A SABEDORIA DO DESERTO

Uma colaboração de

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

BREVE INTRODUÇÃO EXPLICATIVA

 

O termo Padres do Deserto inclui um grupo influente de eremitas e cenobitas dos séculos III e IV que se estabeleceram no deserto egípcio. As origens do monaquismo oriental se encontram nessas ermidas primitivas e comunidades religiosas. Paulo de Tebas é o primeiro eremita do qual se tem notícia a estabelecer a tradição do ascetismo e da contemplação monástica, e Pacômio de Tebaida é considerado o fundador do cenobitismo – do monasticismo primitivo. Ao final do terceiro século, contudo, o venerado Antão do Egito orienta colônias de eremitas na região central. Logo, ele se torna o protótipo do recluso e do herói religioso para a Igreja oriental – uma fama devida, em grande parte, à vasta louvação na biografia de Atanásio sobre seus méritos. Esses primitivos monásticos atraíram um grande número de seguidores aos seus retiros austeros, através da influência de sua simples, individualista, severa e concentrada busca pela salvação e união com Deus. Os Padres do Deserto eram freqüentemente solicitados para direção espiritual e conselho aos seus discípulos. Suas respostas foram gravadas e colecionadas em um trabalho chamado Paraíso ou Apotegmas dos Padres. (Emily K. C. Strand).

Em aditamento (da lavra da Profª. Drª. Alina Torres Monteiro, Doutora pela Faculdade de Teologia San Damaso - Madri): Os primeiros monges cristãos no Egito do século IV ficaram conhecidos como os Padres do Deserto, devido ao seu magistério espiritual que exerceram junto aos discípulos das mais diversas procedências e condições sócio-culturais. Eles iniciaram a tradição monástica cristã revelando uma pungente sabedoria do espírito sob o envólucro de uma vida simples e austera. Seus ensinamentos chegam até nós pelo recolhimento esparso de breves palavras e de anedotas, conhecidas como apophtegmas, e sua importância é imprescindível para que se possa compreender a espiritualidade ocidental católica até nossos dias. Padres do Deserto, enfim, define teologicamente os monges orientais dos séculos III e IV que viveram nas regiões desérticas do Egito, da Síria e da Palestina.

Os Padres do Deserto eram autênticos mestres do ascetismo e de vida espiritual, e, freqüentemente, eram procurados por peregrinos ilustres. Os mais conhecidos foram: Antão (nos antigos escritos, particularmente nos de Santo Antão – um dos primeiros padres do deserto – observa-se que a vida destes padres era inspirada na oração, na castidade e na privação física), Pacomio, Malco, Hilarião, Macário e Isidoro, de Pelusio. Mas, está registrado que houve também algumas Madres do Deserto!

Finalmente, devo advertir que ler ao pé da letra os aforismos a seguir apresentados para reflexão praticamente não conduzirá a nada, até porque, ao pé da letra não transmitem nada ou quase nada. Para compreendê-los é preciso ler com os olhos do Coração. Por isso, fiz algumas intercalações entre colchetes no apotegmas e, ao final, comento rapidamente três deles. Tudo isso, claro, com um muito cuidadoso salvo melhor juízo!

 

 

Encontro de Santo Antão (à esquerda)
com São Paulo
Eremita (à direita)

 

 

 

 

APOTEGMAS

 

 

ai Ammonas: O caminho estreito e apertado é este: controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade por amor de Deus.

ai Poemen: Quem não chora por si mesmo aqui embaixo, chorará eternamente... [Esta advertência pode ser resumida em uma palavra: compreensão.].

ai Dioscorus: Estou chorando pelos meus pecados... Se eu pudesse ver os meus pecados, três ou quatro homens não seriam suficientes para chorar por eles. [Muitas vezes não temos a real compreensão nem fazemos a justa avaliação dos nossos defeitos-equívocos, nem qualitativa nem quantitativamente.].

