O
ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais
um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota
se diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e
militantes, mas inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca
de cena e anunciar, de testa erguida: — 'Senhoras e senhores,
eu sou um canalha’.
Deve-se
ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três
ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los,
sempre e sempre, com obtusa pertinácia.
Não
se dá um passo em Álvaro Chaves sem tropeçar
numa glória.
Deus
me livre de ser inteligente.
Não
há nada mais relapso do que a memória. Atrevo-me mesmo
a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita
falsificadora de fatos e de figuras.
O
Brasil é muito impopular no Brasil.
Qualquer
indivíduo é mais importante do que a Via Láctea.
Em
nosso século, o 'grande homem' pode ser, ao mesmo tempo, uma
boa besta.
O
jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da imaturidade.
Assim
como há uma rua Voluntários da Pátria, podia
haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.
Só
acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
Toda
unanimidade é burra.
Só
os profetas enxergam o óbvio.
A
companhia de um paulista é a pior forma de solidão.
Até
1919, a mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria,
uma adúltera.
A
cama é um móvel metafísico.
Toda
mulher gosta de apanhar.
Hoje
é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões
trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.
O
'homem de bem' é um cadáver mal informado. Não
sabe que morreu.
Todas
as mulheres deveriam ter catorze anos.
Só
não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento
de culpa nos salva.
O
mineiro só é solidário no câncer.1
O
homem só é feliz pelo supérfluo. No Comunismo,
só se tem o essencial. Que coisa abominável e ridícula!
Copacabana
vive, por semana, sete domingos.
Não
ama seu marido? Pois ame alguém, e já. Não perca
tempo, minha senhora!
A
fome é mansa e casta. Quem não come não ama nem
odeia.
Todo
ginecologista deveria ser casto. O ginecologista deveria andar de
batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São
Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada
ombro.
No
passado, a notícia e o fato eram simultâneos. O atropelado
acabava de estrebuchar na página do jornal.
Não
reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não
acredito em brasileiro sem erro de concordância.
Um
filho, numa mulher, é uma transformação. Até
uma cretina, quando tem um filho, melhora.
O
cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar
o doente. Ou melhor: dez anos para não curar. Não há
no enfarte a paciência das neuroses.
O
Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor.
Hoje, o Natal é um orçamento.
Qualquer
menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47
anos.
Desconfio
muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está
a um milímetro do erro e da obtusidade.
Toda
autocrítica tem a imodéstia de um necrológio
redigido pelo próprio defunto.
O
carioca é o único sujeito capaz de berrar confidências
secretíssimas de uma calçada para outra calçada.
O
ouvinte só é respeitoso quando não está
entendendo nada.
Tudo
passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios,
na esquina e nas farmácias, há sempre alguém
falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa
a ninguém.
Nós,
da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica
das irresponsabilidades, chamamos de 'ilustre', de 'insigne', de 'formidável',
qualquer borra-botas.
A
grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre
do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
O
pior cego é o surdo. Tirem o som de uma paisagem e não
haverá mais paisagem.
Os
que choram pouco ou que não choram nunca acabarão apodrecendo
em vida.
O
brasileiro não está preparado para ser 'o maior do mundo'
em coisa nenhuma. Ser 'o maior do mundo' em qualquer coisa, mesmo
em cuspe à distância, implica em uma grave, pesada e
sufocante responsabilidade.
Há
na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como
vê as coisas com a doçura de um último olhar.
Toda
coerência é, no mínimo, suspeita.
Sexta-feira
é o dia em que a virtude prevarica.
Em
uma simples ginga de Didi há toda uma nostalgia de gafieiras
eternas.
Há
homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa
ação.
Djalma
Santos põe, no seu arremesso lateral, toda a paixão
de um Cristo negro.
Ou
a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há
amor possível.
O
homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza
já o desumaniza. Por exemplo: um ministro. Não é
nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha.
É como se ele tivesse algodão por dentro, e não
entranhas vivas.
Está
se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos,
aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
O
boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes
brasileiras passam por ele.
A
mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze,
dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis,
há santos, há gênios de todas as idades.
Outro
dia ouvi um pai dizer, radiante: — 'Eu vi pílulas anticoncepcionais
na bolsa da minha filha de doze anos!'. Estava satisfeito, com o olho
rútilo. Veja você que paspalhão!
O
artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros.
Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
Acho
a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes
que não chegam nunca.
Chegou
às redações a notícia da minha morte.
E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é
verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa
abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom
sujeito.
Todo
amor é eterno. E se acaba, não era amor.
A
fidelidade devia ser facultativa.
Amar
é ser fiel a quem nos trai.
O
casamento é o máximo da solidão com a mínima
privacidade.
O
importante é o casamento.
O
Fluminense é o único time tricolor do mundo. O resto
são só times de três cores.
O
Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada.
No
dia da inauguração do paraíso, houve um Fla-Flu
de portões abertos, e escorria gente pelas paredes.
Tricolores:
vivos ou mortos, saiam de suas casas ou tumbas. Chegou a grande hora.
Um
ônibus apinhado é o túmulo do pudor.
É
impossível ser ridículo dentro de uma Mercedes.
Em
um casamento, o importante não é a esposa, é
a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos
da própria mãe.
No
Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio. E, se
quiserem acreditar, vaia-se até mulher nua.
Todo
óbvio é ululante.
O
brasileiro é um feriado.
A
mediocridade, além de numerosa, é solidária.
Eu,
como artista, se tivesse de escolher um epitáfio, optaria pelo
seguinte: 'Aqui jaz Nelson Rodrigues, assassinado pelos imbecis de
ambos os sexos.
As
feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado.
O
subdesenvolvimento não se improvisa, é uma conquista
de séculos.
O
homem começou a própria desumanização
quando separou o sexo do amor.
Amar
a Humanidade é fácil; difícil é amar o
próximo.
Amigos,
eis uma verdade eterna: O passado sempre tem razão.
É
só!
_____
Nota:
1.
A frase – O mineiro
só é solidário no câncer –
tornou-se famosa porque Nelson Rodrigues a incluiu na peça
Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Resende (citada
quarenta e sete vezes), apresentada no Teatro Maison de France, no
Rio de Janeiro. A idiossincrática homenagem não agradou
ao homenageado, e os dois passaram a ter relações
apenas formais por alguns anos.
Nota
editada das fontes:
http://recantodasletras.uol.com.br/resenhas/2383
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/
2003/01/02/jorcab20030102002.html
Observação:
Aqui
vale a pena fazer uma paródia: Político sem-vergonha
só é solidário na hora da pizza.