(Excertos do Pensamento de
Jean de La Bruyère)

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

Jean de La Bruyère
Les Caractères de Théophraste Traduits du Grec; Avec Les Caractères ou les Mœurs de ce Siècle
Jean de La Bruyère

 

Buscamos a nossa felicidade fora de nós mesmos e na opinião de homens que sabemos aduladores, pouco sinceros, sem eqüidade, cheios de inveja, de caprichos e de preconceitos. Que extravagância!

Jean de La Bruyère

 

 

Jean de La Bruyère, um dos mais famosos ensaístas e moralistas franceses, nasceu em Paris, França, em 16 de agosto de 1645, e estudou Direito na Universidade de Poitiers. Desde cedo, conviveu com a nobreza, tendo sido, por recomendação do bispo e teólogo francês Jacques-Benigne Bossuet1 (1627 - 1704), a partir de 1680, tutor de Luís, duque de Bourbon, e encarregado da biblioteca da família Condé, em Chantilly. Nesse período, coletou observações sobre a decadência, o esfacelamento moral da aristocracia e os novos costumes dos magistrados e dos financeiros da época. Compôs, então, retratos satíricos de seus contemporâneos, reunidos, inicialmente, como apêndice a uma tradução, sob o título Les Caractères de Théophraste Traduits du Grec: Avec Les Caractères ou les Mœurs de ce Siècle, editada por E. Michallet, Paris, 1688. Morreu em Versailles, em 10 de maio de 1696, deixando por terminar uma segunda obra — Diálogos Sobre o Quietismo2. La Bruyère não foi propriamente o criador de um sistema de moral, porém retratou e satirizou como ninguém a canalhíssima moral de seu tempo. Como literato, ocupa lugar de primeira linha entre os maiores escritores franceses, tendo-se notabilizado por seu estudo ameno, matizado e de grande força de expressão. Foi membro da Academia Francesa.

No prefácio dos seus Caractères, escreveu Jean de La Bruyère:

Devolvo ao público o que ele me emprestou; dele tomei a matéria desta obra. Justo é que ao terminá-la, com todo o respeito à verdade de que sou capaz, e que ele me merece, faça-lhe agora esta restituição. Pode mirar-se com alma neste retrato que lhe fiz, tomado do natural; e se reconhecer em si alguns dos defeitos que aponto, corrija-os. É o único fim que se deve ter em vista ao escrever, e também o sucesso com que menos se deve contar.

Mas como os homens não aborrecem o vício, por isso mesmo é preciso não se cansar também de reprová-los. Talvez fossem piores se viessem a faltar-lhes censores ou críticos: é isso que faz com que se exorte e se escreva.

O orador e o escritor não saberiam vencer a alegria que têm de ser aplaudidos; mas deveriam se envergonhar caso não procurassem, com discursos e escritos, mais do que elogios. Além de que, a aprovação mais certa e menos equívoca é a mudança de costumes e a reforma daqueles que os lêem ou que os ouvem. Não devemos falar, não devemos escrever, senão para instrução; e se acontecer agradarmos, nem por isso devemos arrepender-nos, quando o sucesso servir para insinuar e tornar aceitáveis as verdades que instruem. Quando, pois, escorregarem em um livro alguns pensamentos e reflexões que não tenham a veemência, nem a forma, nem a vivacidade de outros, ainda que pareçam incluídos para variar, descansar o espírito, torná-lo mais presente, mais atento ao que se segue, quando não sejam suaves, naturais, instrutivos, acomodados ao simples do povo – que não é permitido desprezar pode o leitor condená-los e deve o autor prescrevê-los: eis a regra.

Há outra, que me interessa ver seguida: é não perder de vista o meu título, e pensar sempre, durante toda a leitura desta obra, que eu descrevo caracteres e costumes deste século: porque se bem me inspire freqüentemente na corte de França, não se pode restringi-los a uma só corte, nem limitá-los a um só país, sem que muito perca o livro de seu alcance e utilidade, se afaste do plano que me tracei pintar os homens em geral como das razões que entram na ordem dos capítulos e uma certa seqüência insensível nas reflexões que os compõem. Depois dessa precaução tão necessária, cujas conseqüências tão bem se percebem, creio poder protestar contra toda mágoa, toda queixa, toda interpretação maligna, toda falsa aplicação e toda censura; contra os severos impertinentes e os leitores mal-intencionados.