ai Epifânio: Um homem que recebe algo de outro por causa de sua pobreza ou da sua necessidade tem aí sua recompensa, e porque ele se envergonha, quando ele paga, ele o faz em segredo. Mas o oposto faz Deus; Ele recebe em segredo, mas paga na presença dos anjos, dos arcanjos e dos justos. [Qual foi o bem que eu te fiz para que tu me cuspas na face?].

ai Agathon: Heresia é separação de Deus.

ai Evágrio: Retirem-se as tentações e ninguém será salvo.

ai Zeno: Os egípcios escondem as virtudes que possuem e acusam-se sem cessar de faltas que eles não têm; já os sírios e os gregos fingem ter virtudes que não possuem e escondem as faltas das quais são culpados.

ai Zeno: O que quer que faças, faça-o em segredo. [O que a mão direita faz a mão esquerda não precisa conhecer.].

ai Zeno: Se um homem deseja ser ouvido rapidamente por Deus, antes de rezar por qualquer coisa, mesmo por sua própria alma, quando se elevar e estender suas mãos em direção a Deus, deve rezar de todo coração por seus inimigos. Através dessa ação Deus atenderá qualquer coisa que ele pedir. [Deus de meu Coração: ilumina a consciência dos meus adversários e permite que eu possa ser um instrumento de comprensão para toda a Humanidade.].

ai Elias: O que pode o pecado onde há penitência? E de que adianta o amor onde há orgulho?

ai Isaias: Quando Deus deseja apiedar-se de uma alma e ela se rebela, não suportando nada e fazendo sua própria vontade, Ele então permite que ela sofra o que não quer, de modo que volte a procurá-Lo novamente.

ai Theodore: Se vocé é amigo de alguém que cai na tentação da fornicação, ofereça-lhe sua mão, se puder, e tire-o disso. Mas se ele cair na heresia e você não puder persuadi-lo de sair dela, saia de sua companhia rapidamente, para evitar que, no caso de você demorar, você também seja jogado nesse poço.

ai Theodore: O homem que permanece de pé quando se arrepende não guardou o mandamento. [Permanecer de pé significa não se arrepender verdadeiramente, o que não adianta absolutamente nada. Mas, só poderá efetivamente se arrepender aquele que compreendeu.].

ai Pambo: Se ele [Pai Theophilo] não se edificar pelo meu silêncio, não será edificado pela minha fala. [Muito mais do que através de um discurso, é pelo exemplo que serão plantadas sementes que darão frutos.].

ãe Teodora: Vamos nos esforçar para entrar pela porta estreita. Como as árvores que não enfentaram as tempestades de inverno e não produzem frutos, assim é conosco; esta vida presente é uma tempestade, e é através de muitas tribulações e de muitas tentações que poderemos obter a herança no reino dos céus.

ãe Teodora: Um mestre deveria ser um estranho ao desejo de dominação, de vanglória e de orgulho. Ninguém deveria se capaz de enganá-lo pela adulação, nem cegá-lo com presentes, nem conquistá-lo pelo estômago, nem dominá-lo pelo ódio. Mas ele deveria ser paciente, gentil e humilde tanto quanto possível; ele deveria ser testado, e, sem partidarismo, imbuído de responsabilidade e de amor pelas almas. [Somos UM.].

ãe Teodora: Nenhuma forma de ascetismo, nem vigílias, nem qualquer tipo de sofrimento são capazes de salvar, mas apenas a verdadeira humildade o pode fazer.

ai John: Sou como um homem sentado debaixo de uma grande árvore que vê bestas selvagens e serpentes vindo contra ele em grande número. Quando não pode mais, ele corre e sobe na árvore e se salva. É a mesma coisa comigo: sento-me em minha cela e estou consciente de pensamentos maus vindo contra mim, e quando não tenho mais forças contra eles busco refúgio em Deus pela oração e sou salvo do inimigo.

ai John: Implore a Deus que lhe envie as lutas [e as tentações] de modo que você recupere a aflição e humildade que você possuía, pois é pela luta que as almas progridem.

ai John: Pusemos a carga leve de um lado – que é a auto-acusação – e nos carregamos com um grande peso – que é a autojustificação.

ai John: Humildade e temor de Deus estão acima de todas as virtudes.

ai John: Vigiar significa sentar-se na cela e estar sempre presente a Deus. [Ora et Labora; Solve et Coagula.].

