—
O
que queres? O que buscas?
—
Eu
quero e busco a paz.
—
E
a tens procurado?
—
Sim,
muito. Incansavelmente.
—
Onde?
Como?
—
Aqui...
Ali... Nas prédicas dos religiosos, nas celebrações,
nos livros sagrados, nas
hagiografias dos homens santos, nos conselhos espirituais dos
padres e das madres do deserto, nas promessas dos inspirados, no canto dos
pássaros, no sorriso das crianças, na tranqüilidade dos
idosos, no amanhecer e no entardecer...
—
E
encontraste?
—
Não;
quando penso que encontrei a paz, ela se desfaz como um castelo de cartas.
Dura um breve instante, um momento... Como um orgasmo!
—
Pois
é; compreendo. Como a maioria das pessoas, tu buscas e queres encontrar
a paz nas coisas, nas manifestações,
nas realidades
existentes, do lado de fora, no teatro da vida,
no vai-e-vem, no fluxo e no contrafluxo, a jusante e a montante, enfim,
nos contentamentos efêmeros. Desta forma, ela jamais será encontrada.
Como disse o Místico, Filósofo e Alquimista chinês Lao
Tsé, só a inexistência de qualquer desejo poderá
conduzir à paz interior, e querer a paz e
buscar a paz não deixam também
de ser
desejos.
—
Não
entendo. Não
é lícito querer e buscar a paz?
—
Sim,
sim, é lícito e justo, mas, presta atenção:
querer
e buscar
a
paz poderão, talvez, oportunizar
momentos exteriores
de paz,
que nada mais são do que reflexos fugazes, episódicos e transitórios
de uma harmonia interior – perdida (como a Palavra) ou esquecida (como
a Eterna Vida) – que
aflora, mas, que não se mantém; breve como um orgasmo, como
tu bem o disseste. Esses momentos não
deixam de ser e de equivaler a
uma angustiante saudade metafísica idealizada, mas, irrealizada de
forma duradoura e estável. A verdadeira paz – a paz profunda
– só poderá ser conhecida e vivenciada em sua plenitude
interiormente, independente de quaisquer condições exteriores
e objetivas. Então, desafiando a opinião consabida e por mais
paradoxal que possa parecer, afirmo: querer e buscar a paz não conduzirão
à paz, que, efetivamente, é paz e não é paz!
—
Como
assim?
Paz que é paz e que não é paz?
—
Melhor
do que ensinar ou definir este tipo de paz – que é
paz e que não é paz
–
pois,
realmente, isto é impossível, vou te ensinar um experimento
muito fácil de ser executado, que, quanto mais for repetido, mais
fará com que te aproximes da paz interior que tanto queres e buscas
encontrar. Faz o seguinte: bebe um pouco de água, senta confortavelmente,
relaxa e emite o OM ou o mantra de tua preferência algumas
vezes.
Depois, sem absolutamente nada desejar ou pedir, imagina que estás
em um ponto no centro do Universo. Visualiza este inexistente ponto. Assim,
longe de prenoções 'a priori', de desejos, de cobiças
e de paixões, de quereres e de não-quereres, de qualquer intenção
ou finalidade, de presenças ou de ausências, misticamente,
tenta te tornares um com o Universo. Se conseguires, e espero que consigas,
perceberás que tu não és mais tu, pois tua identidade
desaparecerá, e que o Universo não é mais o Universo,
pois esta Unidade que alcançaste é inconsciente de si-mesma.
Não haverá ganhos nem perdas; não quererás nem
não-quererás;
não haverá ontem nem amanhã; não haverá
sequer sentimento de união ou de separação. Apenas
o que é é, sendo e não-sendo. Neste estado sublime...
Bem, neste estado sublime, cada qual terá a experiência que
merecer ou a que puder ter. Mas, certamente, qualquer um que fizer este
experimento alcançará algum tipo de sucesso pessoal e particular,
e dele não voltará igual e não será mais o mesmo.
—
Mas...
Será mesmo assim? Acontecerá isto?
—
Só
no momento em que o ser-no-mundo se der conta de que a separação
é uma incoerente quimera – um equívoco de percepção
ou de entendimento, um engano dos sentidos objetivos ou da mente, uma interpretação
errônea das coisas, uma confusão de aparência com realidade,
de falso com verdadeiro, de não-ser com ser – é que
a reintegração e a ascensão, muito lentamente, poderão
ter início. E isto só poderá ser atingido em silêncio,
em Santo Silêncio. Compreendeste isto?
—
Sim,
sim, compreendi.
—
Vais
tentar fazer o experimento que acabei de te ensinar?
—
Sim;
só não sei se obterei sucesso.
—
Não
importa se terás ou não sucesso; importa, sim, que tentes,
e que nunca desistas. Na vida, o que não é conseguido não
é perdido, pois, em verdade, não existem nem derrota nem vitória,
nem acréscimo nem decréscimo. Isto é outra ilusão.
Tudo é experiência adquirida, e experiência
não
se perde; é, digamos assim, contabilizada e duplamente armazenada:
no nosso Átomo-semente (o nosso 'back-up' pessoal) e na memória
não-volátil do 'Hard Disk Drive' Universal. Em uma vida, tanto
o que é conquistado como o que não
é alcançado ficam como uma espécie de resíduo
experiencial remanescente indelével arquivado – matéria-prima
para a edificação da nossa personalidade-alma em uma próxima
vida. Logo, não somos o produto de uma só existência,
mas, de muitas. O que é arquivado em uma vida é somado ao
que foi arquivado em outras vidas, o que, neste particular, implica que
não sejamos um, mas, muitos.
