Se
os seres são múltiplos, por força terão
de mostrar, a um só tempo, semelhanças e dissemelhanças,
o que não é possível. Nem o semelhante pode
ser dissemelhante, nem o dissemelhante pode ser semelhante. Se o
dissemelhante não pode ser semelhante nem o semelhante dissemelhante,
no mesmo passo não será possível existir o
múltiplo, porque, se existisse, não poderia se eximir
destes atributos impossíveis.
A grandeza em si mesma só
poderá ser maior do que a pequenez em si mesma, como não
poderá ser menor a pequenez em si mesma se não o for
da própria grandeza em si.
Passar
do repouso ao movimento ou se mover para depois ficar imobilizado
não pode ocorrer sem mudança. E não há
um determinado tempo que a mesma coisa possa estar em repouso e
em movimento.
Já
o instante parece significar algo assim como o ponto de mudança
em direções opostas. Essa coisa de natureza inapreensível
– o instante – se encontra situada entre o movimento
e o repouso, sem estar em nenhum tempo, sendo que a transição
converge da coisa em repouso para o movimento e da coisa em movimento
para o repouso.
Com
todas as mudanças, quando passam da existência para
a morte ou da não-existência para o nascimento, encontram-se
em um estado intermediário, entre certas formas de movimento
e de repouso, de sorte que, nessa ocasião, nem são
existentes nem são não-existentes, nem nascem nem
morrem.
O que não existe não
poderá estar no que existe.
O
que não é, de jeito nenhum, poderá participar
da existência.
O
que não é não está nem parado nem em
movimento.
Se
não houvesse o Uno, só haveria multiplicidade... Sem
o Uno, na verdade, nem sequer seria possível imaginar a pluralidade.
Logo, se o Uno não existisse, todas as outras coisas nem
poderiam ser concebidas como unidade e nem como pluralidade, nem
como semelhantes nem como dissemelhantes. Nem poderiam ser tidas
como idênticas ou diferentes; nem poderiam estar em contato
nem poderiam separadas. Assim, se não existisse o Uno, nada
existiria.
O
Uno, por sua vez, não pode ser nem maior nem menor do que
a grandeza e a pequenez, por não possuir nem grandeza nem
pequenez. Não contendo nem grandeza nem pequenez, o Uno não
poderá se ultrapassar nem ser ultrapassado por si mesmo;
terá de ser co-extensivo consigo mesmo e, com tal, igual
a si mesmo.
A
existência foi repartida entre toda a pluralidade dos seres,
sem faltar em nenhum – nem no maior nem no menor.
O
Uno é igual a si mesmo e aos outros, como é maior
e menor do que ele mesmo e os outros.
Se
o Uno apresentasse dissemelhança com o Uno, o Uno não
poderia ser o Uno. Logo, importa que o Uno seja semelhante a si
mesmo.
O
Uno, por conseguinte, está ligado a todas as partes do Ser,
não podendo faltar nem nas menores nem nas maiores ou seja
na que for.
Todas
as coisas não poderão estar totalmente privadas do
Uno, devendo, de certo modo, participar dele.
A
parte não é parte nem da pluralidade nem de todas
as suas partes, porém de uma certa idéia ou de uma
certa unidade a que damos o nome de todo – unidade perfeita
nascida desse todo. Disto, apenas, é que a parte é
parte.
Tirante
a própria unidade, nada mais pode ser unidade. Assim, o todo
e as partes terão necessariamente de participar do Uno; aquele
seria o todo do qual as partes seriam partes, e cada uma destas,
por sua vez, uma parte do todo, parte una e individual desse todo...
Deste modo, a conseqüência para as outras coisas que
não o Uno, quando na companhia do Uno, parece ser a aquisição
de algo novo que lhes confere limites em suas relações
recíprocas; mas, por sua própria natureza, elas são
ilimitadas.
Todas
as coisas são, ao mesmo tempo semelhantes e dissemelhantes
a elas mesmas e entre si.
Nem
o ser está ausente do Uno, nem o Uno do ser; é uma
dupla que ocorre sempre e em toda parte.
Cada
parte, sem dúvida nenhuma, está no todo, não
havendo uma única que esteja fora dele.
Tudo se relaciona com tudo
da seguinte maneira: ou há identidade ou há diferença.
Quando não há nem identidade nem diferença,
terá de haver relação como da parte com o todo
ou do todo com a parte.