 

 

 

ai John: uma casa não é construída do topo para baixo. Deve-se começar com a fundação para alcançar o topo. A fundação é o nosso próximo – a quem devemos conquistar – e este é o lugar para começar. Pois todos os mandamentos de Cristo dependem desse um.

ai Isidore: Quando eu era mais joven e permanecia em minha cela eu não punha limites à oração; a noite era para mim tempo de oração tanto quanto o dia.

ai Isidore: Prezem as virtudes e não sejam escravos da glória; pois as primeiras são imortais, enquanto que as últimas logo se desvanecem.

ai Isidore: As alturas da humildade são grandes e também as profundezas da vanglória; aconselho-os a atenderem à primeira e a não caírem na segunda.

ai James: Tal como uma lâmpada ilumina um quarto escuro, o temor de Deus – quando penetra o coração de um homem – o ilumina ensinando-lhe todas as virtudes.

ai James: Não precisamos apenas de palavras, pois no momento presente existem muitas palavras entre os homens, mas precisamos de atos – pois isto é o necessário – não apenas palavras que não produzem fruto.

ai Isidore: Se você jejua regularmente, não se encha de orgulho; mas se você se vangloria por causa disso, então é melhor que coma carne. É melhor para um homem comer carne do que se inflar com orgulho e gloriar-se de si mesmo. [O vegetarianismo oriundo de um simples apelo emocional não tem o menor valor.].

ai Copres: Abençoado aquele que sofre aflições com ação de graças.

ai Cyrus: Se vocês não pensarem em fornicação, vocês não têm esperança, pois se vocês não estiverem pensando nisso, estarão fazendo isso. Quer dizer, aquele que não luta contra o pecado e resiste a ele em seu espírito vai pecar fisicamente. É bem verdade, entretanto, que aquele que está fornicando não está preocupado pensando nisso. [Novamente aqui se observa que a palavra-chave para tudo é Compreensão.].

ai Lucius. Alguns monges, chamados Euchites, foram a Enaton para ver Pai Lucius. O ancião perguntou-lhes: — Qual é o seu trabalho manual? Responderam os monges: — Não fazemos trabalho manual, pois como o Apóstolo diz, rezamos incessantemente. O ancião perguntou-lhes se eles comiam, e eles responderam que sim. Então ele lhes disse: — Quando vocês estão comendo, quem reza, então, no lugar de vocês? E perguntou-lhes se eles não dormiam, e responderam-lhe que sim. E ele lhes falou: — Quando vocês dormem, quem reza no seu lugar? Eles não conseguiram encontrar nenhuma resposta satisfatória para dar ao Pai Lucius. Ele continuou: — Perdoem-me irmãos, mas vocês não agem como falam. Vou lhes mostrar como procedo. Enquanto faço meu trabalho manual, rezo sem interrupção. Sento-me com Deus, ponho meu junco de molho e trançando minhas cordas, digo: Deus, tende compaixão de mim. De acordo com Vossa grande bondade e de acordo com Vossa infinita misericórdia, livra-me de meus pecados. Então lhes perguntou se isto não era oração. Os monges disseram que sim. Prosseguindo, lhes falou: — Então, enquanto passo o dia todo trabalhando e rezando, ganhando treze moedas de dinheiro, mais ou menos, coloco duas moedas do lado de fora da porta e pago minha comida com o resto do dinheiro. Aquele que pega as duas moedas reza por mim enquanto estou comendo e quando estou dormindo. E assim, pela graça de Deus, eu cumpro o preceito de orar sem cessar.

ai Macarius: Não trouxemos nada para este mundo e não poderemos levar nada para fora dele.

