MÃE
(PITUÇA)
Rodolfo
Domenico Pizzinga
http://www.rdpizzinga.pro.br
Música
de fundo:
Uma Casa Portuguesa - Amalia Rogrigues
Fonte:
http://www.tempoesia1.hpgvip.ig.com.br
/midi/portuguesas/menu/menu1.htm
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Carmen
Lina da Silva Pizzinga
Minha mãe Pituça.
A beleza física não é eterna!
(Retoquei um pouquinho o retrato maior.
Ficou bom?) |
Cinco
de Julho:
Mil
novecentos e quarenta e seis.
Chegou
o embrulho:
Obra-de-nove-por-seis.
Aquilo
foi mesmo um desafio!
Trinta
e seis anos tinha mamãe.
Minha
vida esteve por um fio!
A
fórceps saí de minha mãe!
À
minha mãe dei trabalho,
Desassossego
e preocupação!
Mas
meu caráter nunca foi falho,
Apesar
de ter sido um toleirão.
Por
causa das dificuldades
Minha
mãe acabou lavadeira.
Ela
tinha poucas habilidades,
Mas
nunca foi alcoviteira.
Se
hoje sou o que sou,
As sapatas dela recebi.
Mamãe
nunca me poupou.
E
foi por isso que cresci.
Tivemos
nossos desencontros
E
levei muita porrada.
Maiores foram
os
encontros!
Mãe
querida, mãe amada!
Certa
vez, me ensinando inglês,
Chutou
lá uma 'virgulation".
'Virgulation'?
Em inglês?
Devia
estar de 'sacanation'.
Minha
mãe era uma figura!
Baixinha e muito corcunda*.
Não
aparentava feiúra,
Mas
tinha muito pouca bunda.
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Minha
mãe, alguns anos
antes de eu-embrulho chegar. |
Isso
também dela eu herdei,
Pois
quase não tenho bunda.
Bunda
que nunca liguei;
Dane-se
a minha bunda.
Mas
herdei coisas importantes:
Garra,
caráter, justiça e lealdade.
Não
importam os circunstantes:
Bondade
— nunca maldade.
Um
dia, sobreveio um enfisema!
Aos
pulmões causou destruição.
Mas
a doença não foi uma algema,
Pois
era forte seu coração.
Anos
padeceu minha mãe
Tossindo
quase sem parar.
O bom humor não perdeu mamãe,
E
nunca a vi se lamentar.
Velha
de fibra aquela tripeira
Que
veio lá de além-mar.
Mais
que abelha, era abelheira,
Pois
trabalhava sem parar.
Aos
oitenta e sete anos
Pituça
não resistiu.
Dentre
todos os humanos
Fui
eu quem mais sentiu.
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Minha
mãe, ainda com saúde,
com seus netos
(meus filhos, é claro!)
Adrian e Vivian. |
Se
eu tivesse que conceituar
A
irmã caçula da tia Mimi,
Sem
diminuir ou aumentar:
Mãe-Coragem-que-eu-escolhi**!
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Minha
mãe com Tia Mimi (à esquerda). |
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Tia
Mimi, Rex e Pituça. |
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Tio
Tuneca – irmão do meio
que não conheci. |
SÓ
MAIS UM POUQUINHO...
Eu
e minha mãe estávamos sempre brincando. Ela era uma fábrica
humana de ventosidades, o que dava motivo para muitas brincadeiras e
gozações em família, pois as expulsões eram
as mais variadas e se propagavam nos mais variados tons. Meus filhos
adoravam o tiroteio. Eu idem. Essas coisas eu também herdei dela:
os flatos e o excelente humor que tenho. Acho que foi por isso que dei
uma última aprontada quando ela foi passear do lado de lá.
Minha mãe foi cremada no Cemitério do Caju. No dia anterior,
tive que tomar as providências para a cremação.
Estavam comigo Blanca (minha companheira-esposa atual e última)
e Nânie (mãe dos meus filhos e minha melhor amiga). Bem,
na hora de escolher em que urna deveriam ser depositadas as cinzas,
eu disse educadamente para a funcionária do Cemitério:
— A mais barata. Minha mãe não suportava luxo.
E emendei: — Senhora: estou preocupado. Há algum
perigo de serem trocados os pozinhos? É muita gente sendo assada
aqui. A senhora sabe como é. Eu não gostaria de levar
o pó de alguém que não fosse o pó da minha
mãe pensando que era o dela. A funcionária ficou
me olhando escandalizada. Nânie e Blanca saíram da sala
e eu fiquei mais algum tempo resolvendo os últimos pormenores
com a funcionária do crematório e depois fui ao encontro
delas. Estava demorando mesmo para eu fazer uma estrepolia! Como diz
a música, só um poucochinho.
Com cara de pastel, ouvi impassível a resposta da funcionária,
que estava na dúvida se eu perguntara pra valer ou de brincadeira:
— O senhor não se preocupe. As cinzas serão
de sua mãe mesmo. Nós aqui no Cemitério não
trocamos nada. Pode ficar tranqüilo. Eu agradeci e fui embora
com a Nânie e a Blanca. Ri tanto com a estória que quase
passei mal.
NO
DIA SEGUINTE...
No
dia seguinte fui pegar as cinzas. Aí aconteceu... Foram comigo
minha filha Vivian e a Blanca. Decidi que jogaria as cinzas em um riacho
na Floresta da Tijuca. E assim foi feito. Só que na hora de jogar
as cinzas no córrego —
o que foi feito do alto de uma ponte — soprava um forte vento.
Eu não me dei conta da situação, e quando derramei
as cinzas do alto da ponte, uma parte veio direto no meu rosto. Essas
coisas só acontecem comigo e com o Robert De Niro. Mas, tenho
certeza absoluta de que minha Mãe-Coragem acompanhou toda aquela
fuzarca, e morreu de rir da minha última homenagem ao seu bom-humor:
— Há algum perigo de serem trocados os pozinhos?
CONCLUSÃO
Morre
o corpo, vibra a alma
Em
uma outra dimensão.
Mas,
tão-só a justa alma
Não
conhecerá isolação.
Se
o corpo foi o templo da alma
Em
uma dada encarnação,
Na
transição esta alma
Viverá
a grande libertação.
Pois,
a beleza não é eterna
Nem
a saúde invulnerável.
Só
se sairmos da caverna
A
vida não será abominável.
E
quem parte, de certa forma,
'Sofre'
por nossos lamentos.
Deveríamos
ter como norma
Converter
nossos sofrimentos.
Enfim,
o que é a vida?
Nada
mais, nada menos,
Do
que um reflexo da VIDA.
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Eu
em minha
Primeira Comunhão.
Cabelo cortado mais ou menos
a Príncipe Danilo! Com gumex!
Eram os anos cinqüenta!
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*
Sabem por que antigamente as
mulheres ficavam corcundas? Porque ficavam envergonhadas quando os seios
começavam a nascer e se encurvavam para escondê-los. A
postura incorreta do corpo deformava a coluna vertebral definitiva e
irreversivelmente. Minha mãe, inclusive, me contou que, no internato
de freiras em que estudou, as garotas tinham que tomar banho de camisola!!!
Naquela época tudo era feio ou pecado. Pode? Podia. E ela me
disse mais: nunca vira, nem uma única vez, meu pai nu. Então,
certa vez, lhe perguntei: — E como eu nasci? Em sua pureza,
ela respondeu: Nós fazíamos umas coisinhas!?
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Chorei o Velho Chico para fazer esta homenagem à minha Mãe-Coragem.
Bem-aventuradas as mães que inconscientemente estão a
SERVIÇO DA VIDA!
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