Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Guernica1   (Pablo Picasso)

 

 

usurpei;

mas, com certeza, não usurpei

tudo o que poderia ter usurpado.

Eu sangrei;

mas, com certeza, não sangrei

todos os que poderia ter sangrado.

 

estuprei;

mas, com certeza, não estuprei

todos os que poderia ter estuprado.

Eu matei;

mas, com certeza, não matei

todos os que poderia ter matado.

 

padecer;

mas mais do que fazer padecer,

em silêncio, eu padeci muito mais.

Sei que em breve vou morrer;

não-seres2 como eu não merecem viver.

Produzi tantas dores e tantos ais!

 

estará Deus? Quero vir-a-ser,

porém não consigo me arrepender.

Quem sabe... Talvez um dia...

O que ainda me impede de bem-fazer

é que não consigo parar de bastecer

toda essa endemoniada orgia.

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Guernica (em basco Gernika) é uma pequena localidade no País Basco. Guernica foi bombardeada pelos nazis em 26 de abril de 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, o que inspirou Pablo Picasso a pintar sua famosa obra Guernica, e que, em homenagem ao povo basco, me animou a produzir esta animação. A perversidade vem de muito longe!

 

Gernika
Vista aérea da Villa de Gernika depois do bombardeio a
que foi cruelmente submetida pela Legião Condor. Gernika
se converteu em um símbolo da inútil barbárie das guerras.

 

Voltaire Schilling relata: Era uma 2ª feira, dia de feira-livre na pequena cidade da Biscaia. Das redondezas, chegavam às suas estreitas ruas os camponeses do Vale de Guernica, no País dos bascos, trazendo seus produtos para o grande encontro semanal. A praça ainda estava bem movimentada, quando, antes das cinco da tarde, os sinos começaram os seus badalos. Tratava-se de mais uma incursão aérea. Até aquele dia fatídico – 26 de abril de 1937 – Guernica só havia visto os aviões nazistas da Legião Condor passarem sobre ela em direção a alvos mais importantes, situados mais além, em Bilbao. Mas naquela 2ª feira foi diferente. A primeira leva de Heinkels-11 despejou suas bombas sobre a cidadezinha, precisamente às 16:45 horas. Durante as 2 horas e 45 minutos seguintes os moradores viram o inferno desabar sobre eles. Estonteados e desesperados, saíram para os arredores do lugarejo, onde mortíferas rajadas de metralhadoras disparadas pelos caças os mataram aos magotes. No fim da jornada, contaram-se 1.654 mortos e 889 feridos em uma população não superior a 7 mil habitantes. Quase 40% haviam sido mortos ou atingidos. A repercussão negativa foi tão grande que os nacionalistas espanhóis trataram logo de atribuí-la aos 'vermelhos'.

Três dias depois, em 29 de abril de 1937, Hitler diria: — Todos vocês sabem que na Espanha nós não nos situamos como meros observadores desinteressados...

Fonte:

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm

2. Não-ser: negação da realidade ou da existência de um determinado ser, concebido como um ente particular, ou dos seres em geral, em sentido absoluto e totalizante. Em Parmênides (544 a.C.-450 a.C.), ausência absoluta de ser, realidade e existência, que se configura, lingüisticamente, em não mais do que um conceito inverídico, impossível ao pensamento lógico ou ao discurso coerente. Em Platão (428 a.C.-348 a.C.), o não-ser é a negação de um ser determinado (por exemplo, o não-ser do Ser é o inexistente nada). Antero de Quental (que pôs termo à vida em 11 de setembro de 1891), pessimisticamente escreveu: Talvez seja pecado procurar-te,/Mas não sonhar contigo e adorar-te,/Não-ser, que és o Ser único absoluto.

 

Fundo musical:

Adoro (A. Manzanero)

Fonte:

http://westwood.fortunecity.com/alaia/281/midis.htm