É preciso saber ler, e em seguida silenciar, ou poder relatar o que se leu, e nem mais nem menos do que aquilo que se leu. E se às vezes se pode fazer isso, não basta; é preciso ainda querer fazê-lo. Sem essas condições, que um autor exato e escrupuloso tem o direito de exigir de certos espíritos como única recompensa do seu trabalho, duvido que ele deva continuar a escrever, salvo se preferir sua própria satisfação ao aproveitamento alheio e ao zelo da verdade. Confesso, aliás, que desde o ano de 1690, e antes da quinta edição, hesitei entre a impaciência de dar ao meu livro mais amplitude e melhor forma introduzindo novos caracteres, o temor de que alguns dissessem: não acabam mais esses Caracteres, e não veremos mais outra coisa desse escritor? Por um lado, pessoas circunspectas me diziam: a matéria é sólida, útil, agradável, inesgotável; viva muito tempo, e trate-a sem interrupção enquanto viver. Que poderia fazer de melhor? Não há ano em que a estultícia dos homens não possa dar um volume.

Outras, com muita razão, me punham de sobreaviso contra os caprichos da multidão e a leviandade do público, com o qual, aliás, tantos motivos tenho para estar contente. E não deixaram essas pessoas de me sugerir que ninguém nos últimos trinta anos lendo mais que por ler, eram precisos, para divertir os homens, novos capítulos e novo título; que essa indolência do público enchera as lojas e povoara o mundo, esse tempo todo, de livros insípidos e cacetes, de mau estilo e nenhum recurso, sem regras e desconchavados, contrários aos costumes e conveniências, escritos com precipitação e lidas da mesma forma, só por serem novidade. E que se eu só sabia ampliar um livro razoável, o melhor que podia fazer era descansar. Tomei então um pouco de cada um desses dois conselhos opostos, e adotei uma forma que os aproximava. Não hesitei em acrescentar algumas observações novas às que já haviam aumentado do dobro a primeira edição de minha obra; mas para que o público não fosse obrigado a reler o antigo para passar ao que havia de novo, e tivesse diante dos olhos apenas o que sentisse vontade de ler, tomei a precaução de lhe designar este segundo acréscimo por um sinal particular. Julguei também que não seria inútil diferençar o primeiro acréscimo com outra marca mais simples, que servisses para mostrar os progressos dos meus 'Caracteres' e auxiliar a escolha da leitura que se quisesse fazer. E como se pudesse temer que esse progresso fosse infinito, acrescentei a todos esses cuidados uma promessa sincera de não tentar mais nada no gênero. Se alguém me acusar de ter faltado à palavra, inserindo, nas três edições que se seguiram, grande número de observações novas, ao menos verá que ao misturá-las com as antigas pela completa supressão dessas diferenças que se vêm em notas à parte, pensei menos em fazer com que se leia algo novo do que em deixar, talvez, à posteridade, um estudo de costumes mais completo, mais rematado e mais regular.

De resto, não foram máximas que eu quis escrever; elas são como leis no domínio da moral. E confesso que não tenho autoridade bastante, nem gênio, para me fazer legislador. Sei mesmo que teria pecado contra os usos das máximas, os quais determinam que elas sejam, à maneira dos oráculos, curtas e concisas. Algumas dessas observações são assim; outras são mais extensas. Pensam-se as coisas de maneira diferente e se explicam, de uma forma também completamente diferente, por uma sentença, um raciocínio, uma metáfora ou outra figura qualquer, por um paralelo, uma simples comparação, por um fato completo, por um único pormenor, por uma descrição, por uma cena; daí a extensão ou brevidade de minhas reflexões. Finalmente: aqueles que fazem máximas querem ser acreditados. Eu, ao contrário, consinto que se diga de mim que algumas vezes não observei bem; contanto que se observe melhor do que eu.

