Eu
não percebo qualquer consistência e também não
vejo a menor vantagem em se deixar passar séculos para transformar
uma suposta prostituta stricto sensu em Santa, como foi o que fizeram,
por exemplo, com Santa Maria Madalena (ou Santa Maria de Magdala), ou o
que aprontaram para a pequena pastora analfabeta de Domrémy, heroína
da Guerra dos Cem Anos (que, na realidade, durou 116 anos) e, hoje, padroeira
da França, Santa Joana d'Arc, que, neste caso, não conseguiram
acusar de rameira (porque não puderam), mas de ímpia, assassina
e maluca, e, por isso, com apenas dezenove anos, a Pucelle foi
torrada viva em 30 de maio de 1431, para, em 9 de maio de 1920, cerca de
500 anos depois de seu assassinato, ser promovida de herética-homicida
destrambelhada a Santa pelo Papa Bento XV. Até pedra chora com essas
coisas! A Libertadora Santa Joana d'Arc nunca foi maluca ou herética;
e Santa Maria Madalena nunca foi prostituta, mas, sim, a Santa Gnóstico-iniciada
Mediadora-portadora da Boa Nova, que alguns machistas bestalhões,
covardes e perversos, por medo, ignorância, conveniência, preconceito
e canalhice, quiseram porque quiseram que não fosse uma Illuminada,
mas uma pobre prostituta arrependida que teve seus hipotéticos
pecados vaginais perdoados por Jesus. Quem assim pensou e quem assim
ainda pensa que a coisa se passou ou possa ter se passado dessa forma está
mais por fora do que umbigo de vedete ou dedão de franciscano. O
pior, o muito pior, o pioríssimo, é que inconsistências
como essas – e são incontáveis – produzem nos
desavisados preconceitos de toda ordem, menos por serem desavisados, mais
por serem, infelizmente, mas explicavelmente, ultramedíocres de nascença.
Já disse e vou repetir: não viemos do mesmo Plano ou Dimensão
Cósmica, e não iremos para o mesmo Plano ou Dimensão
Cósmica. Daí, a maior ou menor mediocridade que cada um de
nós carrega em seu balaio de ilusões.
Mas,
fico remastigando: terá sido esse o medieval exemplo atávico–'brutalizador'
para que, na madrugada do sábado passado, 23 de junho de 2007, (um
grupelho de) cinco jovens bem postos na vida animalescamente espancassem
e covardemente roubassem a empregada doméstica Sirlei Dias de Carvalho
Pinto, por terem esquizofrenicamente conjecturado que ela seria uma puta?
Esses rapazes precisam urgentemente fazer terapia para compreenderem o exato
porquê de terem cometido essa barbaridade-bumerangue. Fica a pergunta:
individualmente e sozinhos, teriam tido coragem? Duvido muito, porque covardia,
geralmente, só é praticada em grupo. Terapia neles!
Mas,
voltando a Santa Maria Madalena, se ela tivesse sido mesmo uma prostituta
ou, muito mais do que isso, uma Sagrada Prostituta, quem, hoje, com conhecimento
distorcido ou desconhecimento total dos fatos históricos e místicos,
poderia julgá-La e condená-La? Quem, afinal, poderia ou pode
julgá-La e condená-La pelo motivo que for? Quem pode julgar
e condenar alguém pelo que quer que seja? Quem pode? Eu, realmente,
estou saturado até a raiz dos pentelhos de todas essas pequeninezas.
Que não se esqueça: muito do que antes era considerado sagrado
e iniciático, hoje, se tornou razão e motivo de degradação
e de preconceito. Em parte, o monoteísmo exotérico
– autoritário e masculinizante – é responsável
por absurdezas como essas. Quem nunca examinou ou pesquisou esse tema encontrará
farto material para reflexão. E que não se invoque Akhnaton
para exemplo para contraditar o que acabei de dizer, porque o seu Monoteísmo
em nada se assemelhava ao que hoje, em termos religiosos, se admite como
culto ou adoração de um único deus.
Entretanto,
se fosse comigo, eu preferiria mil vezesmil vezes
mais ter continuado a ser tida, havida e considerada como prostituta, do
que ser santificada para mero aplacamento de algumas consciências
(se efetivamente houve aplacamento, o que, no fundo, não creio).
Isso é fajutice da pior qualidade e não vale absolutamente
nada. Em um certo sentido, é hipócrita e revoltante. E mais:
os verdadeiros santos, católicos ou não, como é o caso
de Santa Maria Madalena, que é, e de Krishna Dvaipayana Vyasadeva,
que não é, não precisam de reconhecimento santificante
de ninguém. Quem é santo é santo porque se fez santo
e sabe que é santo; não depende de aprovação
suma cum laudæ em processo burocracial xexelento de santificação.
Ora,
quem é quem para santificar quem? Eu gostaria muito de ler a ata
do conciliabùlum no qual esse diploma (supostamente
espiritual) foi inventado, para entender seu amocambado porquê e saber
quem delegou essa autoridade santificadora a quem não é santo,
para, burocrática e absurdamente, decidir sobre a santidade de alguém
(que não pediu para ser nomeado santo por ninguém). No âmbito
da academia, pelo menos, as coisas funcionam mais concertadamente. Por exemplo,
em uma defesa de tese de doutorado, o doutorando é argüído
e examinado por uma banca composta exclusivamente de doutores e/ou de livres-docentes.
Um outro exemplo é o que normalmente ocorre nas fraternidades
místicas: o iniciando só pode ser iniciado no grau pretendido
por uma equipe iniciática na qual todos os seus integrantes já
tenham sido iniciados naquele grau. Logo, mutatis mutandis e sem
galhofa, só uma comissão de santos teria a autoridade santificável
legal para santificar alguém. E isso, se o candidato a santo estivesse
de acordo em ser santificado. O contrário de tudo isso, qualquer
que seja a circunstância alegada, é mijar para cima e fora
do penico, o que não tem qualquer valor nem aqui, nem ali, nem lá,
nem acolá, nem na China, nem no céu, seja em latitude, seja
em longitude, seja horizontalmente, seja verticalmente. Ou não? Para
concluir esta axiomática argumentação, s.m.j., imagine,
só por um instantinho, aqueles safadões-comilões da
Idade Média, com almas comprometidas e mãos besuntadas de
sangue, santificando pessoas. Isso pode ter cabimento onde? Plausibilidade
zero.
Enfim,
essas coisas interesseiras e abomináveis me deixam meio que abichornado
e me causam uma meio que gosmenta e nojosa mistureba de irritação
com 'repugnência' (repugnância + repelência).