Fernando
Pessoa e
Rodolfo Domenico Pizzinga
Novecentas
e noventa e nove vezes retrogradei;
mas, na milésima, finalmente, eu me adiantei.
Sorrindo,
Fernando me perguntou: — Valeu
a pena?
Respondi:
—
Tudo vale a pena se a alma não
é pequena.1
Entre
novecentos e noventa e nove abismos e muros,
andei
por muitos descaminhos retrocessivos e escuros...
Novecentas
e noventa e nove vezes toscanejei;
mas, na
milésima, finalmente, eu me verticalizei.
Sorrindo,
Fernando me perguntou: — Valeu
a pena?
Respondi:
—
Tudo vale a pena se a alma não
é pequena.
Entre
novecentos e noventa e nove abismos e muros,
andei
por muitos descaminhos retrocessivos e escuros...
Novecentas
e noventa e nove vezes desconsiderei;
mas, na
milésima, finalmente, eu me manquei.
Sorrindo,
Fernando me perguntou: — Valeu
a pena?
Respondi:
—
Tudo vale a pena se a alma não
é pequena.
Entre
novecentos e noventa e nove abismos e muros,
andei
por muitos descaminhos retrocessivos e escuros...
Novecentas
e noventa e nove vezes não escutei;
mas, na
milésima, finalmente, eu auscultei.
Sorrindo,
Fernando me perguntou: — Valeu
a pena?
Respondi:
—
Tudo vale a pena se a alma não
é pequena.
Entre
novecentos e noventa e nove abismos e muros,
andei
por muitos descaminhos retrocessivos e escuros...
Novecentas
e noventa e nove vezes encarnei;
mas, na
milésima, finalmente, eu me libertei.
Sorrindo,
Fernando me perguntou: — Valeu
a pena?
Respondi:
—
Sim, descobri que minh'alma não
é pequena!
Então,
Fernando falou: — Passastes
além da dor;
com
galhardia e dignidade, vencestes vosso Bojador.2
______
Notas:
1.
Mensagem é o mais célebre dos livros do poeta português
Fernando António Nogueira Pessoa
(Lisboa, 13 de Junho de 1888 – Lisboa, 30 de Novembro de 1935) e o
único que ele publicou em vida, se descontarmos os livros de poemas
em inglês. Composto por quarenta e quatro poemas, foi chamado pelo
poeta de livro pequeno de poemas. Publicada em 1934, quase um ano
antes da morte do autor, a obra trata do glorioso passado de Portugal de
forma apologética e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza
e a decadência existente na época em que o livro foi escrito.
Glorifica, acima de tudo, o estilo camoniano e o valor simbólico
dos heróis do passado, como os descobrimentos portugueses. É
apontando as virtudes portuguesas que Fernando Pessoa acredita que o País
deva se regenerar, ou seja, tornar-se grande como foi no passado através
da valorização cultural da Nação. O poema mais
famoso do livro é Mar Português.
Nota
editada da fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagem_(livro)
Mar Português
(Fernando Pessoa)
Ó
mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu
a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.
2.
O Cabo Bojador era conhecido como Cabo do Medo ou, ainda, Cabo Não.
Ondas altíssimas e violentas e recifes mortíferos de arestas
pontiagudas fervilham naquela região, tornando a navegação
muito arriscada. Todavia, o significado místico de Bojador está
vinculado às dificuldades, ilusões e medos que cada ser-no-mundo
terá de ultrapassar para, um dia, compreender e realizar que sua
alma não é pequena, e que, tudo, sem exceção,
como experiência, valeu a pena. Então, podemos nos envergonhar
de nosso passado inglorioso, como é o meu caso; mas não podemos
desistir jamais, como também é o meu caso.
Observação:
Benedictus
Dominus Deus qui in Corde nostro loquitur significa: Bendito
seja o Senhor Deus que fala em nosso Coração.
Página
da Internet consultada:
http://fisioterapiahumberto.blogspot.com/
2009_03_01_archive.html
Música
de Fundo:
Barco
Negro
Música: Piratini & Caco Velho
Letra: David Mourão-Ferreira
Intérprete: Amália Rodrigues
Fonte:
http://www.umnovoencontromusical.com/
portuguesas.htm
De
manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia.
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o Sol penetrou no meu coração.[Bis]
Vi
depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz.
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas;
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São
loucas! São loucas!
Eu
sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]
No
vento que lança areia nos vidros...
Na água que canta, no fogo mortiço...
No calor do leito, nos bancos vazios...
Dentro do meu peito, estás sempre comigo!