MARIO LAGO
(Pensamentos)

 

 

 

Mario Lago

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Texto

 

 

 

Como objetivo deste texto, direi simplesmente: é sobre alguns pensamentos de Mario Lago (carioca, boêmio, tricolor de coração e comunista convicto, que, por isto, sofreu muitas prisões e perseguições, mas não esmoreceu; permaneceu coerente aos seus princípios até o fim) uma reserva moral da cultura brasileira, um gentleman, um bon vivant, um brasileiro inteligente que sabia viver com bom humor. Pois é; todos disseram sim à vida de Mário Lago.

 

 

 

Breve Biografia de Mario Lago

 

 

 

Compositor. Advogado. Letrista. Poeta. Escritor. Teatrólogo. Ator. Radialista. Natural do Rio de Janeiro, filho único do maestro Antônio Lago e de Maria Vicencia Croccia Lago, Mario Lago nasceu na Rua do Resende, nº 150, no bairro da Lapa, em 26 de novembro de 1911 – artista múltiplo, que deixou a sua marca e a sua influência por todos os lugares pelos quais passou. Seus avós, tanto o materno, Giuseppe Croccia, quanto o paterno, José Lago, eram músicos. Seu avô materno teve grande influência na sua trajetória artística. Costumava levá-lo pelas ruas da cidade e às reuniões da Maçonaria, fato que irá influenciar de forma definitiva as idéias do neto na juventude. Freqüentava, também com o avô, os chopes da Lapa, onde ficou conhecendo a vida cultural da época.

 

O ambiente musical sempre o seduziu, e muitas vezes se encontrava com seu pai em seus locais de trabalho, principalmente nas salas de espera dos cinemas da época, como o Cine Odeon. Apesar de viver da música, o pai nunca o incentivou a seguir a vida artística da mesma maneira que ele, pois sabia as dificuldades que enfrentaria: uma vida de altos e baixos. Queriam, sim, ele e sua mãe, que seguisse um caminho mais requintado: a boa música. Estudou piano desde os 7 anos com Lucília Villa-Lobos, pois os pais o queriam concertista. Entretanto, aos 13 anos, depois de assistir a um concerto de Arthur Rubinstein, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, decidiu abandonar o projeto de ser pianista. Concluiu que teria de abdicar de muita coisa para atingir o nível daquele intérprete. A partir daí, passaria a se inclinar para o samba e para a vida boêmia.

 

Estudou no Colégio Pedro II entre os anos de 1923 e 1926, onde participou, como líder, de uma greve e concluiu o ginasial no curso superior preparatório. Com quinze anos, publicou o primeiro poema, Revelação, na revista Fon Fon. Formou-se em Direito em 1933, por insistência familiar, mas só exerceu a profissão durante três meses. Chegou a trabalhar como funcionário da Seção de Estatísticas Sociais e Culturais do Departamento de Estatísticas do Rio de Janeiro, de 1938 a 1940. Neste ano, foi nomeado membro do Conselho do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas não tomou posse. Sua trajetória de vida sempre foi traçada pela intensa militância política. Fez parte dos quadros do Partido Comunista Brasileiro por cinqüenta anos como o Companheiro Pádua, fato que lhe rendeu represálias nos tempos da ditadura Vargas e da ditadura militar, incluindo algumas prisões. A opção pelas idéias comunistas fez com que fosse preso em sete ocasiões: 1932, 1941, 1946, 1949, 1952, 1964 e 1969.

 

Mario esteve na União Soviética, em 1957, a convite da Rádio Moscou, para participar da reestruturação do programa Conversando com o Brasil, do qual participavam artistas e intelectuais brasileiros. Mas os programas radiofônicos produzidos no Brasil, que Mario mostrou aos soviéticos, foram por eles qualificados de burgueses e decadentes". A avaliação que Mario Lago fez da União Soviética também não foi das melhores. Ali, segundo ele, a produção cultural sofria pelo excesso de gravidade e de autoritarismo. Apesar da decepção com a experiência soviética, Mario Lago jamais abandonou a militância política.

 

Casou-se em 1947 com Zeli, filha do dirigente comunista Henrique Cordeiro, com quem teve cinco filhos: Mariozinho, Graça, Vanda, Antônio Henrique e Kakalo.

 

Em 1964, foi um dos primeiros nomes a encabeçar a famosa lista de inimigos do regime militar, sendo até cassado, com outros companheiros, de suas funções na Rádio Nacional. Em 1998, atuou como âncora dos programas eleitorais do candidato do PT Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República.