ai Macarius: Para rezar não é necessário fazer grandes discursos; é suficiente erguer as mãos e dizer: — Senhor, como desejas e como conheces, tenha piedade. E se o conflito crescer, digam: Senhor, ajuda! Ele sabe muito bem o que precisamos e Ele nos mostrará Sua misericórdia. [Ao homem sincero nada é vedado.].

ai Matoes: Eu, por mim, ainda não consegui amar aqueles que me amam como eu me amo a mim mesmo. [É extremamente difícil amar aos outros como a si mesmo; mas, mais difícil ainda é amar o outro como ele é.].

ai Xanthias: Que ninguém se gabe por seus atos bons, pois todos aqueles que confiam em si mesmos caem.

ai Poemen: O início do mal é não ouvir. [Não ouvir – ou não querer ouvir – a Voz Silenciosa do Coração.].

ãe Syncletica: No começo, há luta e muito trabalho para os que se aproximam de Deus. Mas, depois disso, há uma indescritível alegria. É como acender uma fogueira: no início há muita fumaça e seus olhos lacrimejam, mas depois você consegue o resultado desejado. Assim devemos acender o fogo divino em nós mesmos – com lágrimas e esforço.

ãe Syncletica: Há muitos que vivem nas montanhas e se comportam como se estivessem na cidade; e eles estão perdendo seu tempo. É possível ser solitário em sua própria mente – mesmo no meio de uma multidão – e é possível para um solitário viver na multidão de seus próprios pensamentos.

bade Moisés: Vá, sente-se em sua cela, e sua cela lhe ensinará tudo. [Vá, sente-se em seu Sanctum, e seu Coração lhe ensinará tudo.].

atriarca José: Se queres encontrar serenidade onde quer que estejas, então, em tudo que fizeres, deves dizer: — Quem sou eu? E não julgues a ninguém!

m ancião do deserto: Assim como é impossível para um homem ver seu rosto em águas turbulentas, também é impossível buscar a Deus se a mente estiver ansiosa, agitada e distraída. [No Silêncio, tudo.].

m abade do Mosteiro de Sceta: Quem é capaz de não se importar com o que os outros dizem é um homem que está no Caminho da Sabedoria.

ipriano de Cartago: Rezai assiduamente ou lede assiduamente; por vezes falai a Deus, noutras escutai a Deus falando a vós. Quando rezais, vós falais com Deus; quando ledes, Deus fala convosco.

ai Pambo: Vigiarei meus caminhos, para não pecar com minha língua...

ai Abraão: Afasta-te do mal e faze o bem; procura a paz e segue-a...

ai Cassiano: Se você deseja alcançar a verdadeira ciência das Escrituras, apresse-se primeiro para adquirir uma inabalável humildade de coração. É isto que o conduzirá, não à ciência que ensoberbece, mas àquela Ciência que ilumina, pela consumação da caridade.

m jovem se aproxima de um velho monge e lhe pergunta: — Padre, porque tantos começam este caminho da vida consagrada e voltam atrás? O velho olhou-o com carinho e disse: — Você já viu um cachorro correndo atrás de uma lebre? Você percebe que, tão logo que a vê, ele se põe a correr atrás dela, latindo forte. Os outros cachorros, quando o escutam latir, começam a latir também, e se põe a correr ao lado dele. Mas, os que não viram a lebre, logo começam a cansar, perdem o fôlego e param. Mas quem viu a lebre, esse vai até o fim.

anto Antão: Os demônios só conjuram fantasmas contra o medroso.

anto Antão: Sejam como meninos e tragam a seu pai o que saibam e lho digam, tal como eu, que sendo o mais velho, reparto com vocês os meus conhecimentos e a minha experiência. [Há quem saiba e ensine tudo. Há quem saiba e fique mudo. E há quem saiba e ensine errado.].

anto Antão: Acautelemo-nos contra os maus pensamentos. Lutemos, pois, para que a ira não nos domine nem a concupiscência nos escravize.

