MARIO VARGAS LLOSA
(Pensamentos)

 

 

 

Mario Vargas Llosa

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Este estudo é uma espécie de couvert da obra de Mario Vargas Llosa, 74 anos, galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura de 2010 – um dos mais premiados autores da América Latina pelo seu trabalho como romancista, ensaísta e dramaturgo, e para quem ser peruano é doença incurável.

 

Há muito que Vargas Llosa se encontrava na lista dos candidatos ao Nobel, e este ano, 2.010 – depois de já ter recebido diversos prêmios, como o Prêmio Rómulo Gallegos (1967), o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras (1986) o Prêmio Cervantes (1994) e o Prêmio da Paz de Autores da Alemanha (1997) – a Academia Sueca, finalmente, decidiu coroar a sua vasta obra atribuindo-lhe a maior homenagem mundial no campo da Literatura, tendo justificado o Prêmio por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre resistência, revolta e derrota do indivíduo.

 

Mas, lá em cima, no primeiro parágrafo, eu escrevi que este estudo é uma espécie de couvert da obra de Mario Vargas Llosa. Por que couvert? Couvert, sim, porque um trabalho como este, que resume em poucos excertos uma obra monumental de um autor com mais de trinta livros na bagagem, só pode oferecer mesmo uma ou outra Sideroxylon densiflorum com algumas torradinhas queimadas... sem manteiga. Mas, seja como for, couvert ou petit déjeuner, acho que você vai gostar. Não pelo estudo que eu fiz, que, em termos literários, vale zero vírgula; mas pelo lúcido pensamento de Mario, do qual, com todo respeito, divirjo aqui e ali. Afinal, o homem é um Nobel!

 

 

 

Breve Biografia de Mario

 

 

 

Vargas Llosa

Mario Vargas Llosa

 

 

Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa (Peru), em 1936, e passou a infância na Bolívia. De volta ao Peru, estudou Direito e Letras.

 

Em 1959, foi para Madri, onde fez doutorado em Filosofia e Letras. Mudou-se para Paris, como redator da France Presse. Seu primeiro livro, Os Chefes, é de 1959. Obtém sucesso internacional com o romance Batismo de Fogo (1962), traduzido para várias línguas.

 

Em 1964, regressou ao Peru e realizou sua segunda viagem à selva amazônica. Trabalhou como tradutor para a Unesco, na Grécia. Pantaleón e as Visitadoras sai em 1973. Pelos próximos anos, residiu em Paris, Londres e Barcelona.

 

Em 1981, publicou A Guerra do Fim do Mundo, no qual narra a história da Guerra de Canudos. Voltou ao Peru em 1983. Sete anos depois concorreu às eleições presidenciais (chegando ao segundo turno). Em seguida, mudou-se para Londres, onde vive até hoje.

 

Entre seus muitos títulos de ficção, jornalismo e ensaio, cabe mencionar os mais recentes: A Linguagem da Paixão (2002) e Paraíso na Outra Esquina (2003).

 

Sua obra critica a hierarquia de castas sociais e raciais vigente, ainda hoje, segundo o escritor, no Peru e na América Latina. Seu principal tema é a luta pela liberdade individual na realidade opressiva do Peru. A princípio, assim como vários outros intelectuais de sua geração, Vargas Llosa sofreu a influência do existencialismo de Jean Paul Sartre.

 

Em 7 de outubro de 2010, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura pela Academia Sueca de Ciências por sua por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre resistência, revolta e derrota do indivíduo.

 

Suas experiências como escritor e candidato presidencial estão expostas na autobiografia Peixe na Água, publicada em 1991.


 

 

 

Pensamentos de Mario

 

 

 

 

 

 

O feminismo é uma categoria conceitual coletivista, isto é, um sofisma, pois pretende encerrar dentro de um conceito genérico homogêneo uma vasta coletividade de individualidades heterogêneas, nas quais as diferenças e disparidades são, pelo menos, tão importantes (seguramente mais) do que o denominador comum clitórico e ovárico.

