Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Castelo de Cartas

 

 

 

O que queres? O que buscas?

 

Eu quero e busco a paz.

 

E a tens procurado?

 

Sim, muito. Incansavelmente.

 

Onde? Como?

 

Aqui... Ali... Nas prédicas dos religiosos, nas celebrações, nos livros sagrados, nas hagiografias dos homens santos, nos conselhos espirituais dos padres e das madres do deserto, nas promessas dos inspirados, no canto dos pássaros, no sorriso das crianças, na tranqüilidade dos idosos, no amanhecer e no entardecer...

 

E encontraste?

 

Não; quando penso que encontrei a paz, ela se desfaz como um castelo de cartas. Dura um breve instante, um momento... Como um orgasmo!

 

Pois é; compreendo. Como a maioria das pessoas, tu buscas e queres encontrar a paz nas coisas, nas manifestações, nas realidades existentes, do lado de fora, no teatro da vida, no vai-e-vem, no fluxo e no contrafluxo, a jusante e a montante, enfim, nos contentamentos efêmeros. Desta forma, ela jamais será encontrada. Como disse o Místico, Filósofo e Alquimista chinês Lao Tsé, só a inexistência de qualquer desejo poderá conduzir à paz interior, e querer a paz e buscar a paz não deixam também de ser desejos.

 

Não entendo. Não é lícito querer e buscar a paz?

 

Sim, sim, é lícito e justo, mas, presta atenção: querer e buscar a paz poderão, talvez, oportunizar momentos exteriores de paz, que nada mais são do que reflexos fugazes, episódicos e transitórios de uma harmonia interior – perdida (como a Palavra) ou esquecida (como a Eterna Vida) – que aflora, mas, que não se mantém; breve como um orgasmo, como tu bem o disseste. Esses momentos não deixam de ser e de equivaler a uma angustiante saudade metafísica idealizada, mas, irrealizada de forma duradoura e estável. A verdadeira paz – a paz profunda – só poderá ser conhecida e vivenciada em sua plenitude interiormente, independente de quaisquer condições exteriores e objetivas. Então, desafiando a opinião consabida e por mais paradoxal que possa parecer, afirmo: querer e buscar a paz não conduzirão à paz, que, efetivamente, é paz e não é paz!

 

Como assim? Paz que é paz e que não é paz?

 

Melhor do que ensinar ou definir este tipo de paz – que é paz e que não é paz pois, realmente, isto é impossível, vou te ensinar um experimento muito fácil de ser executado, que, quanto mais for repetido, mais fará com que te aproximes da paz interior que tanto queres e buscas encontrar. Faz o seguinte: bebe um pouco de água, senta confortavelmente, relaxa e emite o OM ou o mantra de tua preferência algumas vezes. Depois, sem absolutamente nada desejar ou pedir, imagina que estás em um ponto no centro do Universo. Visualiza este inexistente ponto. Assim, longe de prenoções 'a priori', de desejos, de cobiças e de paixões, de quereres e de não-quereres, de qualquer intenção ou finalidade, de presenças ou de ausências, misticamente, tenta te tornares um com o Universo. Se conseguires, e espero que consigas, perceberás que tu não és mais tu, pois tua identidade desaparecerá, e que o Universo não é mais o Universo, pois esta Unidade que alcançaste é inconsciente de si-mesma. Não haverá ganhos nem perdas; não quererás nem não-quererás; não haverá ontem nem amanhã; não haverá sequer sentimento de união ou de separação. Apenas o que é é, sendo e não-sendo. Neste estado sublime... Bem, neste estado sublime, cada qual terá a experiência que merecer ou a que puder ter. Mas, certamente, qualquer um que fizer este experimento alcançará algum tipo de sucesso pessoal e particular, e dele não voltará igual e não será mais o mesmo.

 

Mas... Será mesmo assim? Acontecerá isto?

 

Só no momento em que o ser-no-mundo se der conta de que a separação é uma incoerente quimera – um equívoco de percepção ou de entendimento, um engano dos sentidos objetivos ou da mente, uma interpretação errônea das coisas, uma confusão de aparência com realidade, de falso com verdadeiro, de não-ser com ser – é que a reintegração e a ascensão, muito lentamente, poderão ter início. E isto só poderá ser atingido em silêncio, em Santo Silêncio. Compreendeste isto?

 

Sim, sim, compreendi.

 

Vais tentar fazer o experimento que acabei de te ensinar?

 

Sim; só não sei se obterei sucesso.

 

Não importa se terás ou não sucesso; importa, sim, que tentes, e que nunca desistas. Na vida, o que não é conseguido não é perdido, pois, em verdade, não existem nem derrota nem vitória, nem acréscimo nem decréscimo. Isto é outra ilusão. Tudo é experiência adquirida, e experiência não se perde; é, digamos assim, contabilizada e duplamente armazenada: no nosso Átomo-semente (o nosso 'back-up' pessoal) e na memória não-volátil do 'Hard Disk Drive' Universal. Em uma vida, tanto o que é conquistado como o que não é alcançado ficam como uma espécie de resíduo experiencial remanescente indelével arquivado – matéria-prima para a edificação da nossa personalidade-alma em uma próxima vida. Logo, não somos o produto de uma só existência, mas, de muitas. O que é arquivado em uma vida é somado ao que foi arquivado em outras vidas, o que, neste particular, implica que não sejamos um, mas, muitos.

