2. Presumindo
que exista um deus, e presumindo ainda que este mesmo deus seja onipotente,
se ele desejar, poderá criar ou descriar à vontade o que bem
quiser. Entretanto, se deseja criar ou descriar e não consegue, não
é onipotente. Se delega poderes e representatividade a um ente que
também não consegue criar ou descriar, escolheu mal, e, por
isto, também não é onipotente.
3. Ora,
como um presumido deus onipotente cria ou descria, mas não salva?
A coisa criada, em princípio, não pediu para ser criada ou
descriada. Se foi criada ou descriada à revelia, cabe a deus salvá-la.
Se este deus cria ou descria, mas não salva, ou se deixa a hipotética
salvação por conta da coisa criada, que incompetente para
se salvar não se salva, este deus não é onipotente.
Que não se avoque aqui a questão do livre-arbítrio
da coisa criada; o livre-arbítrio não implica e nem obriga
a que haja competência adquirida – mediata ou imediata –
por parte de qualquer criatura. Mas, a questão é: salvar(-se)
de quê? Bem, se salvação há, esta mesma salvação
não é daqui ou dacolá, mas de nós próprios.
De nossas idiossincrasias, de nossas egolatrias, de nossas fantasias. Isto
para não falar de coisas piores. O maior milagre que poderá
acontecer na vida de um ser-no-mundo é, um dia, acordar
e não mais se preocupar com a possibilidade da existência de
um deus e até mesmo da existência de si próprio. De
apenas viver de acordo com o Summum Bonum universal, de acordo,
claro, com o seu entendimento do possa vir a ser este Summum Bonum.
De não mais querer ou precisar e de não mais ter medo de um
dia vir a precisar. De não se preocupar com encarnações
passadas ou com possíveis e presumidas encarnações
futuras. De não julgar nada nem ninguém, e de, muito menos,
condenar o que quer que seja pelo que quer que seja. E por aí vai,
resumindo-se este por aí vai em morrer para as coisas ilusórias
do mundo, e em Viver para uma ilimitada e progressiva harmonização
com a Santa Vida universal. Pode ser repetitivo e até piegas, mas
a coisa toda se condensa em Viver, Amar e Servir. Servir, Amar e Viver sem
uma microscópica gota-sombra de satisfação por fazer
o que precisa e deve ser feito, e sem um minúsculo pingo-sombra de
sentimento de estar obrigado a fazer o que precisa e deve ser feito. Mas,
tudo isto desemboca na questão místico-metafísica do
que possa efetiva e concertadamente ser o que precisa e deve ser feito!
Dê uma espiada aí embaixo e veja se não é isso.