 

Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por idéias.

 

A liberdade e a Democracia são o verdadeiro caminho do progresso, da verdadeira civilização, que acredito que seja o papel de um escritor defender.

 

Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limites do possível: a ficção. Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que já são, deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o Coração.

 

Escreve-se para preencher as lacunas, como uma retaliação contra a realidade, contra as probabilidades.

 

 

 

 

Os intelectuais de esquerda, vítimas do raquitismo do pensamento, procuram desqualificar os adversários pela excomunhão: um liberal é um monstro. Mágica maneira de matar o interlocutor. As formas stalinistas continuam a imperar no debate intelectual, mesmo em países cultos como a Itália. A Democracia representa a fiscalização do poder, a luta contra a corrupção, a liberdade, a alternância e o conflito negociado no quadro institucional.

 

Nicarágua (1990): A Teologia da Libertação identifica o pecado com as estruturas sociais injustas do Capitalismo, e, em sua versão mais extremista, proclama que o Marxismo é a única solução para o mundo. A Nicarágua se converteu no paraíso de católicos socialistas, de teólogos radicais, de profetas apocalípticos e de curas marxista-leninistas provenientes do mundo inteiro. O Governo Sandinista, que tem em seu Governo quatro sacerdotes revolucionários, promove a Igreja Popular, acreditando que ela dotará a Revolução de um nimbo cristão, sem limitar seu radicalismo. Quando se fala de disputa entre a 'Igreja Popular' e a hierarquia católica, quase sempre se pensa que a primeira represente as massas humildes de fiéis com seus pastores, e que a segunda represente uma falange de bispos teratológicos e um punhado de ultramontanos e entreguistas cegos e surdos aos ventos da História. Mas, na realidade, a 'Igreja Popular' é pouco popular porque os sacerdotes e laicos que a conformam possuem rigor, refinamento intelectual e trabalhos sociopolíticos, que estão fora do alcance do católico comum e, sobretudo, dos pobres. Além disso, os esforços para denunciar o papel histórico da Igreja a serviço dos poderes dominantes e para revestir a luta de classes e o anti-imperialismo de simbologia evangélica têm eco apenas nos setores intelectuais e militantes da classe média, já convencidos de antemão. Ademais, o grosso dos católicos nicaragüenses, como os do resto da América Latina, não professa essa religião reflexiva, intelectualizada e crítica proposta pela 'Igreja Popular', senão a fé intuitiva, disciplinada, ritual, defendida pela hierarquia católica.

 

Hoje, na América Latina, temos muito menos ditaduras; temos governos de direita e de esquerda que são democráticos. A corrente autoritária e antidemocrática de países como Cuba e Venezuela estão de saída. Governos de esquerda, como o do Brasil e o do Chile, na época da 'concertação', e como o Governo uruguaio são Governos de esquerda que respeitam a Democracia e que, inclusive, no campo econômico, promovem políticas liberais. Acho que isto é um grande progresso. Temos, também, Governos de direita democráticos no Chile, na Colômbia e no Peru. O que não é um progresso é que ainda tenhamos Cuba e a Venezuela. Cada vez há menos apoio, menos respaldo popular, como se viu nas eleições venezuelanas.

 

Apesar da universalidade da América Latina, uma de suas obsessões recorrentes tem sido definir sua identidade. Na minha opinião, esta é uma empreitada inútil, perigosa e impossível, porque identidade é algo possuído por indivíduos e não por coletividades, pelo menos desde que elas tenham transcendido as condições tribais. Somente nas comunidades mais primitivas, nas quais o indivíduo existe apenas como parte da tribo, é que a idéia de uma identidade coletiva tem alguma 'raison d’être' [razão de ser]. Mas, como em outras partes do mundo, essa mania por determinar uma especificidade metafísica ou histórico-social para uma aglomeração tem causado o fluir de oceanos de tinta latino-americana, gerando diatribes ferozes assim como polêmicas intermináveis.

