Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Disse o Maha: o mal é a manifestação do carma.

Porém, aquilo que sustenta o Universo é o dharma.1

Está no Bhagavad-Gita: O Dharma é o Som de Deus.

Por que insistir no adharma e manchar o nosso Deus?2

 

Guerra. Paz. Carma. Adharma. Dharma. Mal. Bem.

Não é impossível e nem está longe o Sumo Bem.

Nada é mais vão do que pugnar por luxo e riqueza.

Nada é mais retrocessivo do que a malvadeza.

 

Aqueles que estiverem cansados de ler essas coisas,

paciência; lembrar-se-ão delas sob suas solitárias e frias loisas.

Infeliz daquele que vive imerso no malum epistemicum.3

 

Irredutivelmente apenas intra cordis cessará a barafunda;

irrecorrivelmente tão-só intra cordis haverá Paz Profunda.

Bendito aquele que reconheceu o malum metaphysicum.4

 

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Notas:

1. O vocábulo Dharma, no Hinduísmo, quando iniciado por letra maiúscula, significa os Ensinamentos. Quando a palavra dharma é escrita com letras minúsculas designa a forma como as coisas são, as leis da natureza ou aquilo que sustenta o Universo. Mas, isso são meros conceitos estabelecidos – ainda que constem do Bhagavad-Gita – para que se compreendam determinadas Leis, e, em função dessa compreensão, possa ser dado o que se poderia chamar de um salto de qualidade (mística). Com essa reflexão, e as que se seguirão, não estou fazendo qualquer crítica ou desqualificando o Hinduísmo; apenas estou elucubrando sobre o óbvio.

Seguindo. Logo, se tudo é Um, carma e dharma são partes integrantes dessa mesma Unidade 'dhármica'‹–›'cármica', e o existir será sempre uma interminável batalha entre uma e outra polaridade, porque da mesma forma que o Universo não pode existir sem o dharma, tudo que existe produz e está sujeito ao carma. Nesse sentido, o carma jamais poderá ser anulado, qualquer que seja o sentido que se empreste a esta compreensão; mas pode e deve ser transmutado. Sempre que possível.

A partir do instante em que o homem percebeu que havia adquirido capacidade de refletir sobre si mesmo, começou sua Peregrinação ad semper (ainda que esse semper seja, em um certo sentido, relativo), e o carma estará sempre presente como instrumento educativo de aperfeiçoamento, de evolução e/ou de reintegração. Por isso, dizer, como eu disse no soneto acima, que o que sustenta o Universo é o dharma, é dizer apenas meia verdade. É impossível a um ser qualquer, que exista como ser, não 'produzir' ou não estar sujeito a algum tipo de carma. E se esse carma não sustenta o Universo de forma direta, dele faz parte de forma indireta. As próprias auras magnéticas de todos os corpos cósmicos (de um grão de areia a um planeta ou uma estrela) que interferem umas com as outras, 'produzem' carma perpetuamente. Quanto a nós, seres humanos, o simples fato de pensarmos 'gera' carma. Até quando fazemos aquilo que entendemos como bem, algum carma é 'criado', pois o que é bem para nós pode não ser o bem que os outros entendam como bem, ou pode ser que esses outros não estejam, por assim dizer, 'precisando' desse suposto bem. O vocábulo "outros" na frase anterior pode figurar seres humanos ou quaisquer representantes de qualquer outro reino. Por exemplo, as formigas detestam formicida, e os cães não suportam que lhes cortem o rabo. As plantas, por sua vez, entram em pânico quando alguém inventa de fazer uma queimada, isto é, quando alguns maluquetes decidem calcinar a terra como meio de melhorar o solo. Melhorar? E por aí vai, e vai longe.

O carma não nasceu do nada porque, simplesmente, o nada não pode dar origem a nada. Carma é ...ação-reação-ação... ininterruptamente. Imaginar que o carma apenas apareça quando uma ação contraria uma presumida ordem cósmica estabelecida e inabalável é um equívoco, até porque essa ordem cósmica – que queremos que exista a ferro e fogo – não é tão inabalável assim, pois se fosse inabalável a entropia não existiria e a reordenação pelo caos não prevaleceria. Portanto, imaginar que o carma equivalha a um estado entrópico, ou que a neguentropia seja sinônimo de dharma é tentar partir ao meio o que não pode ser partido, porque o que é inteiro foi, é e será uno ad infinitum. Abaixo um exemplo simples de entropia.

 

 

Sei que tudo isso poderá contrariar algumas doutrinas que, geralmente, só pensam em carma individual e coletivo, ou seja restrito a seres humanos. Não é assim que é, ainda que possa aparentar ser. Não há impunidade sequer em se atirar um copo contra uma parede. Na verdade, todas essas coisas que resumi nesta nota não são só um entendimento místico; também estão no domínio da Física. De qualquer sorte, a um Místico cabe lutar, permanentemente, não para apenas tentar a impossível faina de eliminar ou minimizar seu carma pessoal, mas, muito mais do que isso, transmutá-lo permanentemente, tendo por base o amor impessoal e incondicional. É difícil, reconheço; mas cada átomo de chumbo deverá ser alquimiado em um átomo de ouro. Quando todos os átomos de chumbo tiverem se convertido em ouro, volitivamente, esses mesmos átomos de ouro deverão ser convertidos, um a um, em..., pois a Escada da Peregrinação tem ilimitados degraus! A Vida é eterna, mas inalcançável como realização definitiva. Enfim, se tudo isso é uma só maluquice, pelo menos deveríamos pensar refletidamente no último verso do primeiro quarteto do soneto acima: Por que insistir no adharma e manchar o nosso Deus?

 

 

2. Nosso Deus = Deus de nossos Corações; Deus de nossa compreensão; Deus de nossa perpétua construção. E adharma é um vocábulo sânscrito que significa vício ou pecado; em uma palavra: ilusão.

3. Malum epistemicum = forma de mal associada à ignorância e ao falso conhecimento.

4. Malum metaphysicum = forma de mal associada à finitude humana, tanto temporal (mortalidade) quanto cognitiva (ignorância).

Websites consultados:

http://www.filosofos.com.
br/tema_etica.htm

http://www.ccel.org/
ccel/hodge/theology2.v.iv.html?bcb=0

http://www.amorcosmico.com.br/
hinduismo/conceitos/dharma.asp

http://pt.wikipedia.org/wiki/Adharma

Música de fundo:

Old Devil Moon (E. Y. Harburg & Burton Lane)

Fonte:

http://www.wtv-zone.com/jazz/rest.html