Rodolfo
Domenico Pizzinga
Não
sei se não quero ou se quero;
não
sei porque insisto em ser fero.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se grilhagem ou alforria;
não
sei porque gosto tanto de feitiçaria.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se ascensiono ou se labirinto;
não
sei porque tergiverso e porque minto.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se desço ou se subo;
não
sei porque atirei longe o meu Cubo.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se tudo ou se nada;
não
sei porque tantas curvas na Estrada.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se laboro e oro ou se deploro;
não
sei porque não me aprimoro.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se perdôo ou se castigo;
não
sei porque sou desamigo.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se solidariedade ou egoísmo;
não
sei porque ainda reverencio o cousismo.1
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se sou deus ou um demônio;
não
sei porque dilacerei o Matrimônio.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei. É segunda-feira ou sexta-feira?
Não
sei porque desprezo a Lareira.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se Silêncio ou algravia;
não
sei porque esqueci da Androginia.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se vejo ou se finjo que não vejo;
não
sei porque não sinto pejo.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se é ilusão ou se é a Lei;
não
sei porque ainda penso que sei!
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei de onde vim nem para onde vou;
não
sei quem sou nem porque estou.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se é conticínio2 ou meia-noite;
não
sei se ultrapassarei a Negra Noite.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se conhecerei
a Aurora!
Dor! Dúvida!
Tristeza! LLuz: agora-agora!
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei se sou
digno de ser Rosacruz;
não
sei porque é tão pesada a minha Cruz.
Para cima
e para baixo, remoinho?
Ad
æternum, tudo é verdade e caminho?
Não
sei por que escrevi estes versos.
Resquícios
dispersos? Tempos inversos?
Sim; sempre.
Tudo é eterno remoinho.
_____
Notas:
1. Escreveu
José Leonardo Coimbra (1883 – 1936), filósofo, professor
e político português, em A Luta Pela Imortalidade
(Obras Completas de Leonardo Coimbra. Seleção, coordenação
e revisão de Sant'Anna Dionísio. Volume II. Porto: Lello &
Irmão Editores, 1983, p. 260): Tudo o que se pretende encontrar
isoladamente do lado do sujeito ou do lado do objeto é esquecimento
da unidade fundamental sujeito-objeto. O mal, ao cabo de contas, é
o cousismo do pensamento, das ações, das palavras
e do sentimento, ou como lembra Josué Pinharanda Gomes (1939 -),
o mal é a necessidade, a carência, a deficiência. O
bem é a presença, a mantença e a defensa da mônada
na ordem e harmonia universais, o que equivale, sob outro entendimento,
segundo Pinharanda, à liberdade, à plenitude e à
eficiência. Então, cousismo (ou coisificação)
é uma espécie de vício do pensamento, que transforma
o sempre-movente-modificante em coisa estática, mutilando a realidade.
Fora é cousismo; dentro é Illuminação.
O escritor e pensador português e um dos fundadores da revista Nova
Renascença José Augusto Sant'Anna Dionísio (1902
– 1991), na Introdução às Obras de Leonardo
Coimbra, assim resumiu o vício ou pecado cousista: ... tendência
funesta e irreprimível do homem... para considerar como estático
e definitivo, como realidade concluída e firme de uma vez para sempre,
para não dizer como coisa feita, as próprias realidades espirituais,
as idéias, os símbolos, as estratificações jurídicas,
os transitórios preconceitos políticos ou sociais, as convenções
históricas tidas como sagradas ou invioláveis, os princípios
ou dogmas de ordem religiosa, múltiplas idéias-crenças,
tidas como inalteráveis, de ordem científica.
2.
Segundo Santo António de Lisboa, o Conticínio (Conticinium)
é a primeira fase da Noite Negra em que tudo está silente.
É o tempo em que são satisfeitas as seduções
blandiciosas da carne — carnis suavia blandimenta. O Santo
Lusitano ensinou que, para vencer as tentações próprias
do Conticínio, é preciso meditar sobre as iniqüidades
praticadas, considerar o exílio (desejando ardentemente a reintegração)
e contemplar o Criador. Misticamente isto significa projeto e construção
Alquímica do Mestre-Deus de nossos Corações. Auxiliado
pela razão e pela discrição, o principiante vai subindo,
degrau por degrau, a escada da crucifixão: a razão dominando
os sentidos, esclarecendo e convidando para o Bom Caminho. Dor! Dúvida!
Tristeza! Assim, derramando lágrimas, envergonhado, vexado e cabisbaixo
vai o postulante trilhando a Senda que levará à desejada Illuminação.
Lentamente, os sentidos físicos e os apetites do corpo vão
sendo dominados, e o incipiente passa para o estádio de aproveitante,
na fase da Meia-Noite (Media Nox). Porém, no que concerne
ao sofrimento moral, este se vai intensificando. É o reconhecimento
tácito da queda, do afastamento da LLuz, do exílio
do Deus interior, da consciência plena da ainda permanência
nas trevas. É a angústia por desejar alcançar a Luz
Maior, por desejar ardentemente realizar a Grande Obra – o Cristo
Interno – e, em graça total, alquimicamente, se transformar
no Deus de sua compreensão. É o desespero por ter, tenuemente,
vislumbrado a possibilidade de se tornar uno com o Pai — o Mestre-Deus
de seu Coração — e de não ter podido ainda realizar
o sonho dos sonhos. Dolor lancinante. Desespero sufocante. Horror atemorizante.
É a Noite Negra. É a crucificação individual.
É o inferno interior. É a compreensão/equilíbrio
do degredo da Vida. Todavia, quem persevera verá a Aurora. É
assim que é porque é assim que tem de ser.
3.
Nunca ninguém se perdeu/Tudo é verdade e caminho.
Fernando Pessoa. 23 de maio de 1932. Obra poética e em prosa.
Poesia. Introduções, organização, biobibliografia
e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa. Volume I. Porto:
Lello & Irmão Editores, 1986.
Fundo
musical:
Witchcraft
(Carolyn Leigh & Cy Coleman)
Fonte:
http://www.lyricplaza.com/
midi-music/Frank-Sinatra-208.htm