COMPETIÇÃO ANIMAL
(Ação Política Cruel)

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

Otto de Oliveira Lara Resende
(1922 – 1992)

 

(Fragmentos)

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu nasci no fundo da Idade Média. São João Del-Rei, no 1º de maio de 1922, era uma comunidade de alta Idade Média. O peso daquele 'décor' barroco, agravado pela massa física das igrejas que aprisionam a Cidade numa proteção apavorante, imprime na alma da gente uma marca indelével.

 

A ação política é cruel; baseia-se em uma competição animal. É preciso derrotar, esmagar, matar, aniquilar o inimigo.

 

Política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados pedem desculpas, têm dor de cabeça e se retiram.

 

Intelectual na política é quase sempre errado. É sempre errado. A práxis não deixa espaço para pensar; pensar é muito sutil, enrascado, complexo. Multiplica as alternativas.

 

Aproximei-me do espetáculo político pelo que há nele de fascínio humano. A política talvez seja uma forma de tentar driblar a morte.

 

Sou um falante que ama o silêncio.

 

Sempre tive a vaidade de me achar pouco vaidoso.

 

Gosto de ser amigo. E nunca tenho vaga. Estou sempre superlotado. Sou baratinho, fecho negócio barato, dou pé.

 

Tenho medo de tudo o que atrai. O que me chama me espanta.

 

Sou, de certa forma, um animal grafomaníaco.

 

Eu respondo até bilhete. Considero-me um dos últimos brasileiros que respondem cartas. Porque o Brasil, que começou com Pero Vaz de Caminha, sob o signo da carta, parece ter cansado muito cedo das atividades epistolares.

 

Mudar para continuar.

 

De fato morre-se. Morremos todos. O mais é mentira. O mais é supérfluo. O mais é nada.

 

As virtudes teologais são três [fé, esperança e caridade]. Já os pecados capitais são sete [avareza, gula, inveja, ira, luxúria, orgulho e preguiça]. Até aritmeticamente o mal ganha do bem.

 

Devo ter sido o único mineiro que deixou de ser diretor de banco.

 

Sou um sobrevivente sob os escombros de valores mortos.

 

Texto de jornal é estação de trem depois que o trem passou. Deixou de ter interesse.

 

Ao aceitar concorrer a uma vaga na ABL: É a morte que nos leva a desejar a imortalidade impossível.

 

A morte é noturna. À noite, todos os doentes agonizam.

 

Leio muito à noite. Só não sou inteiramente uma besta porque sofro de insônia.

 

Sou autor de muitos originais e de nenhuma originalidade.

 

O humor é a grande expressão, o melhor canal para dar notícia da vida, da nossa tragédia interior e exterior.

 

A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável.

 

Ultimamente, passaram-se muitos anos.

 

Como pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar.

 

Da discussão nascem os perdigotos.

 

Ao fazer 60 anos: Hoje eu reúno duas condições que em princípio se excluem: sou careca e grisalho.

 

Devemos a Graham Bell o fato de estarmos em qualquer lugar do mundo e alguém poder nos chatear pelo telefone.

 

Eu escrevo todo dia, por compulsão. Mas agora, aos 70 anos, uma das perguntas que mais me intrigam é o que eu vou ser quando crescer.

 

Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher. Isso existe às pampas.

 

Entrei no jornalismo como cachorro entra na igreja: porque achei a porta aberta.

 

Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. De tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo o dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa retina é como um vazio. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos... E vemos? Não, não vemos. Nossos olhos se gastam no dia-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

 

Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto.

 

No Brasil, as leis são como vacinas: umas pegam; outras não.

 

Não sou homem de ter uma opinião no bolso e outra na lapela.

 

O cinema é uma maneira fácil de ser intelectual sem ler e sem pensar.

 

O perdão é o combustível do convívio.

 

Positivamente, não posso ser apresentado a Satanás: como André Gide, sofro a tentação de entender as razões do adversário.

 

Para mim, domingo sem missa não é domingo.

 

Não quero tripudiar sobre ninguém. Junto a isto um insanável sentimento de simpatia, que me domina, por todos os decaídos.

 

Quem me garante que Jesus Cristo não estaria hoje na estatística da mortalidade infantil? Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas.

 

Deus é humorista.

 

Todo mundo que cruzou comigo, sem precisar parar, está incorporado ao meu destino.

 

Sei, como todos os brasileiros, os três primeiros minutos de qualquer assunto.

 

A Psicanálise é a maneira mais rápida e objetiva de ensinar as pessoas a odiar o pai, a mãe e os amigos.

 

Sou jornalista, especialista em idéias gerais. Sei alguns minutos de muitos assuntos. E não sei nada.


 

 

 

 

 

 

 

Otto de Oliveira Lara Resende

 

(Sobre)

 

 

Alexandre Werneck: Houvesse uma nova Inconfidência Mineira, ela talvez criasse para Minas Gerais uma bandeira com a imagem de Otto Lara Resende.

