se perde, deixa de ter todos os seus princípios
presentes. O sentimento não age desta maneira; age instantaneamente,
e está sempre pronto para agir. É preciso, pois, depositar
a nossa fé no sentimento; de outro modo, ela será sempre vacilante.
O último passo da razão é o de reconhecer que existe
uma infinidade de coisas que a ultrapassam; se não chegar a isto,
é porque é fraca.
O
homem é visivelmente feito para pensar. Aí reside toda a sua
dignidade e todo o seu mérito, e todo o seu dever é pensar
com acerto. Porque a ordem do seu pensamento é começar por
si, pelo seu autor e pelo seu fim. Ora em que pensa o mundo? Nunca nestas
coisas; mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer
versos, em jogar o anel, em combater, em chegar a rei, sem pensar no que
é ser rei e no que é ser homem.
Uma ninharia nos consola; uma trivialidade
nos distrai.
O ateísmo5
mostra a força da mente, mas só até certo ponto.
Poderá haver algo mais estúpido
do que um homem achar que tem o direito de me matar, só porque ele
mora do outro lado do rio, e o seu soberano teve uma desavença com
o meu, embora eu não tenha me malquistado com ele?
A
seriedade é o entusiasmo temperado pela razão.
A fé envolve muitas verdades
que parecem se contradizer.
A
fé é diferente da prova: esta última é humana;
a primeira é um presente de Deus.
Aquele
que toma a verdade para seu guia e como um dever para cada fim pode confiar
com segurança na providência de Deus, pois será conduzido
corretamente.
Os seres humanos devem ser conhecidos
para serem amados, mas os seres divinos devem ser amados para serem conhecidos.
Eu
posso conceber um homem sem mãos, sem pés e sem cabeça.
Mas eu não posso conceber um homem sem pensamento; ele seria uma
pedra ou um bruto.
Como a parte pode conhecer o todo?
Se
a nossa condição fosse verdadeiramente feliz, não iríamos
procurar diversão a fim de nos tornarmos felizes.
Se
examinarmos nossos pensamentos, iremos encontrá-los sempre ocupados
com o passado e o futuro.
A
imaginação decide tudo.
Na
fé, há luz suficiente para aqueles que querem acreditar, e
sombras suficientes para os cegos que não querem.
É
bom estar cansado e exausto pela busca fútil, para que possamos esticar
os braços para o Redentor.
É incompreensível porque
Deus deva existir, e incompreensível porque Ele não devesse
existir.
Não
é bom ter tudo o que se quer.
Devemos nos aproximar de Jesus sem
orgulho, e, diante Dele, podemos nos humilhar sem desespero.
Justiça
e poder devem caminhar juntos, de modo que tudo o que é justo deve
ser poderoso, e tudo que é poderoso deve ser justo.
A
justiça e a verdade são pontos de tal modo sutis, que as nossas
ferramentas, por serem demasiado toscas, não conseguem examiná-las
com precisão.
A
justiça é o que está estabelecido. E assim, todas as
nossas leis estabelecidas são necessariamente consideradas sem exame,
uma vez que já estão estabelecidas.
Os
homens são tão irresponsavelmente loucos, que não ser
louco representa uma forma particular de loucura.
Os
homens blasfemam contra o que eles não sabem.
Os
homens desprezam a religião. Eles odeiam e temem que ela possa ser
verdadeira.
É
preciso se conhecer a si mesmo. Se isto não servir para descobrir
a verdade, pelo menos deverá ser uma regra de vida. E não
há regra melhor.
Mentes
medíocres estão preocupadas com o extraordinário; mentes
grandiosas com o ordinário.6
Não
deve haver descanso na busca sincera pela verdade.
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Notas:
1. No Triângulo
de Pascal, cada número representa a soma dos dois diretamente acima
dele. Este Triângulo demonstra muitas propriedades matemáticas,
além de mostrar os coeficientes binomiais. O coeficiente binomial
(também chamado de número binomial) de um número n,
na classe k, consiste no número de combinações de n
termos, k a k. O coeficiente binomial de um número n, na classe k,
pode ser escrito como: