Para
ficarmos um pouquinho mais pobres em nossa insabidade e um tantinho mais
ricos em justo conhecimento, hoje, estudaremos juntos a Metafísica
Cartesiana, ampliada na obra Meditações
Metafísicas, que, às vezes, aparece traduzida
como Meditações
Sobre a Filosofia Primeira – e que tem como subtítulo
nas quais são
Demonstradas a Existência de Deus e a Distinção Real
entre a Mente e o Corpo – escrita e publicada por René
Descartes, pela primeira vez, em 1641. A obra é composta por seis
meditações, nas quais o autor põe em dúvida
toda crença que não seja absolutamente certa, real, factível,
e, a partir daí, procura estabelecer o que é possível
ser sabido com segurança.1
Entretanto, respeitando Descartes, penso que, salvo melhor juízo,
tentar demonstrar a existência de Deus, mais do que inócuo,
seja impossível. E mais: qual Deus alguém provaria que existe?
Há tantos... Mas, como especulação filosófica,
até admito que seja um exercício interessante, mas tentar
demonstrar a existência de Deus, seja lá por que meios, é
semelhante a tentar provar que a quadratura do círculo é possível,
servindo-se somente de uma régua e um compasso em um número
finito de etapas. Em 1882, o matemático alemão Ferdinand Lindemann
(1852 – 1939) provou que
é um número transcendente, isto é, não existe
um polinômio com coeficientes inteiros ou racionais, não todos
nulos, dos quais
seja uma raiz. Como resultado disto, é impossível exprimir
com um número
finito de números inteiros, de frações racionais ou
suas raízes. Logo, é tão impossível construir,
somente com uma régua e um compasso, um quadrado cuja área
seja rigorosamente igual à área de um determinado círculo,
quanto tentar demonstrar a existência de Deus. Todavia, se tal demonstração
for real e metafisicamente possível, ela só se efetivará
em nosso Coração, e só terá validade para nós,
neste caso, individualmente. Há coisas que são mesmo intransferíveis!
Antes
de prosseguir, preciso alertar que nada há de original neste estudo
de extratos editados (em alguns casos). É, basicamente, uma coletânea
de migalhas garimpadas na obra em apreço, e digitadas através
do recurso computacional Ctrl c —› Ctrl v. Em textos como este,
costumo dar esta informação para que eu não seja malevolamente
acusado de plágio ou de mau-caratismo. Enquanto eu estiver vivo,
o que me move e sempre me moverá é, entre outras coisas que
estudo e publico, apresentar para reflexão assuntos diversos e temas
contemporâneos que considero importantes para a compreensão
da vida – caminho insubstituível para o conseguimento da Libertação
(para a Eterna Vida) – de tal sorte a minimizar as infirmidades e
as ignorâncias de todos nós que lutamos bravamente para compreender
e que desejamos honradamente nos alforriar. Como sempre tenho o cuidado
de citar as fontes consultadas – mesmo, em muitos casos, nos textos
divulgados, sem seguir fielmente a metodologia científica tradicional
– não me preocupo em copiar editando (quando sei que está
correto) o que outros autores escreveram, como é o caso, por exemplo,
dos dois próximos parágrafos (transcritos, mas editados).
Nas
Meditações
Metafísicas, Descartes expõe sua doutrina sobre
as questões de Deus e da alma de modo mais amplo e completo do que
no Discurso do Método
(Cogito, ergo sum:
Penso, logo existo; Dubito,
ergo cogito, ergo sum: Duvido, logo penso, logo existo; Puisque
je doute, je pense; puisque je pense, j'existe: Uma vez que
eu duvido, eu penso; uma vez que eu penso, eu existo), no qual se contentou
em expor apenas alguns princípios preliminares do seu pensamento,
entretanto tendo admitido nas suas Meditações
que o método
não é novo, pois nada é
mais velho do que
a verdade. As Meditações
Metafísicas foram
escritas com uma profundidade sistematicamente filosófica,
isto porque foram destinadas aos filósofos e aos teólogos,
e basicamente a eles, não ao público em geral.
O
fato é que as Meditações
Metafísicas exerceram uma influência decisiva no
pensamento ocidental, pois, não só introduziram um novo critério
para avaliar (o que era considerado) a verdade, se insurgindo contra a pretensão
e a autoridade da velha tradição e a ranhetice e a chatice
do mofado costume, colocando a razão no centro da intuição
da vida, mas, também, examinando judiciosamente alguns dos mais importantes
problemas da Metafísica, para os quais nem sempre era possível
propor soluções. Seja como for, as Meditações
Metafísicas foram um fermento ativo para o pensamento
filosófico posterior, suscitando adeptos e adversários ardorosos.
Em
uma passagem da Segunda
Meditação, afirma Descartes: Convenci-me
de que não existe nada no mundo, nem céu, nem Terra, nem mente,
nem corpo. Isto implica que também eu não exista? Não.
Se existe algo de que eu esteja realmente convencido é de minha própria
existência. Mas existe um enganador de poder e astúcia supremos,
que está deliberada e constantemente me confundindo. Neste caso,
e mesmo que o enganador me confunda, sem dúvida eu também
devo existir… A proposição 'eu sou', 'eu existo', deve
ser necessariamente verdadeira para que eu possa expressá-la ou para
que algo confunda minha mente.
Enfim,
como este estudo, que muito prazer me deu em fazer, está arrumado
sob a forma de fragmentos (algumas vezes editados, outras ampliados com
exemplos, dos quais, de ambos, somos todos livres para concordar ou discordar),
para ler a obra completa original (que, como advertiu Descartes, para que
seja compreendida, exige
que o espírito esteja liberto de preconceitos, e que logre se desprender
com facilidade de todo o consórcio com os sentidos),
traduzida pelo intelectual e pensador português António Sérgio
de Sousa (Damão, 3 de setembro de 1883 – Lisboa, 24 de janeiro
de 1969), por favor, baixe o arquivo no endereço:
http://www.4shared.com/get/UQsA0S9-/
meditaes_metafsicas_-_Ren_Desc.html
Breve
Biografia de Descartes
René
Descartes
(Verificar
–› Analisar
–›
Sintetizar
–›
Enumerar)
Exotericamente
católico, mas, esotericamente um Iniciado Rosacruz, René Descartes
(La Haye en Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de
fevereiro de 1650) – o primeiro pensador moderno – foi um filósofo,
físico e matemático francês. Durante a Idade Moderna
também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius. Durante
a Revolução Francesa (conjunto de acontecimentos que, entre
5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799, alteraram o quadro político
e social da França), seus restos foram desenterrados para irem para
o Panthéon, ao lado de outros grandes pensadores franceses. A vila
no Vale Loire, onde ele nasceu, foi renomeada La Haye-Descartes.