 

Faleceu em casa, conforme seu pedido, em 30 de maio de 2002, no Rio de Janeiro, aos noventa anos, de enfisema pulmonar e falência múltipla dos órgãos. Para seu velório, foi aberto o palco do Teatro João Caetano, onde vivera importantes momentos como ator. Até o fim da vida, manteve intensa atividade política, e, mesmo doente, chegou a se engajar na campanha presidencial, apoiando o então candidato Luís Inácio Lula da Silva, do PT, Partido ao qual havia se ligado desde 1989.

 

Em dificuldades financeiras, devido ao baixo valor de sua aposentadoria especial, teve ajuda dos amigos e admiradores que organizaram o Movimento Viva Mario Lago para auxiliar os filhos no custeio das despesas hospitalares. Triste isso, não é?

 

 

 

Pensamentos de Mario Lago

 

 

 

Meu nome no registro é Mário Lago. Mas eu ia me chamar Mário de Pádua Jovita Corrêa do Lago. Eu nasci com mais de meio metro, pesando pouco mais de dois quilos e meio. Na hora de registrar, perguntaram: 'Qual é o nome da criança?' Papai respondeu: 'Mário de Pádua Jovita Corrêa do Lago'. Depois falou: 'Aquele langanho é capaz de nem resistir; não vai agüentar tanto nome em cima. Bota só Mário Lago, e olhe lá'. Nasci no dia 26 de novembro de 1911, na Rua do Resende, 150. Estudei em colégio particular, na mesma rua, na casa das irmãs do escultor que fez aquela estátua do Marechal Floriano, que tem as crianças penduradas na bandeira. E a bandeira até hoje não rasgou. A casa em que nasci se transformou na fábrica de biscoitos Sinhá e, hoje, desapareceu.

 

Uma coisa que não confesso: sou advogado.

 

Eu tenho um profundo respeito por duas coisas: mar e computador. Eu chamo de excelência, peço licença e vou passando.

 

O mar dá uma sensação de liberdade muito grande; o olhar se perde no horizonte. Fico satisfeito de ver que o mar está ali... A sensação de liberdade está ali.

 

Em Moscou, era um frio do cão; 25º C abaixo de zero. Eu xingava a mãe de todos que olhavam para mim. Nada esquenta nada. É besteira: ceroula, o diabo a quatro... Nada disto esquenta... Eu, rebelde por natureza, não tinha temperamento para morar lá. É uma vida muito estratificada. Tudo muito burocratizado. Isso me angustia muito. Não abalou minhas convicções marxistas, mas, honestamente, eu não viveria lá.

 

 

Inverno Russo

Inverno Russo

 

Se vou a São Paulo, na volta, quando o avião passa em cima da Ponte Rio-Niterói, eu começo a rir. Eu sou endocrinologicamente carioca.

 

Minha avó dizia: 'O nosso tempo é hoje. Antigamente tinha geladeira? Tinha avião? Tinha bidê?' E eu ficava imaginando coisas de minha avó com o bidê.

 

 

 

Caluda, Tamborins
(ou de Como o Biltre do Demo
Enredou Na Sua Parlanda
a Trêfaga Natércia)

 

 

Caluda, tamborins, caluda!
Um biltre meu amor arrebatou.
No paroxismo da paixão ignota
Supu-la um querubim, não era assim.
Caluda, tamborins, caluda...
Soai plangentemente, ai de mim.

Vimo-nos num ror de gente
E, sub-repticiamente,
O olhar seu me dardejou.
Cáspite, por suas nédias madeixas
Que suaves endechas
Em pré-delíquio o pobre peito meu trinou.
Fomo-nos de plaga em plaga,
Pedi-lhe a mão catita,
Em ais de êxtase m'a deu.
E o dealbar de um amor
Em sua pulcra mirada resplandeceu, olarila!

Férula, ignara sorte
Solerte a garra adunca
Em minha vida estendeu!
Trêfaga ia a minha natércia,
Surge o biltre do demo,
Rendida à sua parlanda, ela se escafedeu.
Vórtice no imo trago.
São gritos avernais
Que no atro ódio exclamei.
Falena sou, desalada...
Ó numes ouvi-me: aqui del-rey!


 

 

Perguntado como podia um comunista freqüentar bordéis, respondeu: — Sou um bolchevique sexual.

 

Eu entrei para a Globo com a Direção sabendo que eu sou comunista. Nunca senti a menor restrição à minha pessoa.