anto Antão: Ninguém é julgado pelo que não sabe, e ninguém é chamado de bem-aventurado pelo que aprendeu e sabe.

anto Antão: Os demônios quando vêem que os homens têm medo, aumentam suas fantasmagorias para aterrorizá-los ainda mais.

anto Antão: O Sol não se deve pôr não apenas sobre nossa ira, como sobre nenhum outro pecado.

anto Antão: Cada um deve fazer diariamente um exame do que fez de dia e de noite. Se pecou, deixe de pecar; se não pecou, não se orgulhe disso.

anto Antão: A Palavra [Verbum] foi sempre coexistente com o Pai.

anto Antão: A fé surge da disposição da alma, enquanto a dialética vem da habilidade dos que a idealizam. De acordo com isto, os que possuem uma fé ativa [fé oriunda da experiência mística pessoal] não necessitam de argumentos e de palavras, e provavelmente os reputam supérfluos. A conclusão é que uma fé ativa é melhor e mais forte do que seus argumentos sofísticos.

anto Antão: A fé em Cristo é suficiente.

ão Pacomio: Foge das comodidades deste mundo para estares na alegria do mundo futuro... Não te aflijas quando fores ultrajado pelos homens; mas, sim, deves te afligir e deves suspirar quando pecares – pois este é o verdadeiro ultraje – e quando fores persuadido por teus pecados.

ão Pacomio: A vaidade é a arma do diabo.

ai Amon: Suporta todo homem assim como Deus te suporta.

 

 

ai Antonio: Como uma pedra, deves alcançar a perfeição e imaginar que ninguém te ofende.

ai Evágrio: O início da salvação é condenar-se a si mesmo.

ai Geronte: Muitos daqueles que são tentados pelos caprichos do corpo não pecam com o corpo, mas cometem impurezas com o pensamento. E, mesmo conservando a virgindade do corpo, cometem impurezas com sua alma. Portanto, amados meus, fazei como está escrito: Cada um guarde seu coração com cuidadosa vigilância. (Prov. IV, 23).

ai Gregório: Que a tua obra seja pura pela presença do Senhor; não pela exibição.

ai Mios: Obediência traz obediência. Se alguém obedece a Deus, Deus lhe obedece.

ai Monio: Se um homem realmente quisesse, um dia apenas, do amanhecer ao anoitecer, lhe seria suficiente para alcançar a medida da divindade.

ai Pastor: Quaisquer que sejam teus sofrimentos, a vitória sobre eles está no Silêncio.

 

 

 

ai Pastor: Quem responde antes de ouvir comete uma bobagem e cai na confusão. Portanto, fala se te perguntam; de outro modo, cala.

ai Pastor: O homem deve incessantemente respirar a humildade e o temor de Deus do mesmo modo que inala e expele o ar através das narinas.

ai Pastor: Prostrar-se diante de Deus, não se dar nenhuma importância e jogar fora a própria vontade: eis os instrumentos com os quais a alma pode trabalhar.

bade Sisoé: Não é grande coisa que a tua alma esteja com Deus. Seria grande se tu tomasses consciência de que és inferior a todas as criaturas. Este pensamento, unido ao trabalho físico: eis o que corrige e conduz à humildade.

bade Sisoé: Os instrumentos das paixões estão contigo, mas se lhes pagares a fiança irão embora.

 

 

 

 

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TRÊS BREVES  REFLEXÕES

 

 