Descartes
notabilizou-se, sobretudo, por seu trabalho revolucionário na Filosofia
e na Ciência, mas também obteve reconhecimento matemático
por sugerir a fusão da Álgebra com a Geometria, fato que gerou
a Geometria Analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o
seu nome (Sistema de Coordenadas no Plano Cartesiano ou Espaço Cartesiano
ou Plano Cartesiano). Por fim, ele foi uma das figuras-chave na Revolução
Científica.
Sistema
de Coordenadas no Plano Cartesiano
Sistema
de Coordenadas no Plano Cartesiano
Descartes,
por vezes chamado de o Fundador da Filosofia Moderna e o Pai da
Matemática Moderna, é considerado um dos pensadores mais importantes
e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos
e várias gerações de filósofos posteriores.
Boa parte da Filosofia escrita a partir de então foi uma reação
às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele. Muitos
especialistas afirmam que a partir de Descartes inaugurou-se o Racionalismo
da Idade Moderna. Décadas mais tarde, surgiria nas Ilhas Britânicas
um movimento filosófico que, de certa forma, seria o seu oposto –
o Empirismo, com o filósofo inglês e ideólogo do Liberalismo
John Locke (Wringtown, 29 de agosto de 1632 – Harlow, 28 de outubro
de 1704) e o filósofo, historiador e ensaísta escocês
David Hume (Edimburgo, 7 de maio de 1711 – Edimburgo, 25 de agosto
de 1776).
Em
1667, dezessete anos depois de sua morte, a Igreja Católica Romana
colocou as obras cartesianas no Index
Librorum Prohibitorum, Índice de Livros Proibidos
(lista embolorada, ultrapassada e desgastada de livros perniciosos e publicações
proibidas), criado em 1559, no Concílio de Trento (1545 – 1563),
tendo a administração da lista (sempre ampliada) ficado sob
a tutela da Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição
do Santo Ofício, que existiu entre 1542 e 1965. Ora, um homem livre
como Descartes, que baseava suas especulações filosóficas
em verdades racionais, claras, cristalinas e livres, não poderia
agradar a quem queria meter na goela dos outros o céu, o inferno,
o purgatório, o limbo, os pecados mortais e veniais, a excomungação,
as indulgências parciais e plenárias, enfim, todo um sistema
arbitrário e atrabiliário que tinha como ponto de referência
a Terra, o autoritarismo eclesiástico e, principalmente, os argumentos
ad ignorantiam
(adequado à ignorância da pessoa com quem se discute), ad
hominem (que apela para os sentimentos e não para a razão)
e baculino (que despreza a razão e emprega a força). Bolas!
Quatro séculos se passaram e a psicopatia/esquizofrenia mau-caratista
inquisitorial católica não adiantou nada. René Descartes
continua vivo entre nós, mas o tribunal inquisitivo do diabólico
ofício morreu e virou pó e fumaça.
Bem
lá longe, no meio do raio que o parta, onde o Universo finge que
faz a curva, todos os inquisidores de antanho, neurastênicos, monocórdicos,
mentalmente dissociados, extremamente egocentrados, lambuzões e outras
tantas coisonas coisonérrimas mais, que me absterei de enumarar –
entra dia, sai dia – repetida e desentoadamente, cantam e dançam
de marré, marré, marré, mas Tomás de Torquemada,
o inquisidor-geral dos Reinos de Castela e Aragão no século
XV – coitado! – não consegue estabelecer vínculo
com ninguém, pois, quando lhe perguntam que
ofício dais a ela, Tomás, com aquele orgulhozinho
padresco e inquisitorial, do qual não se livra nem a marretada, sempre
responde: — Oooh!
Dou ofício de inquisidora! Giovana,
que está ali só para dar uma mãozinha, sempre responde,
admoestando:
—
Se
manque,
ó Torquemada;
este
ofício não me agrada!
Isto
é coisa que se ofereça?
Tá com bosta na cabeça?
Mas
Tomás
nunca perdeu a pose (pelo menos, até ontem):
—
Bosta não, ó senhora;
na
cabeça,
só Glostora.
Eu
fui feliz,
joliz e beliz;
não
me pejo do que fiz.
Mas,
de Giovana, é sempre o último versinho:
—
Para daqui se livrar,
você
terá que se pejar
e,
um dia, se comover,
se
almejar reconviver!
Index
Librorum Prohibitorum
Migalhas
Metafísicas Cartesianas
Sempre
considerei que os problemas de Deus e da alma devem ser demonstrados mais
pela Filosofia do que pela Teologia, pois, se bem que nos baste a nós
fiéis o crer pela Fé que existe um Deus e que a alma humana
não morre com o corpo, parece impossível, no entanto, persuadir
os infiéis de qualquer religião, e até, outrossim,
de qualquer virtude, se não provarmos primeiro estas duas coisas
pelos meios da razão natural.
Tudo
o que é possível saber sobre Deus é demonstrável
por meio de razões que se podem achar no nosso espírito.
O
espírito humano, refletindo sobre si mesmo, se reconhece como uma
coisa pensante.
Tenho
em mim a idéia de uma coisa mais perfeita... Esta idéia, com
efeito, ou pode ser tomada materialmente por uma operação
do meu intelecto, e, neste sentido, não se pode dizer que é
mais perfeita do que eu; ou ser tomada objetivamente pela coisa representada
por esta operação do meu espírito, a qual, se bem que
se suponha que não existe fora do meu entendimento, pode, no entanto,
ser mais perfeita do que eu, em razão da sua essência.
A
Essência de Todos Nós
O
juízo de muitas pessoas é tão infirme e desarrazoado,
que se deixam persuadir mais facilmente por quaisquer primeiras opiniões,
do que por uma refutação destas opiniões que seja sólida
e verdadeira...
Para
impugnar a existência de Deus, os ateus alegam sempre que supõem
em Deus afecções humanas, ou atribuem aos nossos espíritos
tanta força e sabedoria, que podem determinar e compreender o que
Deus pode e deve fazer.
Deus
é um ser infinito e incompreensível.
Para
compreender a Metafísica, é necessário libertar o espírito
tanto do consórcio com as coisas sensíveis como de toda a
espécie de preconceitos.
Geralmente,
devemos duvidar de todas as coisas, e particularmente das coisas materiais.
Pelo menos, enquanto não tivermos nas ciências outros fundamentos
além dos que, até o presente, temos tido.
A
desordem produz a incerteza.
Desordem Ilusória
Para
estabelecer alguma coisa constante nas ciências, cumpre que rejeitemos,
uma vez na vida, todas as nossas antigas opiniões... Não há,
efetivamente, coisa alguma da qual não possamos, de certa maneira,
duvidar. Portanto, para que os reparos que viermos a fazer possam produzir
algum proveito, não devemos nos limitar a considerar como duvidosas
as nossas antigas opiniões, mas, supor também que elas são
falsas.
As
coisas que nos são representadas no sono não são absolutamente
imaginárias.
Aquilo
que assenta sobre opiniões falsas e sobre princípios inseguros
tem de ser, por necessidade, duvidoso e incerto.
A destruição de antigas
opiniões e a compreensão libertadora só poderão
advir se o espírito estiver em pacífica solidão e se
for exonerado de qualquer preconceito e de qualquer paixão.
Não
chegaremos a uma má conclusão, se dissermos que a Física,
a Astronomia, a Medicina e todas as outras demais ciências que dependem
da consideração das coisas complexas são muito duvidosas
e muito incertas. Mas, concluiremos bem se admitirmos que a Aritmética,
a Geometria e as outras ciências da mesma espécie, as quais
tratam unicamente de coisas muito simples e gerais, têm algo certo
e indubitável.
Estejamos
acordados ou a dormir, dois e três serão sempre cinco, e um quadrado
sempre terá quatro lados. Portanto, não parece possível
que verdades tão claras, tão evidentes, possam dar azo a qualquer
suspeita de falsidade ou de incerteza.
Há muito, tenho no meu espírito
a opinião de que há um Deus que tem todo poder e que me fez
e criou assim como sou. Ora, como posso eu saber se não Ele dispôs
as coisas de tal maneira que não haja Terra, nem céu, e nenhum
corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, mas que eu
tenha, apesar disto, a impressão da existência destas coisas
todas, e que todas me pareçam não existir, senão da maneira
como eu as vejo? Quem me diz que Ele não faz com que eu me iluda, sempre
que adiciono dois e três ou conto os lados de um quadrado? Mas, talvez,
Deus não tivesse querido que eu fosse enganado de tal maneira, pois
que O dizem soberanamente bom. Todavia, se repugnasse à Sua Vontade
me haver feito de tal feitio que eu me iludisse constantemente, parece que
Lhe seria também contrário permitir que me enganasse algumas
vezes; e não posso, no entanto, duvidar de que Ele permite.
Enganar-se
é imperfeição.
Em
tudo o que acreditei ser verdadeiro, não há nada de que não
possa duvidar de qualquer forma. De maneira que, de hoje em diante, deverei
me esquivar de dar crédito ao que antes acreditei como sendo verdadeiro,
se quiser achar nas ciências alguma coisa assegurada
e certa.
Temos
(e teremos sempre) muito mais razão para acreditar nas ordinárias
opiniões antigas do que para negá-las. Por isto é que
elas reaparecem com freqüência nos nossos pensamentos.
Devemos
cuidar e nos esforçar para não nos afastarmos do caminho reto
que leve ao conhecimento da Verdade, [ainda
que ela seja sempre relativa].
Nunca
a desconfiança deverá ser excessiva. Com efeito, não
se trata apenas de proceder, mas de conhecer e de meditar. E, se não
estiver ao nosso alcance atingir o conhecimento de Verdade alguma, estará,
pelo menos, no nosso poder a suspensão do nosso juízo.2
Não
dar crença à menor falsidade e preparar bem o próprio
espírito contra as malas-artes do trapaceiro é laborioso e é
penoso. Insensivelmente, sinto arrastar-me uma certa preguiça para
o modo de proceder da vida ordinária. E, tal como um escravo que lograsse
no sono o gozo de uma liberdade imaginária, e que temesse o instante
do despertar quando ele começasse a formar suspeitas de que a sua liberdade
era apenas sonho, conspirando por isso com ilusões tão gratas
para que elas o enganassem durante mais tempo, assim eu recaio insensivelmente
nas minhas antigas opiniões, e receio acordar desta modorra, por temer
que as vigílias laboriosas que se seguiriam a tal repouso, em vez de
me trazerem qualquer luz no conhecimento da Verdade, não fossem, afinal,
suficientes para desfazer as trevas de dificuldades que se resolveram no que
aí ficou.
Cumpre
rejeitar as coisas em que exista a menor dúvida, até que se
tenha encontrado qualquer coisa que seja certa. Será conseguir muito,
se pudermos encontrar uma só coisa que seja certa.
Enquanto
duvidamos de tudo, não poderemos duvidar de que existimos, e de que
a proposição eu existo é necessariamente verdadeira.
E, estando certos de que existimos, cumpre examinar o que somos.
Para isto, deveremos examinamos o que outrora supusemos ser. (Grifo
meu).
Na
realidade, não somos nada de aquilo que outrora supusemos ser, senão,
precisamente, uma coisa que pensa. Assim, nada do que se pode compreender
pela imaginação pertence ao conhecimento de nós próprios
– que vem a ser uma coisa que pensa.
O
Ser que Pensa
O espírito
é por nós mais distintamente conhecido do que qualquer outra
coisa; nada, pois, é mais fácil de conhecer do que o nosso espírito.3
É certíssimo
que nada há no mundo que seja certo [e
definitivo]. Arquimedes,4
para tirar a Terra de onde se encontra e para a transportar para outro sítio,
não pedia mais do que um ponto fixo; e eu, neste caso, altas esperanças
poderei conceber se achar por fortuna uma só coisa que seja certa e
inconcussa.
Há,
porém, um ilusor mentiroso, muito poderoso e muito astuto, que me engana
constantemente. Se assim é, não cabe, pois, dúvida de
que eu existo, se ele me engana; e engane-me ele o mais que puder, nunca conseguirá
que eu nada seja, enquanto eu penso que algo sou. A proposição
eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira todas as vezes
que a enuncio ou que a concebo no meu espírito... Entretanto, importa
que eu me acautele com o maior empenho para que não tome como sendo
eu uma coisa qualquer que não sou eu, e, assim, não me engane
em tal conhecimento, que afirmo ser mais certo e mais evidente do que todos
aqueles que já tive outrora. Só deverá ficar, precisamente,
o que for certo e inabalável. (Grifo
meu).
Ao
afirmarmos que um homem é um animal racional é necessário
investigar o que é um animal; depois, o que é racional.5
O
pensar existe. O pensar é um atributo que me pertence. Só ele
não pode se separar de mim. Isto é certo: Eu sou, eu existo...
Sou uma coisa, pois, verdadeira; uma coisa existente. Mas que coisa? (Grifo
do autor).
Sei
já, com certeza, que existo de fato, e, ao mesmo tempo, sei que é
possível que as imagens não passem de sonhos ou de quimeras,
e não só elas, mas tudo em geral que se refere ao corpo... Percebo
manifestamente que nada do que compreendo pela imaginação pertence
ao conhecimento que tenho de mim. Portanto, me cumpre desviar o meu espírito
de tal maneira de conceber, para que logre conhecer distintamente a sua própria
natureza. Enfim, que sou, pois? Uma coisa pensante, isto é, uma coisa
que duvida, que percebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer,
que imagina e que tem sensações.
É
um vagabundo este meu intelecto. O devaneio apraz-lhe; não se compadece
de ser retido nos justos limites do verdadeiro.
Suponhamos que enxergo, pela janela,
uns homens que passam naquela rua. Olhando para eles, não posso deixar
de dizer que vejo homens. No entanto, o que vejo eu da janela, senão
só capas e chapéus, que, acaso, poderiam cobrir manequins, que
por meio de molas se deslocassem? Mas, ajuízo que são homens,
formulo o juízo de que são homens, e assim, compreendo, pelo
poder judicatório do meu intelecto – do meu espírito –
o que cria ver por meio dos olhos. E assim, se do fato de ver os homens tiro
a conclusão que os homens existem, com bem mais evidência devo
tirar a conclusão que existo eu.
Ainda
que haja erros nos juízos, nada pode ser concebido sem que seja por
meio de um espírito humano.
Desprendendo-nos
dos sentidos, muito claramente nos conhecemos como sendo uma coisa que pensa.
Não
tínhamos idéias claras e distintas de muitas coisas que viemos
a reconhecer serem muito incertas, depois de as termos tido outrora como muito
certas.
Para
examinar a verdade ou o erro dos pensamentos convém dividi-los em certos
gêneros, e passar a considerar em quais destes gêneros há
propriamente verdade ou erro.
Nossos pensamentos são constituídos
ou de idéias, ou de afecções ou de juízos. As
idéias e as afecções, tomadas em si mesmas, não
são falsas, mas sucede haver erro em muitos juízos... O principal
erro, o mais ordinário, que nos juízos pode ocorrer, consiste
em ajuizarmos que aquelas idéias que se encontram no espírito
são semelhantes ou conformes às coisas que se acham fora de
nós, pois é certo que, se considerássemos as idéias
como sendo certos modos do nosso pensamento, sem as querer referir a uma coisa
externa, dificilmente estas idéias nos dariam qualquer ocasião
de cair em erro. Enfim, quanto às idéias, precisamos saber que
umas são inatas em todos nós, ou seja, nasceram conosco; outras
são adventícias e vieram de fora; outras, finalmente, foram
feitas e inventadas por nós. Portanto, por exemplo, lembremos que o
Sol – a estrela central do Sistema Solar – pode parecer bem pequeno,
mas, efetivamente, é gigantesco, possuindo, em relação
à Terra, massa 332.900 vezes maior e volume 1.300.000 vezes maior que
o do nosso planeta. O fato de o Sol parecer tão pequeno é porque
a distância da Terra ao Sol é de cerca de 150 milhões
de quilômetros. Assim, auxiliados pela Astronomia, nossa razão
nos leva a crer que a imagem que emana imediatamente da aparência do
Sol é aquela que menos a ele se assemelha.
Toda
a causa eficiente tem tanta perfeição quanto o seu efeito.
A perfeição objetiva
de uma idéia deve existir formalmente ou eminentemente na sua causa...
Se temos alguma idéia cuja perfeição objetiva não
esteja em nós – nem formalmente, nem eminentemente – há,
pois, fora de nós alguma coisa que é a sua causa. Mas, a idéia
que temos de Deus não pode vir de nós, e, portanto, há
um Deus.
Não
somos a causa de nós próprios. Ainda que supuséssemos
ter existido sempre, a natureza e a duração da nossa vida prova
que há uma causa que nos faz persistir. Esta causa é diferente
de nós mesmos, sendo impossível que não seja Deus. Nisto
consiste o soberano bem.
Agora,
fecharei os olhos, obturarei os ouvidos, subtrair-me-ei aos sentidos, apagarei
do meu pensamento todas as imagens das coisas corpóreas e tê-las-ei
como inanes e como falsas. E, assim, conversando a sós com a minha
pessoa e considerando só o meu interior, procurarei me tornar,
pouco a pouco, mais conhecido de mim próprio e mais familiar comigo
mesmo.6
(Grifo meu).
Ainda
que as coisas que eu imagino e aquelas de que tenho sensações
não existam, talvez, fora de mim, eu estou seguro, apesar disto, de
que estas maneiras de pensar – a que chamo imaginações
e sensações – residem e se encontram realmente em mim,
enquanto maneiras de pensar.7
Tudo
aquilo que concebo claríssima e distintissimamente é necessariamente
verdadeiro.
Engane-me
quem puder, mas não poderá fazer que eu nada seja, enquanto
penso que algo sou. Ou que, algum dia, seja verdade que eu não tenha
existido nunca, sendo verdade que existo agora. Ou que a soma de dois e três
dê mais ou menos que o número cinco. Ou outras coisas semelhantes,
as quais eu vejo clarissimamente não poderem ser senão como
as penso.
Aquelas
idéias que apresentarem substâncias serão algo mais e
conterão em si, por assim dizer, maior realidade objetiva (isto é:
participarão, por representação, de mais graus de ser
ou de perfeição), do que as idéias que representam modos
ou acidentes. E, enfim, a idéia pela qual eu concebo Deus – soberano,
eterno, imutável, infinito, onisciente, onipotente e criador de tudo
o que fora Dele existe8
– conterá, por sua vez, maior realidade objetiva do que aquelas
que representam substâncias finitas.
Deve
haver tanta realidade na causa eficiente como no seu efeito. Pois, de onde
onde tirar o efeito a realidade que possui, senão da sua causa? E como
poderia esta lhe comunicar, se, em si mesma, não a tivesse?