 

Submissões, cumpri-as todas com meus pais... Sendo filho único, não havia como escapar à doçura materna, aos apelos comedidos do velho. Mas a verdade é que, paralelamente, eu já forjava conceitos próprios, porque cedo me caíram às mãos livros que muito me elucidaram, da mesma forma que colocaram, por destino, frente a grandes músicos, a pessoas esclarecidas...

 

Sobre as prostitutas: É uma vida jogada a perigo, sofrida.

 

Eu jamais gostei de fazer cinema porque sou endocrinologicamente ansioso.

 

Dor de cabeça aos 88 anos pesa; não é como aos vinte e poucos, que se vai em frente.

 

Mario, vou lhe dar um conselho: quando você entrar em cena, se se sentir nervoso ou com medo, fale o mais alto que puder, para a platéia ficar com medo de você. Você vai entrar em uma jaula de leão; se o leão sentir que o domador está com medo, ele come o domador. (Conselho de Procópio Ferreira, depoimento de Mario Lago).

 

A moral muda no tempo e no espaço.

 

Nem todo papel a gente gosta.

 

Ai, ai, ai,
O galo é que está com a razão:
Poleiro de pato é no chão.
Mestre pato fez poleiro
No coqueiro do quintal,
Mas o rei do galinheiro
Achou isso desigual.

 

Sou do tempo em que as pessoas paravam, ouviam serestas, sentavam à mesa para conversar.

 

Nas rodas do Café Nice, um dos passatempos prediletos era o de inventar apelidos para os seus freqüentadores. Orestes Barbosa, que tinha um calombo nas costas, foi apelidado de 'Corcunda de Notre Dame'. João de Barro, considerado pequeno, chato e de presença obrigatória, virou o 'Complemento Nacional'. Excessivamente perfumado, Orlando Silva era o 'Sovaco'. Benedito Lacerda era o 'Leão do Tapete' que, apesar de ser muito feio, não fazia mal a ninguém. Já eu, pela sua altura, brancura e languidez era o 'Lagartão'.

 

Custódio Mesquita parecia uma figura desenhada a bico de pena por Gustave Doré para a edição de Dom Quixote. Cabelos cuidadosamente despenteados, olhos agitados, de espadachim, como se quisessem mergulhar no mundo. Vivia dizendo que não tinha tempo para se preocupar com fracassos. Dizia freqüentemente para mim: 'sou a atração número um em qualquer cartaz e você é testemunha disso.

 

Você sente que é ator quando está sendo interrogado... O interrogatório é terrível, porque a cada pergunta você tem que rebobinar tudo, ali, para ver como é que vai responder. Você tem que ter uma resposta ali... que o sujeito não se sinta capaz de continuar... Você é ao mesmo tempo ator e autor. Você cria uma realidade para responder a cada pergunta. Para você ser um ator perfeito tem que responder logo, dar aquela rebobinada.

 

Para ter capacidade de lidar com o imprevisível e ter a pronta articulação diante do adversário, Mario dizia que é preciso: dar a volta por cima, ter jogo de cintura e ter ginga.

 

O humor, durante o tempo da ditadura, foi sua estratégia de sobrevivência: Todos eles [militares ligados ao período da repressão] já foram, eu continuo. Todos os riscos, e no fim de tudo... voilá! Eles foram, eu continuo. Talvez tenha tido humor. O ditador geralmente não tem humor. O ditador é obrigado a manter a cara feia. Por isto, quase todo ditador usa óculos escuros, porque os olhos podem trair um momento de sensibilidade e de emoção... Eu posso chorar a hora que quiser. Você chorando também descarrega... Todo o mau humor que existe vai embora, fica só o bom humor, a maneira otimista de ver a vida.

 

A vida é como uma coisa rolada, que flui em permanente movimento.

 

Um grão de areia é o mundo em nossa mão.

 

O Sol pode apagar, o mar perder a voz, mas nunca morre um sonho bom dentro de nós.

 

Se você levar a vida muito a sério, ela vai ficar até chocada. O pior de tudo é quando a vida sente que você tem medo dela... Eu fiz um acordo com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra.

 

A vida é viciada em mim. Só tenho medo que ela tome uma overdose.

 

Sou da época dos cantinhos escuros, onde se quebrava um lampião na frente da casa da namorada e acontecia tudo o que se vê hoje.

 

Nada além,
Nada além de uma ilusão...

 

O tempo não comprou passagem de volta. Tenho lembranças e não saudades.

 

 

 

 

Três Coisas

 

 

 

 

Três coisas pra mim no mundo
Valem bem mais do que o resto.
Pra defender qualquer delas
Eu mostro o quanto que presto.
É o gesto, é o grito, é o passo;
É o grito, é o passo, é o gesto.
O gesto é a voz do proibido
Escrita sem deixar traço.
Chama, ordena, empurra, assusta;
Vai longe com pouco espaço.
É o passo, é o gesto, é o grito;
É o gesto, é o grito, é o passo.
O passo começa o vôo,
Que vai do chão pro infinito.
Pra mim, que amo estrada aberta,
Quem prende o passo é maldito.
É o grito, é o passo, é o gesto;
É o passo, é o gesto, é o grito.
O grito explode o protesto,
Se a boca já não dá espaço.
Que guarde o que há pra ser dito!
É o grito, é o passo, é o gesto!
É o gesto, é o grito, é o passo!
É o passo, é o gesto, é o grito!

 

 

 

A Lapa foi o chão de todos os meus passos. Na busca de caminhos e no encontro de atalhos... Conheci-a em muitas realidades e em diversos tempos.

 

A Lapa não foi conseqüência, não. A Lapa foi ponto de partida. Porque eu morava perto... Fui amigo de tudo que era vagabundo; era tudo amigo meu... Tinha uns bordeizinhos na Rua da Lapa; eu matava as aulas do Pedro II ali.

 

Madame Satã não era fácil pra prender! Nunca foi preso por menos de seis guardas. Jogava muito com a perna, né? Então, houve a briga dele com Geraldo Pereira. Madame Satã era uma moça e o Geraldo Pereira também era uma moça, quando não estava de porre. Quando estava de porre, saía procurando briga. E, lá na Lapa, uma noite, ele cismou com a Madame Satã. Cismou... E ficava dizendo: 'Você é veado!' 'Tá bem, seu Geraldo' respondeu a Madame. Até que o Geraldo disse: 'Vou lhe dar uma porrada'. Aí a Madame disse: 'Ah, não vai não'. E a Madame Satã só dava rabo de arraia na barriga do Geraldo, que tinha um câncer no intestino.. Estourou o cano. A Madame Satã era difícil de pegar... Chinelinho de salto alto, tamanquinho todo florido e tal...

 

Eu fui boêmio sem beber, boêmio de água mineral. Nunca tive disposição pra beber... Eu era bonito, usava pince-nez; era o moço do pince-nez... Sempre muito bem vestido, filho único, tinha todas as regalias.

 

Não suporto gravata; não boto nem calça. Eu vou ao médico assim, de bermuda. Muito calor, pô!

 

Eu fumei dos 12 aos 77. Vai fazer 12 anos agora. Parei. Mas, não faço sermão. Eu digo sempre que, se eu tiver uma doença e o médico disser que não tem volta, a primeira coisa que eu vou fazer é voltar a fumar.

 

Houve uma época em que cocaína era vendida em farmácia. A Merck era a grande marca. A melhor cocaína era da Merck...

 

Eu não gosto de trabalhar. Eu sou preguiçoso, mais do que o Caymmi. E o Caymmi é a preguiça, até na maneira de falar. Mas eu sou tão preguiçoso que arranjei um enfisema pulmonar para falar pouco.

 

Eu fui boêmio, não durmo antes de uma da manhã.

 

Quando foi demitido da Rádio Nacional por discutir com o diretor, um coronel do Exército, comentou: Ele entende de quartel, eu de parágrafos.

 

Com a radicalização da ditadura, vira mais ator do que autor. E justifica: Não tenho mais coronária para agüentar conversa de censor.

 

Exigi demais do meu corpo. Nem sei porque ainda falo e tenho memória.

 

Morei em Copacabana a maior parte da minha vida, mas não freqüentei o bairro.


 

 

 

 

Nós estamos condicionados a pensar que nossas vidas giram em torno apenas de grandes momentos. Todavia, os grandes momentos freqüentemente nos pegam desprevenidos, e ficam maravilhosamente guardados em recantos que os outros podem considerar sem importância. E, da mesma forma, ocorrem outros momentos...

 

Não sei nada mais gostoso do que o sucesso, para quem o cria. Quando algum autor vem com aquela conversa de que não dá nenhuma importância ao aplauso do público, tenho engulhos no estômago, porque é mentiroso. Está querendo posar de diferente. Eu nunca deixei de parar na porta de uma loja de disco onde uma vitrola estivesse tocando uma música feita por mim.

 

Quando deixarmos de ter esperança, é melhor apagar o arco-íris.1

 

 

 

 

Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz...
Amélia não tinha a menor vaidade,
Amélia é que era mulher de verdade!
(Em parceria com Ataulfo Alves).

 

Eu não sou galã, mas não posso me queixar. Já distribuí muito autógrafo. E continuo distribuindo!

 

Eu nasci inconformado; sempre rebelde. Eu sou vocacionalmente rebelde.

 

A primeira cadeia é como o primeiro sutiã: a gente não esquece nunca.

 

Gente de esquerda fala muito e repete tudo o que os outros já disseram. Isso me dá nervoso.

 

A esquerda gosta muito de guardar papel. É uma coisa terrível. Quando a polícia chegava, pegava tudo.

 

Eu tenho um certo pavor da palavra intelectual. Intelectual é muito chato.2

 

Um dia, Mario Lago revelou que a Amélia da música existia de verdade. Era a empregada de Aracy de Almeida e do seu irmão, Almeidinha: Com esta explicação, desiludi milhares de Amélias que se julgavam homenageadas. Mas, em compensação, ganhei tranqüilidade doméstica. Minha esposa até hoje era cismada com essa tal de Amélia…

 

 

 

 

Sou como Edith Piaf: 'Non, je ne regrette rien.' (Não, eu não lamento nada). Fiz o que quis e fiz com paixão. Se a paixão estava errada, paciência. Não tenho frustrações porque vivi como em um espetáculo. Não fiquei vendo a vida passar; sempre acompanhei o desfile.3

 

Eu não fico parado vendo o desfile passar. Eu vou junto.

 

Não tenho frustrações porque vivi como em um espetáculo. Não fiquei vendo a vida passar, sempre acompanhei o desfile.

 

Apesar de comunista, não quis abrir mão de nada. Um militante deve levar a vida como as outras pessoas, até para poder dialogar com elas.

 

 

 

Em cena, um músico, um poeta.
Como um mago, e sua magia...
Que com um truque, nos desconcerta,
Revelando uma cadeira vazia...

 

E ali... O silêncio... Um teatro mudo...
O choro do palhaço no picadeiro...
O tudo do nada, o nada do tudo,
Calando um mundo inteiro...

 

Porque, diante a ribalta,
A sua presença nos falta,
E a tristeza vem se apresentar...

 

E na cena, se põem a brilhar,
Como dessa forma eu relato,
Deixando vazio o nosso teatro...


 

 

Espinho não me amedronta
Nem pedra vai me assustar.
Quem quer que eu saia da estrada
Venha me buscar.

 

Passaste hoje ao meu lado
Vaidosa, de braço dado
Com outro que te encontrou.
E eu relembrei comovido
O velho amor esquecido
Que o meu destino arruinou...

Satisfaz tua vaidade,
Muda de dono à vontade,
Isso em mulher é comum.
Não guardo frios rancores,
Pois, entre os teus mil amores,
Eu sou o número um.

 

O amor passa, mas deixa
Sempre a recordação
De um beijo ou de uma queixa.

 

Depois que Adão e Eva descobriram a moita e foram para o inferno, sempre houve apelo sexual.

 

Hoje, não faço mais televisão porque não tem papel para bisavô, e para avô já passei da idade.

 

As pessoas podem não lembrar exatamente o que você fez ou até mesmo todas as palavras que você disse... Mas elas sempre lembrarão de como você as fez sentir.

 

Perdão foi feito pra gente pedir.

 

Pensar é uma coisa muito importante. Expressar o que se pensa é mais importante ainda. Mas o mais importante mesmo é realizar o que se pensa.4

 

Vivi. Essa é a coisa principal que fiz.

 

 

 

Devolve

 

Devolve toda a tranqüilidade
Toda a felicidade
Que eu te dei e que perdi.
Devolve todos os sonhos loucos
Que eu construí aos poucos
E te ofereci.
Devolve, eu peço, por favor,
Aquele imenso amor
Que nos teus braços esqueci.
Devolve, que eu te devolvo ainda
Esta saudade infinda
Que eu tenho de ti.

 

 

 

E eles vieram pras ruas...
Delírio verde nos lábios,
delírio pardo nas almas,
delírio negro nas mãos.

 

Amigos!
Sejamos todos poetas!
Utilizemos as rimas!
E escrevamos todos juntos.
de uma vez,
o poema da liberdade,
que acabe com a fome de um operário,
que acabe com a angústia de um camponês.

 

A minha maior vontade é te amar intensamente, mesmo que, às vezes, silenciosamente.