O
Todo é um.2
Mas, para que Uno3
seja um, não poderá ser um todo nem há de ter
partes. E não sendo constituído de partes, não
terá começo nem meio nem fim, pois tudo isso já
seriam partes. Logo, o Uno é ilimitado, visto não
ter começo nem fim. E também carece de forma, pois,
se participasse da forma reta ou da circular, teria partes e seria
múltiplo. Sendo o que é, não está em
parte alguma; efetivamente, não poderá estar nem em
outra coisa nem em si mesmo. Enfim, o que é Uno e sem partes
de jeito nenhum poderá ter no seu contorno pontos de contato.
As
coisas que não apresentam relação recíproca
– nem de partes nem de todo nem de diferença –
são idênticas entre si.
O que se dá com o
Uno para ser diferente dos outros, e estes, por sua vez, para diferirem
dele, leva o Uno a ser igual aos outros, e os outros iguais ao Uno.
Uma
coisa é o envolvente e outra o envolvido, pois, como tudo,
não poderá atuar ao mesmo tempo como agente e como
paciente; nesta hipótese, o Uno deixaria de ser um para ser
dois.
O Uno, por conseguinte, não
está em parte alguma, nem em si mesmo nem no que quer que
seja.
Não
há maneira de o semelhante não ser semelhante ao semelhante.
E assim, o semelhante participa com seu semelhante da mesma e única
idéia.
A
idéia, aqui, é triangular.
Dar
excessiva importância à opinião dos homens é
defeito da idade.
As
idéias, que só são o que são por suas
relações mútuas, têm sua essência
própria somente em relação umas com as outras,
não com relação ao que em nós são
suas cópias ou como quer que sejam denominadas, e de cuja
participação tiramos a designação certa
de tudo o mais. Por outro lado, as coisas do nosso mundo que têm
o mesmo nome que elas, só existem em relação
umas com as outras, não com as idéias, sendo assim
denominadas por elas mesmas, não por causa das idéias.
As
realidades só são o que são para elas mesmas
e com referência a elas mesmas, exatamente como se dá
com as coisas do nosso mundo.
Se
se encontra em Deus4
o domínio supremo e o conhecimento perfeito, nem esse domínio
chegará nunca a nos dominar nem esse conhecimento a nos conhecer,
ou seja, ao que for do nosso mundo; porém, da mesma forma
que não dominamos os deuses com nosso domínio nem
alcançamos nada das coisas divinas com nosso conhecimento,
assim também, pelas mesmíssimas razões, os
deuses não têm domínio sobre nós nem
conhecem os negócios humanos, na qualidade de deuses.
Para
cada coisa há um gênero à parte com existência
independente...
A única maneira de
assegurar que o existente existe e que o não-existente não
existe é participar o existente da existência do ser
existente e da não-existência do ser não-existente,
para poder plenamente existir; como o não-existente terá,
também, de participar da essência do não-ser
implicada no ser não-existente, para ter completa não-existência.
Em
tudo o que supusermos como existente ou não existente ou
como determinado de qualquer modo, é preciso examinar as
conseqüências resultantes. Primeiro, para o próprio
objeto, e depois relativamente aos outros. Deve-se começar
por um, depois vários e, por último, todos.
As
multidões ignoram que a não ser com a exploração
a fundo do terreno, em todos os sentidos, não é possível
adquirir noções certas com respeito à verdade.5
O
Uno não pode se deslocar nem atingir determinada meta de
mudar de lugar nem girar no mesmo ponto sem se modificar. Logo,
o Uno não é movido por nenhuma modalidade de movimento
nem é possível que esteja em qualquer coisa.
Se
o Uno fosse diferente de si mesmo, seria outro, com o que deixaria
de ser um. Logo, o Uno não terá de ser idêntico
a outra coisa nem diferente de si mesmo.
O
Uno e o idêntico são de naturezas diferentes, pois
quando uma coisa se torna idêntica a outra, não fica
una. Se o Uno tiver de ser idêntico a si mesmo, não
será uno consigo mesmo, e assim ele, sendo um, deixaria de
ser um, o que é de todo um ponto impossível. Logo,
não é possível ao Uno ser diferente de outra
coisa ou idêntico a sim mesmo. Assim, o Uno não poderá
ser nem diferente nem idêntico, tanto em relação
consigo mesmo como com outra coisa.
Também
não poderá se dar que o Uno fique diferente, pois,
nesta hipótese, ele se tornaria mais do que um.
O
Uno, portanto, não poderá ser semelhante nem
dissemelhante nem com relação a si mesmo nem com qualquer
outra coisa.
O
Uno não poderá ser nem igual nem desigual a si
mesmo ou a outra coisa, não sendo maior nem menor do que
ele próprio ou do que seja o que for.