É mesmo difícil de se encontrar um prefácio tão bem escrito como este. Se você quiser ler a obra completa, dirija-se a:

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/caracteres.html

A seguir serão apresentados alguns excertos (ligeiramente editados, mas, claro, sem alteração do conteúdo) do pensamento de La Bruyère. Vale a pena conferir, pois são excelentes e muito bem-humorados. Depois, ofereço um sonetinho de minha autoria – não tão excelente como as tiradas inteligentes e mordazes de La Bruyère, mas educativo – como epílogo do estudo. Para concluir, colei um momento de descontração que envolve a questão da sempre espirituosa (im)paciência (lusíada). A animação abaixo, em um certo sentido, antecipa esse momento lusitano excecional.

 

 

 

 

 

Excertos do Pensamento do
Moralista Jean de La Bruyère

 

 

Quem sabe esperar o bem que deseja não toma a decisão de se desesperar se ele não chega; aquele que, pelo contrário, deseja uma coisa com grande impaciência, põe nisso demasiado de si mesmo para que o sucesso seja recompensa suficiente. Há pessoas que querem tão ardente e determinantemente certa coisa, que por medo de perdê-la, não esquecem nada do que é preciso fazer para perdê-la. As coisas mais desejadas não acontecem; ou se acontecem, não é, geralmente, nem tempo nem nas circunstâncias em que teriam causado extraordinário prazer.

A modéstia é para o mérito o que as sombras são para um quadro. Dão-lhe forma e relevo.

A maioria dos homens emprega a melhor parte de sua vida em tornar o outro miserável.

Fazer as coisas como todos, é uma máxima suspeita, que, quase sempre, significa fazer as coisas mal.

A pobreza carece de muita coisa; a avareza carece de tudo.

Os que empregam mal seu tempo são os primeiros que reclamam da falta dele.

Algumas mulheres doam aos conventos e aos amantes. Amorosas e benfeitoras, têm até no âmbito do altar tribunas e oratórios em que lêem bilhetes de amor, onde ninguém vê que não estão rezando para Deus.

Fundamental para uma mulher não é ter um diretor, mas viver tão lealmente que possa dispensá-lo.

A cortesia faz a pessoa parecer por fora como deveria ser por dentro.

Um cômico exagera, no palco, as suas personagens; um poeta carrega nas suas descrições; um pintor que tira do natural, força e exagera uma paixão, contrastes, atitudes; e o que copia, se não mede com o compasso as grandezas e as proporções, amplia as figuras, dá a todas as peças que entram na disposição do quadro mais volume do que têm as do original: assim também a dissimulação de virtude é uma imitação do pudor.

Há uma falsa modéstia que é vaidade; uma falsa glória que é leviandade; uma falsa grandeza que é mediocridade; uma falsa virtude que é hipocrisia; um falso pudor que é afetação de virtude.

Há mulheres que gostam mais do dinheiro que dos amigos, e dos amantes mais que do dinheiro.

O ciúme jamais está isento de uma ponta de inveja. Freqüentemente essas duas paixões estão confundidas.

Buscamos a nossa felicidade fora de nós mesmos e na opinião de homens que sabemos aduladores, pouco sinceros, sem eqüidade, cheios de inveja, de caprichos e de preconceitos. Que extravagância!

A inveja e o ódio estão sempre unidos. Fortalecem-se reciprocamente pelo fato de perseguirem o mesmo objetivo.

Uma longa enfermidade entre a vida e a morte faz que a morte resulte em um consolo tanto para os que morrem como para os que ficam.

Bem longe de se assustar ou mesmo de enrubescer com o nome de filósofo, não existe ninguém no mundo que não devesse possuir fortes laivos de Filosofia. Ela convém a todos. A sua prática é útil em todas as idades, para todos os sexos e para todas as condições. Ela consola-nos da felicidade do outro, das preferências indignas, dos fracassos, do declínio das nossas forças ou da nossa beleza; arma-nos contra a pobreza, a velhice, a doença e a morte, contra os tolos e os maus zombeteiros. Faz-nos também viver sem uma mulher, ou faz-nos suportar aquela com quem vivemos!

