MUDAR DÓI
Rodolfo Domenico
Pizzinga
Não
queremos mudar.
Adoramos pedinchar e esperançar.
Adoramos contar com o
ovo no fiofó da penosa.
Temos pavor de mudar.
Topamos tudo, menos mudar.
É melhor como está
deixar,
para ver no treco que
irá dar.
Quem sabe, o inaudito
nos faça uma surpresa!
Quem sabe, chova na nossa
horta!
Quem sabe, dê dragão-de-komodo
na cabeça!
Quem sabe, embolsemos
uma herança!
Quem sabe, o abono salarial
do PIS/PASEP chegue mais cedo!
Quem sabe, o Governo dê
um aumento acima da inflação!
Quem sabe, o Frei Balalão
se compadeça de nós!
Quem sabe, o Frei Serapião
nos ajude a superar a crise!
Quem sabe, a Coréia
do Norte redesative a Base de Sohae!
Quem sabe, a violência
no Rio de Janeiro diminua!
Quem sabe, a corrupção
no Brasil seja lava-jatada!
Quem sabe, mude o modelo
econômico mundial!
Quem sabe, não
faça tanto frio neste inverno!
Quem sabe, o aquecimento
planetário estanque!
Quem sabe, um
não nos lambuze!
Quem sabe, o Everest diga
que botou a mão na rede!
Quem sabe, o Rui Chapéu
espirre na tacada!
Quem sabe, o Romário
perca o pênalti!
Quem sabe, o Sol não
se apague nunca!
Quem sabe, o Nibiru nunquinha
colida com a Terra!
Quem sabe, Netuno pare
de fabricar tsunamis!
Quem sabe, o Tio Patinhas
deixe de ser tão sovina!
Quem sabe, o Lobo Mau
deixe de ser tão mau!
Quem sabe, a piroga de
cristal do Boi Xavante não se quebre!
Quem sabe, a perereca
da vizinha não fuja da gaiola!
Quem sabe, ele pare de
olhar para a butique dela!
Quem sabe, a Maria Chiquinha
conte a verdade pro Genaro, meu bem!
Quem sabe, os ratos do
petrolão confessem seus delitos!
Quem sabe, pinte alguém
que cante tão bem como o Sinatra cantava!
Quem sabe, o Papa Francisco
mude o que tem que ser mudado!
Quem sabe, acabem já
essas porras de racismo e de homofobia!
Quem sabe, Jesus nos dê
uma mãozinha para isso tudo pintar!
Quem sabe? Quem sabe?
Quem sabe?
E vivemos na base do...
Quem sabe?
É quem sabe pra
quem sabe nenhum botar quem sabe algum!
Diz aí, cara-pálida:
é assim ou não é?
Mas, por que é
assim?
Por que tudo sempre fica
como dantes
no Quartel de Abrantes?
Por que não cruzamos
a ponte?
Por que não terminamos
a cumieira?
Por que não acabam
nunca
as obras de Santa Engrácia?
Por quê? Por quê?
Por quê?
Porque mudar dói.
E, às vezes, dói
praca,
e temos um medo do caramba
da dor,
e mais medo ainda temos
de enfrentar
aquilo que desconhecemos.
Preferimos até
tomar um chá-de-bico do que mudar.
Chá-de-bico
(O Foguete J-1 da Desgraceira)
(Filme de horror do José Mojica do
Caixão Marins
que ninguém quer participar nem sequer assistir.
Aqui, vale o ditado: A
Cascais, uma vez e nunca mais!)
Pensamos
assim:
o conhecido
é seguro;
o desconhecido
é incerto.
Mudar? Arriscar? Nem a
pau!
Mas, se não conhecermos
o desconhecido,
como ele poderá
se tornar
conhecido?
Não se tornará.
Nunca. Simples assim.
Ora, o conhecido
nada mais é do
que
algo1
desconhecido
que se tornou
algo2
(relativamente) conhecido.
O conhecido
nada mais é do
que
o (inexistente) milagre
que se tornou
explicável e compreensível.
O conhecido
nada mais é do
que
uma semente
que se transformou
em uma árvore.
O conhecido
nada mais é do
que
um embrião
que se converteu
em um ser-humano-aí-no-mundo.
O conhecido
nada mais é do
que
uma falsificação
que se transfigurou
em uma exatidão.
O conhecido
nada mais é do
que
o medo
que se comutou
em desassombro.
O conhecido
nada mais é do
que
a incógnita
que se tornou
cógnita.
O conhecido
nada mais é do
que
um contra-sinal
que se transmudou
em patenteação.
O conhecido
nada mais é do
que
um mistério
que se tornou
inteligível.
O conhecido
nada mais é do
que
a escuridão
que foi
iluminada.
O conhecido
nada mais é do
que
a desinteligência
que virou
lampejo.
O conhecido,
enfim, nada mais é
do que
o menos
que se tornou
mais.