A
idéia não pode tirar do nada a sua origem. A idéia existe
no intelecto, sim, como imagem ou como painel, que pode decair facilmente
da perfeição da coisa de onde foi tirada, mas coisa alguma pode
ser mais perfeita (ou conter algo mais perfeito) do que a própria perfeição.9
Só
nos juízos se pode achar a falsidade propriamente dita ou formal. Pode,
no entanto, haver nas idéias certa falsidade material, a saber, quando
representam o que nada é como se fosse qualquer coisa. Por exemplo:
as idéias de frio e de calor são tão pouco claras e tão
pouco distintas, que não posso dizer, afinal, se o frio é tão-só
privação de calor ou se o calor é apenas privação
de frio, ou se ambos são qualidades reais, ou se nem frio nem calor
são coisas reais. E, sendo as idéias como que imagens, e sempre
nos parecendo representar qualquer coisa, se, de fato, o frio for privação
de calor, e só isto, a idéia que o representa como sendo algo
poderá, com justiça, ser chamada falsa, e assim as restantes.
Se
bem que eu tenha a idéia de substância, pelo fato de que sou
uma substância, não teria, contudo, a de uma substância
infinita – eu que sou finito – se ela não houvesse sido
posta em mim por uma substância verdadeiramente infinita. E assim, na
substância infinita há mais realidade do que na finita, e, portanto,
de certo modo, tenho a idéia do infinito anteriormente à do
finito, isto é, a idéia de Deus anteriormente à de mim
próprio, que sou finito e imperfeito. Enfim, como poderia ser possível
que me fosse dado conhecer que duvido, que desejo, isto é, que me falta
qualquer coisa, que não sou, pois, perfeito, se acaso não tivesse
no meu espírito a idéia e um ser mais perfeito do que eu, por
comparação com o qual eu viesse a conhecer os meus defeitos?
Tudo o que o meu intelecto pode pensar clara e distintamente como real e verdadeiro,
e como incluindo quaisquer perfeições, se acha contido na idéia
de Deus. E não deixa isto de ser verdadeiro, ainda que eu não
compreenda o infinito e que exista em Deus uma infinidade de coisas que eu
não posso compreender, nem, talvez, atingir pelo pensamento, pois é
da natureza do infinito que o não logre perceber o meu espírito,
sendo finito. Basta só que eu entenda isto, e que formule o juízo
de que todas as coisas que concebo clarissimamente, que sei que comportam
qualquer perfeição, e muitas acaso que de todo ignoro, estão
em Deus formal ou eminentemente, para que a idéia que de Deus eu tenho
seja, de fato, a mais verdadeira, a mais clara e a mais distinta de todas
que existem no meu intelecto.
Talvez,
porém, seja eu mais alguma coisa do que imagino, e, talvez, as perfeições
que atribuo a Deus se achem todas em potência no meu próprio
ser, se bem que se não produzam por enquanto e que não se manifestem
por suas ações. Com efeito, estou tendo a experiência
de que o meu conhecimento se vai aumentando e aperfeiçoando, e não
vejo o que obste a que mais e mais ele se amplie assim, até o infinito,
nem porque, estando assim acrescido e aperfeiçoado, eu não poderia
alcançar, por ele, as outras perfeições da natureza divina,
nem, enfim, porque seria que o poder que existe em mim para a aquisição
de tais perfeições, se é certo que o tenho atualmente,
não seria suficiente para dar origem às idéias que lhe
dizem respeito.
Em
Deus, nada existe só em potência; tudo está em ato efetivamente.
Deus
é o autor da minha existência.
Uma substância, para que conserve
a sua existência em todos os momentos em que perdura, tem necessidade
daquele mesmo poder, daquela mesma ação, que seriam necessárias
para a produzir e criar, se acaso não existisse ainda. De maneira que
a luz natural nos faz ver aqui com a maior clareza que a criação
e a conservação diferem somente no nosso pensar, mas não
em si.
Será
assim o conceito cartesiano de criação?
Eu
sou uma coisa pensante, e tenho em mim certa idéia de Deus, a causa
que me produziu – qualquer que ela seja – deverá ser também
uma coisa pensante, e deverá ter, outrossim, a idéia de todas
as perfeições que atribuo a Deus.
Tendo
Deus a virtude de por Si existir, terá também o poder de possuir
em ato as perfeições cuja idéia contiver em Si... A unidade,
a simplicidade e a inseparabilidade de quanto em Deus existe são perfeições
que concebo Nele.
O
meu espírito é única coisa que eu tomo como sendo realmente
eu próprio.
A
existência de Deus se demonstra à evidência pelo simples
fato de que eu existo e de que, além disto, existe em mim a idéia
de um ser sumamente perfeito.
A
idéia de Deus nasceu comigo, me é inata, como a idéia
de mim próprio me é também inata.
Quando reflito sobre mim próprio,
não só percebo que sou coisa imperfeita, incompleta, dependente
de outrem, que tende e aspira indefinidamente a algo de maior e de melhor
do que eu, mas percebo, também e ao mesmo tempo, que um outro ser do
qual eu dependo possua estas coisas a que eu aspiro, e cujas idéias
encontro em mim, e as possua, não indefinidamente e só em potência,
mas que goze delas atualmente, efetivamente e infinitamente. E assim, este
ser é Deus.
Só
depois de havermos desprendido o espírito das coisas sensíveis
é que o poderemos dirigir para as cousas inteligíveis.
Sendo
o erro uma falta, uma carência ou um defeito, basta ser finito para
poder errar.10
O
erro não é somente um defeito, mas a privação
de qualquer perfeição.
Nem
o intelecto nem a vontade são, por si mesmos, causas dos nossos erros.
Nossos erros derivam do mau uso da nossa liberdade, pois que da grande clareza
no intelecto resulta grande determinação na vontade. Mas, ainda
que haja conhecimento no intelecto, a vontade se manterá indiferente,
se este conhecimento não for perfeito. Assim, não é e
não há imperfeição em Deus por nos haver concedido
a liberdade; a imperfeição está em nós se e quando
usamos mal esta mesma liberdade.
Exatamente
me dei conta de como sabemos pouquíssimo...
Quando
penso que eu duvido, isto é, que sou algo incompleto e dependente,
a idéia de um ser completo e independente (isto é, de Deus)
apresenta-se-me ao meu espírito com clareza igual.
Quando busco a causa dos meus erros,
noto que ao meu pensar se não apresenta unicamente uma real e positiva
idéia de Deus ou de um ser sumamente perfeito, mas, também,
por assim dizer, uma certa idéia negativa do que está afastado
infinitamente de toda a espécie de perfeição. Assim,
reconheço que o erro, enquanto erro, não é coisa real
e dependente de Deus, mas, tão-só uma falta minha, tão-só
um defeito meu.
Não
posso, sem temeridade, investigar quais sejam os fins de Deus.
Eu
existo, colocado no mundo, como fazendo parte da universalidade dos seres.
Se
sempre soubéssemos de maneira clara e indubitável onde está
a Verdade e onde está o bem, nunca teríamos de deliberar sobre
o nosso juízo e a nossa escolha. E assim, seríamos inteiramente
livres!