Tememos a velhice, à qual não temos a certeza de poder chegar.

Os homens têm tanta dificuldade para se aproximar quando tratam de negócios, são tão espinhosos quanto aos menores interesses, tão eriçados de dificuldades, querem tanto enganar e tão pouco ser enganados, dão tanto valor ao que lhes pertence e tão pouco valor ao que pertence aos outros, que confesso que não sei por onde e como conseguem concluir casamentos, contratos, aquisições, a paz, a trégua, os tratados e as alianças.

Duas pessoas não podem ser amigas muito tempo se não souberem perdoar os defeitos uma da outra.

Os moribundos que falam de seu testamento podem confiar que serão ouvidos como se fossem oráculos.

A demasiada atenção que se dedica a observar os defeitos alheios faz com que se morra sem ter tido tempo para conhecer os próprios defeitos.

A vida é curta e tediosa: passa-se inteira no desejar. Adiam-se para o futuro o repouso e as alegrias, muitas vezes até à idade em que os melhores bens, a saúde e a juventude já desapareceram. Essa época chega e ainda nos surpreende em meio a desejos; estamos nesse ponto quando a febre nos arrebata e extingue. Caso nos curássemos, seria apenas para desejarmos por mais tempo.

Não há no mundo exagero mais belo do que o da gratidão.

Os tolos lêem um livro e não o entendem. Os espíritos medíocres crêem entendê-lo perfeitamente. Os grandes espíritos às vezes não o entendem por inteiro; acham obscuro o que é obscuro, como acham claro o que é claro. Os espíritos afetados querem achar obscuro o que não o é, e não entendem o que é perfeitamente inteligível.

A falsa modéstia é o último requinte da vaidade... A vaidade é a espuma do orgulho... A vaidade torna-nos tão crédulos como tolos.

As vítimas da injustiça devem consolar-se pensando que a verdadeira desgraça consiste em praticá-la... Onde há pouca justiça é um grande perigo ter razão.

É uma atitude vã ridicularizar um ignorante rico; as gargalhadas serão dele.

As melhores ações se alteram e se enfraquecem pela maneira porque são praticadas, e deixam até duvidar das intenções. Aquele que protege ou louva a virtude pela virtude, que corrige e reprova o vício por causa do vício, simplesmente, naturalmente, sem nenhum rodeio, sem nenhuma singularidade, sem ostentação, sem afetação, não usa respostas graves e sentenciosas, ainda menos os detalhes picantes e satíricos. Não é nunca uma cena que ele representa para o público; é um bom exemplo que dá e um dever que cumpre. Não fornece nada às visitas das mulheres, nem ao pavilhão, nem aos jornalistas; não dá a um homem espirituoso matéria para boa anedota. O bem que acaba de fazer é um pouco menos sabido e conhecido pelos outros, na verdade; mas fez esse bem. O que ele poderia querer mais?

Um homem que esteja em dificuldade para saber se está mudando, se começa a envelhecer, pode consultar os olhos de uma jovem que aborda, e o tom com que ela lhe fala: saberá o que teme saber. Dura escola!

Há na pura amizade um prazer a que não podem atingir os que nasceram medíocres.

Infelizes dos que seguem pela vida resvalando de fracasso em fracasso em todas as suas tentativas por falta de personalidade. Para vencer, é indispensável tornar-se digno do triunfo pela força de vontade, pela coragem e pela persistência.

Entre o bom senso e o bom gosto está a diferença entre a causa e o efeito.

Deve-se silenciar sobre os poderosos. Há quase sempre adulação ao dizer bem deles; há perigo em dizer mal enquanto vivem, e covardia quando já morreram.

Existem somente duas maneiras de subir na vida: por esforço próprio ou valendo-se da ingenuidade dos outros.