Bem,
seja como for,
o fato é que, de
modo geral
– INFELIZMENTE
–
preferimos não
passar da cepa torta,
e viver crucificados,
anestesiados,
apagados
e apegados
ao porto seguro,
ao barco sem motor,
à âncora
de ferro forjado,
ao salva-vidas,
ao mesmo caminho
(que não leva ao Ninho),
à vetusta tradição
(que só embaralha e atrapalha),
ao apático repeteco,
a não fazer os
deveres,
a colar na escola,
ao relógio sem
corda,
ao movimento horário,
à Cruz
Comum,
à crise
da encarnação,
ao sobe-e-desce,
ao vai-e-vem,
ao renasce-remorre-renasce,
à doença
sem-termo,
à caverna sem lanterna,
ao jeitinho sem jeito,
ao espaço-tempo
(que não é Espaço-Tempo),
à vida
(que não é Vida),
à coisa
extensa,
ao
Manipura,
aos desejos,
às cobiças,
às paixões,
à intemperança,
ao suor-de-cana-torta,
às lipoproteínas
de baixa densidade,
à morte
(que não é Morte),
à Noite Negra,
à mão esquerda,
ao trem sem locomotiva,
à
cabeça, em maresia,
à
grinalda
de hera,
à princesa
que dormia,
ao vinho que embebeda,
à farinha que asfixia,
à H2O
que não molha,
ao ar que não alenta,
ao dia sem Sol,
à sombra do nada,
à bússola
desimantada,
à mágoa
doída,
à velha ferida,
ao beco sem saída,
aos fados desafinados,
ao Fantasma da Ópera,
ao idealismo obstinado,
ao patriotismo arrebatado,
à prisão
sem janela,
ao deixa-pra-lá,
ao vamos-ver-como-é-que-fica,
ao deus-dará,
ao estéril passado,
ao ultrapassado,
ao pijama desbotado,
à antigüidade,
à medievalidade,
à caducidade,
ao que dizem os outros,
ao que desensinam os gurus,
ao que prometem as Sagradas
Escrituras,
ao que mistificam os João
de Deus,
ao que seduzem os Dezoitos,
ao guarda-chuva dos déspotas,
ao que ameaçam
os fanáticos,
ao completamente sem sentido,
às estapafurdices,
às lembranças
submissivas,
aos retratos em preto-e-branco,
aos diários carcomidos,
aos almanaques obsoletos,
à inconcordância
nominal,
à inconcordância
verbal,
à ofensividade,
à separatividade,
aos preconceitos,
às biografias falazes,
as hagiografias fictícias,
aos sinônimos,
aos sabores,
aos perfumes,
às letícias,
às delícias,
aos rega-bofes,
às miragens,
às ilusões,
aos devaneios,
às fantasias,
aos delírios desconexos,
aos contra-sensos,
aos castelos no ar,
ao mundo do faz-de-conta,
às Fatas
Morganas,
às satisfações,
às aquisições,
às acumulações,
às crendices,
às benzeduras,
às manias,
às fixações,
às obsessões,
às compulsões,
às religiões,
aos dogmas,
Papa Leão XIII
(Adversário ferrenho da Maçonaria)
aos absurdos teológicos,
Esse papo de maçã
só traz desalegria.
Maçãzita = aquela,
quem não deglutia?
às legendas,
às
kalendas græcas,
aos deuses
(por nós criados),
aos santos
(por nós idolatrados),
às preferências
(por nós estabelecidas),
aos coisismos,
aos achismos,
às mesmices,
Mesmice
Nazista
ao arroz com feijão,
às invencionices,
às nefelibatices,
ao son
et lumière,
ao
panem et circenses,
às relambóias,
às inverossimilhanças
e o cacete a quatrocentos
e quarenta e quatro.
E o tempo não dorme...
E o tempo não pára...
E o tempo não espera...
E o tempo passa...
E ficamos na mesma...
E o tempo passa...
E não saímos
do lugar...
E o tempo passa...
E ficamos velhinhos...
E o tempo passa...
E não mudamos...
E o tempo passa...
E, um dia, chega o convite,
que não podemos
recusar.
Fazer o quê?
Um pneumotórax?
Um transplante de vergonha
na cara?
Dançar um tango?
Oh!, o baile acabou.
Já é madrugada,
e os gatos são
pardos!
Oh! Nem sequer mais gatos
há!
Com ou sem salvo-conduto,
teremos que partir,
e, chegando do lado de
lá,
de trás para frente,
teremos que revisitar.
Tudo. Tudinho.
E, depois, teremos que
esperar.
Para, um dia, recomeçar.
E – quem sabe? –
mudar!
Mas, há muita gente
na fila,
e a espera poderá
ser longa.
São bilhões
esperando,
e (re)encarnar é
um Privilégio!
Não existe essa
de direito adquirido,
de ser cupincha do rei,
de insider
trading
ou de jeitinho brasileiro.
E, talvez, a volta poderá
se dar
em um outro lugar.
O Uni(multi)verso é
vida da Vida
Assim foi a Lei.
Assim é a Lei.
Assim será a Lei.
Então, no melhor
sentido, carpe diem!
Sejamos dignos da Vida!
Sejamos dignos de nós
mesmos!
Sejamos dignos de todos!
Sejamos Deuses entre Deuses!
Sus!
Tornemos nossas vidas extraordinárias!
Para nós e para
todos.
Os esperançosos
não alcançarão.
Os acomodados apodrentarão.
Os apodrentados entropizarão.
Assim foi a Lei.
Assim é a Lei.
Assim será a Lei.