TEMPO DE CALAFRIO

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Casa de Conveniência (Casa da Morte) de Petrópolis

 

 

 

 

 

O imperativo de não torturar deve ser categórico, não hipotético. Tortura é um mal absoluto, não relativo; não existem torturas maléficas e torturas benéficas.

Ernesto Sabato

 

Se o preço da vida for a tortura de seres sensíveis, deveremos ser capazes de nos recusar a viver.

Mahatma Gandhi

 

 

 

 

 

 

 

 

 

empo de calafrio.

Tempo de sangueira a fio.

Tempo de autoritarismo.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de DOI-CODI.1

Tempo de amarrar o bode.

Tempo de ler Che Guevara.2

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de cale-se.

Tempo de dane-se.

Tempo de isolamento.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de impudência.

Tempo de sonolência.

Tempo de anestesia.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de aleivosia.

Tempo de catalepsia.

Tempo de sei-lá-o-quê.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de muito medo.

Tempo de fedo nigredo.

Tempo sem consolação.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de canhão na rua.

Tempo de baioneta crua.

Tempo de impedimento.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de Rubens Paiva.

Tempo de raiva e saraiva.

Tempo de insensibilidade.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de Vladimir Herzog.

Tempo cara-de-buldogue.

Tempo de apodrecimento.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de porres homéricos.

Tempo de ataques histéricos.

Tempo de desesperança.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo tinto de sangue.

Tempo de Ford Mustang.

Tempo de prafrenteBrasil.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo de força bruta.

Tempo de se achar minguta.

Tempo de... O que será?

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

empo do monstro da lagoa.

Tempo de se sentir à-toa.

Tempo... Foi indo... Passou.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

as, o tempo não passa

para quem ultrapassa

o limite da irmandade.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

uito se machucou

e muito se tiranizou

nos anos de chumbo.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

uito se martirizou

e muito se assassinou

perdurante a ditadura.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

im, inflexível é a Lei.

Sim, seja servo, seja rei.

Sim, tudo fica registrado.

 

 

o Um, nada caduca.

Todo cruel que butuca

haverá de compensar.

 

 

uem fere ou mata

– mesmo se for u'a barata –

acabará baratinado da silva.

 

 

os malhãesdores,3 paz.

Aos malhãeszados,3a paz.

A todos os homens, paz.

 

 

 

 

ue esta recordação

sensibilize cada Coração.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. O Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do Governo Brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 31 de março de 1964. O DOI-CODI era destinado a combater os inimigos internos que supostamente ameaçariam a segurança nacional. Como a de outros órgãos de repressão brasileiros no período, a sua filosofia de atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formulada no contexto da Guerra Fria nos bancos do National War College, e aprofundada, no Brasil, pela Escola Superior de Guerra (ESG). O DOI-CODI surgiu a partir da Operação Bandeirante (OBAN), criada em 2 de julho de 1969, em São Paulo, com o objetivo de coordenar e integrar as ações dos órgãos de repressão a indivíduos ou organizações (mais especificamente os grupos da esquerda armada) que representassem ameaça à manutenção da segurança interna. Em setembro de 1970, foram criados dois órgãos diretamente ligados ao Exército: o Destacamento de Operações e de Informações (DOI), responsável pelas ações práticas de busca, apreensão e interrogatório de suspeitos, e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), cujas funções abrangiam a análise de informações, a coordenação dos diversos órgãos militares e o planejamento estratégico do combate aos grupos de esquerda. Embora fossem dois órgãos distintos, eram freqüentemente associados na sigla DOI-CODI, o que refletia o caráter complementar dos dois órgãos. A criação do DOI-CODI representou a institucionalização da OBAN, embora não tivesse sido baseada em uma lei ou em um decreto, mas, em diretrizes secretas, formuladas pelo Conselho de Segurança Nacional e aprovadas pelo Presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici. Apesar disto, o DOI-CODI possuía mais prestígio e poder que os outros órgãos de segurança, sendo que foram criados DOI-CODIs nas principais capitais de estados brasileiros. Observe-se que, hierarquicamente, os DOIs eram subordinados aos CODIs. Portanto, a conexão mais apropriada seria CODI-DOI. Os DOI eram comandados por majores de infantaria do Exército e, além de militares das três Forças Armadas, reuniam integrantes das polícias militares estaduais e das polícias civis. Um de seus principais comandantes, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, foi o Coronel-de-Infantaria Inativo Carlos Alberto Brilhante Ustra, na época major, reconhecido pela atriz Bete Mendes como um de seus torturadores no período em que esteve presa. Foi nas dependências do DOI-CODI, no II Exército de S. Paulo, que ocorreu a morte, em 1975, do jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura. Na época, apesar de a tese ter pouca credibilidade perante a sociedade, as autoridades militares procuraram, com o auxílio de uma fotografia mal montada e de um laudo assinado pelo médico-legista Harry Shibata, classificar o episódio como suicídio. Na véspera, Vladimir Herzog, atendendo a uma convocação do II Exército para prestar esclarecimentos, dirigiu-se por seus próprios meios ao local onde viria a ser posteriormente torturado e assassinado. Menos de um ano depois, em circunstâncias semelhantes, morre também por suicídio, atestado pelo mesmo cara-de-pau Harry Shibata, nas dependências do DOI-CODI paulista, o operário Manoel Fiel Filho. Em função destes e de outros episódios, devidamente documentados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais, a tese de que apenas militantes armados eram considerados alvos dos DOI-CODIs não pôde mais se sustentar. Os DOI-CODIs ficaram efetivamente conhecidos como centros de torturas daqueles que se opuseram ao regime ditatorial vigente.