De
onde, então, é que, pois, nascem os nossos erros? Nascem de
que, como a vontade é mais ampla que o entendimento, não a contemos
nos mesmos limites e a estendemos às coisas que nós não
percebemos. E como a estas últimas é ela indiferente, com muita
facilidade se transvia a vontade e escolhe o falso pelo verdadeiro, o mal
pelo bem; e de aí procede que erramos e pecamos.
O conhecimento do intelecto deve sempre
preceder a determinação da vontade.
Está
nisto a perfeição principal do homem: adquirir o hábito
de não errar; descobrir a causa do erro e da falsidade. Devemos, portanto,
fixar nossa atenção naquelas causas que perfeitamente concebemos,
separando-as de todas as outras que concebemos obscura e confusamente.11
A
existência de Deus não pode ser separada da sua essência,
mais do que da existência de um triângulo retilíneo a igualdade
dos três ângulos a dois retos.12
Só
o que concebemos clara e distintamente poderá nos persuadir de maneira
completa. Não poderá haver engano naqueles juízos cujas
razões conhecemos clara e distintamente.13
Há
um Deus e todas as coisas dependem Dele. Esta é a Ciência certa
e verdadeira. A certeza e a verdade de toda a Ciência só dependem
do conhecimento do verdadeiro Deus.
Há diferença entre imaginação14
e pura intelecção. Todavia, podemos adquirir o conhecimento
claro e distinto das coisas que ainda concebemos confusamente, pois a imaginação
é, afinal, uma aplicação da faculdade de conhecer o objeto
que intimamente lhe é presente, e, portanto, inescusavelmente existe.
Para
imaginar, precisamos de uma particular contenção do espírito,
da qual, porém, não fazemos uso para conceber ou compreender;
e esta particular contenção de espírito manifesta a diferença
que de fato existe entre a imaginação e a intelecção
(ou concepção pura).
Tudo
o que a Natureza nos ensina contém alguma verdade, ainda que nos enganemos,
no entanto, com alguma freqüência, nas coisas a que a própria
Natureza nos impele diretamente.
Há
uma grande diferença entre o corpo e o espírito, a saber: o
corpo, por sua natureza, é sempre divisível, ao passo que o
espírito, pelo contrário, é inteiramente indivisível.
A
natureza humana, apesar da suma bondade de Deus, não pode deixar de
algumas vezes se mostrar falível e enganadora, enquanto composta de
espírito e corpo.
Muitas vezes, pelas necessidades da
nossa vida, somos levados a escolher e a determinar, sem que tenhamos tido
o indispensável vagar para examinar as coisas escolhidas e determinadas
cuidadosamente. E assim, a vida do homem está sujeita a errar freqüentes
vezes no que respeita às cousas particulares, o que obriga a reconhecer,
em suma, a infirmidade da natureza humana.
Apesar de tudo, seja lá como
for, devemos confessar e reconhecer a infirmidade da nossa natureza.
Infirmidade
–› Compreensibilidade
Só
Mais Uma Coisinha:
Eu
sou pobre, pobre, pobre,
mas
deixei de ser desnobre.
Para me livrar, eu me aplico,
e
não dou bola para ser rico.
O
que pode valer a riqueza,
se,
na alma, há só baixeza?
Ora
Bolas! Miserê não é pior
do
que, por burla, virar sinór.
Oh!,
vidas ensangüentadas!
Manquem-se,
ó torquemadas!
Só
a Humilìtas
poderá instruir;
é
hoje que se constrói o devir.
______
Notas:
1. Aqui,
talvez fosse melhor ter escrito estabelecer o que é possível
ser sabido com relativa segurança, pois, na verdade, tudo
é passível de ser atualizado. Não podemos sequer ter
certeza absoluta de que dois mais três é igual a cinco. Mas,
com isto, não estou querendo dizer que dois mais três possa
ser igual a quatro ou a seis; apenas estou reiterando que todas as verdades
(que admitimos como verdades) são relativas.
2. Suspensão
do juízo – também conhecida pelo termo grego epoché
ou epokhé
– significa 'colocar entre parênteses'. É a atitude de
não aceitar nem negar uma determinada proposição ou
juízo. Opõe-se ao dogmatismo, em que se aceita uma proposição
obscura. A suspensão do juízo caracterizava a atitude dos
céticos gregos, especialmente do filósofo grego e primeiro
filósofo cético Pirro de Élis (c. 360 a.C. –
c. 270 a.C.). Para os céticos, a epoché
era a única atitude capaz de levar à imperturbabilidade. Eles
afirmavam que duvidar do caráter bom ou mau de todas as coisas leva
o indivíduo a não querer nem rejeitar coisa alguma, tornando-se
imperturbável. Na Filosofia Moderna, especialmente na obra de Edmund
Gustav Albrecht Husserl (Proßnitz, 8 de abril de 1859 – Friburgo,
26 de abril de 1938) e outros fenomenologistas, o termo epoché
adquire um significado diferente. Ao invés de efetivamente chegar
a negar a existência, a epoché
fenomenológica implica a 'contemplação desinteressada'
de quaisquer interesses naturais na existência. Em outras palavras,
a suspensão de juízo fenomenológica não põe
em dúvida a existência, mas se abstém de emitir juízos
sobre ela. Husserl conclui que os fenômenos são incompreensíveis.
A forma como ele resolveu este problema foi afirmar que os fenômenos
podem ser intuídos, ou seja, a essência fica somente no campo
sensorial. Sendo assim, ela é pré-reflexiva e se dá
no irracional. Portanto, para compreendê-los temos que fazer a epoché,
que nada mais é do que deixar de lado o racional, os julgamentos
e os [pré-]conceitos. Com isto, ele reafirmou que a realidade é
subjetiva.
3. Descartes
fez esta afirmação (fora dos limites cabíveis porque
foi generalizada) simplesmente porque era um Iniciado. Só a Iniciação
vai abrindo as portas que velam a Compreensão. A Teologia e a Filosofia
ajudam, mas não Libertam. A fé amortece, mas não esclarece.