 

A riqueza da América Latina está em ser várias coisas simultaneamente – tantas, na verdade, que é um microcosmo no qual todas as raças e culturas do mundo coexistem. Cinco séculos após a chegada dos europeus a suas praias, serras e florestas, os latino-americanos de descendência espanhola, portuguesa, italiana, alemã, africana, chinesa ou japonesa são tão 'nativos' ao continente quanto aqueles cujos ancestrais foram os antigos astecas, toltecas, maias, quechuas, aimarás ou caraíbas. E a marca que os africanos deixaram no continente, no qual vivem por cinco séculos, é onipresente: nas pessoas, na língua, na música, na comida e até em certas formas de se praticar a religião. Seria um exagero dizer que alguma tradição, cultura ou raça deixou de contribuir para o vértice fosforescente de misturas e alianças diluídas em todas as ordens da vida latino-americana. Esta aglomeração é o nosso maior patrimônio: ser um continente que não possui uma só identidade porque contém todas as identidades. E, graças aos seus criadores, continua se transformando a cada dia.

 

Estou esperançoso. A ditadura castrista está dando seus últimos bocejos. Dura enquanto Fidel durar.

 

Sempre participei da política como intelectual interessado no confronto das idéias. Entretanto, nunca me imaginei assumindo cargos; definitivamente não era minha vocação. Mas resolvi participar do jogo político em um momento muito particular do Peru, em que havia uma situação econômica crítica, um processo hiperinflacionário que destruía os salários, um populismo que fazia com que o País fosse olhado com desconfiança pela comunidade internacional, quando os níveis de vida despencavam... E havia a violência social desencadeada pelo terrorismo, com o Sendero Luminoso, o Tupac Amaru e outras organizações radicais. Enfim, senti que nossa débil Democracia poderia desaparecer; por isto resolvi me candidatar à Presidência do Peru. Além disso, eu realmente acreditava haver um clima favorável para as reformas liberais e democráticas que me dispunha a fazer. Foi uma experiência instrutiva e ingrata, também, pela grande violência que a acompanhou... O saldo foi reconhecer que sou completamente incompetente como político profissional.

 

Vou continuar escrevendo sobre as coisas que mais me estimulam. Vou continuar defendendo as idéias que tenho: a defesa da liberdade, da Democracia, da opção liberal e as críticas a todas as formas de autoritarismo.

 

A Literatura não é algo que nos faça felizes, mas nos ajuda a nos defendermos da infelicidade.

 

A Literatura não deve se afastar da vida. Gostaria que a minha obra fosse como uma esponja que absorvesse tudo o que acontece no seu tempo. Não conheço grande Literatura que tenha sido indiferente à política.

 

Lembro-me de um discurso do Henry Kissinger (secretário de Estado americano entre 1973 e 1977), que não é um tonto, pouco antes da queda do Muro de Berlim (1989). Ele disse: 'Senhoras e senhores, tenhamos claro que o Comunismo está aqui para ficar'. Mas ele desapareceu, e não porque foi derrotado pelo Ocidente, mas por uma putrefação interna, por uma incapacidade de organizar uma Economia produtiva, porque o sistema de controle do pensamento e da vida o foi asfixiando.

 

Na América do Sul, hoje, só temos uma semiditadura, a de Hugo Chávez, que foi derrotada nas últimas eleições e tem um fracasso econômico enorme. Dificilmente o regime vai sobreviver muito tempo.

 

Comentário sobre uma viagem a um país africano, que durou 15 dias: Foi a experiência mais desoladora, triste e deprimente de minha vida. Vi um médico congolês que me disse: — 'O problema número um deste País são os estupros. Aqui, há muitos anos, não se estupra por prazer sexual; o estupro é uma arma para humilhar o adversário. Não há, aqui, um povoado em que haja uma só mulher que não tenha sido estuprada'. Ele me disse isso e começou a chorar de modo atroz. A culpa maior, a responsabilidade principal de que o País tenha chegado a essa situação de espanto foi a colonização belga, o que os belgas fizeram ali.