Experiência
Contabilizada e Armazenada
—
Mas,
é muito triste fracassar; dá uma sensação de
desamparo...
—
Eu
sei. Um dos grandes problemas do ser-no-mundo é a necessidade de
obter resultados imediatos e positivos, seja lá no que for em que
ele se empenhe em fazer. Em uma palavra: sucesso. Se ou quando não
consegue, desanima e costuma desistir. Isto é o pior que ele poderá
fazer porque, se a Unidade prevalece no Universo, não existem espaços
vazios, perdas ou ganhos. Há, sim, quando é o caso, compreensão
progressiva do que sempre foi, é e será. É esta compreensão
progressiva que, digamos assim, acabará produzindo a libertação
e a desnecessidade de encarnações compulsórias e compensatórias.
—
Isto
eu entendo, mas, gostaria de compreender melhor a questão da mudança
e do movimento.
—
Tudo
muda e se movimenta, sim; mas, em termos teleológicos, a mudança
e o movimento não mudam nada, não movimentam nada e não
conduzem a nada, porque a teleologia é mais uma ilusão, pois
não há um ser superior ou Deus querendo coisas e realizando
seus propósitos no Universo. Ainda que o Universo seja ciclicamente
regulado por sistema e ordem, as coisas não são causadas pela
vontade de alguma entidade sobrenatural. Platão estava equivocado
ao afirmar que a verdadeira explicação de qualquer fenômeno
físico deva ser teleológica. Ele costumava discordar daqueles
que não distinguiam entre as causas necessárias e causas suficientes
das coisas, que ele identificava, respectivamente, como a 'causa material'
e a 'causa teleológica'. O próprio Bem-em-si-mesmo e a Perfeição
Última aristotélicos são relativos, e, em certo sentido,
inalcançáveis. Todas estas coisas derivam do conceito equivocado
da existência de um estado inicial determinado, um princípio,
que, pelo movimento e pela mudança, deverá tender
para um certo estado final desconhecido. Duas outras coisas que não
existem no Universo são a aleatoriedade e uma meta a ser alcançada.
Pense bem: se prevalecessem a aleatoriedade e uma meta a ser alcançada,
primeiro, pela aleatoriedade,
em um dado
momento, poderia haver um colapso do Universo, e, segundo, alcançada
a meta, o Universo entropizaria ou, por assim dizer, se desfaria, pois o
sentido de sua duração estaria definitivamente concluído.
O que é definitivo? Nada disto é possível, porque da
mesma forma que o nada não é causador de coisa alguma, porque
não existe, nada poderá desembocar teleologicamente em um
inexistente nada. Como o nada poderia provocar a existência? Como
o nada poderia ser o jazigo da existência? Portanto, se não
houve propriamente um propósito iniciante no e do Universo, conseqüentemente
não poderá haver nem finalidade nem desígnio prefixados.
Enfim, as quatro causas aristotélicas – causa formal, causa
material, causa eficiente e causa final – representam
apenas um exercício filosófico, pois o Universo não
está submetido a qualquer causa fixada antecipadamente para que um
objetivo deva se efetivar. Metafisicamente, o que é não
pode deixar de ser, o que existe não pode deixar de existir. O ALeF
está no TaV e o TaV está no ALef. A mudança e o movimento
universais têm como característica a inalterabilidade da Essência.
Esta inalterabilidade
não
é o 'motor imóvel' de Aristóteles, mas, a imodificabilidade
da Unidade, desde sempre una. E isto é um mistério!
—
Não
estou acompanhando esta explicação.
—
É
a impercepção desta Unidade Cósmica inalterável
que, na consciência, produz
sensações desencontradas de tempo e de espaço, de mudança
e de movimento finalísticos ou teleológicos, de estabilidade
e de instabilidade, de mal e de bem, de mesmo e de outro, de dia e de noite,
de coisa e de não-coisa, de vida e de morte. Como poderá haver
alternância no Universo se Ele é o que é permanentemente?
A alternância e
a impermanência estão na consciência do ser-no-mundo,
que ainda é incapaz de realizar e de perceber a constância
e a continuidade, movente e modificante no seio do imperturbável
Todo-desde-sempre-e-para-sempre-Todo.
—
Continuo
com muitas dúvidas, mas, mesmo assim, muito obrigado.
Música
de fundo:
Street
of Dreams
Composição: Victor Young (música) & Sam M. Lewis
(letra)
Interpretação: Frank Sinatra & Count Basie
Fonte:
http://mp3skull.com/mp3/
street_of_dreams_frank_sinatra.html
Páginas
da Internet consultadas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teleologia
http://brasirlanda.wordpress.com/2011/04/
15/primeiros-dias-%E2%80%93-parte-4/
http://caccioppoli.com/Animated%20gifs%20flowers%20
roses%20plants%20trees%20landscape%20waterfalls.html
Direitos autorais:
As animações,
as fotografias digitais e as mídias digitais que reproduzo (por empréstimo)
neste texto têm exclusivamente a finalidade de ilustrar e embelezar
o trabalho. Neste sentido, os direitos de copyright
são exclusivos de seus autores. Entretanto, como nem sempre sei a
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