Em todos os tempos, os homens, por algum pedaço de terra, de mais ou de menos, combinaram entre si de se despojarem, de se queimarem, de se trucidarem e de se esganarem uns aos outros. E para fazê-lo mais engenhosamente e com maior segurança, inventaram belas regras às quais se deu o nome de arte militar. Ligaram à prática dessas regras a glória ou a mais sólida reputação, e depois se ultrapassaram uns aos outros na maneira de se destruírem mutuamente. Da injustiça dos primeiros homens, como da sua origem comum, veio a guerra, assim como a necessidade em que se acharam de adotar senhores que fixassem os seus direitos e pretensões. Se, contente com o que se tinha, se tivesse podido se abster dos bens dos vizinhos, ter-se-ia para sempre paz e liberdade. O povo – tranqüilo nos lares, nas famílias e no seio de uma grande cidade onde nada tem a temer para os seus bens nem para sua vida – anseia por fogo e sangue, ocupa-se de guerras, ruínas, braseiros e matanças, suporta impacientemente que os exércitos que mantêm a campanha não tenham recontros, ou se já se encontraram não sustentem combate, ou se se enfrentam não seja sangrento o combate, e haja menos de dez mil homens no local. Muitas vezes, chega a esquecer os seus mais caros interesses, o repouso e a segurança, pelo amor que tem à mudança e pela mania de novidade ou das coisas extraordinárias.

Existem apenas três eventos na vida do homem: nascimento, vida e morte. Ele não tem consciência de ter nascido, geralmente morre em aflição e se esquece de viver.

O mesmo orgulho que faz elevar altivamente acima dos inferiores, faz rastejar vilmente diante dos que estão acima. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós, e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.

No oriente, um homem vale por cem mulheres. Um grande coração de mulher vale por todos os homens do império.

O avaro despende mais, morto, num só dia, do que fazia, vivo, em dez anos; e seu herdeiro mais em dez meses do que soube fazer ele próprio em toda a vida. O que se prodigaliza, tira-se do herdeiro; o que se poupa sordidamente, tira-se de si mesmo. O meio termo é justiça para si e para os outros.

Há almas porcas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e pelo interesse, capazes de uma única volúpia que é adquirir ou não perder, ansiosas e ávidas pela décima prestação, a baixa dos preços, a queda do curso das moedas, mergulhadas e como que submersas nos contratos, nos títulos e nos pergaminhos. Gente dessa marca não é parente, não é amigo, não é concidadão, não é cristão e não pode ser homem: é feita de dinheiro.

A glória ou o mérito de certos homens é escrever bem; de alguns outros é não escrever.

Mil pessoas se arruínam no jogo, e dizem friamente que não poderiam passar sem jogar. Que desculpa! Haverá paixão, por mais violenta ou vergonhosa que seja, que não possa usar essa mesma linguagem? Seria admirável que se dissesse não ser possível passar sem roubar, assassinar, suicidar-se? Um jogo pavoroso, continuado, sem medida, sem limites, no qual só se tem em vista a ruína total do adversário, no qual se é transportado pelo desejo do ganho, desesperado quando se perde, consumido pela avareza, no qual se expõe sobre uma carta, ou na sorte do dado, a sua própria fortuna, a de sua mulher e de seus filhos, será coisa permitida? Será coisa tolerável? Não será preciso, às vezes, fazer a si mesmo uma violência maior, quando, levado pelo jogo até a ruína total, será preciso até que se passe sem roupas e alimentação e sem poder fornecê-las à família? [Harvey Spencer Lewis, 1º Imperator da AMORC para este 2º Ciclo Iniciático, escreveu: O jogo é apenas uma questão de contabilidade – de débito e crédito. O que uns ganham, outros têm (obrigatoriamente) que perder. As duas importâncias devem se equilibrar. E há intermediários que retiram uma porcentagem das mesmas! Logo, como também escreveu Harvey, qualquer ação será egoísta – e portanto perigosa – a menos que venha a exercer uma influência benéfica sobre os outros. Ninguém pode esperar ser feliz, bem sucedido e próspero se seus esforços e realizações representarem sacrifícios ou perdas por parte de outras pessoas.]

O escravo tem um só senhor; o ambicioso tem tantos quantos lhe puderem ser úteis para vencer.

Os nobres são odiosos para os plebeus pelo mal que lhes fazem e por todo o bem que não lhes fazem.

