A
inveja é filha da superficialidade da mente e da falta de preocupações.
Não
há verdade nem necessidade absoluta. Chamamos verdadeiro a um conceito
que concorda com o sistema geral de todos os nossos conceitos; verdadeira
a uma percepção que não contradiz o sistema das nossas
percepções; verdade é coerência. E, no que respeita
a todo o sistema, ao conjunto, dado que, fora dele, não existe nada
que seja para nós conhecido, não podemos dizer se é
ou não verdadeiro. É imaginável que o Universo seja,
em si, fora de nós, muito diferente daquilo que nos parece, ainda
que esta seja uma suposição que carece de todo o sentido racional.
E, no que toca à necessidade, haverá uma necessidade absoluta?
Necessário não é senão aquilo que é,
e enquanto o é, pois que, noutro sentido mais transcendental, que
necessidade absoluta, lógica, independente do fato de que o Universo
existe, há de que haja Universo ou qualquer outra coisa? O relativismo
absoluto, que não é mais nem menos do que o ceticismo, no
sentido mais moderno desta denominação, é o triunfo
supremo da razão raciocinante.
Há
momentos em que silenciar é mentir.
Aquele que despreza o aplauso da
multidão de hoje, é o que procura sobreviver em renovadas
minorias, durante gerações. «A posteridade é
uma sobreposição de minorias», dizia Gounod.2
Quer-se prolongar mais no tempo do que no espaço. Os ídolos
das multidões são derrubados prontamente por elas mesmas,
e a sua estátua se desfaz ao pé do pedestal, sem que ninguém
olhe para ela, enquanto que aqueles que conquistam o coração
dos escolhidos receberão, por mais tempo, um culto fervoroso em uma
capela, ainda que recolhida e pequena, mas que salvará as avenidas
do esquecimento. O artista sacrifica a grandeza da sua fama à sua
duração; anseia mais por durar sempre em um recôndito,
do que brilhar um segundo no Universo todo; antes quer ser o átomo
eterno e consciente de si mesmo, do que a momentânea consciência
do Universo todo; sacrifica a infinidade à eternidade.
Somos
mais pais do nosso futuro do que filhos do nosso passado.
Este
é um templo da inteligência! E eu sou seu supremo sacerdote!
Vocês estão profanando seu recinto sagrado. Eu sempre fui,
diga o que diga o provérbio, um profeta em meu próprio País.
Vencereis mas não convencereis. Vencereis porque tendes força
bruta, mas não convencereis porque convencer significa persuadir.
E para persuadir necessitais de algo que não tendes: razão
e direito na luta!
Vencer
não é convencer e há que se convencer, sobretudo, e
o ódio que não dá lugar à compaixão não
pode convencer.
O
horror ao trabalho dá trabalhos sem conta.
Dirigirmo-nos a alguém com
a missão de que se transforme em outro, é irmos com a embaixada
de que ele deixe de ser ele. Cada qual defende a sua personalidade, e só
aceita uma mudança na sua maneira de pensar ou de sentir, na medida
em que esta alteração possa entrar na unidade do seu espírito
e se enredar na sua continuidade; na medida em que esta mudança se
puder harmonizar e se conseguir integrar com todo o resto da sua maneira
de ser, de pensar e de sentir, e possa, por outro lado, enlaçar-se
nas suas recordações. Nem a um homem, nem a um povo –
que, em certo sentido, também é um homem – se pode exigir
uma mudança que desfaça a unidade e a continuidade da sua
pessoa. Pode-se mudá-lo muito, quase até por completo; mas
sempre, dentro da continuidade. É certo que, em certos indivíduos,
acontece aquilo a que se chama mudança de personalidade; mas isto
é um caso patológico, e é como tal que os psiquiatras
o estudam. Nestas alterações de personalidade, a memória
– base da consciência – arruina-se por completo e, ao
pobre paciente, só resta, como substrato de continuidade individual
– já que não pessoal – o organismo físico.
Tal enfermidade equivale à morte para o sujeito que dela padece...
e esta enfermidade não é senão uma revolução,
uma verdadeira revolução.
Esquizofrenia
Sonhar
não é esperar.
Vencereis,
mas não convencereis.
A
dor é a substância da vida e a raiz da personalidade, pois
somente sofrendo se é uma pessoa.
A
erudição é, em muitos casos, uma forma mal disfarçada
de preguiça intelectual, ou um ópio para adormecer as inquietações
íntimas do espírito.
Querer
separar a religião da política é uma loucura tão
grande ou maior do que a de querer separar a Economia da política.
Na
maior parte das Histórias da Filosofia que conheço, os sistemas
são-nos apresentados, como tendo origem uns nos outros, e os seus
autores, os filósofos, aparecem apenas como meros pretextos. A biografia
íntima dos filósofos e dos homens que filosofaram ocupa um
lugar secundário. E, sem dúvida, é ela, essa biografia
íntima a que mais coisas nos explica. Cumpre-nos dizer, antes de
mais, que a Filosofia se inclina mais para a poesia do que para a ciência.
Quantos sistemas filosóficos se forjaram, como suprema harmonização
dos resultados finais das ciências particulares, num período
qualquer, tendo tido muito menos consistência e menos vida do que
aqueles outros que representavam o anseio integral do espírito do
seu autor.
A Filosofia corresponde à necessidade de formarmos uma concepção
unitária e total do mundo e da vida e, como conseqüência
deste conceito, um sentimento que gere uma atitude íntima, e até
uma ação. Mas resulta que este sentimento, em vez de ser conseqüência
daquele conceito, é a sua causa. A nossa filosofia, isto é,
a nossa maneira de compreender ou de não compreender o mundo e a
vida, brota do nosso sentimento respeitante à própria vida.
E esta, como tudo o que é afetivo, tem raízes subconscientes,
inconscientes talvez. Não podem ser as nossas idéias, que
nos fazem otimistas ou pessimistas. É, antes, o otimismo ou o nosso
pessimismo, tanto um como o outro de origem filosófica, ou quiçá
patológica, que produz as nossas idéias. O homem, dizem, é
um animal racional. Não sei por que não se disse que é
um animal afetivo ou sentimental. E que, talvez, o que o diferencia dos
outros animais, seja mais o sentimento do que a razão. Vi mais vezes
um gato raciocinar, do que rir ou chorar. Pode ser que chore ou ria por
dentro, mas, por dentro, talvez, também o caranguejo resolva equações
de segundo grau. E, assim, o que mais nos deve importar num filósofo
é o homem.
O
homem é um ser de carne e osso, um princípio de unidade e
um princípio de continuidade. Um indivíduo real e atual com
fome de sobrevivência e afã de imortalidade.
A
fé na razão está sujeita a parecer racionalmente tão
insustentável como qualquer outra fé.
A
vida é dúvida. E a fé sem a dúvida não
é nada a não ser a morte.
A
vida é o critério da verdade e não a concórdia
lógica, que é somente da razão. Se minha fé
me leva a aumentar ou criar vida, para que quereis mais provas de minha
fé?
Fé
que não duvida é fé morta.
A
liberdade é um bem comum, e se todos não desfrutam dela, não
serão livres nem os que se julgam como tal.
A
maior parte daqueles que pensam em mudar de ideia, nunca
teve nenhuma.
A
palavra sábia é aquela que, dita a uma criança, é
sempre compreendida sem a necessidade de explicações.
O
presente nada mais é do que o esforço do passado para converter-se
no futuro.
Ninguém
tem uma personalidade tão acurada como aquele que junta em si mais
generalidade, aquele que leva no seu interior mais dos outros. O gênio,
foi dito e convém repeti-lo freqüentemente, é uma multidão.
É a multidão individualizada, e é um povo feito pessoa.
Aquele que tem mais de próprio é, no fundo, aquele que tem
mais de todos, é aquele em quem melhor se une e concentra o que é
dos outros. O que de melhor ocorre aos homens é o que lhes ocorre
quando estão sozinhos, aquilo que não se atrevem a confessar,
não já ao próximo mas nem sequer, muitas vezes, a si
mesmos, aquilo de que fogem, aquilo que encerram em si quando estão
em puro pensamento, e antes de que possa florescer em palavras. E o solitário
costuma atrever-se a expressá-lo, a deixar que isto floresça,
e assim acaba por dizer o que todos pensam quando estão sozinhos,
sem que ninguém se atreva a publicá-lo. O solitário
pensa tudo em voz alta, e surpreende os outros lhes dizendo o que eles pensam
em voz baixa, enquanto querem se enganar uns aos outros, pretendendo acreditar
que pensam outra coisa, e sem conseguir que alguém acredite.
Aquilo
a que chamamos espírito parece-me muito mais material do que aquilo
a que chamamos matéria; sinto a minha alma mais manifesta e mais
sensível do que o meu corpo.
Nunca
ame pela metade. Esteja preparado para se entregar por inteiro; mas esteja
preparado também para se recolher por inteiro.
Quem
não sente a ânsia de ser mais, não chegará a
ser nada.
As línguas, como as religiões,
vivem de heresias.
Compadeça-se,
quem manda, de quem obedece, e de si mesmo se compadeça por ter que
mandar.
Crer,
em primeira instância, é querer crer.
É
preciso esquecer para viver. A vida é esquecimento. Cumpre abrir
espaço para o que está por vir.
Cada
novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos,
não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós
mesmos.
Religião
verdadeira? Todas as religiões são verdadeiras enquanto fazem
viver espiritualmente os povos que as professam, enquanto os consolam de
terem tido de nascer para morrer, e para cada povo a religião mais
verdadeira é a sua, a que ele fez.
A
verdadeira ciência ensina, sobretudo, a duvidar e a ser ignorante.
Todos
têm o seu método tal como todos têm a sua loucura; mas
só consideramos sensato aquele cuja loucura coincide com a da maioria.