 

Ministro Nascimento e Silva: Otto, meus parabéns. Você hoje, na televisão, foi genial. Só Charles Chaplin faria uma crítica tão inteligente a essa lei da censura que aprovamos hoje no Governo.

 

Nelson Rodrigues: Marx roubou-nos a vida eterna, a minha e a do Otto Lara.

 

Nelson Rodrigues: A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa. Deviam pôr um taquígrafo atrás dele e vender suas anotações em uma loja de frases.

 

Nelson Rodrigues disse um dia que 'o mineiro só é solidário no câncer'. E atribuiu a frase ao Otto Lara Resende. Quando questionado sobre a veracidade da informação, Nelson argumentava que se não era de Otto, tinha tudo para ser.

 

Antônio Callado: 'O Braço Direito’, de 1964, foi o maior romance católico apostólico romano da literatura brasileira.

 

Luís Edgar de Andrade: Otto amava a Deus sobre todas as coisas e o Brasil abaixo de Deus.

 

Nos tempos de juventude, numa brincadeira, Fernando Sabino fez a seguinte quadrinha para adornar a lápide de Otto:

 

Aqui jaz Otto Lara Resende,
mineiro ilustre, mancebo guapo.
Deixou saudades, isso se entende:
Passou cem anos batendo papo.

 

 

O acadêmico Josué Montello, em fala ressaltando as qualidades do amigo falecido, citou os dois versos em que Afrânio Peixoto resumia sua própria biografia: 'Estudou e escreveu./Nada mais lhe aconteceu'.

 

Stanislaw Ponte Preta: Genial frasista de São João Del-Rei.

 

Cecília Costa: Jornalista político, Otto era um daqueles típicos diletantes de redação que de tudo sabia um pouco. E que, mais do que tudo, sabia ouvir, falar e ponderar, costurar alianças, fechar acordos, conciliar o inconciliável. Sempre atuando nos bastidores. Tramando. Conversando. Argumentado. Com sua visão única. Peculiar.

 


 

 

 

 

 

Cretino Fundamental1

 

 

 

Ação política... Cruel...

Competição... Animal...

Procedimento... Infiel...

Cretino... Fundamental...

 

 

Feitio moral... Aluguel...

Despundonor... Imperial...

Lero-lero... Aranzel...

Noites... Bacanal...

 

 

De vento... O pastel...

De pó... O frontal...

De vinagre... O mel...

De dolor... O final...

 

 

Herança... Isabel...

A Alma... Vendaval...

Na hora H... Fel...

Cogitação... Remorsal...

 

 

 

 

 

Herança Isabel

 

 

 

 

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Nota:

1. Cretino fundamental é um dos personagens-tipos de Nelson Rodrigues, como também são o padre de passeata, a estagiária de calcanhar sujo, a grã-fina com narinas de cadáver, a freira de minissaia, o Sobrenatural de Almeida, a cabra vadia e o idiota da objetividade. Muitas das frases e expressões de Nelson Rodrigues acabaram ingressando em uma espécie de memória cultural brasileira por serem provocantes e até agressivas. Por exemplo:

– Em um adultério, há homens que preferem ser o marido, não o amante. Os homens adoram ser traídos.

– Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor.

– Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma.

– No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.

– O Sábado é uma ilusão.

– Aos dezoito anos, o homem não sabe nem como se diz bom-dia a uma mulher. O homem devia nascer com trinta anos feitos.

– O amigo trai na primeira esquina. Ao passo que o inimigo não trai nunca. O inimigo é fiel. O inimigo é o que vai cuspir na cova da gente.

– Toda mulher gosta de apanhar.

– O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.

– Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos.

– Se cada um conhecesse a intimidade sexual dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

– Toda unanimidade é burra.

— A bofetada é um crime inapelável.

— O sujeito só deveria beijar uma única mulher em toda a sua vida.

— Eu sou uma flor de obsessão.

— Reacionário, para mim, é tudo o que não presta.

— Aos jovens: envelheçam depressa.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://educaterra.terra.com.br/
literatura/litcont/2004/01/08/001.htm

http://www.germinaliteratura.com.br/
editorial_ago6.htm

http://www.abi.org.br/
colunistas.asp?id=584

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
artigos/asp080520027.htm

http://www.releituras.com/
olresende_bio.asp

http://www.releituras.com/
olresende_frases.asp

http://www.priscilaazul.net/
?sec=3&id_categoria=8&id_subcategoria=85

http://parlamarieta.blogspot.com/
2005/03/otto-lara-rezende.html

http://estupidismo.blogspot.com/
2007/08/cinco-frases-do-otto-lara-rezende.html

http://pt.wikiquote.org/wiki/
Otto_Lara_Resende

 

Dica:

Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende batendo papo no endereço:

http://www.sopadecerebro.com/2008/07/
nelson-rodrigues-e-otto-lara-resende.html