>[DES]ORDEM

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Górgias
Platão
(Fragmentos editados)

 

 

Górgias

 

 

A experiência faz com que a nossa vida seja dirigida de acordo com a arte; a inexperiência entrega nossa vida ao acaso. Cada um, a seu modo, é proficiente em alguma coisa.

 

Por meio da palavra, pela arte da Retórica1, é possível convencer os juízes em um tribunal, os senadores no conselho e os cidadãos nas assembléias ou em toda e qualquer reunião política. Com semelhante poder, farás do médico e do pedótriba2 teus escravos, e o economista acumulará riqueza para ti, que sabes falar e convencer as multidões.

 

A persuasão é, de fato, a finalidade precípua da Retórica.

 

A Retórica precisa ser usada semelhantemente às demais artes de competição. Estas artes não devem ser empregadas indiferentemente contra toda a gente, porque contam com a prática e se tornaram, neste terreno, superiores a amigos e a inimigos... O orador é capaz de falar a respeito de qualquer assunto, conseguindo, por isto mesmo, convencer as multidões melhor do que qualquer pessoa. Contudo, não será por isto que ele irá privar o médico de sua fama — o que lhe seria possível — nem qualquer outro profissional. Pelo contrário, deverá usar a Retórica com justiça, como qualquer outro gênero de combate...

 

Não há nada de tão nocivas conseqüências para o homem como admitir uma opinião errônea...

 

Em matéria de saúde, diante das multidões,3 um orador tem maior força convincente do que o médico; mas, diante de entendidos não será mais persuasivo do que o médico.

 

O homem justo pratica ações justas, e nunca há de querer cometer alguma injustiça. Portanto, o orador sincero, necessariamente, terá de ser justo, e nunca há de querer cometer uma injustiça.

 

Normalmente, quando fazemos alguma coisa em vista de um determinado fim, não é essa coisa que queremos, mas o que tínhamos em vista quando a fizemos.

 

Se alguém matar outra pessoa, ou a expulsar da cidade, ou lhe arrebatar os bens, quer seja tirano, quer seja orador, convencido de que disso auferirá vantagens – quando, realmente, só virá a ser prejudicado – este só faz, de fato, o que lhe apraz.

 

Se alguém matar alguém injustamente, é digno de piedade; mas, se o faz com justiça, não é para ser invejado.

 

O maior dos males é cometer alguma injustiça. Se me visse obrigado a optar entre praticar alguma injustiça ou sofrê-la, preferiria sofrê-la, não praticá-la... Cometer injustiça é pior do que sofrer injustiça.

 

Enquanto justo, tudo o que é justo é belo.

 

Conforme seja a ação do agente, assim será o sofrimento do paciente.

 

A injustiça, a intemperança e os demais vícios da alma são os maiores males do mundo.

 

A felicidade não consiste em alguém se livrar dos males, mas em se conservar livre deles.

 

O castigo nos deixa mais prudentes e justos, atuando a justiça como uma espécie de medicina para a maldade.

 

O homem injusto ou que comete injustiça, de qualquer forma é infeliz. E mais infeliz será, ainda, se não for punido; porém algum tanto menos se for castigado e punido pelos deuses4 e pelos homens.

 

Se, entre os homens, não houvesse identidade de sentimentos, comuns a todos, embora com diferenças individuais, não seria fácil a ninguém explicar aos outros o que se passa consigo mesmo.

 

Prefiro ter a lira desafinada e desarmônica ou um coro por mim dirigido, sim, e até mesmo não concordar com minhas opiniões a maioria dos homens, e combatê-las, a ficar em desarmonia comigo mesmo e vir a me contradizer.

 

Considero que para tirar a prova completa que permita saber se uma alma vive bem ou mal são necessários três requisitos: conhecimento, boa vontade e franqueza.

 

Cada um deve comandar a si mesmo. Cada um deve ser temperante e dono de si mesmo, e dominar, em si próprio, os prazeres e os apetites.

 

Não me admirarei se falou certo Eurípides, quando disse: — Quem nos dirá que não é morte a vida, e estar Morto, Viver?

 

No mundo das sombras — o mundo invisível — os mais infelizes são os não-iniciados, pois carregam água para um tonel furado em um crivo5 também cheio de furos... A alma dos insensatos é semelhante a um crivo cheio de furos, pois nada consegue reter, visto carecer de fé e de memória.

 

O bem não consiste em ter prazer de qualquer modo.

 

O bem não é a mesma coisa que o agradável, nem o mal o mesmo que o desagradável, porque uns cessam ao mesmo tempo, e outros não, por serem diferentes. Como poderia, pois, o agradável ser idêntico ao bem e o desagradável ao mal?

 

Se há alguma coisa que o homem possa, ao mesmo tempo, ter e não ter, é mais do que claro que não seria nem o bem nem o mal.

 

Todas as necessidades e todos os desejos são desagradáveis.

 

Todos os nossos atos devem ser pautados só em vista do bem... O bem deve ser a meta exclusiva de nossos atos, e tudo deve ser feito por amor ao bem.

 

Há, portanto, duas maneiras de falar ao povo: uma delas é adulação e oratória da pior espécie; a outra é algo belo, porque há preocupação sincera em deixar boa, quanto possível, a alma dos cidadãos, esforçando-se para dizer o que é melhor, quer agrade quer não agrade ao auditório.