 

É preciso estimular a leitura nas novas gerações, sobretudo convencer os jovens de que a Literatura não é só conhecimento, que a Literatura não é só uma forma de adquirir determinados conceitos e idéias, mas um prazer extraordinário.

 

O gozo que a boa Literatura produz é incomparável; a Literatura é fundamental se nós quisermos ter um futuro de liberdade.

 

O teatro e suas imagens são, estou certo, um gênero privilegiado para representar o labirinto inquietante de anjos, demônios e maravilhas que é a morada de nossos desejos.

 

 

 

 

Mesmo o homem mais elementar pode momentaneamente romper as barras do cárcere em que está confinado seu corpo.

 

Tentam controlar o que é a vida literária porque vêem na vida literária sempre a semente de um perigo para o poder. E é verdade: a boa Literatura, ao despertar o espírito crítico, cria cidadãos que podem ser mais dificilmente manipulados do que uma sociedade sem Literatura e sem bons livros. Promover a Literatura não é só promover uma forma de gozo, uma forma de luxo, mas é promover também a liberdade, a Democracia, o pluralismo, a coexistência na diversidade. Espero que a Literatura sobreviva à tecnologia; depende de nós. É preciso promover a Literatura nos programas educativos. Minha esperança é que as novas tecnologias não impliquem em uma banalização do conteúdo do livro. Acho que existe o risco de que a tecnologia empobreça a Literatura. Que ela continue sendo o que tem sido, está em nossas mãos.

 

No embrião de todos os romances, bule uma inconformidade, late um desejo.

 

Só um idiota pode ser totalmente feliz.

 

A incerteza é uma margarida cujas pétalas nunca acabam de desfolhar.

 

A privatização deve ser um instrumento para disseminar a propriedade privada entre aqueles que não têm acesso à propriedade.

 

As reformas liberais não podem separar a liberdade econômica da liberdade política, e só podem ser realizadas na Democracia, com o consentimento eleitoral da população e respeitando a liberdade de imprensa, os direitos humanos e a independência do Poder Judiciário, senão o progresso ficará manco, coxo, capenga.

 

O problema social é um problema complexo, mas, para ser solucionado, o ponto básico é a criação de riqueza. Até agora, a América Latina tem criado pobreza!

 

A liberdade é indivisível; não pode ser dividida em liberdade política e liberdade econômica.

 

Sou um apátrida. Sou uma pessoa que sempre detestou o nacionalismo, que me parece ser uma das aberrações humanas que mais sangue fizeram correr. O nacionalismo é um patriotismo imposto a partir do poder e a partir do preconceito, da convenção social. O nacionalismo é um sentimento absolutamente negativo.

 

O que mais em um intelectual e um político é a mesma coisa. Mas em um um intelectual parece mais grave, que é a duplicidade. É dissociar as palavras dos atos, dizer uma coisa e agir de maneira totalmente diferente.

 

A maior parte dos países pratica o protecionismo e é verdade que o protecionismo é uma expressão do nacionalismo, mas isto não justifica nem o protecionismo nem o nacionalismo.

 

Não há país em que não haja preconceitos raciais. Os preconceitos raciais são universais. Os países mais democráticos têm preconceitos raciais, mas isto não justifica o preconceito racial, que é uma aberração e precisa ser combatida.

 

O protecionismo, a proteção, os controles, o não ter que competir, o estar protegido, torna os capitalistas medíocres e, além disto, os corrompe.

 

 

 

 

O nacionalismo é uma perversão não somente do ponto de vista cultural, mas, sobretudo, do ponto de vista econômico. A prova disto é que os países que praticam menos o protecionismo são os que estão em situação econômica melhor, são os que se desenvolveram mais rapidamente, são aqueles que alcançaram melhores níveis de vida para a sua população e são os que estão na vanguarda do desenvolvimento. O desenvolvimento é incompatível com o nacionalismo. O nacionalismo, hoje em dia, sobretudo neste mundo interdependente de mercados mundiais, condena um país àquilo que Popper1 denominou de 'retorno a tribo'. O 'retorno a tribo', certamente, é compatível com o nacionalismo, mas significa pobreza, atraso e injustiça.