 

Não vivo em um país frio que me permita estudar oito horas de piano por dia, como estudam os grandes pianistas, não. As meninas estão na praia, e ficar em casa estudando piano? Fazendo samba eu chegava mais perto.

 

Amélia era uma mulher solidária: 'Eu nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz. Você não sabe o que é consciência, não vê que eu sou um pobre rapaz? Você só pensa em luxo e riqueza. Tudo o que você vê, você quer. Ai, meu Deus que saudade da Amélia. Aquilo sim, é que era mulher'. A Amélia não exigia. Se tinha, tinha. Se não tinha, o que se pode fazer? Tirei exemplo de minha mãe, de minha mulher. Tem, então vamos gastar. Não tem, então vamos brecar. Na minha concepção, Amélia é uma mulher solidária; não é uma mulher resignada. Às vezes passava fome, não era sempre. Pois não sendo sempre, não é uma resignação. Se passasse fome toda hora, aí já seria resignação, porque aturou tudo. Mas não. Às vezes. Quer dizer: quando havia uma situação difícil, não criava problemas, 'me tirou da casa do meu pai, você tem que me dar tudo'. Não era dondoca. Nunca suportei dondoca!

 

A Casa Nice – que todo mundo chamava de Café Nice – era o centro da Democracia. Sentava à mesa quem quisesse sentar. Não tinha estirpe. Pisou no Nice, não tinha estirpe. Era proibido selecionar.

 

Eu freqüentei o Café Nice três anos seguidos. Embora fosse um Café freqüentado por compositores, eu nunca vi ser feito um samba no Café Nice.

 

O teatro de revista foi de grande importância porque nele havia crítica política. Os quadros de crítica política eram muito esperados. Com o Estado Novo, caiu muito. Vieram os cassinos e carregaram com as coristas, porque pagavam muito mais. O teatro não tinha jogo para se sustentar; os cassinos tinham. O teatro de revista, que foi tão importante, foi morrendo aos poucos, pela censura e pela concorrência com os cassinos, que tinham 'shows' luxuosíssimos. Mesmo que um 'show' do cassino não agradasse, o jogo sustentava; não precisava mudar de 'show' logo. O teatro, não. Uma peça não agradou, um prejuízo desgraçado. Tem que montar outra. Ficar pagando as dívidas dessa, e as dívidas que se fazem para levar a outra. E o teatro de revista foi morrendo por isso, porque não tinha mais crítica e não agüentou a concorrência do luxo.

 

O artista não pode ficar divorciado da vida que está à sua volta. Como intelectual, ele não pode se omitir frente ao que está acontecendo.

 

Tenho a impressão de que houve um erro de rota na URSS, porque era uma política muito fechada, e precisava se abrir. Gorbatchev fez isto. Um rio represado, quando solto, inunda tudo. Quer dizer, passa de um fechado para um aberto total. Porque havia muita gente contra lá dentro mesmo. Era gente que vivia sonhando com uma época que já não existia – o czarismo. A bisavó falava, contava. Havia muita gente contra. Eu mesmo, quando estive em Moscou, discuti com vários. Foi aberto rapidamente demais. Então, degringolou tudo. Não houve tática. Talvez, tenha sido prolongado demais o fechamento. Já aconteceu, guardadas as proporções, com o Plano Funaro, no Brasil. Ele fez um Plano que, dentro de um tempo limitado, funcionou. Depois, esticou demais. Aí degringolou. Lá, os planos qüinqüenais foram necessários. A brutalidade foi necessária5 porque havia guerra civil e guerra externa. Então, aflorou tudo. E, atualmente, você vê, é uma desorganização. A máfia mais perigosa do mundo é a da Rússia.

 

Aracy de Almeida (destabocada): Haroldo, penetra no meu pensamento.
Haroldo Barbosa (inalterado): Eu não, que eu não quero cair no vazio, Aracy! (Apud, Mario Lago).

 

Max Nunes (humorista, médico e polímata brasileiro) para o psiquiatra: — Doutor, depois de tudo o que senhor me disse, eu cheguei à conclusão que 99,99% dos homens são homossexuais. E não digo 100% porque estou conhecendo o senhor agora. (Apud, Mario Lago).

 

A coisa mais humilhante que há no mundo é fotonovela. Mas, eu precisava comer e minha família também! Então, fiz.

 

Companheiros de boemia: A gente discutia tudo – de futebol à psicanálise.

 

A mulher marginalizada tem muita carência. Se você tratá-la como ser humano, ela gruda em você; você é um deus para ela. E, na nossa roda de boêmios, eram todos seres humanos, todos iguais. Não interessava se a mulher fazia a vida ou se não fazia.