 

 

Experiência Contabilizada e Armazenada

 

 

Mas, é muito triste fracassar; dá uma sensação de desamparo...

 

Eu sei. Um dos grandes problemas do ser-no-mundo é a necessidade de obter resultados imediatos e positivos, seja lá no que for em que ele se empenhe em fazer. Em uma palavra: sucesso. Se ou quando não consegue, desanima e costuma desistir. Isto é o pior que ele poderá fazer porque, se a Unidade prevalece no Universo, não existem espaços vazios, perdas ou ganhos. Há, sim, quando é o caso, compreensão progressiva do que sempre foi, é e será. É esta compreensão progressiva que, digamos assim, acabará produzindo a libertação e a desnecessidade de encarnações compulsórias e compensatórias.

 

Isto eu entendo, mas, gostaria de compreender melhor a questão da mudança e do movimento.

 

Tudo muda e se movimenta, sim; mas, em termos teleológicos, a mudança e o movimento não mudam nada, não movimentam nada e não conduzem a nada, porque a teleologia é mais uma ilusão, pois não há um ser superior ou Deus querendo coisas e realizando seus propósitos no Universo. Ainda que o Universo seja ciclicamente regulado por sistema e ordem, as coisas não são causadas pela vontade de alguma entidade sobrenatural. Platão estava equivocado ao afirmar que a verdadeira explicação de qualquer fenômeno físico deva ser teleológica. Ele costumava discordar daqueles que não distinguiam entre as causas necessárias e causas suficientes das coisas, que ele identificava, respectivamente, como a 'causa material' e a 'causa teleológica'. O próprio Bem-em-si-mesmo e a Perfeição Última aristotélicos são relativos, e, em certo sentido, inalcançáveis. Todas estas coisas derivam do conceito equivocado da existência de um estado inicial determinado, um princípio, que, pelo movimento e pela mudança, deverá tender para um certo estado final desconhecido. Duas outras coisas que não existem no Universo são a aleatoriedade e uma meta a ser alcançada. Pense bem: se prevalecessem a aleatoriedade e uma meta a ser alcançada, primeiro, pela aleatoriedade, em um dado momento, poderia haver um colapso do Universo, e, segundo, alcançada a meta, o Universo entropizaria ou, por assim dizer, se desfaria, pois o sentido de sua duração estaria definitivamente concluído. O que é definitivo? Nada disto é possível, porque da mesma forma que o nada não é causador de coisa alguma, porque não existe, nada poderá desembocar teleologicamente em um inexistente nada. Como o nada poderia provocar a existência? Como o nada poderia ser o jazigo da existência? Portanto, se não houve propriamente um propósito iniciante no e do Universo, conseqüentemente não poderá haver nem finalidade nem desígnio prefixados. Enfim, as quatro causas aristotélicas – causa formal, causa material, causa eficiente e causa final – representam apenas um exercício filosófico, pois o Universo não está submetido a qualquer causa fixada antecipadamente para que um objetivo deva se efetivar. Metafisicamente, o que é não pode deixar de ser, o que existe não pode deixar de existir. O ALeF está no TaV e o TaV está no ALef. A mudança e o movimento universais têm como característica a inalterabilidade da Essência. Esta inalterabilidade não é o 'motor imóvel' de Aristóteles, mas, a imodificabilidade da Unidade, desde sempre una. E isto é um mistério!

 

Não estou acompanhando esta explicação.

 

É a impercepção desta Unidade Cósmica inalterável que, na consciência, produz sensações desencontradas de tempo e de espaço, de mudança e de movimento finalísticos ou teleológicos, de estabilidade e de instabilidade, de mal e de bem, de mesmo e de outro, de dia e de noite, de coisa e de não-coisa, de vida e de morte. Como poderá haver alternância no Universo se Ele é o que é permanentemente? A alternância e a impermanência estão na consciência do ser-no-mundo, que ainda é incapaz de realizar e de perceber a constância e a continuidade, movente e modificante no seio do imperturbável Todo-desde-sempre-e-para-sempre-Todo.

 

Continuo com muitas dúvidas, mas, mesmo assim, muito obrigado.

 

 

 

 

 

 

Música de fundo:

Street of Dreams
Composição: Victor Young (música) & Sam M. Lewis (letra)
Interpretação: Frank Sinatra & Count Basie

Fonte:

http://mp3skull.com/mp3/
street_of_dreams_frank_sinatra.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Teleologia

http://brasirlanda.wordpress.com/2011/04/
15/primeiros-dias-%E2%80%93-parte-4/

http://caccioppoli.com/Animated%20gifs%20flowers%20
roses%20plants%20trees%20landscape%20waterfalls.html

 

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