 

A irrealidade não me diverte; a irrealidade me entedia.

 

A política deve ter um sentido moral, se quisermos realmente superar nosso atraso e o nosso subdesenvolvimento.

 

Eu creio que a realidade é um caos. A realidade é essa miríade infinita de planos, de perspectivas, que está constantemente se transformando pela ação recíproca de todos; algo que não pode ser totalmente organizado por nenhum esquema de conhecimento.

 

Julgo que a felicidade é mais uma conseqüência do que uma causa. As frustrações, os fracassos, o sofrimento e a dor são, muitas vezes, o ponto de partida de uma aventura literária.

 

A utopia é um sonho impossível; a sua busca está condenada ao fracasso. Mas, nesta busca realiza-se uma obra, uma existência.

 

A busca de uma sociedade perfeita é uma só, ainda que as circunstâncias envolventes variem muito. Por outro lado, a formação de uma personalidade em torno dos seus ideais é também um fenômeno antigo e contemporâneo.

 

Não sou partidário das utopias políticas. Penso que, no campo político, é melhor o realismo. Isto é, aceitar as possibilidades reais e não fixar objetivos impossíveis. De resto, os seres humanos são distintos e o que faz uns felizes não contenta outros. Só através da violência se pode impor uma idéia única de felicidade. Todas as utopias sociais levaram a apocalipses, quando se materializaram. Um exemplo disto foi a Inquisição. Foi criada em nome de uma sociedade perfeita em que fosse abolido o sacrilégio, a heresia, em última instância, o pecado. O resultado foram as torturas, a censura, os autos-de-fé, as fogueiras. O século XX também está cheio de intenções utópicas, como o Nazismo ou o Comunismo. Não foi a prática utópica e messiânica que fez avançar a sociedade, mas essa coisa realista que é a Democracia. Mas acredito que a utopia é benéfica para a Humanidade, nas Artes, na Literatura, no plano da vida individual.

 

 

 

 

O Liberalismo não é de todo uma utopia; é uma realidade. Adam Smith2 nunca falou de paraísos, nem sequer dos mecanismos econômicos como fundamento de uma civilização. Os críticos têm essa visão caricatural do mercado. Mas é a organização de uma sociedade em função de um sistema de regras de jogo que permite um mercado livre e o exercício da liberdade individual. Isto traz o progresso, o desenvolvimento econômico, melhores condições de vida, mais possibilidades de realização dos ideais pessoais. Mas a felicidade é algo tão privado, que a política não deve interferir.

 

A minha utopia é construir uma obra literária que me sobreviva e que diga aos leitores do futuro o que me dizem hoje os livros de que gosto.

 

A globalização está em marcha, embora ainda muito desigual. No campo da informação, por exemplo, há uma grande internacionalização... Pesando os prós e os contras, penso que a globalização é uma coisa boa, sobretudo para os países pobres, porque podem queimar etapas no desenvolvimento. Se não houvesse internacionalização da Economia, a Espanha não seria um país tão moderno, o Chile não estaria a progredir à velocidade a que está e a Coréia do Sul não teria o mesmo desenvolvimento. Evidentemente, a globalização será imperfeita, se não se globaliza a cultura da liberdade, a legalidade, os direitos individuais, o respeito pelos contratos. São aspectos fundamentais que infelizmente não estão a ser globalizados na mesma velocidade que a informação ou a técnica.

 

Sinto-me muito inseguro, quando começo um livro. A pesquisa dá-me a segurança da familiaridade com os ambientes, as paisagens, os objetos.

 

Aprendi que não sou um político; sou um escritor.

 

Política e Literatura são dois mundos distintos, mas não totalmente separados. A política pode se tornar um material de trabalho para a Literatura. Tal como tudo o que faz parte da vida. Mas a Literatura não pode estar ao serviço da política.