4. Arquimedes
de Siracusa (Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.) foi um matemático,
físico, engenheiro, inventor, e astrônomo grego. Arquimedes
é geralmente considerado o maior matemático da Antigüidade
e um dos maiores de todos os tempos. Entre suas contribuições
à Física, está a fundação da Hidrostática
e da Estática, tendo descoberto a Lei do Empuxo e a Lei da Alavanca,
além de muitas outras. Ele inventou ainda vários tipos de
máquinas para uso militar e civil, incluindo armas de cerco e a bomba
de parafuso que leva seu nome. Experimentos modernos testaram alegações
de que, para defender sua cidade, Arquimedes projetou máquinas capazes
de levantar navios inimigos para fora da água e colocar navios em
chamas usando um conjunto de espelhos. Durante o Cerco à Siracusa
pela República Romana (214 a 212 a.C.), Arquimedes foi morto por
um soldado romano, mesmo após os soldados terem recebido ordens para
que não o ferissem, devido a admiração que os líderes
romanos tinham por ele. Anos depois, Marco Túlio Cícero (Arpino,
3 de janeiro de 106 a.C. – Formia, 7 de dezembro de 43 a.C.) descreveu
sua visita ao túmulo de Arquimedes, que era encimado por uma esfera
inscrita em um cilindro. Arquimedes tinha provado que a esfera tem dois
terços do volume e da área da superfície do cilindro
a ela circunscrito (incluindo as bases do último), e considerou esta
como a maior de suas realizações matemáticas. É
de Arquimedes a famosa frase: Dê-me
uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo. Arquimedes
também ensinou: Brincar
é condição fundamental para ser sério.
5. No
Catecismo da Igreja Católica está afirmado: Cada
homem recebe em sua alma imortal a retribuição eterna a partir
do momento da morte, num Juízo Particular que coloca sua vida em
relação à vida de Cristo, seja por meio de uma purificação,
seja para entrar de imediato na felicidade do céu, seja para se condenar
de imediato para sempre. Não vou analisar esta sentença,
que é absurda da primeira palavra à última, mas, cartesianamente,
pergunto: qual o significado de para
sempre? Posso descartesianamente exagerar e até me equivocar,
mas penso que para sempre, em perpétuo movimento, só haja
o próprio Universo, pois a energia universal mantenedora do Universo,
desde sempre existente, não foi criada nem poderá destruída.
Logo, se admitirmos que para
sempre seja sinônimo de estaticidade, imobilidade, pois
nada mudaria a partir de então, para
sempre é
uma contradição teológica, que só cabe no Catecismo
como argumento ab
absurdo. Assim é a fé, um castelo gigantesco erigido
sobre absurdos, o que não justifica a razão, que, muitas vezes,
pratica absurdos piores e mais constrangedores, como é o caso, por
exemplo, da razão de Estado, que, quando invocada pelo Governo estabelecido,
coloca seu interesse particular acima do interesse geral.
Castelo de Absurdos
5. Na
verdade, este é um exercício místico-iniciático
que todos nós deveríamos tentar fazer de vez em quando.
7.
São exatamente as maneiras de pensar – cousismos
– que, geralmente, nos aprisionam em ilusões, que sempre geram
mais ilusões. A libertação das ilusões advém
exatamente de nos conhecermos a nós próprios o melhor possível.
Daí, a famosa frase Conhece-te
a ti mesmo, que, segundo a tradição, é
um aforismo grego que estaria inscrito nos pórticos do Oráculo
de Delfos, originariamente de Pítia, em Delfos, na Antiga Grécia.
Segundo algumas fontes, a frase é atribuída à primeira
pitonisa deste oráculo, Femonoe. Conhece-te
a ti mesmo é a pedra-angular da Filosofia de Sócrates
e do seu método – conhecido como maiêutica (que significa
parto das idéias), cujo objetivo era levar ou induzir uma pessoa,
por ela própria, ou seja, por seu próprio raciocínio,
ao conhecimento ou à solução de sua dúvida,
de tal modo que as idéias fossem paridas no curso do diálogo
– e é repetidamente citado pelo filósofo nos relatos
de Platão. Enfim, o oráculo do templo teria proclamado Sócrates
o homem mais sábio na Grécia, ao que Sócrates teria
respondido com a célebre frase: — Só
sei que nada sei.
8.
Aqui, digamos assim, Descartes usou um modo particular de licença
poética, pois, se Deus existe, e, em virtude de Sua onipotência,
tudo criou, como poderia haver alguma coisa que não estivesse em
Deus ou que estivesse fora do Seu divino abraço? Bem, eu não
admito nem concordo com isto, pois, como já argumentei e afirmei
inúmeras vezes, para que houvesse criação, seria preciso
que as coisas criadas (por um Deus) fossem criadas a partir de uma espécie
de nada. Mas, como o nada nunca existiu, não existe e não
poderá existir como puro nada, o que foi, é e será
inexistente não pôde, pode ou poderá dar existência
ao que quer que seja, nem se fantasmagoricamente imaginássemos que
antes do nada havia um outro nada, e, assim, sucessivamente, por retrospecção,
até o primeiro nada... que, afinal, teria de derivar de um outro
inexistente nada. Ora, este raciocínio-entendimento é válido
também para a idéia de Deus, pois como poderia um Deus ter
Se criado a Si mesmo? Do nada? Na verdade, a História nos ensina
que, desde sempre, os deuses foram criados pelo homem, e, em nome deles,
barbaridades e massacres foram (e continuam a ser) perpetrados. E o pior
de todos os deuses criados pelo homem sempre foi o deus-guerra-vendetta-dinheiro.
Enfim, quanto
à toda esta especulação, o próprio Descartes
afirmou: E daí
se segue, não somente que o nada não pode produzir algo, mas,
também, que aquilo que é mais perfeito (isto é, que
mais realidade contém em si) não pode ser seqüência
ou dependência de algo menos perfeito. [E
aqui, mais uma vez, argumento: supondo que um nada pudesse existir, sendo
ele, presumida, mas possivelmente menos perfeito do que a coisa criada,
como este nada poderia produzir concertadamente uma coisa mais perfeita
do que ele? Resposta: não poderia.]. Continua Descartes:
E esta verdade não é só evidente naqueles efeitos que
têm a realidade a que se chama formal ou atual, mas, particularmente,
naquelas idéias onde só se considera realidade a que se chama
objetiva. Por
exemplo: a pedra, que não existe ainda, não poderá
começar a existir agora, se não for produzida por qualquer
coisa que, em si, não contenha formalmente ou eminentemente tudo
o que entra na composição da pedra (isto é, por algo
que não contenha em si as mesmas coisas ou outras coisas mais excelentes
do que aquelas que existem na própria pedra). E também, por
outro lado, o calor não pode ser produzido em qualquer sujeito que
não o contenha, a não ser por coisa que seja ou de ordem,
ou de grau, ou de gênero, pelo menos, tão perfeito como o mesmo
calor, e assim por diante. Afora isto, a idéia de pedra ou a idéia
de calor não poderão nunca existir se não forem postas
em nós por uma causa que tenha, pelo menos, tanta realidade quanto
a que nós concebemos na dita pedra ou no dito calor.