Os gozos da vida, a abundância, a calma de uma grande prosperidade, fazem com que os príncipes tenham alegria de sobra para rir de um anão, de um macaco, de um imbecil e de uma anedota sem graça. As pessoas menos felizes só riem quando há motivo.

Somos tão responsáveis por amar, como o somos por não amar.

Não é preciso arte nem ciência para exercer a tirania. E a política que só consiste em fazer derramar sangue é muito restrita e não requer nenhuma sutileza; ela inspira a matar aqueles cuja vida é obstáculo à nossa ambição. Um homem nascido cruel pratica crueldades sem esforço; é a maneira mais horrível e mais grosseira de se sustentar no poder ou aumentá-lo.

Não há pátria para o despotismo; outras coisas suprem sua falta: a cobiça, a glória, o serviço do príncipe.

A guerra tem por si a antigüidade. Existiu em todos os séculos. Sempre foi vista enchendo o mundo de viúvas e de órfãos, privando as famílias de herdeiros e fazendo perecerem irmãos na mesma batalha.

Para mandar muito tempo e absolutamente é indispensável ter a mão leve, e nunca lhe fazer sentir, por pouco que seja, a sua dependência.

Se comparo as duas condições mais opostas dos homens, quero dizer, os nobres e o povo, este último parece-me contente e rico com o necessário, e os outros inquietos e pobres com o supérfluo. Um homem do povo não saberia fazer nenhum mal; um nobre não quer nenhum bem e é capaz de grandes malefícios. Um só se forma e se exerce nas coisas úteis; o outro acrescenta as perniciosas: ali, mostram-se ingenuamente a primariedade e a franqueza; aqui, esconde-se uma seiva maligna e corrompida sob a casca da polidez. O povo tem bom fundo e não tem boa aparência; os nobres só têm aparência e uma simples superfície. Será preciso optar? Não hesito: quero ser povo.

O tédio veio ao mundo pela estrada que a preguiça construiu.

Há certo número de frases feitas – que se tomam como em um armazém – e das quais nos servimos para nos felicitarmos uns aos outros pelos nossos êxitos. Apesar de serem ditas, geralmente sem aflição, e recebidas, geralmente sem reconhecimento, nem por isso é permitido omiti-las, porque, pelo menos, são a imagem daquilo que há de melhor no mundo, que é a amizade. E os homens, na realidade, não podendo contar uns com os outros, parecem ter combinado entre si de se contentar com as aparências. Com cinco ou seis termos de arte, e nada mais, dão-se ares de conhecedores de música, de quadros, de construções e de manjares. Pensam ter mais prazer do que os outros em ouvir, em ver e em comer; impõem aos semelhantes, e enganam-se a si mesmo.

Temos pelos nobres e pelas pessoas de destaque um ciúme estéril, ou um ódio impotente que não nos vinga de seu esplendor e elevação, e só faz acrescentar à nossa própria miséria o peso insuportável da felicidade alheia.

Às vezes, custa muito mais eliminar um só defeito do que adquirir cem virtudes.

Não invejemos a certa espécie de gente as suas grandes riquezas: eles as têm à custa de um ônus que não nos daria bom cômodo. Estragaram o seu repouso, a sua saúde, a sua felicidade e a sua consciência para as conseguir; isso é caro demais, e não há nada a ganhar por esse preço.

Todos os infortúnios dos homens se manifestam do seu ódio de estarem sós... Toda infelicidade vem de nossa inabilidade para estar só.

É grande miséria não ter bastante inteligência para falar bem, nem bastante juízo para se calar.

É motivo urgente e indispensável fugir para o oriente quando o tolo está no ocidente, a fim de evitar dividir com ele o mesmo agravo.

Supondo que só existam hoje dois homens na Terra, e que a possuindo a dividam entre si, estou convencido de que nascerá logo entre eles algum motivo de discórdia, nem que seja pelos limites. Às vezes, é mais simples e mais útil adaptar-se aos outros, do que fazer os outros se adaptarem a nós.

Um homem vulgar acha sábio falar bem ou mal de si próprio; um homem modesto não fala de sua própria pessoa.

Tão ridículo é fugir da moda como enfrentá-la.

Não existem mulheres feias; só existem aquelas que não sabem se fazer belas.