 

Na América Latina, vive-se um momento difícil; há uma profunda crise econômica que teve expressão dramática na Argentina e na Venezuela. Mas, pelo menos, não houve um regresso às ditaduras militares e, por vezes, com problemas muito sérios, as democracias têm-se mantido.

 

A situação no Iraque é muito violenta, mas depois da aprovação do Conselho de Segurança da partilha de responsabilidade na reconstrução e democratização do País, este processo está em marcha e poderá ser um país-chave no Médio Oriente. Porque se o Iraque se modernizar e se democratizar, isto terá um efeito extraordinário em toda a região onde, praticamente, não existe Democracia.

 

No século XX, a grande oposição foi claramente entre a cultura democrática e os totalitarismos. A Democracia triunfou. Agora, a grande confrontação é entre a Democracia e os terrorismos. A minha esperança é que a Democracia também triunfe. Mas haverá muitos mortos pelo caminho.

 

Acredito em uma Literatura que tenha uma mensagem, que seja comprometida com valores que um escritor defenda. Mas de muitas outras maneiras o que Sartre3 e os existencialistas pensavam mostrou-se aos poucos defasado, sem utilidade pragmática para o mundo de nossos dias.

 

O fechamento da Radio Caracas Televisión (RCTV) por parte do Governo Hugo Chávez foi um episódio lamentável. Mas fiquei feliz de perceber uma reação contrária tão intensa não só na América Latina, como na Europa e nos EUA. A preocupação com a Democracia virou definitivamente algo universal, e isto tem de ser festejado.

 

Os latino-americanos são sonhadores por natureza; e temos problemas para diferenciar o mundo real e a ficção. É por isto que temos tão bons músicos, poetas, pintores e escritores, e também governantes tão horríveis e medíocres.

 

Hugo Chávez = caudilho messiânico.

 

Escrever é um trabalho que requer perseverança, horários, impor-se uma disciplina e respeitá-la, e creio que isto é fundamental. A razão pela qual me submeto com tanta facilidade a esta disciplina em meu trabalho é porque não tenho a sensação de que seja um trabalho, e sim um prazer.

 

Borges4 dizia que 'a política é uma das faces do tédio'. Mas não podemos prescindir da política. E nem tente fechar as portas para ela, pois irá vê-la entrando pelas janelas. Por isto, continuo disposto a participar, batalhar por melhoria social, por uma vida cultural mais plena, fortalecer a Democracia e afastar qualquer hipótese de retorno às ditaduras do passado.

 

 

 

 

Sem liberdade todas as reformas sociais, tarde ou cedo, se frustram.

 

Todas as revoluções socialistas costumam sacrificar a liberdade em nome da justiça social. O ideal é que liberdade e igualdade não sejam vistas como antagônicas, mas como parte de um mesmo processo.

 

Em nosso continente, a intelectualidade ainda está ligada a um monopólio cultural da esquerda, que, por sua vez, está a exibir duas faces. Pela primeira vez, há uma esquerda que chega ao poder em alguns países da região, demonstrando ter aprendido boas lições ao renunciar à violência e abraçar a Democracia, ao aceitar o livre mercado e respeitar a empresa privada, ao entender que o estatismo leva ao fracasso econômico, que por sua vez leva à pobreza. Isto ocorreu no Chile, com a Concertação, no Brasil com Lula e no Uruguai, curiosamente com um Governo que vem de uma esquerda revolucionária. Sem dúvida, essa esquerda democrática deve ser bem-vinda, assim como deve ser bem-vinda uma direita democrática. Mas há também uma esquerda pouco ou nada democrática, como a que vemos em Cuba e na Venezuela. Veja como os venezuelanos acabam de impor um revés eleitoral a Hugo Chávez, pois já existe uma maioria que não se convence mais com o discurso do 'socialismo século XXI'. Esta esquerda também está presente na Nicarágua, no Equador, sem falar do caso particular e trágico da Argentina, nas mãos de um casal demagogo e de uma turma com um prontuário dos piores. Como se pode eleger gente assim? Como se pode dar crédito a partidos e a facções com entusiasmos de golpismo? Ora, os intelectuais têm medo de se manifestar livremente sobre isso, de serem desacreditados e atacados. Inclusive uma coisa que a esquerda sabe como fazer é satanizar o adversário. Diante disso, intelectuais, constrangidos, estão no máximo invocando cartas de correção política e usando os clichês de sempre, porque assim são poupados e terão uma vida mais fácil.