Se admitirmos como verdadeiro
este raciocínio cartesiano, o
deus-guerra-vendetta-dinheiro,
ao qual me referi mais acima, é produzido, e só pode(rá)
ser produzido, porque, no homem, ainda prevalecem o desentendimento, a cobiça,
a avarícia e a malevolência hostil, caliginosa, desumana, desfraterna,
oportunista e um rosário perverso de sei-lá-mais-o-quês.
Por isto, desde o Período de Saturno até o atual Período
Terrestre, muitos foram e têm sido chamados,
mas nem todos têm tido o mérito para poder ser escolhidos.
E desta segunda metade do Período Terrestre ao Período de
Vulcano – o último deste ciclo em andamento – muitos
continuarão a ser chamados,
mas quantos empedrarão e não poderão ser escolhidos?
Isto eu não sei. Quem poderá saber? O que eu sei é
que muitos Deuses agem como se demônios fossem, pois não sabem
(e não se importam em querer saber) que são Deuses! De maneira
geral, inconscientemente, estes Deuses são demonólatras, e,
se não mudarem, pela ação inexorável da Lei
de Causa e Efeito, empedrarão (entropizarão). Mas, se dependesse
de mim, ninguém empedraria (entropizaria); todos seriam escolhidos.
Por isto, só pararei o que estou fazendo quando for parado pela Iniciação
Transicional.
Vulcano
(PV) derivando de Saturno (PS)
É
filme, mas é maldade,
que é imitada pelos demonólatras!
9.
Aqui, cabe perguntar: o que é perfeição? Para além
de uma suposta existente perfeição, haverá ou não
haverá maior perfeição possível? O que presumimos
ser perfeito é perfeito para sempre ou será a perfeição
apenas um estado relativo e transitório, sendo possíveis perfeições
sempre maiores, melhores e mais concertadas? O próprio Descartes
respondeu; seria
impossível atingir jamais um grau tão elevado de perfeição
que não fosse suscetível de aumentar ainda. Lembremos
da máquina a vapor – as primeiras tendo sido construídas
na Inglaterra durante o século XVIII. O motor à reação
– também conhecido como motor a jato ou, ainda, apenas como
reator – é um motor que expele um jato rápido de algum
fluido para gerar uma força de impulso, de acordo com Terceira Lei
de Newton, e nada mais é do que um aprimoramento da velha máquina
a vapor. No futuro, talvez, entremos em um sei-lá-o-quê
e sejamos transportados, de corpo e alma, daqui para não-sei-onde.
O busílis é se lá em não-sei-onde
haverá também um sei-lá-o-quê
para nos trazer de volta.
Máquina
a Vapor
10.
Por isto, a auto-humilhação e a autoflagelação
são, além de inúteis, uma atitude ignorante, pois,
como asseverou Descartes, basta
ser finito para poder errar. Então, erramos todos, e
a coisa é como diz a música: Errei,
sim/Manchei o teu nome... Quem queira me condenar/Que
venha logo/A primeira pedra me atirar. (In:
Errei, sim,
de Ataulfo Alves de Souza).
11.
Não sei, efetivamente, se este é o melhor caminho para se
buscar a perfeição, pois, aquelas
causas que perfeitamente concebemos e as outras que concebemos obscura e
confusamente, hoje, são o que são – para
nós, a depender do caso, perfeitas ou obscuras e confusas –
porque estão e são dependentes de nossa cultura e do ambiente
em que nascemos, fomos educados e vivemos. Em suma: todas as causas que
concebemos são relativas, e nos aprisionam mais ou menos. A coisa
é, por exemplo, como acreditar piamente em céu e inferno como
coisas perfeitamente
concebidas e estabelecidas,
e rejeitar in
limine a Lei de Conseqüência e a Lei da Necessidade.
Ora, no futuro, o que antes era perfeitamente
concebível e
estabelecido
haverá, muito provavelmente,
de passar a ser imperfeito
ou obscuro, e vice-versa – uma conquista de (re)encarnações
diligentes e meritórias. Mas, ninguém deve recomendar um caminho
para ninguém;
cada qual deverá escolher o que melhor se adéqüe à
sua personalidade. O certo é que, seja qual for o caminho, deveremos
ter sempre
em mente a
plena noção socrática de douta ignorância: —
Sei que nada sei.
Ora, se é incontestável que só a compreensão
liberta, igualmente não pode ser objeto de contestação
que para se alcançar a compreensão é necessário
ter humildade. Não foi à-toa que São Tomás de
Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 1274), afirmou: A
humildade é o primeiro degrau para a Sabedoria.
12.
Na Geometria Euclidiana, de acordo com o Teorema Angular de Tales, a 32ª
proposição de Euclides afirma que a soma dos ângulos
internos de qualquer triângulo é igual a dois ângulos
retos. Isto permite a determinação da medida do terceiro ângulo,
desde que sejam conhecidas as medidas dos outros dois ângulos.
Geometria Euclidiana
13.
Mais ou menos será sempre mais
ou menos – um empenho inacabado,
uma espécie de meia-sola, meio que um deixapralá-que-assim-tá-bom.
Não, não pode ser assim. Constante e continuamente, é
necessário considerar todas as coisas com toda
a diligência possível. Por isto, quem vive satisfeito consigo
mesmo – com o que já alcançou ou pensou que compreendeu
–
é meio que um bonacheirão incompleto, que se julga repleto
e completo, mas que nada tem de concreto, incapaz, na verdade, de unificar
as ilusórias multiplicidades.
14.
Sim, concordo: há
diferença entre imaginação e pura intelecção.
Mas, não esqueçamos da advertência de Albert Einstein
(Ulm, 14 de março de 1879 – Princeton, 18 de abril de 1955):
A imaginação
é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é
limitado. A imaginação envolve o mundo. Todavia,
a imaginação é limitada, como explica o próprio
Einstein: No esforço
para compreender a realidade, somos como um homem tentando entender o mecanismo
de um relógio fechado. Ele vê o mostrador e os ponteiros, ouve
o seu tique-taque, mas não tem meios para abrir a caixa. Se este
homem for habilidoso, poderá imaginar um mecanismo responsável
pelos fatos que observa, mas nunca poderá ficar completamente seguro
de que sua hipótese seja a única possível.
Todavia, indubitavelmente, a imaginação é uma ferramenta
insubstituível para a concretização de progressivos
alargamentos e crescentes coerentizações, ainda que não
possamos ficar
completamente seguros de que nossas hipóteses sejam as únicas
possíveis.