 

O orador honesto e competente deverá dirigir seus discursos à alma dos homens, sempre que lhes falar; e quer lhes dê ou lhes tire alguma coisa, deverá pensar sempre no modo de fazer nascer a justiça na alma de seus concidadãos e de banir a injustiça, de nela implantar a temperança e de afastar a intemperança.

 

A virtude de qualquer coisa – seja instrumento, seja corpo, seja alma – não vem por acaso e já completa. É o resultado de uma certa ordem, de retidão e da arte adaptada à natureza de cada um. Logo, é por meio da ordem que se promove devidamente a virtude de cada coisa. Por isto, uma espécie de ordem inerente a cada coisa é que a deixa boa com a sua presença. E a alma que tem a sua ordem peculiar é melhor do que a que for desordenada. E a alma em que há ordem é bem regulada. E a alma bem regulada é temperante. Logo, a alma temperante é boa.

 

Ordem

 

 

A ordem e a harmonia da alma têm o nome de legalidade e de lei, que é o que deixa os homens justos e ordeiros, e vem a ser, precisamente, justiça e temperança.

 

Ordem

 

Onde quer que um tirano domine grosseiros e sem educação, se houver na cidade alguém muito melhor do que ele, é fora de dúvida que o tirano se arreceará dessa pessoa e nunca dela poderá se tornar amigo de todo o coração... O mesmo se dará no caso de alguém muito pior do que ele: o tirano o desprezará, sem lhe mostrar jamais a deferência devida aos amigos. Resta, portanto, ao tirano, como único amigo digno de menção, quem tiver o mesmo caráter que ele, os mesmos gostos e aversões idênticas, e que se disponha a obedecer e a se submeter à sua autoridade. Um indivíduo, nestas condições, gozará de grande influência na cidade, sem que ninguém consiga ofendê-lo impunemente.

 

Para alguém se tornar tão bom quanto possível... é vergonhoso condicionar seu conselho a determinado pagamento.

 

Se, um dia, eu for chamado ao tribunal, meu acusador terá de ser um indivíduo muito ruim, pois jamais um homem bom acusará um inocente.6

 

Tudo o que falo, falo por amor à justiça.

 

A maior infelicidade é chegar ao Hades com a alma pejada de malfeitorias.

 

Toda adulação deve ser evitada, tanto com relação a si próprio como a estranhos, quer sejam poucos, quer sejam muitos. E a faculdade de bem falar, como os demais recursos desse gênero, só devem ser empregados a serviço da justiça.

 

A melhor maneira de viver é a que consiste na prática da justiça e das demais virtudes – tanto na vida quanto na morte.

 

 

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Notas:

1. Retórica é a arte da eloqüência, a arte de bem argumentar, ou seja, a arte da palavra. Na Idade Média, era uma das três disciplinas de que se constituía o trivium – a primeira parte do ensino universitário, formada por três disciplinas (Gramática Latina, Lógica e Retórica) ministradas antes do quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia). Para Sócrates, a Retórica não se ocupa com discursos relativos ao par e ao ímpar, porém, com os que se relacionam com o justo e o injusto. Assim, em princípio, para Sócrates, jamais poderia a Retórica ser algo injusto, pois todos os seus discursos tratam exclusivamente da justiça.

2. Na Grécia antiga, o pedótriba era um professor de educação física.

3. Diante de ignorantes. Como argumenta Sócrates, o ignorante tem maior poder de persuasão junto de ignorantes do que o sábio. Isto é uma verdade incontestável. Basta, por exemplo, dar uma rápida espiada nos programas religiosos que coalham a televisão aberta, particularmente durante a madrugada. Alguns sapientes chegam a insinuar que a Medicina é inútil, pois só Jesus cura! Enfim, esses retóricos de meia-pataca não sabem como as coisas são em si mesmas, e, muitas vezes, recorrem a algum artifício insincero e furreca para parecer aos ignorantes que, em tudo, são mais entendidos do que os especialistas. Claro, sempre com o suporte de citações bíblicas decoradas, que eles, quando muito, conhecem muito mal as letras, mas longe estão de entender as entrelinhas.

4. Entenda-se, aqui, a punição praticada pelos deuses como o funcionamento inexorável (imediato ou mediato) da Lei Educativa da Compensação.

5. Utensílio com o fundo perfurado e que se usa para separar fragmentos, grãos, pedras preciosas e congêneres, de acordo com o volume e a espessura.

6. Sócrates (469 – 399]), que foi um homem piedoso, foi executado por impiedade, no caso, falta de respeito pelos valores comumente admitidos pela pólis. O julgamento e a execução de Sócrates são eventos centrais da obra de Platão (Apologia e Críton). Sócrates admitiu que poderia ter evitado sua condenação (beber o veneno chamado cicuta), se tivesse desistido da vida justa. Mesmo depois de sua condenação, ele poderia ter evitado sua morte, se tivesse escapado com a ajuda de amigos. A razão para sua cooperação com a justiça da pólis e com seus próprios valores mostra uma valiosa faceta de sua Filosofia, em especial aquela que é descrita nos diálogos com Críton.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://ateus.net/ebooks/

http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crates

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Depois do hiperbolizante imbróglio,

adianta o quê um socrático escólio?

Depois do puta deus-nos-acuda,

adianta o quê um ramo de arruda?

 

 

Não é pelo sim ou pelo não

nem mesmo é querendo ou não;

todíssima e qualquer desordem

será transmudada em ordem.

 

 

Ah!, minha juscelina Brasília!

O que tem valido tua pervigília?

O injustiçado povo brasileiro