O que poderá ser exatamente controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade, como recomenda Pai Ammonas? Penso que tudo se resuma, conforme já expus em outros textos, a não ceder aos impulsos do nosso Corpo Astral. Mas, não ceder é pouco ou inócuo, porque se pode não ceder hoje, mas se poderá acabar cedendo amanhã. Então, mais do que controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade, é importante que se compreenda. Esta é uma tarefa duplamente difícil, pois implica, primeiro, em abolir ou recusar os comandos da razão, que, geralmente tende a favorecer e a facilitar a saciedade dos instintos. É incrível, mas o tempo se incumbe de dobrar a razão para que as coisas possam ser justificadas. Se eu não fizer, outro fará. Eu tenho o direito de me divertir. Se eu não conseguir namorar todas as mulheres do mudo, pelo menos vou tentar. Faço qualquer coisa para ser promovido. Essas são algumas, entre milhares, de justificativas banais que os seres humanos encontram para não controlarem seus pensamentos (que geram ações concretas) e não se despojarem de sua própria vontade (que, geralmente, prejudica e compromete o próprio e os outros). Quando muito, as pessoas deixam tudo para o dia seguinte. Que nunca vem! Segundo, nada (ou quase nada) poderá ser evitado ou dominado simplesmente pela razão. Ou pela fé. Quando é, é tão-só aparentemente, pois o que geralmente ocorre é uma substituição de valores da qual a pessoa não se dá conta. Pensa que está tudo indo muito bem, mas, sem perceber, está fermentando e apodrecendo por dentro. O único caminho – o caminho efetivo para o que quer que seja – é a compreensão, que para ser e estar atualizada terá que ter sua origem para além da razão e sem a interveniência da fé. Por isso tenho dito que razão e fé são equivalentes, pois apenas, quando (ou se) acionadas, funcionam mais como um tipo de freio inibitório. Mas, por outro lado, são elas – razão e fé – que promoveram e ainda promovem os maiores absurdos e as maiores insanidades já produzidas e perpetradas pelos seres racionais e fideístas. A razão só será iluminada e a fé confirmada (passando a ser uma adesão experiencial) por um tipo de vivência mística que tenho nomeado de transracional, pois, além de estar para além da razão (científica ou filosófica), esta não pode interferir com aquela, pois ela é independente da razão humana. Já quando uma experiência transracional acontece, a razão passa a possuir um conhecimento que antes desconhecia. Em resumo: a razão não pode interferir na transrazão, mas a transrazão interfere na razão e altera ou reforça a fé. E quando uma experiência dessa natureza ocorre, pode-se dizer que aquele que por ela passou, passa a ser um indivíduo livre e consciente em um grau acima da fé e acima da própria razão. Em Misticismo o nome para isso é Iniciação (com I maiúscula) — que só poderá ocorrer na bendita solidão do Coração. É necessário que se compreenda que em uma Iniciação dessa natureza, geralmente, não ocorre nada de especial, não há nenhuma pirotecnia evidente; mas, sim, um tipo de certeza ou de iluminação que não deixa margem para qualquer dúvida e que muda inteiramente a vida daquele que viveu esse momento. Um exemplo elementar: certa vez compreendi claramente que em um ato masturbatório, a pessoa homenageada na masturbação é profundamente afetada psiquicamente. Então, a masturbação, em si, é menos detrimental do que a produção psíquica dela decorrente. Isso não deve ser estranho de ser compreendido por um místico evoluído e sincero, pois, nós místicos, sabemos todos o poder (quase ilimitado) dos nossos pensamentos! Portanto, em qualquer caso, generalizadamente, a recomendação de Pai Ammonas no sentido de que controlemos nossos pensamentos não tem e não admite contra-versão.

 

 

Pai Agathon disse: Heresia é separação de Deus. Qual Deus? Só posso conceber o Deus que deve ser compreendido no e com o Coração. Já faz bastante tempo que, de repente, um certo dia, ouvi uma Voz Silenciosa que falou em meu Coração. E continua a falar em meu interior a qualquer hora e em qualquer lugar. É interessante, porque essa Voz, além de contraditar algumas racionalidades que fabrico, me ensina coisas que nunca li em livro algum e nunca ouvi ninguém discutir. Mas, por que estou comentando isso? Esquizofrenia? Não. Mas se for, quero morrer mais esquizofrênico ainda. Mas estou comentando esse assunto simplesmente por que estou convencido de que qualquer um que deseje ouvir a Voz Silenciosa do seu Coração poderá ouvi-La. E é muito simples. Basta, primeiro, sinceridade, pois sem ela, nada feito. Depois, sem grandes espetaculosidades ou rituais, sentar-se em silêncio, e... OUVIR. Com o tempo, nem será mais preciso fechar os olhos, sentar, relaxar ou qualquer tipo de ritual. O silêncio é o Santo e Sagrado Silêncio, e é permanente. Em meio a uma tarefa qualquer, basta querer conversar com a Voz, e Ela falará, pois, como disse, o silêncio é o Santo e Sagrado Silêncio, e é permanente.