 

 

O vai-e-vem da América Latina

 

 

Sobre Jorge Amado: Teve grande reconhecimento universal. Dizia que a Academia Sueca não havia lhe dado o Prêmio por ser tão popular. Quando começou a escrever, parecia um escritor velho. Seus primeiros romances são muito sérios, as pessoas quase não riem. Era mais ideológico, de denúncia social. À medida que envelhecia, rejuvenesceu como escritor.

 

Sobre Guimarães Rosa: Não teve a sua obra compreendida de forma fidedigna por conta da dificuldade em traduzi-la. É um dos grandes escritores latino-americanos de seu tempo, pelo vigor e pela ambição da obra, pelo trabalho lingüístico extraordinário. Grande Sertão: Veredas é uma obra-prima absoluta.

 

Sobre Euclydes da Cunha: 'Os Sertões' é um livro capaz de mostrar não apenas o conflito de Canudos.5 A obra remete também a problemas ocorridos em toda a América Latina, na época. Por isso, talvez, esse livro de Euclydes da Cunha tenha me fascinado tanto. Lendo-o, entende-se toda a América Latina.

 

O Presidente Lula evoluiu ao longo do tempo, e isto foi muito benéfico para o Brasil. Hoje, ele crê na Democracia, no mercado, na iniciativa privada. Mas ele também tem sido muito contraditório, basta ver sua política externa. Um defensor da Democracia não pode abraçar Fidel Castro nem os governantes do Irã, que representam uma ditadura teocrática. Esses abraços acabam legitimando regimes que são uma vergonha do ponto de vista político e moral. Essa contradição de Lula me parece lamentável. Então tive que externar meu protesto. Por outro lado, Lula fez uma evolução notável na política interna.

 

Há, no Brasil, um desenvolvimento que impressiona o mundo inteiro, conduzido por posições democráticas admiráveis. O que lamento é que o Presidente Lula não tenha uma política internacional equivalente.

 

Lá, no Irã, estão atirando pedras em mulheres! Como Lula vai legitimar um tirano assassino que representa uma forma anacrônica de fanatismo? Há razões políticas, geopolíticas, mas não há razão ética ou moral que justifique este tipo de esquizofrenia na conduta de um governante.

 

Sobre o encontro de Lula com o líder cubano Raúl Castro, em janeiro, quando o dissidente político cubano Orlando Zapata morreu em razão de uma greve de fome: Por que um democrata, no Brasil, vai se abraçar com um ditador repelente como o sr. Castro, no mesmo momento em que está morrendo um dissidente?

 

Fujimori6 é a nova versão para o autoritarismo na América Latina. Tudo o que está por trás de Fujimori corresponde tipicamente à autocracia latino-americana. A comunidade internacional, por razões de solidariedade ou por um infinito desprezo, está disposta a aceitar o senhor Fujimori.

 

O Prêmio Nobel não só premia um escritor, também premia o que cerca o escritor, neste caso a língua na qual escrevo, a maravilhosa língua espanhola, falada por, pelo menos, 500 milhões de pessoas no mundo. Estou surpreso; ainda não acredito... A impressão é que eles não queriam dar o prêmio a pessoas controvertidas, principalmente do Terceiro Mundo. Preferiam os que seguiam uma certa correção política. Mas, posto que me deram o prêmio, parece que estavam errados.

