Ao
quebrar o silêncio, a linguagem realiza o que o silêncio pretendia
e não conseguiu obter.1
Para
se ser completamente Homem, indispensável se torna ser um pouco mais
e um pouco menos do que homem.2
Quando
percebo, não penso o mundo; ele se organiza diante de mim.
As
estátuas de Olímpia,3
que tanto contribuem para nos ligar à Grécia, alimentam, contudo,
também, no estado em que chegaram até nós – esbranquiçadas,
quebradas, isoladas da obra integral – um mito fraudulento da Grécia.
Não sabem resistir ao tempo como um manuscrito, mesmo incompleto,
rasgado, quase ilegível. O texto de Heráclito lança-nos
clarões como nenhuma estátua em pedaços pode fazer,
porque o significado é nele deposto de maneira diferente, é
concentrado de forma diferente do que está concentrado nelas, e porque
nada iguala a ductilidade da palavra. Enfim, a linguagem diz, e as vozes
da pintura são as vozes do silêncio.
É
verdade, como diz Marx, que a História não anda com a cabeça,
mas, também é verdade que ela não pensa com os pés.
Ou, antes, nós não devemos nos ocupar nem com a sua 'cabeça',
nem com os seus 'pés', mas com o seu corpo.
A
resolução de ignorar o sentido que os próprios homens
forneceram à sua ação e de reservar ao encadeamento
dos fatos toda a eficácia histórica – em suma, a idolatria
da objetividade – encerra, segundo uma observação profunda
de Trotsky, o juízo mais audacioso quando se trata de uma revolução,
já que ela impõe 'a priori' ao homem de ação,
que acredita em uma lógica da História e em uma verdade do
que faz, as categorias de «historiador objetivo», que nisso
não acredita.
O
artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos
o espetáculo de que participam sem perceber.
A
palavra não é o «signo» do pensamento, se compreendermos
como tal um fenômeno que anuncia outro, como o fumo anuncia o fogo.
A palavra e o pensamento só admitiriam esta relação
exterior, se uma e outro fossem dados tematicamente; na realidade, estão
envolvidos uma no outro, o sentido está preso na palavra, e a palavra
é a existência exterior do sentido.
O
progresso não é necessário por uma necessidade metafísica:
pode-se dizer apenas que muito provavelmente a experiência acabará
por eliminar as falsas soluções e por se livrar dos impasses.
Mas, a que preço, por quantos meandros? Não se pode nem mesmo
excluir, em princípio, que a Humanidade, como uma frase que não
se consegue concluir, fracasse no meio do caminho.4
Decerto, o conjunto dos seres conhecidos pelo nome de homens e definidos
pelas características físicas que se conhecem tem também
em comum uma luz natural, uma abertura ao Ser que torna as aquisições
da cultura comunicáveis a todos eles e somente a eles. Mas, este
lampejo, que encontramos em todo o olhar dito humano, é visto tanto
nas formas mais cruéis do sadismo quanto na pintura italiana. É
justamente ele que faz com que tudo seja possível da parte do homem,
e até o fim.
Segundo
a expressão de Lavelle, a morte dá «a todos os acontecimentos
que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam, se não
viessem a se interromper». O absoluto habita em cada uma das nossas
empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e
não será nunca recomeçada. Entra na nossa vida através
da sua própria temporalidade. Assim o eterno se torna fluido e reflui
do fim ao coração da vida. A morte já não é
a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento
em que a nossa essência será alterada. O que há sempre
de incoativo, de incompleto e de constrangedor no presente não é
já um sinal de menor realidade. Mas, então, a verdade de um
ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua
essência, mas, o seu devir ativo ou a sua existência. E se,
como Lavelle dizia, nos julgamos mais perto dos mortos que amamos do que
dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida,
e, daqui para o futuro, poderemos sonhá-los a nosso gosto. Esta piedade
é quase ímpia. A única recordação que
lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios
e do seu mundo, o acento da sua liberdade na incompletude da vida. O mesmo
frágil princípio nos faz viver e dá ao que fazemos
um sentido inesgotável.
Por
meu campo perceptivo, com seus horizontes espaciais, estou presente em meu
meio, coexistindo com todas as outras paisagens que se estendem além,
e todas estas perspectivas formam juntas uma única onda temporal,
um instante no mundo.
A
ilusão nos engana justamente nos fazendo passar por uma percepção
autêntica.5
O
próprio olhar é a incorporação do vidente no
visível, a busca dele próprio, que lá está,
no visível – é que o visível do mundo não
é invólucro do 'quale',6
mas aquilo que está entre os 'qualia',6a
tecido conjuntivo de horizontes exteriores e interiores – é
como carne oferecida à carne que o visível possui a 'asseidade'7
(aséité), e que é meu.
Meu
corpo é, concomitantemente, corpo fenomenal e corpo objetivo, ou
seja, sensível e senciente. Há um entrelaçamento entre
a visão e a percepção, entre o visível e o vidente,
já que o olhar envolve o texto e o desvela, pois, olhar envolve,
apalpa e esposa as coisas visíveis.
Quem
vê não pode possuir o visível a não ser que seja
por ele possuído.
Na
leitura, vamos além do pensamento do autor, de tal modo que, retrospectivamente,
acreditamos ter conversado com ele sem termos dito palavra alguma, de espírito
a espírito. Foram as palavras que nos falaram durante a leitura,
sustentadas pelo movimento do nosso olhar e do nosso desejo, mas, também,
sustentando-o.
O
filósofo reconhece que tem inseparavelmente o gosto de provas e sentido
de ambigüidade.
O
primado da percepção – o reconhecimento, no próprio
coração, da experiência individual de uma contradição
fecunda que a submete ao olhar do outro – é o remédio
para o ceticismo e o pessimismo.
Os
problemas postos na Fenomenologia da Percepção são
insolúveis.
Não
temos escolha entre a pureza e a violência, mas entre diferentes espécies
de violência. A violência será o nosso destino enquanto
nós estivermos encarnados.8
Todos
os regimes são criminosos, e particularmente o Liberalismo ocidental
está assentado sobre os trabalhos forçados de suas colônias.
O
Comunismo não inventou a violência. Ao contrário, ela
sempre esteve estabelecida no seio da Humanidade.
O
anticomunista se recusa a ver que a violência está em toda
parte, e o simpatizante exaltado não a olha de frente, ou seja, não
vê a violência em sua manifestação concreta.
O
Marxismo não é a negação da subjetividade e
da atividade humana. Ele é, sobretudo, uma teoria da subjetividade
concreta.
A
História não é apenas um objeto diante de nós,
distante de nós, fora de nosso alcance. É, também,
suscitação de nós como sujeitos.
Há
uma ciência da revolução com o propósito de esclarecê-la,
mas, há também uma prática da revolução
que a ciência não pode substituir.
Em
um mundo em luta, ninguém pode se lisonjear de ter mãos puras.
O
Comunismo Soviético deve ser considerado e discutido como um ensaio
de solução do problema humano.
Contingência
e liberdade são dimensões indissociáveis da existência
humana.
O
movimento
conhecido como 'La Résistance' [durante
a Segunda Guerra Mundial] não realizava apenas uma luta
heróica para expulsar os alemães dos territórios franceses,
mas, nutria a esperança de ver uma Europa mais humana pelo caminho
do bem comum e da liberdade. Era preferível morrer a viver sob a
dominação de forças nazi-fascistas. Os resistentes
não eram loucos nem sábios, mas, homens que juntaram paixão
e razão em nome da liberdade.9
Bandeira
Francesa com a Cruz de Lorraine
(Emblema da França Livre)
Há
um circuito entre o eu e o outro, uma negra Comunhão dos Santos.
O mal que faço, faço-o a mim, sendo, de fato, contra mim mesmo
que luto ao lutar contra o outro.