Ser-se livre não é nada fazer; é ser-se o único árbitro daquilo que se faz ou daquilo que se não faz.

Muitas vezes a Verdade [relativa] é exatamente o oposto daquilo em que geralmente se acredita.

Algumas pessoas começam a falar um momento antes de pensar.

Evita pleitos atrás de todas as coisas! Pervertem a tua consciência, danificam a tua saúde e dissipam a tua propriedade.

Na sociedade, é a razão a primeira a ser vencida. Os mais ajuizados são freqüentemente dirigidos pelo mais louco e extravagante. Estuda-se o seu ponto fraco, o seu humor, os seus caprichos. Acomoda-se a ele, evita-se feri-lo e todo o mundo a ele cede. A menor serenidade que aparece na sua fisionomia basta para lhe atrair elogios; acham-no ótimo por não ser sempre insuportável. É temido, considerado, obedecido e, às vezes, amado. Só aqueles que tiveram velhos parentes colaterais, ou que os têm ainda, dos quais esperam herdar, podem dizer o que isso custa.

É mais vulgar ver um amor absoluto do que uma amizade perfeita.

Uma profusão de epítetos é um pobre elogio; o elogio mente nos fatos e no modo de ser expressado.

É a ignorância profunda que inspira o tom dogmático. Aquele que nada sabe pensa ensinar aos outros o que acaba de aprender; aquele que sabe muito mal chega a pensar que o que diz possa ser ignorado, e fala com maior indiferença. As maiores coisas só precisam ser ditas de forma simples; elas estragam-se com a ênfase. É preciso dizer nobremente as coisas pequenas; elas só se sustentam pela expressão, pelo tom e pela maneira.

Uma posição de eminência faz uma grande pessoa maior e uma pessoa medíocre menor.

O espírito da conversação consiste muito menos em mostrar muito espírito do que em fazer com que os outros o achem. Quem sai de uma palestra contente consigo mesmo e com o seu espírito, sai perfeitamente contente com o orador. Os homens não gostam de admirar; querem agradar. Procuram menos ser instruídos, e mesmo satisfeitos, do que ser apreciados e aplaudidos; e o prazer mais delicado que há é o prazer de causar prazer aos outros.

É grande miséria não ter bastante inteligência para falar bem, nem bastante juízo para se calar. Eis o princípio de toda impertinência.

Que terrível trabalho tem um homem, sem padrinhos e sem cabala, sem estar escrito em nenhuma corporação, sendo sozinho e só tendo por recomendação um grande mérito, para fazer luz sobre a obscuridade em que se encontra, e chegar ao nível de um tolo bem cotado! Quase ninguém percebe por si mesmo o mérito dos outros. Os homens estão demasiado ocupados consigo mesmos para terem tempo de discernir e de compreender os outros: daí o fato de que – com grande mérito e modéstia – poder-se ficar muito tempo ignorado. O gênio e os grandes talentos muitas vezes faltam;, às vezes também faltam apenas as ocasiões. Alguns podem ser louvados pelo que fizeram, outros pelo que teriam feito. É menos raro encontrar espírito, do que pessoas que se sirvam do seu, ou façam valer o dos outros e o utilizem em alguma coisa. Há mais ferramentas do que operários, e entre estes, há mais maus do que excelentes. Que pensar de quem queira serrar com uma plaina e tome o serrote para aplainar? Não há no mundo trabalho mais penoso do que o de fazer nome ilustre; a vida acaba quando apenas se esboçou a obra.

Aquele que diz incessantemente que é honrado e probo, que não prejudica ninguém, que consente que o mal que ele faz aos outros lhe aconteça e jura para se fazer acreditado, não sabe nem fingir que é um homem de bem.

Falar e ofender, para certas pessoas, é precisamente a mesma coisa: são mordazes e ásperas, seu estilo é misturado com fel e absinto. Zombaria, injúria e insulto escorrem de seus lábios como saliva. Seria útil para elas terem nascido mudas ou estúpidas.

Se o financista erra o golpe, os cortesãos dizem dele: é um burguês, um tipo insignificante, um desastrado. Se tem sucesso, pedem-lhe a filha.