 

A televisão massifica muito mais do que o rádio. Eu posso discordar de muita coisa, mas estou diante de uma realidade. Não adianta bancar Dom Quixote e ficar procurando o moinho de vento.6 Televisão é um instrumento de poder nas mãos da classe dominante. E a classe dominante tem os seus princípios, os seus paradigmas. Disto ela não se afasta. É preciso compreender que a televisão pode tomar uma posição política, mas nunca uma posição ideológica. E não toma porque ela é a classe dominante. Roberto Marinho, para mim, é o melhor patrão do mundo. Trabalhar na Globo é um conforto, uma tranqüilidade; mas é a classe dominante.

 

O público reage assim: bom, se é o que me dão, então, eu aceito.

 

Tudo na vida é risível; é só prestar atenção.

 

 

 

 

A minha estréia como ator foi um fracasso mais retumbante do que o brado de um povo heróico ouvido nas margens plácidas do Ipiranga!

 

A telenovela se deturpa um pouco com a pesquisa de opinião, que é permanente. Qual é a história que está agora agradando mais? De forma que o autor, às vezes, tem um plano e é obrigado a mudar este plano porque um papel que ele pensou que não fosse ganhar importância, de repente, ganha. Não há aquele texto pronto e acabado. Você faz um capítulo hoje, grava na semana. E na sexta-feira você recebe os capítulos da outra semana. Não é um trabalho inteiro... Na telenovela, não se sabe o que vai acontecer. E um ator leva sustos também, como se leva na vida real.

 

Não compreendo que uma pessoa faça uma coisa sem ter absoluta paixão por aquilo está fazendo... Você não pode fazer nada sem ser com absoluta paixão.7

 

Quem perde mãe já perdeu o doce maior da vida.

 

Os jovens deveriam ser proibidos de partir.8

 

Estou com 89 anos. Aos 89 anos você já não traça perspectivas a longo prazo.9 Quero viver. Minha perspectiva é poder viver. Nada mais do que isto.

 

Hoje, se dá muita importância ao descartável; um ano depois, ninguém lembra mais.10

 

As novelas refletem a sociedade que está aí. Às vezes, com algum exagero, às vezes, com limitações; mas é o que está sendo dado para nós.

 

Você pode criticar o banqueiro, o empresarião; o homem comum você não pode criticar. Já basta o que ele tem da vida – que é nada.

 

Roberto Carlos é eminentemente romântico. Não há mais espaço para o romantismo? Ora, isto não é verdade.

 

Atire a primeira pedra, ai, ai, ai,
Aquele que não sofreu por amor.

 

Vivi. Essa é a coisa principal que fiz.

 

Ultimamente estou vegetando.

 

Sou um passageiro inquieto no tempo.

 

Paulo Gracindo, um grande amigo, mas muito ordinário, uma vez que estive muito doente, internado, telefonou quando eu já estava em casa: — 'Ô Mario, fiquei meio preocupado. Era câncer ou AIDS?' Respondi: — 'Era deficiência renal.'

 

'Despiorar' já é negócio.

 

Eu sou do tempo em que, no fim do mês, sobrava um dinheirinho. Agora, no fim do dinheiro, sobra mês!

 

Eu não estou sozinho; estou comigo.

 

O negócio é estar apaixonado, que é uma coisa gostosa. Gostosíssima!

 

Meus filhos pensam que eu casei virgem!

 

Não creio que eu tenha feito nada importante. Eu fiz o que me foi possível fazer.

 

Meu avô foi o meu primeiro instrutor de rebeldia.

 

Contei tudo, o resto guardei para mim.

 

Se vivi tão pouco, a culpa não é minha; é que não deixaram eu viver mais.

 

Tudo o que eu quis fazer eu fiz. Bem ou mal, eu fiz. E tudo o que eu fiz foi com paixão. Só fiz aquilo que me despertava paixão. No momento, o que me desperta paixão é estar aturando vocês.

 

 

 




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Notas:

1. Poeticamente, concordo com Mario; mas, na prática, na vida, esperançar é sinônimo de não alcançar.

2. Estou de acordo com o Mario. Mas pior do que um intelectual azucrinando são dois intelectuais conversando.

3. A questão é: quantos de nós, efetivamente, poderemos dizer a mesma coisa? Bem, na verdade, Édith Piaf, nascida Édith Giovanna Gassion (1915 – 1963), apenas interpretou – e muito bem! – esta famosa música francesa, composta em 1956, com letra de Michel Vaucaire e melodia de Charles Dumont. Piaf dedicou sua gravação à Legião Estrangeira, pois estava atuando, na época, na Guerra da Argélia (1956 – 1962).