A
leitura é um confronto entre os corpos gloriosos e impalpáveis
de minha fala e da fala do autor. Mas, este poder de ultrapassar-me pela
leitura, devo-o ao fato de ser sujeito falante, gesticulação
lingüística, assim como minha percepção só
é possível por meu corpo. Esta mancha de luz que se marca
em dois pontos diferentes sobre minhas duas retinas, vejo-a como uma única
mancha à distância porque tenho um olhar e um corpo ativo,
que tomam diante das mensagens exteriores a atitude conveniente para que
o espetáculo se organize, se escalone e se equilibre. Do mesmo modo,
passo direto ao livro através da algaravia, porque montei dentro
de mim esse estranho aparelho de expressão que é capaz não
apenas de interpretar as palavras segundo as acepções aceitas
e a técnica do livro segundo os procedimentos já conhecidos,
mas, também, de se deixar transformar por ele e se dotar por ele
de novos órgãos.
A
criança é o que nós acreditamos que ela é, reflexo
do que queremos que ela seja. Somente a História poderá nos
fazer sentir até que ponto somos os criadores da mentalidade infantil.
Ela nos mostra as variações concomitantes e nos faz sentir,
por exemplo, que as relações de repressão com a criança,
que acreditamos fundadas em uma necessidade biológica, são,
na realidade, expressão de certa concepção da intra-subjetividade.
A
carne não é matéria, não é espírito,
não é substância. Seria preciso, para designá-la,
o velho termo elemento, no sentido em que era empregado para se falar da
Água, do Ar, da Terra e do Fogo, isto é, no sentido de uma
coisa geral, meio caminho entre o indivíduo espácio-temporal
e a idéia, espécie de princípio encarnado que importa
um estilo de ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua.
Nós
não sabemos por meio de nosso intelecto, mas pela nossa experiência.
Não
há homem interior.10
O homem está no mundo, e só no mundo é que ele se conhecerá
a si mesmo.
O
corpo é nosso meio geral de ter um mundo.
Faz
parte da essência da certeza de ser estabelecida somente com reservas.
Nada
me determina de fora, não porque nada atue sobre mim, mas, pelo contrário,
porque, desde o início, eu estou fora de mim e aberto para o mundo.
A
carne é o coração do mundo.
É
missão do século XX elucidar o irracional.
Se
quisermos reestruturar o nosso sistema de moral, só poderemos fazê-lo
através do contato com os conflitos revelados pelo imoralismo.
Todo
mundo está sozinho, e, ainda assim, ninguém pode fazer nada
sem o concurso de outras pessoas.
De
vez em quando, minhas próprias palavras me pegam de surpresa, e me
ensinam o que e como pensar.
O
que
um filósofo faz sem cessar é descer do conhecimento à
ignorância e da ignorância subir ao conhecimento, e, neste movimento,
há um tempo necessário para um descanso
[reflexivo].
Sócrates
dizia que não é a mesma coisa, mas quase o oposto, entender
a religião e aceitá-la.
Ninguém
tem ou conhece a verdade. A verdade é o produto do compartilhamento
do que parece ser a verdade.
Eu
não posso imaginar qualquer vida que não esteja crescendo,
aprendendo, estimulada pela insatisfação e travada pela luta.
A
maior forma de integração, na minha opinião, é
aquela que está saturada com sentimentos de amor.
A
Ecologia permite que você honre a sua carne e a carne dos outros.
O
fraco usa metáforas.
Dentro
e fora são inseparáveis.11
Nós
não somos nada. Apenas somos uma visão do mundo.
O
ponto essencial é entender claramente o projeto para o mundo que
nós somos.
A
Verdadeira Filosofia [FiloShOPhIa]
é reaprender a Ver o mundo.12
Um
Instante no Mundo
Um
instante no mundo...
Um instante
que não se repetirá.
Um instante
no mundo...
Um instante
que ad æternum
será.
Nada
será deletado;
nada
vira poeira ou desaparece.
No ad
semper ilimitado,
o ser-aí
desembrutece e cresce.
Mesmo
o entropizado,
continuará
a fazer parte do Um.
Nada
será abandonado,