2. Ernesto Guevara de la Serna, conhecido como Che Guevara (Rosário, 14 de junho de 1928 – La Higuera, 9 de outubro de 1967) foi um político, jornalista, escritor e médico argentino-cubano. Che Guevara foi um dos ideólogos e comandantes que lideraram a Revolução Cubana (1953 – 1959), que levou a um novo regime político em Cuba. Ele participou, desde então, até 1965, da reorganização do Estado Cubano, desempenhando vários altos cargos da sua Administração e de seu Governo, principalmente na área econômica, como Presidente do Banco Nacional e como Ministro da Indústria, e também na área diplomática, encarregado de várias missões internacionais. Convencido da necessidade de estender a luta armada revolucionária a todo o Terceiro Mundo, Che Guevara impulsionou a instalação de grupos guerrilheiros em vários países da América Latina. Entre 1965 e 1967, lutou no Congo e na Bolívia, onde foi capturado e assassinado de maneira clandestina e sumária pelo exército boliviano, em colaboração com a CIA, em 9 de outubro de 1967.

3 e 3a. Malhãesdor (mistureba de Malhães com torturador) e malhãeszado (mistureba de Malhães com torturado) são dois neologismos derivados do nome do senhor coronel Paulo Malhães (Dr. Diablo) – ex-diretor do Centro de Informações do Exército e um prolificentíssimo torturador brasileiro, que morreu no dia 25 de abril de 2014, em sua casa, em um sítio do bairro Marapicu, zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um mês depois de oferecer o seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade, que investiga os crimes da ditadura militar brasileira (1º de abril de 1964 – 15 de março de 1985). O Dr. Diablo foi o organizador da casa de conveniência (casa da morte) de Petrópolis, no bairro de Caxambu, no Rio de Janeiro, situada na Rua Arthur Barbosa, 668, montada por ordem do então Ministro do Exército Orlando Beckmann Geisel (Bento Gonçalves, 5 de setembro de 1905 – Brasília, 1979), e que, basicamente, servia para transformar guerrilheiros em infiltrados em suas próprias organizações. O Dr. Diablo admitiu que torturou, matou e ocultou os cadáveres de uma quantidade razoável de presos políticos que passaram pela casa da morte da serra fluminense, nos chamados anos de chumbo: homens e mulheres que eram membros da Vanguarda Popular Revolucionária, da Ação Libertadora Nacional, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, do Movimento Revolucionário 8 de Outubro – grupos de esquerda armada compostos majoritariamente por estudantes – e ainda do Partido Comunista Brasileiro.

Quantas pessoas o senhor matou? — perguntou o jurista José Carlos Dias, durante a sessão da Comissão Nacional da Verdade.
Tantas quanto foram necessárias — respondeu o Dr. Diablo.
E quantas torturou?
É difícil de dizer, mas, foram muitas.
Está arrependido? quis saber José Carlos Dias.
Cumpri o meu dever. Não me arrependo — garantiu o torturador. Se precisasse, faria tudo novamente — frisou.

Agora que o Dr. Diablo está morto, eu nem consigo imaginar o sofrimento moral que a sua personalidade-alma (Eu) está passando, sejá lá onde ela estiver. Mas, não desejo o pior para ele; a ignorância é madrasta de todos os nossos padecimentos. Portanto, desejo, sim, que o Dr. Diablo compreenda o que puder compreender e que se arrependa, porque enquanto isto não acontecer será pesadelo de repetição em cima de pesadelo de repetição. E isto poderá durar milênios!

Enfim, segundo o major do Exército Rubens Paim Sampaio, codinome Dr. Teixeira, ninguém saía vivo da casa de Petrópolis. A casa foi finalmente desapropriada em 7 de dezembro de 2012 pelo Prefeito de Petrópolis, Paulo Mustrangi, e o Ministério Público da Cidade enviou cópia à Comissão Nacional da Verdade, com o Decreto de Desapropriação para fins de Utilidade Pública, recomendando que a Comissão adote providências junto ao Executivo Federal para encontrar recursos que tornem possível a criação do Memorial Liberdade, Verdade e Justiça naquele local.

 

 

Coronel Paulo Malhães prestando depoimento
à Comissão da Verdade – no Rio de Janeiro.

 

 

Música de fundo:

Cálice
Composição: Chico Buarque
Interpretação: Chico Buarque & Milton Nascimento

Fonte:

http://www.mp3olimp.net/chico-buarque-calice/

 

Páginas da Internet consultadas:

http://scary-pictures.picphotos.net/scary-gifs-8-gif/7/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Che_Guevara

http://www.wtv-zone.com/growlady/
SigIndex/BlueLadywDove.html

http://con-forma.blogspot.com.br/2011/06/
emilio-gomarizs-animated-gifs-emilio.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/DOI-CODI

http://artie.com/credits.htm

http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/tortura

http://pensador.uol.com.br/tortura/

http://www1.folha.uol.com.br/

http://www.publico.pt/mundo/noticia/paulo-malhaes-
ascensao-e-morte-de-um-torturador-brasileiro-1634595

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/
coronel-paulo-malhaes-e-encontrado-morto-na-baixada/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_da_Morte

http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/historia/
31-de-marco-de-1964-contra-as-visoes-maniqueistas/

http://www.culturabrasil.org/ditadura.htm

http://www.pmdb-se.com/
50-anosdo-golpe-militar-no-brasil/

http://luizap.blogspot.com.br/2012/08/
golpe-que-gerou-ditadura-militar-teve.html

http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/
05/1964-o-golpe-de-estado-e-ditadura.html

 

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