4. Concordo. Só não poderemos nos abater se ou quando não conseguimos realizar algo porque, certamente, não realizaremos tudo que desejamos em uma única vida. Então, decore estas três ências: persistência, diligência e paciência.

5. Mario, Mario! Desde quando brutalidade é necessária?

6. Para ser um bom Dom Quixote de La Mancha não é necessário ficar procurando o moinho de vento, sozinho ou com Sancho Pança. Como na obra de Miguel de Cervantes y Saavedra (1547 – 1616), os conflitos surgentes na consciência resultantes do confronto entre o passado e o presente, entre o presente e um futuro ideacional, entre o ideal e o real, entre o ideal e o social e entre tudo isto (e mais alguma coisa) e esta mesma consciência devem conduzir à compreensão de que ninguém é herói e que não há heróis. O lealdoso e o pícaro, o anjo e o demônio, o sincero e o desleal etc. estão enraizados em nosso interior. Apenas nos tornaremos verdadeiros heróis se e quando harmonizarmos estes contrários e os transformarmos em uma única coisa, sob o nosso domínio e controle – quando, definitivamente, o nosso inferno interior, pela nossa vontade, for transmutado em paraíso. Aí, Dom Quixote e Rocinante poderão rinchar: — somos uma só coisa!

 

D. Quixote e Sancho Pança

Dom Quixote e Sancho Pança
(Ilustração de Paul Gustave Doré)

 

7. Mario está certíssimo. Sem paixão é prisão; só acarta frustração.

8. Ninguém parte; todos nós voltamos.

9. Sei não! Eu já perspectivei minha próxima encarnação. Serei Rosa+Cruz, médico e...

10. É por isso que, por exemplo, o Frank Sinatra e a Ella Fitzgerald são eternos. Não eram, não são e não serão descartáveis.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/
0,27723,GYE0-5268-252459,00.html

http://mylabuschmann.blogspot.com/
2010/03/amelia-de-hoje.html

http://www.teatrojornal.com

http://www.ieg.ufsc.br/admin/downloads/
artigos/08112009-120406velloso.pdf

http://tvbrasil.org.br/delapraca/noticias/

http://www.almanaquebrasil.com.br/

http://www.sexy-gifs.de/img49363.htm

http://depressaoepoesia.ning.com/
profiles/blogs/mario-lago-partilhar-sonetos

http://www.topmusicas.net/
mario-lago/fazer-um-ceu.htm

http://letras.terra.com.br/
eduardo-dusek/888802/

http://www.paginadamusica.com.br/
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http://www.procustonuncamais.com/
2010/03/dener-pacheco.html

http://epoca.globo.com/
edic/211/cult_mariolagoa.htm

http://200.144.189.42/ojs/index.php/
comeduc/article/view/4510/4232

http://orlandolele.blogspot.com/
2007/08/90-anos-em-2578-caracteres.html

http://www.contracampo.com.br
/42/entrevistamariolago.htm

http://www.revistamusicabrasileira.com.br/outras
-notas-musicais/inumeras-licoes-do-mestre-mario-lago

http://www.antoniomiranda.com.br/
poesia_brasis/rio_de_janeiro/mario_lago.html

http://musicapoesiabrasileira.blogspot.com/
2007/05/algumas-do-mrio-lago.html

http://wwwp.feb.unesp.br/ctic/
arquivos/TESE_DSc._Erinaldo.pdf

http://www.alashary.org/
autor/mario_lago/

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autor/mario_lago/2933

http://www.dihitt.com.br/
barra/as-frases-de-mario-lago

http://www.luso-poemas.net/
modules/news/article.php?storyid=15679

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Non,_je_ne_regrette_rien

http://pensador.uol.com.br
/frases_de_mario_lago/

http://sookiesooker.deviantart.com/
art/Sookie-Rainbow-Gif-3-112774397

http://pensador.uol.com.br/
autor/mario_lago/

http://www.dicionariompb.com.br/
mario-lago/biografia

http://pt.wikiquote.org/
wiki/M%C3%A1rio_Lago

 

Música de fundo:

Atire a Primeira Pedra
Composição: Mario Lago e Ataulfo Alves

Interpretação: Ataulfo Alves

Fonte:

http://mp3skull.com/mp3/
atire_a_primeira_pedra_ataulfo_alves.html