Para concluir, comentarei brevemente a afirmação de Pai Evágrio: Retirem-se as tentações e ninguém será salvo. Benditas tentações! São as tentações – todas elas – que fortalecem as convicções místicas. Sem elas, como alguém poderá saber que está firme no Caminho? Mas, se alguém ceder e tentar tranformar pedra em pão, se aceitar a glória do Mundo ou se se preocupar apenas em mimar ou salvar seu corpo material terá que recomeçar. E todo e qualquer recomeço é mais árduo do que qualquer começo. Contudo, aquele que não mais cede, pode ser chamado de Iniciado. O Iniciado, na verdade, não teme as tentações e não se preocupa com elas. Quando elas aparecem (e aparecem à toda hora), ele lida com elas de acordo com a situação. Mas não cede jamais. E não cede por um único motivo: já não quer e já não precisa mais sofregamente das coisas deste Mundo. E, exatamente por esse motivo, um Iniciado não julga aqueles que ainda querem e precisam, pois sabe muito bem que um dia também dependeu abusiva e absurdamente das coisas do Mundo. Para mim, não há hipócrita maior do que aquele que condena nos outros os pecados que já cometeu, ou que ainda comete às escondidas. Esse é mesmo uma víbora peçonhenta de marca maior! Sem esforço, então, criteriosamente, o Iniciado segue o que disse o Patriarca José: não julga ninguém!

Acrescentando, para concluir, um pensamento-pergunta que me ocorreu agora: afinal, se somos mesmo todos um, quando julgamos e condenamos o outro, não estaremos julgando e condenando a nós próprios? Não esqueçamos a advertência de Santo Antão: Cada um deve fazer diariamente um exame do que fez de dia e de noite. Se pecou, deixe de pecar; se não pecou, não se orgulhe disso. E não condene quem pecou ou cometeu um deslize! E também não se orgulhe disso! Rancor? Palmatória? Vara de marmelo? De joelho no milho? De joelho no grão de feijão? Rogar praga? Fazer uma imprecação? Julgar? Condenar? Excluir? Arre!

 

 

 

 

Websites Consultados

http://geocities.yahoo.com.br/padresdodeserto/dizeres.htm
http://antwrp.gsfc.nasa.gov/apod/ap970106.html
http://www.marmalademoon.com/desktops.html
http://www.padresdodeserto.net/
http://www.wccm.com.br/wccm9.htm

http://www.saobento.org.br/Faculdade/Cursos/freligiao2.htm

http://www.sobresites.com/catolicismo/patristica.htm

http://www.brasilonline.ch/index.php?cc=C&cr=1&cs=65&detail=11
http://www.eremitae.com/5064/?*session*id*key*=*session*id*val*
http://www.psleo.com.br/padres_des02.htm
http://www.vilakostkaitaici.org.br/Fala%20Ramon.htm
http://www.fatheralexander.org/booklets/
portuguese/letters_from_convert_p.htm
http://www.presbiteros.com.br/
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/
monaquismo/vida_de_santo_antao_indice.htm

http://geocities.yahoo.com.br/padresdodeserto/ant0.htm
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/monaquismo/
sao_pacomio_sobre_rancor_de_um_monge.htm

http://www.veritatis.com.br/conteudo.asp?pubid=3172
http://www.larochecreative.com/compositing.htm

 

Música de fundo:
Desert Moon Light (T. Fukui)

Fonte:
http://homepage3.nifty.com/etemonkey/MUSIC_BOX3.html