Um
homem quando casa, se o faz verdadeiramente apaixonado, ao princípio
não consegue tocar o corpo da sua mulher sem se perturbar e incendiar
em desejo carnal; mas à medida que o tempo passa, acostuma-se, e
chega um dia em que é o mesmo para ele tocar com a mão a coxa
nua de sua mulher ou a sua própria coxa; mas também se então
tivessem de cortar a perna a sua mulher, doer-lhe-ia como se lha cortassem
a ele próprio!
Entre
as graças que devemos à bondade de Deus, uma das maiores é
a música. A música é tal qual como a recebemos: em
uma alma pura, qualquer música suscita sentimentos de pureza.
Tenta
viver em contínua vertigem apaixonada. Só os apaixonados levam
a cabo obras verdadeiramente duradouras e fecundas.
Para uma pessoa que leia um livro
com o fim de saber, gozar e aproveitar o que ele diz, há vinte que
só lêem para dizer que o leram e poder brilhar fazendo citações
dele.
Quase
todos os homens vivem inconscientemente no tédio. O tédio
é o fundo da vida. Foi o tédio que inventou os jogos, as distrações,
os romances e o amor.
Nós só vivemos contradições
e para as contradições. A vida é tragédia e
luta perpétua sem vitória e sem esperança de vitória.
A vida é contradição.
As
contradições
precisam ser superadas
pela Compreensão.
A
existência não tem razão de ser; está acima de
todas as razões.
Mais
vale o erro em que se crê do que a realidade em que não se
crê; pois não é o erro, e, sim, a mentira o que mata
a alma.
Os
homens vivem juntos, porém, cada um morre sozinho, e a morte é
a suprema solidão.
A
mulher veste-se para as demais mulheres, e não para os homens, nem
sequer para aquele a quem mais quer.
O
nome, em certo sentido, é a própria coisa; dar nome às
coisas é conhecê-las e apropriar-se delas. A denominação
é o ato da posse espiritual.
Por
mais terríveis que sejam as ortodoxias religiosas, as ortodoxias
científicas são muito mais terríveis.
Não
são as nossas idéias que nos fazem otimistas ou pessimistas,
mas o otimismo e o pessimismo de origem fisiológica que fazem as
nossas idéias.
Diz
a tua palavra e segue o teu caminho, e deixa que a roam até o osso.
O
que é o paradoxo? Uma palavra que os tolos inventaram para a aplicar
a tudo o que ouvem pela primeira vez. Para Adão, tudo seria paradoxo,
ou melhor, nada o seria.
Paradoxo
de Curry3
Ninguém
está sujeito a maior número de faltas e erros do que aqueles
que se regem unicamente pela reflexão.
Podes
ter a força das armas, mas eu tenho a força da razão!
Não
seja o teu pesar pelo que fizeste senão o propósito de tua
futura melhora; todo outro arrependimento não é senão
morte.
A fé cria o que não
vemos.
Geralmente,
quando detestamos alguma coisa nos outros é porque a sentimos em
nós mesmos. Não nos aborrecem os defeitos que não temos.
Lembra-te
de que os teus inimigos hão de morrer.
Ler
muito é um dos caminhos para a originalidade. Uma pessoa é
tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram
os outros.
Ler,
ler, ler, viver a vida que outros sonharam.
Não
dês a ninguém aquilo que te peça, mas aquilo que achas
que necessita; e suporta logo a ingratidão.
Não há futuro. O verdadeiro
futuro é hoje. O que é de nós hoje, é esta a
única questão.
Não
sabes qual dos teus próximos influi mais em ti, mas seguramente não
é aquele que tens mais perto e vês e ouves amiúde.
O amor é filho da ilusão
e pai da desilusão.
O
amor não se confunde com a vida, não é amor verdadeiro;
o verdadeiro amor é hábito.
O
amor pode viver de recordações; o ódio requer realidades
presentes.
O meio mais eficaz para destruir
uma lei é começar por aceitá-la; aceitar algo como
mal necessário é o começo da sua eliminação.
Para
cada alma há uma idéia que lhe corresponde e que é
como a sua fórmula; e andam as almas e as idéias procurando-se
umas às outras.
Quase sempre me vi tratado de menino
velho, o que me consola, pois creio que é o melhor caminho para chegar
a velho menino.
Se
a mortalidade da alma pode ser terrível, não menos terrível
pode ser a sua imortalidade.
Se
amo alguns livros, são aqueles em que sinto que o seu autor –
que pode ter morrido séculos antes de eu ter sido engendrado –
se dirigia a mim, a mim pessoal e concretamente, a mim em confidência.
Tem que se sair de casa para melhor
querê-la e apreciá-la. Os que se encerram em casa é
mais para molestar aos seus e por falta de valor para lutar com os de fora.
Terrível
clareza é o nada da certeza.
Por
cultura entendo a mais intensa vida interior, a de mais batalha, a de mais
inquietação, a de mais ânsia.