Não há nenhuma consideração e nenhuma compostura a esperar de um homem tão cheio de seus interesses e tão inimigo dos interesses dos outros: ele precisa de uma vitima.

Para atingir o fim de seus propósitos, a maioria dos homens é mais capaz de um esforço extraordinário do que de uma longa permanência.

É mais vergonhoso desconfiar dos amigos do que ser enganado por eles.

Não há caminho demasiadamente longo para quem anda devagar, sem pressa; e não há recompensas demasiadamente afastadas para quem a elas se prepara com paciência.

 

 

 

 

 

 

Paciência

 

 

Paciência é o segredo para que vençamos na vida.

Paciência tanto na subida quanto na descida.

Ser paciente é esperar, com calma, o momento certo,

esteja aquilo que desejamos longe ou perto.

 

Dadivosidade, perseverança, obstinação e paciência

— qualidades essenciais para uma criativa vivência.

E quem se aplica ao Santo Silêncio alcança a Serenidade,

conhece suas deficiências e alcança a Liberdade.

 

Algazarra e palavrório, fragmentação e bolodório,

só conduzem a uma coisa: um viver deploratório.

Devemos treinar até podermos ouvir a Voz do Silêncio.

 

O não-compreender é parte da Peregrinação do ente,

o que não justifica um viver irritadiço e impaciente.

 

 

 

 

(Im)paciência Lusitana
(513 kb)

Para ouvir, clique AQUI.

 

 

 

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Notas:

1. Bossuet foi um dos primeiros a defender a teoria do absolutismo político; ele pariu o absurdo argumento que os governos ordinariamente humanos eram divinos e que os reis recebiam seu poder diretamente de Deus. Foi o autor da Política Segundo a Sagrada Escritura, obra na qual defende a origem divina do poder real. Segundo a maluquice de Bossuet, Deus delegaria o poder político aos monarcas, conferindo-lhes autoridade absoluta, ilimitada e incontestável. Essa era a teoria do direito divino dos reis. O caso mais exemplar de governante que se serviu das idéias do teólogo Bossuet foi o despótico soberano francês Luís XIV de Bourbon (5 de setembro de 1638 – 1º de setembro de 1715), o maior monarca absolutista da França que reinou de 1661 à 1715 e ficou conhecido como Rei Sol (Le Roi Soleil). Quando nasceu, seus pais, Luís XIII e Ana de Áustria, consideraram-no uma bênção divina predestinada, já que o casal ainda não tivera nenhum filho em vinte e três anos de matrimônio. Por isso, o recém-nato e futuro Rei da França foi batizado com o nome de Louis-Dieudonné (Luís, o presente de Deus) e recebeu, além do tradicional título de Delfim, a denominação honorífica e privativa de Premier Fils de France (Primogênito da França). A ele é atribuída a famosa frase L'État c'est moi (O Estado sou eu), apesar de grande parte dos historiadores entender que isso é apenas um mito construído por admiradores ou por detratores do Soleil. Mas que ele poderia ter dito essa babaquice, bem que poderia. Luís XIV construiu o luxuoso Palácio de Versailles, perto de Paris, onde se apagou em 1715 após um despótico reinado de 54 anos, no qual acumulou da forma mais absoluta as funções de rei e de ministro. Foi mesmo o Estado em pessoa. Quando o Sol se extinguiu, teve início a fase hegemônica da Inglaterra. Nada dura para sempre. Será que o Roi Soleil não sabia disso?

2. O Quietismo é uma forma de misticismo que sustenta poder a alma, conservando-se na mais total passividade de coração e de atitudes, atingir um estado contínuo de amor e de união com Deus. Esta doutrina mística foi especialmente difundida na Espanha e na França no século XVII, e sustenta que a perfeição moral consiste na anulação da vontade, na indiferença absoluta e na união contemplativa com Deus. Os Papas Inocêncio XI e Inocêncio XII condenaram in limine as propostas quietistas.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/caracteres.html

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Música de fundo:

The Sound of Silence (Simon & Garfunkel)

Fonte:

http://www.rhost.it/luli/st-S.htm