 

 

 

Assinatura de Mario Vargas Llosa

 

 

 

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Notas:

1. Karl Popper (Viena, 28 de julho de 1902 – Londres, 17 de setembro de 1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico. É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da Democracia Liberal e um oponente implacável do totalitarismo. Ele é, talvez, mais bem conhecido pela sua defesa do Falsificacionismo (Falseabilidade ou Refutabilidade) como um critério da demarcação entre a ciência e a não-ciência, e pela sua defesa da sociedade aberta.

2. Adam Smith (provavelmente Kirkcaldy, Fife, 5 de junho de 1723 – Edimburgo, 17 de julho de 1790) foi um economista e filósofo escocês. Teve como cenário para a sua vida o atribulado Século das Luzes, o século XVIII. É o pai da Economia moderna, e é considerado o mais importante teórico do Liberalismo econômico. Autor de Uma Investigação Sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações – a sua obra mais conhecida – e que continua sendo como referência para gerações de economistas, na qual procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse (self-interest), promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica.

3. Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21 de junho de 1905 – Paris, 15 de abril de 1980) foi um filósofo francês, escritor e crítico, conhecido representante do Existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra. Repeliu as distinções e as funções oficiais e, por estes motivos, se recusou a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sua Filosofia dizia que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, pois o homem primeiro existe, depois se define, enquanto todas as outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma essência posterior à existência.

4. Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 – Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino.

5. O que desejavam os amotinados da terra santa de Canudos? Como explica Milton Ribeiro, livrar-se do Anticristo representado pela República e de seus avanços. O juramento que os novatos em Canudos faziam explica bem suas motivações: Juro que não sou republicano, não aceito a expulsão do Imperador nem sua substituição pelo Anticristo. Não aceito o matrimônio civil, nem a separação da Igreja do Estado, nem o sistema métrico decimal. Não responderei às perguntas do censo. Nunca mais roubarei, nem fumarei, nem me embriagarei, nem apostarei, nem fornicarei por vício. E darei a vida por minha religião e o Bom Jesus.

6. Alberto Kenya Fujimori (Lima, 28 de julho de 1938) é um engenheiro agrônomo e político nipo-peruano que ocupou a presidência do Peru de 28 de julho de 1990 a 17 de novembro de 2000. Durante os últimos meses do ano de 2000, Fujimori foi encurralado por uma série de escândalos em seu Governo. Durante esses fatos, saiu do Peru na qualidade de Presidente para assistir à convenção da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), em Brunei, de onde depois viajou ao Japão, onde renunciou à presidência e pediu asilo político. Em 2005, Fujimori mudou-se para o Chile na condição de exilado político, onde vivia desde então. Em setembro de 2007, a justiça chilena atendeu pedido de extradição do Governo Peruano, para ser levado a julgamento por corrupção, enriquecimento ilícito, evasão de divisas e genocídio, pela morte de 25 peruanos durante manifestação contra seu Governo. O seu julgamento por abuso dos direitos humanos e seqüestro iniciou-se em 10 de dezembro de 2007, em Lima. No dia 12 de dezembro de 2007, foi condenado a seis anos de prisão pela revista ilegal da casa da mulher de seu ex-assessor Vladimiro Montesinos. A sentença, ditada pelo juiz Pedro Urbina, também obriga o ex-governante a pagar 400 mil novos sóis (133.000 dólares) como reparação civil ao Estado. Além disso, o condenado está impedido de exercer cargos públicos por dois anos. Em abril de 2009, Fujimori foi condenado a 25 anos de prisão por violações dos direitos humanos enquanto esteve no poder, sentença confirmada pelo Supremo Tribunal Peruano.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://papodemagistra.blogspot.com/

http://miltonribeiro.opsblog.org/

http://www.speculum.art.br/
module.php?a_id=842

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Alberto_Fujimori

http://geografiamazucheli.blogspot.com/
2010/08/atividades-2-democracia.html

http://www.atarde.com.br/
cultura/noticia.jsf?id=5635996

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103
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Fundo musical:

Todos Vuelven (César Miró)

Fonte:

http://www.deperu.com/midis/