Também
o Uno não poderá ser nem mais moço
nem mais velho nem da mesma idade do que ele mesmo ou do que qualquer
outra coisa, sendo, assim, absolutamente impossível que o
Uno esteja no tempo.
O
que se torna mais velho, só envelhece com relação
a algo mais moço.
Faz parte da natureza do
que avança tocar simultaneamente em duas coisas, o agora
e depois, deixando o agora para trás e apossando-se do depois
no próprio ato de tornar-se, entre o depois e o agora.
Se tudo o que devém
não pode prescindir do agora, todas as vezes que é
deixará de devir, para ser aquilo mesmo que se acha implícito
no seu devir.
O
agora sempre acompanha o Uno durante toda a sua existência,
pois o Uno, sempre, é agora toda vez que é.
Se
acrescentarmos quantidades iguais a quantidades desiguais –
quer se trate do tempo ou do que quer que seja – a diferença
daí resultante se conservará sempre igual à
do começo.6
Mas,
se a um tempo mais longo e a um mais curto ajuntarmos um tempo igual,
daí por diante, o mais longo ultrapassará o mais curto
de uma fração menor.7
Se
uma coisa é diferente de outra, não pode vir a ficar
diferente do que já é diferente dela. Do que é
diferente, ela difere; do que ficou diferente, diferia; e do que
vier a ficar diferente, diferirá. Mas, do que se torna diferente,
poderá ter sido, nem é nem poderá vir a ser
diferente; torna-se diferente, nada mais.
O
que vai ficando mais velho do que ele mesmo, terá, fatalmente,
de ir ficando mais moço com relação a si próprio.
Mas, neste processo ele não poderá ficar nem mais
tempo nem menos tempo do que ele mesmo; de forma que será
sempre no mesmo espaço de tempo que ele pode se tornar ou
ser ou ter sido ou vir a ser. Tudo o que se encontra no tempo e
dele participa, tem consigo a mesma idade e é simultaneamente
mais velho e mais moço do que ele próprio. Quanto
ao Uno, ele nunca participou de semelhantes contingências.
Logo, se o Uno não participa em absoluto de nenhum tempo,
ele nunca foi no passado, nem era nem se tornou, como no presente
nem é nem chega a ser nem se forma, e também não
chegará a ser nem se formará nem será no futuro.
Disto se conclui que o Uno não tem nome, não tem explicação,
não pode ser conhecido, não pode ser percebido e nem
pode avaliado.
O
Uno era, é e será, como se tornou, como se torna e
como se tornará.8
_____
Notas:
1.
Parmênides de Eléia (cerca de 530 a.C. – 460
a.C.) nasceu em Eléia, hoje Vélia, Itália.
Foi o fundador da Escola Eleática. Há uma tradição
que afirma ter sido Parmênides o discípulo de Xenófanes
de Cólofon mas não há certeza sobre o fato,
já que uma tradição distinta afirma ter sido
o filósofo pitagórico Amínias (ou Ameinias),
quem despertou a vocação filosófica de Parmênides.
2.
Na verdade, particularmente, cada um de nós, é um
e é múltiplo. É um por ser parte irrefragável
da, desde sempre, Unidade; é múltiplo por ser uma
coleção de personalidades secundárias derivadas
das múltiplas encarnações, que acabam por desembocar
na última ou atual.
3.
Se, a partir deste ponto, admitirmos que o Uno parmenidiano seja
(confundido com) um deus qualquer, toda a dialética que se
seguirá será inútil. Não esqueçamos
de que todo e qualquer atributo por nós emprestado ao que
quer que seja e a quem quer que seja deriva de nossa cultura e de
nossa compreensão da coisa compreendida no exato momento
do empréstimo à esta coisa. Por exemplo: se, em um
tempo, apoiamos determinada coisa e depois a desapoiamos, é
porque, no momento do apoio, estávamos harmonizados com a
idéia que a coisa transmitia. A partir do instante em que
nos modificamos, que nos elevamos, não podemos mais dar apoio
a algo, seja lá o que for, que já não mais
corresponda às nossas (novas) representações
interiores. Só o medo e a ignorância podem acorrentar
um ser-no-mundo no mesmo plano pensamental [des]estruturante,
isto é, [des]criador de estruturas, formas, idéias,
crenças, fideísmos, [ir]racionalidades etc.
4.
Neste passo, é necessário presumir a existência
de um deus omnitudo.
5.
Verdade, que – seja como for ou do jeito que for – será
sempre relativa.
6.
5 – 2 7 –
4 9 – 6
11 – 8 333 –
330 ...
7.